Diário da República n.º 23, Série II, de 2020-02-03
Acórdão n.º 767/2019, de 3 de fevereiro
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 767/2019 de 12/12
Tribunal Constitucional
Diploma
Não julga inconstitucional a norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), na formulação vigente no exercício de 2011, segundo a qual cessa a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades quando seja incluída no grupo uma sociedade que registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos
Acórdão n.º 767/2019, de 3 de fevereiro
I. Relatório
1 – A., S.A., recorrente nos presentes autos em que é recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), apresentou pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto no Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, junto do Centro de Arbitragem Administrativa, com vista à anulação da decisão de deferimento parcial de reclamação graciosa, na parte referente ao ajustamento em sede de IRC decorrente da cessação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) relativamente ao exercício de 2011, e, em consequência, a anulação da liquidação de IRC n.º 2016 8310032081, na parte em que concretiza o referido ajustamento, por considerar que a mesma enfermava de diversas ilegalidades.
Por decisão arbitral coletiva, de 13 de outubro de 2018 proferida no Processo n.º 439/2017-T, acessível a partir da ligação https://caad.org.pt/tributario/decisoes/, foi o pedido de pronúncia arbitral julgado improcedente. Para tanto, o tribunal arbitral considerou não só que as decisões concretas em causa não eram ilegais como, contrariamente ao sustentado pela requerente, ora recorrente, o regime especial ao abrigo do qual as mesmas foram proferidas «não ofende o princípio da proporcionalidade» nem «viola o princípio da tributação real».
2 – É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional ou LTC), para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC (CIRC), na redação aplicável em 2011, segundo o qual o «regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando: b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado». No entender da recorrente, esta norma, na sua redação anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, viola o «princípio da proporcionalidade, constante do[s] artigo[s] 18.º, n.º 2, e 267.º, n.º 2, da Constituição, e igualmente ínsito no princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2.º do mesmo diploma, bem como [do] princípio da tributação das empresas pelo rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição []».
3 – Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal, foram as partes notificadas para alegar, advertindo o relator, desde logo, que apenas «está em causa a apreciação da norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC, na redação aplicável em 2011, [] com referência à alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo (a situação em que uma ou mais sociedades do grupo registem «prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos»).
4 – Ambas as partes alegaram.
4.1. A recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
B. Este regime permitia a ocorrência de situações com efeitos fiscais absolutamente desproporcionais, verdadeiramente chocantes, na esfera dos contribuintes: bastava para isso um mero lapso dos contribuintes, sem qualquer potencial de beneficio significativo para os mesmos, sem que fosse possível identificar na sua conduta qualquer intuito evasivo ou de algum modo contrário ao espírito do regime, e sem que o regime incluísse a possibilidade de os contribuintes corrigirem lapsos quando caso os verificassem a posterior!.
C. O caso subjacente aos autos é um exemplo perfeito das consequências desproporcionadas da aplicação das normas em questão: o RETGS do Grupo B. (um dos maiores grupos empresariais portugueses) foi desconsiderado pela AT, com um impacto financeiro direto superior a sete milhões de euros, por causa da inclusão no perímetro do grupo fiscal, em 2011, pela primeira vez e por mero lapso, de uma pequena sociedade que havia registado prejuízos nos três exercícios anteriores a DIGISPIRIT, a qual representou nesse ano apenas 0,23% do volume de negócios total do Grupo, 0,86% da poupança fiscal gerada pela tributação em sede de RETGS e 0,01% do imposto liquidado adicionalmente após aquela desconsideração do regime em causa.
D. Esta influência absolutamente residual da DIGISPIRIT no Grupo mostra que não era possível identificar qualquer interesse significativo de poupança fiscal na inclusão da sociedade em questão no RETGS, ao ponto de se poder falar em algum intuito evasivo, fraudatório ou abusivo.
E. Assim, a alínea b) do n.º 8 do artigo 69º do Código do IRC, na redação com que foi aplicada no caso vertente no nosso caso analisada por referência à então alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo, violava o princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
F. Com efeito, conforme resulta dos autos, tratava-se de uma medida legislativa que não constituía um meio adequado a combater eficazmente os eventuais intuitos abusivos ou evasivos da utilização do RETGS, impondo efeitos restritivos excessivos, quando de resto aquele desiderato legislativo podia ser obtido por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias dos particulares.
G. Para além disso, violava também o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da lei fundamental, concretizado pelos subprincípios da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real, e concretamente analisado à luz do conceito de Igualdade proporcional construído pela jurisprudência recente do Tribunal Constitucional (isto porque o preceito em crise em contrário ao próprio espírito a razão de ser do RETGS o qual foi consagrado como uma densificação daqueles mesmos princípios).
H. Ora, foi precisamente em face dos efeitos gravosos a que facilmente conduzia, e da consequente inconstitucionalidade, que aquele regime foi alterado com a Lei da Reforma do IRC (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro): o conteúdo com o qual foi aplicado no caso vertente foi expurgado da ordem jurídica; e foi-o, note-se bem, sem que as normas revogadas tivessem sido substituídas por quaisquer outras com justificação na necessidade de prevenir abusos da aplicação do RETGS.
I. Com isto o legislador reconheceu que o regime, tal como estava em vigor antes de 2014, era totalmente desnecessário e desadequado, porque nenhuma razão de defesa do sistema, da receita tributária e da prevenção de abusos justificava a manutenção de riscos potenciais tão consideráveis para os contribuintes.
J. À luz do artigo 69º hoje em vigor, a ocorrência de alguma das circunstâncias do n.º 4 do artigo 69º do Código do IRC só determina, para todas as sociedades do grupo, a cessação do RETGS, se tal circunstância ocorrer na sociedade dominante e, de resto, o legislador deixou de ligar esse efeito de cessação ao facto de uma sociedade ter registado prejuízos fiscais nos três exercícios fiscais anteriores ao início da aplicação do regime.
K. Portanto, os efeitos desproporcionais da aplicação da norma em causa, verificados no caso que aqui se traz, não seriam possíveis.
L. A alteração legal produzida tem obviamente uma relevância central nos presentes autos, como apoio interpretativo inultrapassável sobre a validade material da solução existente antes de 2014: se o legislador a quis expurgar da ordem jurídica, é porque ela era desnecessária; e, se ela era desnecessária, os efeitos fiscais negativos que produziria eram, inevitavelmente, desprovidos de validade material.»
4.2. A AT contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:
«B) [I]mporta, desde logo, aferir da bondade da decisão que admitiu este recurso, conforme determinado pelo artigo 76º, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15.11 (LTC), pois que, salvo melhor opinião, se entende que a mesma deveria ter sido no sentido de não conhecer do objeto de recurso. []
D) A Recorrente interpôs o recurso sob análise com fundamento no artigo 70.º n.º1, alínea b) da LTC, por considerar que da decisão arbitral resulta a aplicação da norma cuja constitucionalidade foi por si suscitada, qual seja a alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC, na redação vigente no período de tributação referente ao ano de 2011.
E) A mesma questão já foi invocada junto do Tribunal Constitucional após decisão de improcedência do pedido de pronúncia arbitral, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa com o número de processo 10/2017-T, em tudo idêntico ao que ora nos ocupa, como se demonstrará.
F) Tendo sido proferida a Decisão Sumária n.º 692/2017, no âmbito do processo n.º 1003/2017, que decidiu não conhecer do objeto do recurso [e que foi posteriormente confirmada pelo Acórdão n.º 6/2018].
G) Decorrendo daquela Decisão Sumária n.º 692/2017 a seguinte fundamentação:
[]
J) Do mesmo modo, nos presentes autos, considera-se que, mais uma vez, a Recorrente não logrou suscitar a questão de inconstitucionalidade que se propõe tratar com a devida autonomia formal e substancial e adequada dimensão normativa. []
P) Ora, como decorre das alegações apresentada pela aqui Recorrente ao longo do processo em que foi proferida a decisão recorrida a divergência foi sempre centrada na decisão em concreto, não apresentando razões (descoladas da concreta situação fáctica) que permitam concluir que foi suscitada válida e previamente uma questão de conformidade de uma norma com a Lei Fundamental. []
R) Também nos autos recorridos a questão foi (desde sempre), colocada com foco nos contornos fácticos da situação, discutindo-se ao longo da petição inicial a conformidade da decisão da Administração com os princípios constitucionais.
S) Bem assim, nas alegações apresentadas nos presentes autos contesta-se a conformidade da decisão arbitral recorrida com os referidos princípios.
T) Pelo que, urge concluir pela (evidente) falta do fundamento normativo do recurso.
[]
V) Em suma, o recurso de constitucionalidade é, no nosso país, um instrumento de fiscalização de constitucionalidade de normas jurídicas, ainda que interpretadas num determinado sentido, impendendo sobre a Recorrente o ónus da suscitação prévia, de forma adequada, perante o tribunal a quo. de uma questão de inconstitucionalidade de uma norma ou critério normativo.
W) Tal é pressuposto de admissibilidade do recurso, determinando a sua falta falta que se evidencia nos presentes autos a impossibilidade de esse Venerando Tribunal conhecer do mérito do mesmo.
X) Consequentemente, qualquer decisão que o Tribunal Constitucional possa proferir, nos presentes autos, sobre a questão de constitucionalidade suscitada, revelar-se-á inútil, uma vez que não afetará o conteúdo do decidido substantivamente pelo tribunal arbitral [].
Y) Concluindo, a decisão arbitral recorrida não aplicou a norma arguida como inconstitucional como ratio decidendi no julgamento do caso. []
AA) No entanto, sem conceder sempre se dirá que, mesmo que seja de admitir o presente recurso (o que se concebe apenas por cautela e dever de representação), ainda assim a pretensão da Recorrente é manifestamente improcedente.
BB) Como decorre do teor das alegações, a Recorrente está ciente que, face à letra da lei no exercício de 2011, outro não poderia ser o desfecho da ação arbitral que não a improcedência total do pedido arbitral.
CC) Ainda assim, invoca a violação do princípio da proporcionalidade, sem que, contudo, lhe assista razão [referindo, depois, excertos da decisão recorrida (e de outras decisões nesta citadas ou transcritas), com particular destaque para o seguinte remate:
GG) Pelo contrário terá necessariamente que se veicular o entendimento segundo o qual qualquer interpretação que não aplicasse a norma constante do artigo 69º do CIRC, tendo subjacente a assunção de que tal norma incorreria em violação do princípio da proporcionalidade, proibida nos termos da Constituição da República Portuguesa, seria, consequentemente, inconstitucional,
HH) Ou tendo subjacente a assunção de que tal norma incorreria em violação do princípio da tributação do rendimento real, proibida pela Constituição da República Portuguesa, seria inconstitucional.
[]
LL) Como é bom de ver, as normas do art. 69º do CIRC estabelecem a sanção aplicável no caso: à verificação do incumprimento dos requisitos necessários à aplicação do regime (especial mais benéfico e dependente de opção), a lei associa uma consequência ao nível do Direito Tributário: a tributação de cada uma das sociedades segundo as normas gerais, por força da impossibilidade de aplicação do regime especial de grupos.
MM) Assim, admitir a não associação da consequência à verificação da previsão legal é afrontar o princípio da legalidade tributária. []
XX) Necessariamente, em face do exposto, não se concebe, igualmente, a alegada existência da violação do princípio da igualdade perpetrado pela recorrente, na medida em que não se verifica. []
JJJ) A luz do que ficou exposto, impõe-se determinar se as escolhas subjacentes ao regime estatuída na alínea b), do n.º 8, do artigo 69.º do CIRC, na redação conferida no período de tributação do ano de 2011, efetuada dentro da margem de liberdade de conformação legislativa, fere a Constituição nos termos alegados pela Recorrente. []
MMM) Ora, quanta aos princípios subjacentes a tributação dos grupos de sociedades, refere-se no Ac. do TCA Sul, de 17/04/12, proferido no âmbito do Proc. n.º 5315/12, reportando-se sempre à doutrina expendida por Gonçalo Avelãs Nunes, in Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em sede de IRC, Almedina 2001, []
PPP) Ora, dado que os objetivos do RETGS e os princípios em que se inscrevem as suas características básicas se prendem essencialmente com a determinação da matéria coletável do conjunto das sociedades que formam o grupo, o legislador preocupou-se, entre outros aspetos relativos à situação tributária das sociedades e no que aos presentes autos aproveita, em determinar, as condições de aplicação do referido regime.
QQQ) A interpretação defendida pela Recorrente ignora por completo as condições de aplicação do regime conduzindo a uma interpretação desconforme e violadora dos princípios e das disposições legais que enformam o mesmo.
RRR) Importa aqui salientar que o RETGS, com a configuração que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 dezembro, apresenta como principal vantagem a transmissibilidade dos prejuízos fiscais entre as sociedades que integram o perímetro do grupo, devendo esta vantagem passar pela apreciação da Administração Fiscal.
SSS) Tal vantagem constitui uma derrogação a um dos princípios básicos em que assenta o regime-regra de reporte dos prejuízos fiscais, consagrado no artigo 52.º do Código do IRC, que se traduz no princípio da identidade jurídica, segundo o qual a entidade que apura o prejuízo fiscal é aquela que adquire o direito à sua dedução em exercícios futuros.
TTT) Pois bem, ao estabelecer um regime fiscal especial para os grupos de sociedades mais favorável que o regime-regra, em matéria de dedução dos prejuízos fiscais, justificado em motivações extrafiscais que tinham a ver com o reforço e a promoção dos grupos empresariais no tecido económico nacional, o legislador cuidou de definir os seus contornos, em termos de requisites delimitadores do perímetro do grupo e das condições para a sua concessão.
UUU) Daí que, mesmo com a previsão de um leque mais vasto de possibilidades de dedução de prejuízos fiscais em casos de alterações do perímetro dos grupos, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16/01, o legislador subordinou, nos n.ºs 3, 4 e 5 do artº 71.º do Código do IRC, a dedução dos prejuízos fiscais acumulados pelos grupos pré-existentes, ao crivo de uma autorização dependente do reconhecimento do interesse económico da operação ou operações que induziram as alterações à composição do grupo.
VVV) Importa aqui identificar duas situações distintas. Uma primeira que tem a ver com as condições de aplicação do REGTS. E uma outra situação que se prende com o regime da dedução de prejuízos fiscais de exercícios anteriores quando haja mudança de sociedade dominante.
WWW) Esta destrinça é importante, porquanto apenas a segunda situação carece de requerimento a apresentar junto da AT, a quem caberá verificar a existência de reconhecido interesse económico, para que haja lugar à dedução de prejuízos.
XXX) Todavia, a cessação do regime especial no caso da verificação do incumprimento dos requisitas, como acontece in casu, sem que a sociedade dominante houvesse procedido à sua exclusão, como lhe incumbia, decorre linearmente da lei.
YYY) Assim, o que a Recorrente pretende é a desaplicação casuística da sano legalmente imposta, pretensão que não tem o mínimo acolhimento legal.
ZZZ) Importa aqui reter que o art.º 69.º determina taxativamente que o regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;
AAAA) Encontrando-se a Recorrente ciente das consequências do incumprimento das condições legais estabelecidas pelo regime em causa.
BBBB) Tanto que, a obrigação de verificar e provar o cumprimento dos requisitos, conforme dita o n.º 12 do artigo 69.º do CIRC, está na esfera da sociedade dominante.
CCCC) Na situação concreta, a Recorrente deveria ter verificado e acautelado a sua situação tributária, como lhe incumbia, e, mormente, à sociedade dominante, mas não o fez.
DDDD) A jurisprudência emanada dos tribunais superiores da jurisdição estadual também não permite qualquer margem para dúvidas, decorrendo claramente da lei que a consequência decorrente da não verificação das condições cumulativas é a cessação da aplicação do regime especial, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. n.º 0256/12, em 03/12/2014, assim como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, prolatado no proc. n.º 00065/11.0BEBRG, em 05/12/2016.
EEEE) Deste modo, falecem todos os argumentos invocados pela Recorrente quanto à alegada violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da tributação do rendimento real. []
NNNN) [N]o douto acórdão prolatado no proc. 10/2017-T, no qual se baseou a decisão arbitral subjacente aos presentes autos considerou-se:
Pode até convocar-se o princípio da proporcionalidade que resulta da Constituição e a consequente análise deste, à luz do regime legal que resulta do disposto no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC por forma a ajuizar da conformidade constitucional deste preceito.
Acontece que esse regime legal, previsto no CIRC, visa justamente efetivar e potenciar a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal.
A imposição da sanção foi elaborada pelo legislador, em termos gerais e abstratos, estatuindo que a verificação do incumprimento das condições previstas tem, como consequência, a cessação da aplicação do regime especial e a inerente aplicação das normas gerais de tributação a cada sociedade.
A não ser assim, e se acaso a lei permitisse a aplicação, a casos concretos, de alguma ponderação, teria de se encontrar o critério ou os critérios que autorizariam a administração fiscal a desaplicar a lei ou a aplica-la de forma ponderada, o que colocaria necessariamente em crise o princípio da legalidade tributária.
Dito de outra forma, a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades pode decorrer do incumprimento, por uma ou várias sociedades menos relevantes, financeiramente, no contexto do grupo ou do incumprimento por uma ou várias sociedades muito relevantes financeiramente.
O legislador fiscal, ao determinar regras claras e objetivas para a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, como aquelas que constam do artigo 69.º, n.ºs 4; 8 e 9 do CIRC, facilmente compreensíveis e até antecipáveis no contexto do planeamento fiscal, não ofendeu o princípio da proporcionalidade que se extrai da Constituição.
OOOO) Assim, não ocorre qualquer ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois a cessação da aplicação do regime especial é simplesmente decorrência da aplicação da lei, à qual tanto a Administração como os Tribunais devem obediência. []
QQQQ) Ademais, diga-se que a cessação da aplicação do RETGS conduz à tributação de cada sociedade do grupo individualmente, nos termos gerais.
RRRR) Portanto, de forma tão proporcional como qualquer outra sociedade que, por opção própria ou por não cumprimento dos requisitos legais, não seja tributada segundo este regime especial.
SSSS) Igualmente não é ofendido o princípio da tributação do rendimento real, como é mencionado no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º139/2016, citando o acórdão do mesmo Tribunal n.º 753/14.
TTTT) Por outro lado, quanto ao princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, refira-se que em nada este sai beliscado, no caso dos autos, pois que a norma constitucional introduz um elemento moderador, o advérbio «fundamentalmente».
[]
VVVV) [É] manifesto que a Recorrente poderia ter garantido a sua tributação de acordo com o rendimento real que alega ter tido.
WWWW) O que poderia ter feito caso houvesse retratado fidedignamente a situação tributária da DIGISPIRIT na declaração periódica relativa à mesma sociedade, em tempo, previamente a ser descoberta a desconformidade da situação por parte da administração fiscal.
XXXX) Não o tendo feito, bem andou a administração fiscal em proceder às liquidações adicionais.
YYYY) Como, aliás, julgou o douto Tribunal no proc. 10/2017-T, tendo o acórdão proferido no processo n.º 439/2017-T seguido o mesmo entendimento:
Entende-se que este princípio não é ofendido. (…)
Pode assim concluir-se que a opção tomada pelo legislador no CIRC e, em particular, no artigo 69º, encontra inscrição na margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional uma vez que tem o propósito de criar regras jurídicas precisas e rigorosas, adequadas ao princípio da certeza e segurança jurídica que devem igualmente nortear o legislador fiscal, e que, como tal, podem facilmente ser interpretadas e cumpridas pelo contribuinte o que, no caso em apreço, não terá sucedido.
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
5 – Preliminarmente, importa começar por responder às dúvidas suscitadas pela recorrida nas primeiras 26 conclusões das suas contra-alegações quanto à admissibilidade do presente recurso, em especial no que se refere à ilegitimidade da recorrente, à inidoneidade do objeto e à inutilidade do próprio recurso (v, em particular, e respetivamente, as conclusões J), T) e Y)).
Nas alegações que apresentou junto do tribunal a quo a peça processual relevante para dar cumprimento ao estatuído no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, a recorrente incluiu uma secção epigrafada «Da inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º do IRC (na formulação vigente em 2011)», que integra os n.ºs 357.º a 456.º. Aí a recorrente explica as razões por que considera excessiva quer a aplicação ao caso da norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do CIRC (v.g. n.ºs 361.º-362.º), quer a própria norma na sua consagração legal (v.g. n.ºs 374.º, 404.º-407.º ou 412.º, entre outros). E, no n.º 430.º, pode ler-se:
Esta alegação de inconstitucionalidade é depois fundamentada nos números subsequentes e reiterada a final, no n.º 456.º.
Quanto à ratio decidendi, verifica-se que a segunda parte da decisão ora recorrida, sob a epígrafe «Da violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da tributação do rendimento real», responde às alegações de inconstitucionalidade no duplo plano, concreto e normativo, em que a então requerente colocara a questão. Por essa razão, e na parte que interessa à verificação da utilidade do presente recurso, o tribunal a quo afirma, por um lado que as decisões impugnadas (deferimento parcial da reclamação graciosa e liquidação concretizadora do ajustamento decorrente da não aplicação às sociedades que integram o Grupo B. do RETGS), eram legalmente determinadas não consentindo qualquer tipo de apreciação discricionária, e, por outro lado, que as determinações legais em causa a cessação da aplicação do citado Regime, verificadas certas condições, que se reconduzem à norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do CIRC, na redação aplicável em 2011, com referência à alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo não violam nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da tributação do rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da Constituição).
É neste contexto que no requerimento de interposição de recurso surge a indicação, como objeto respetivo, da norma do «artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC, na formulação vigente no exercício de 2011, ao qual se reporta a factualidade relevante nos autos». Aí refere-se igualmente que tal norma foi «revogada com a reforma da tributação das sociedades operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro». Na verdade, o artigo 2.º dessa Lei reformulou o mencionado artigo 69.º e, relativamente ao seu n.º 8 (cessação da aplicação do RETGS em determinados casos), modificou a alínea b): onde antes se previa a cessação da aplicação do RETGS quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual está a ser ou pretende ser aplicado; passou a prever-se tal cessação, caso se verifique alguma das situações referidas nas alíneas a), b), d) ou g) do n.º 4 relativamente à sociedade dominante.
Atendendo a resultar evidente dos autos, desde o pedido de pronúncia arbitral, qual a norma concretamente em causa, considerou o relator desnecessário e até inconveniente proferir um despacho-convite tendo em vista esclarecer o que já deveria ser claro para todos os interessados. Daí a opção de mandar notificar as partes para alegações, advertindo, desde logo, que na referência ao n.º 4 contido na alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º, na redação aplicável ao exercício de 2011, se iria considerar apenas a alínea c) daquele primeiro número: não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: c) registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos.
6 – Em suma, improcedem as objeções da recorrida quanto à admissibilidade do presente recurso, que respeita à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC, na formulação vigente no exercício de 2011, segundo a qual cessa a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades quando seja incluída no grupo uma sociedade que registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos.
7 – Este Tribunal, no seu Acórdão n.º 430/2016 (acessível, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), teve já oportunidade de apreciar o sentido e alcance do RETGS, especialmente no que se refere ao respetivo caráter especial e facultativo (v. o respetivo n.º 8).
Recordando o que então se afirmou, dir-se-á que, «constituindo a empresa a célula básica do sistema económico, desde as empresas individuais, tituladas e exploradas por pessoas singulares (o comerciante) até às empresas coletivas ou societárias, exploradas por uma pessoa moral ou jurídica (a sociedade comercial ou empresa societária), representou o aparecimento dos grupos de sociedades uma transformação das estruturas económicas e organizativas a que o direito não se mostrou indiferente». Com efeito, o «grupo de sociedades, suplantando as tradicionais formas de empresa individual (regulada pelo Direito Comercial) e da empresa unissocietária (regulada pelo Direito das Sociedades Comerciais), constitui, assim, uma técnica jurídica alternativa de organização da empresa moderna pela qual um conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais juridicamente independentes é submetido a uma direção económica unitária e comum exercida por uma delas (dita sociedade-mãe) sobre as restantes (sociedades-filhas) (JOSÉ A. ENGRÁCIA ANTUNES, A Aquisição Tendente do Domínio Total Da Sua Constitucionalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, pp. 13-14 e Os Grupos de Sociedades Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária, cit., p. 42 e pp. 113 e seguintes)».
«A caracterização desta nova forma organizativa (grupo de sociedades ou empresa plurissocietária) assenta, pois, simultaneamente, na autonomia jurídica das sociedades comerciais que a compõem e na subordinação de todas a uma direção económica unitária. A independência jurídica reside na manutenção da autonomia patrimonial e organizativa de cada empresa, enquanto, no plano económico, há uma submissão das empresas à estratégia e ao interesse do grupo.»
«Ora, esta (nova) realidade encontrou cedo expressão no ordenamento jurídico português, constituindo um importante objeto de regulação (e de interesse) de vários ramos do Direito, designadamente, do Direito Societário (relevando em especial o Título VI do Código das Sociedades Comerciais (CSC) relativo a «Sociedades coligadas»), do Direito da Concorrência (no plano nacional e da União Europeia), do Direito Laboral e do Direito Contabilístico e Fiscal.»
«O Direito Tributário trouxe a possibilidade de os grupos de sociedades, verificados certos requisitos, serem considerados como uma unidade fiscal para efeitos de apuramento dos impostos sobre o rendimento (hoje, IRC).»
«Existindo variados modelos de tributação dos grupos de sociedades, optou o legislador nacional primeiramente por um regime de tributação pelo lucro consolidado, por via da publicação do Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de dezembro cujo preâmbulo veio reconhecer os grupos societários como uma realidade jurídico-tributária autónoma.»
«Já na vigência do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) originariamente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e sucessivas alterações), este modelo de tributação viria a ser substituído pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, que, procedendo à alteração daquele Código, consagra um novo regime de tributação dos grupos de sociedades: o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), que traz significativas alterações ao regime anterior já que, para efeitos do apuramento do IRC, veio desconsiderar as regras de consolidação de contas, procurando uma maior simplicidade na sua aplicação, passando de um modelo de tributação do lucro consolidado para um sistema que agrega as contas das sociedades, obtendo-se um lucro tributável do grupo. O RETGS foi, pois, criado para o cálculo e aplicação do IRC, enquanto regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo.»
8 – O RETGS consta dos artigos 69.º a 71.º do CIRC, que, na versão aqui aplicável resultante das Leis n.ºs 30-G/2000, de 29 de dezembro, e 109-B/2001, de 29 de dezembro, e da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho estatuíam o seguinte:
Âmbito e condições de aplicação
1 Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo.
2 Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, direta ou indiretamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.
3 A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
4 Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
a) Estejam inativas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;
b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da ação;
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;
d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;
e) Adotem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;
f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90% seja obtido indiretamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo;
g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por ações, salvo o disposto no n.º 10.
5 O requisito temporal referido na alínea b) do n.º 3 não é aplicável quando se trate de sociedades constituídas pela sociedade dominante há menos de um ano, sendo relevante para a contagem daquele prazo, bem como do previsto na alínea c) do n.º 4, nos casos em que a participação tiver sido adquirida no âmbito de processo de fusão, cisão ou entrada de ativos, o período durante o qual a participação tiver permanecido na titularidade das sociedades fundidas, cindidas ou da sociedade contribuidora, respetivamente.
6 Quando a participação é detida de forma indireta, a percentagem de participação efetiva é obtida pelo processo da multiplicação sucessiva das percentagens de participação em cada um dos níveis e, havendo participações numa sociedade detidas de forma direta e indireta, a percentagem de participação efetiva resulta da soma das percentagens das participações.
7 A opção mencionada no n.º 1 e as alterações a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 8, bem como a renúncia ou a cessação da aplicação deste regime devem ser comunicadas à Direcção-Geral dos Impostos pela sociedade dominante através do envio, por transmissão eletrónica de dados, da competente declaração prevista no artigo 118.º, nos seguintes prazos:
a) No caso de opção pela aplicação deste regime, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação;
b) No caso de alterações na composição do grupo:
ii) Até ao fim do 3.º mês do período de tributação seguinte àquele em que ocorra a saída de sociedades do grupo ou outras alterações nos termos da alínea e) do n.º 8;
c) No caso de renúncia, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende renunciar à aplicação do regime;
d) No caso de cessação, até ao fim do 3.º mês do período de tributação seguinte àquele em que deixem de se verificar as condições de aplicação do regime a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 8.
8 O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:
a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos n.ºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);
b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respetiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;
c) O lucro tributável de qualquer das sociedades do grupo seja determinado com recurso à aplicação de métodos indiretos;
d) Ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efetuada a respetiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7;
e) Ocorra a saída de sociedades do grupo por alienação da participação ou por incumprimento das demais condições, ou outras alterações na composição do grupo motivadas nomeadamente por fusões ou cisões, sempre que a sociedade dominante não opte pela continuidade do regime em relação às demais sociedades do grupo, mediante o envio da respetiva comunicação nos termos e prazo previstos no n.º 7.
9 Os efeitos da renúncia ou da cessação deste regime reportam-se:
a) Ao final do período de tributação anterior àquele em que foi comunicada a renúncia à aplicação deste regime nos termos e prazo previstos no n.º 7;
b) Ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a inclusão de novas sociedades nos termos da alínea d) do n.º 8 ou ao final do período de tributação anterior àquele em que deveria ser comunicada a continuidade do regime nos termos da alínea e) daquele número;
c) Ao final do período de tributação anterior ao da verificação dos factos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 8.
10 As entidades públicas empresariais, que satisfaçam os requisitos relativos à qualidade de sociedade dominante exigidos pelo presente artigo, podem optar pela aplicação deste regime ao respetivo grupo.» (itálicos acrescentados)
Determinação do lucro tributável do grupo
1 Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
2 [Revogado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, com efeitos a partir do período de tributação que se inicia após 31 de dezembro de 2010]»
Regime específico de dedução de prejuízos fiscais
1 Quando seja aplicável o regime estabelecido no artigo 69.º, na dedução de prejuízos fiscais prevista no artigo 52.º, observa-se ainda o seguinte:
a) Os prejuízos das sociedades do grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam;
b) Os prejuízos fiscais do grupo apurados em cada período de tributação em que seja aplicado o regime só podem ser deduzidos aos lucros tributáveis do grupo;
c) Terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respetivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os períodos de tributação em que o regime se aplicou, podendo, porém, ainda ser deduzidos, nos termos e condições do n.º 1 do artigo 52.º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável do grupo;
d) Quando houver continuidade de aplicação do regime após a saída de uma ou mais sociedades do grupo, extingue-se o direito à dedução da quota-parte dos prejuízos fiscais respeitantes àquelas sociedades.
2 Quando, durante a aplicação do regime, haja lugar a fusões entre sociedades do grupo ou uma sociedade incorpore uma ou mais sociedades não pertencentes ao grupo, os prejuízos das sociedades fundidas verificados em períodos de tributação anteriores ao do início do regime podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da nova sociedade ou da sociedade incorporante, desde que seja obtida a autorização prevista no artigo 75.º
3 Na dedução dos prejuízos fiscais devem ser primeiramente deduzidos os apurados há mais tempo.»
Retomando a análise desenvolvida no Acórdão n.º 430/2016, trata-se de «um regime especial e facultativo de tributação de grupos de sociedades. Com efeito, o regime não é de aplicação obrigatória, permitindo-se aos grupos de sociedades que optem pelo sistema de tributação nele contido, desde que cumpridos os requisitos exigidos. A lei estabelece que, existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo (n.º 1 do artigo 69.º).»
A especificidade do regime em apreço reside na consideração do grupo de sociedades, tal como definido no artigo 69.º, n.º 2, como a unidade fiscal relevante quer para a determinação do lucro tributável (artigo 70.º, n.º 1), quer para a aplicação de um regime específico de dedução dos prejuízos fiscais (artigo 71.º). Como se sintetizou no acórdão do TCA Sul, de 17 de abril de 2012 (P. 5315/12) referido por ambas as partes nas respetivas alegações (cfr. os pontos 95-97 das alegações do recorrente; e os pontos 73-74 e as conclusões MMM) e NNN) das contra-alegações e acessível a partir da ligação http://www.dgsi.pt/jtca.nsf?OpenDatabase):
O grupo de sociedades resulta de uma evolução natural e necessária das empresas, em face de condições de mercado cada vez mais complexas e competitivas, com vista a melhor exercerem a sua atividade, justificando-se que uma determinada sociedade opte por criar ou adquirir outra ou outras sociedades em detrimento de sistemas clássicos de crescimento, caracterizados pela criação de departamentos ou sucursais. Em face desta emergente realidade, torna-se legítimo para o legislador fiscal optar por um regime próprio de tributação, aplicável a grupos que assumam certas características e particularidades legalmente definidas, abstraindo-se da individualidade jurídica de cada uma das entidades que constituem o grupo e promovendo a sua tributação apenas como uma unidade. Assim, a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento encontra-se fundamentada, num primeiro momento, no princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da atividade empresarial, na medida em que se defende que o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da estrutura organizativa e da forma assumida pelas empresas no exercício da sua atividade. Visa-se, por este meio, que as soluções assumidas em matéria fiscal não condicionem as formas jurídicas adotadas pelas empresas, aproximando a otimização dos lucros e as vantagens do investimento empresarial com os desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal. Nesse sentido, justifica-se que, ao nível do grupo empresarial, seja dado o mesmo tratamento fiscal, em matérias de operações internas do grupo e de compensação de resultados negativos das sociedades integrantes, o qual se encontra reservado para as operações realizadas entre os vários sectores da mesma entidade jurídica. Em certos casos, o respeito pelo princípio da neutralidade do imposto só se consegue através de um regime de consolidação dos resultados, o qual derroga o princípio da personalidade do imposto e assim elimina as desvantagens da não neutralidade da tributação separada das sociedades pertencentes ao grupo (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, ob. cit., pág.45 e seg.).
A justificação desta figura jurídica e seu regime legal assenta, ainda, na defesa do princípio da capacidade contributiva como concretização do princípio da igualdade, na medida em que estes se apresentam como os limites das opções do legislador na estruturação do regime jurídico-fiscal aplicável ao grupo de sociedades, designadamente, em matéria de definição dos deveres inerentes à relação jurídica fiscal e de identificação e distribuição da responsabilidade fiscal no seio do grupo. A eliminação da dupla tributação económica dos dividendos surge, igualmente, como fundamento legitimador, cuja total concretização advém do apuramento de um único resultado tributável e de uma só liquidação, bem como da admissibilidade de compensação de perdas entre as sociedades integradas no grupo. A introdução do regime do grupo de sociedades deve desincentivar, igualmente, o recurso a meios fraudulentos de evasão fiscal no seio do mesmo, neutralizando as eventuais vantagens decorrentes do recurso às técnicas dos preços de transferência ou da subcapitalização, bem como potencia a atividade económica das empresas sem que esteja em causa o combate à concorrência fiscal prejudicial. Em igual medida, tal regime jurídico preserva o princípio da liberdade de empresa (cfr.art.80, al. c), da Constituição da República Portuguesa), na vertente da liberdade de organização empresarial, devendo o legislador abster-se de introduzir obstáculos ou restrições injustificadas de natureza fiscal que contendam com o direito de livre organização empresarial, na opção por um grupo de sociedades. Atento o exposto, este regime jurídico apresenta, como vantagens fundamentais:
a) a possibilidade de adoção da forma societária mais adequada ao mercado, eliminando as desvantagens da não neutralidade da tributação separada de sociedades;
b) uma maior transparência e visibilidade dos fluxos entre as sociedades do grupo, os quais serão fiscalmente irrelevantes, afastando as vantagens de métodos evasivos;
c) a tributação conjunta faculta à A. Fiscal e à própria sociedade-dominante uma visão conjunta e mais aproximada da verdadeira situação financeira e patrimonial e da capacidade contributiva da unidade empresarial que constitui o grupo de sociedades;
d) por último, este regime de tributação constitui um instrumento útil, válido e adequado de apoio à reestruturação empresarial e de promoção da competitividade, mesmo a nível internacional (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, ob. cit., pág.50 e seg.).
Na teorização que desenvolve, a doutrina releva que os regimes de tributação dos grupos de sociedades se caracterizam, regra geral, por instituírem um procedimento que, em maior ou menor grau, abstrai da autonomia jurídica das entidades que integram os grupos e permite que, de alguma forma, a unidade formada pelas sociedades que constituem o grupo se reflita nas operações de quantificação e liquidação, instituindo mecanismos de apuramento conjunto da matéria tributária ou, simplesmente, permitindo a compensação de resultados entre as várias sociedades. Adotada por diversos sistemas jurídicos da União Europeia e, especialmente, por Portugal, o regime jurídico-fiscal do grupo de sociedades funda-se na denominada teoria da unidade, na qual se pugna pela consideração, para efeitos fiscais, do grupo de sociedades como uma unidade jurídica fictícia, deixando as sociedades integradas de ser sujeitos jurídicos diferentes, fruto da unidade económica que as congrega. Nesse sentido, a matéria coletável deve ser calculada de forma conjunta, dando lugar a uma única liquidação e eliminando a dupla tributação, sendo a respetiva base tributável apurada com recurso a dois tipos de operações, a saber:
a) a eliminação das operações internas realizadas no seio do grupo, só relevando as praticadas com terceiras entidades;
b) a compensação de perdas das várias sociedades componentes do grupo.
Em resultado da liquidação única, a tributação do grupo de sociedades gera apenas uma dívida tributária, cabendo à sociedade-dominante o dever de apresentação da declaração conjunta de rendimentos, na qual apura o resultado unitário a partir da matéria tributável apurada em conjunto, de acordo com as regras específicas aplicáveis aos grupos de sociedades. Importa, ainda, referir que este regime jurídico-fiscal é de aplicação voluntária, assumindo a sociedade-dominante o poder decisório de optar pela aplicabilidade do mesmo (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, ob. cit., pág.61 e seg.).
O legislador não assumiu, em concreto, uma definição específica de grupo de sociedades, embora preveja (cfr. artº.63, n.ºs.2 e 3, do C.I.R.C. [antes da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho]) a concretização do perímetro de consolidação ao critério da sociedade-dominante deter o domínio total do capital social das demais sociedades integradas no grupo, na previsão do denominado grupo de domínio total, igualmente consagrado nos artºs.488 a 491, do C. S. Comerciais. Assim, o nível de integração entre as sociedades do grupo tem de ser especialmente intenso, para que o mesmo seja fiscalmente elegível, devendo apresentar-se como um grupo fortemente integrado, centralizado, estruturado e hierarquizado, no qual existam elevados níveis de participação no capital das várias sociedades-dominadas por parte da sociedade-dominante (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, ob. cit., pág.74 e seg.).
A realidade unitária fiscal que caracteriza o grupo de sociedades não coloca em crise a estrutura da relação jurídico-fiscal que se encontra subjacente às personalidades jurídicas de cada uma das sociedades componentes do grupo, as quais permanecem na posição jurídica de contribuintes (enquanto entidades que realizam o pressuposto de facto e que vão ver o seu rendimento tributado), não obstante a tributação dos seus rendimentos ser realizada conjuntamente e em observação dos encargos globalmente suportados, nos termos dos princípios que fundamentam este regime específico. Atenta a previsão do citado artº.63, do C.I.R.C., e a sua sistematização no diploma em apreço, as respetivas normas apenas têm eficácia em sede de regras de apuramento da matéria tributável, não alterando nem definindo nenhuma nova situação ou posição subjetiva passiva por parte do grupo, pelo que a doutrina defende não poder este assumir o cariz de contribuinte ou de sujeito passivo stricto sensu. Neste sentido, o regime de tributação do lucro consolidado pode definir-se como consistindo num mero método de quantificação da matéria tributável das várias sociedades que integram o grupo, método segundo o qual, partindo-se do resultado individual de cada uma das sociedades, determinado de acordo com a regras gerais, se procede às devidas correções, em resultado, designadamente, da eliminação das operações internas do grupo conforme mencionado supra, e se efetua a soma algébrica desses resultados corrigidos, quantificando-se a matéria tributável do grupo de sociedades, e procedendo-se, por fim, à liquidação e às deduções à coleta que tiverem lugar (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, ob.cit., pág.89 e seg.).
Evidencia-se, ainda que, em consequência da previsão normativa inserta no artº.107, do C.I.R.C., na definição da responsabilidade fiscal dos entes integrados no grupo de sociedades, o legislador fiscal consagrou que a sociedade-dominante se assume como devedora principal e originária da prestação tributária devida pelo grupo, sendo as sociedades-dominadas subsidiariamente responsáveis em relação ao devedor principal e solidariamente entre si. Como consequência do acabado de mencionar, cabe exclusivamente à sociedade-dominante, nos termos do artº.112, n.º.6, do C.I.R.C., o dever de entregar a declaração periódica referente aos rendimentos do grupo, cuja quantificação e apuramento vai obedecer às regras específicas do regime de tributação do lucro consolidado, bem como as declarações periódicas individuais de cada sociedade pertencente ao grupo, elaboradas de acordo com as regras gerais de apuramento da matéria tributável em sede de I.R.C. No entanto, as declarações individuais de rendimentos das sociedades constituintes dos grupos tributados sob o regime de consolidação não dão origem a liquidações diretas de I.R.C., antes tendo fins meramente estatísticos e de análise sectorial dos respetivos elementos, sendo que todas as correções que sobre as mesmas recaiam produzem efeitos na declaração de rendimentos do grupo (cfr. Gonçalo Avelãs Nunes, ob. cit., pág.114 e seg.).»
9 – A previsão pelo legislador deste regime especial de tributação obedece, assim, a objetivos fiscais e extrafiscais, competindo ao legislador fixar os requisitos positivos e negativos em que é permitido às empresas optarem por tal regime.
Por outro lado, tratando-se de um regime fiscal mais favorável e de adesão facultativa, natural é também que o legislador se empenhe em salvaguardar a igualdade entre as diferentes empresas (ou grupos empresariais) no tocante à possibilidade de beneficiarem do mesmo. Essa é especificamente a função das estatuições contempladas no n.º 8 do artigo 69.º em que a norma ora sindicada se insere. Com efeito, não pode beneficiar da solução legal mais favorável quem não reúna, a todo o tempo, as condições de a ela aceder. Ou seja, se não pode optar pela aplicação do RETGS o grupo de sociedades de que façam parte sociedades dominadas que «registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos»; sob pena de criação de uma desigualdade injustificada, o mesmo regime também não pode ser aplicado a um grupo do qual, a partir de determinado momento, passe a fazer parte uma sociedade nessas condições. Compreende-se, por isso, o entendimento firmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de dezembro de 2014 (P. 256/12), citado na decisão recorrida:
As disposições do referido artigo 69.º, n.º 8, entre as quais se inclui a norma ora sindicada, constituem, deste modo, uma garantia de que o REGS se aplique apenas às empresas (grupos empresariais) que reúnam as condições legalmente exigidas para o efeito (nesse sentido, v. também a decisão recorrida, citando a decisão arbitral, de 3 de setembro de 2017, proferida no Processo 10/2017-T: o regime legal contido no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9, do CIRC, «visa justamente efetivar e potenciar a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal»).
A definição mediante regras claras e objetivas das condições de aplicação do RETGS opção pela aplicação, renúncia ou cessação da aplicação, além de representar uma garantia de igualdade de tratamento dos grupos empresariais, tornam este regime especial e favorável de tributação transparente, facilmente compreensível e antecipável no contexto do planeamento fiscal (o que, de resto, e bem, também é reconhecido na decisão recorrida).
10 – Em si mesmo considerado, o RETGS não é constitucionalmente imposto. Aliás, as partes nada alegam nesse sentido nem contra o simples caráter facultativo da aplicabilidade do mesmo. Trata-se, diferentemente, de uma decisão legislativa em vista de fins de política fiscal e de política económica, no sentido de proporcionar um regime especial de tributação de empresas que reúnam determinadas condições e que desejem ser tributadas em sede de IRC de acordo com o mesmo. Daí que também na fixação dos mencionados requisitos de aplicabilidade do RETGS designadamente dos que constam dos n.ºs 3, 4 e 8 do artigo 69.º acima transcrito o legislador goze de um amplo espaço de liberdade.
Por isso mesmo, e tal como referido na decisão recorrida, a «alteração superveniente ao regime jurídico aplicável [] com a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, [] ainda que inclua normas revogatórias, não importa nem desta resulta da sua exposição de motivos qualquer questão sobre a inconstitucionalidade do regime anterior, e aplicável ao caso qualquer aceitação que o regime até então vigente padece de qualquer vício, mormente de violação de qualquer princípio enformador da lei fundamental.»
O caráter opcional da consagração legal de um regime deste tipo afasta também, e desde logo, a censura da norma em apreciação à luz do princípio da tributação pelo lucro real (sobre este, cfr. o Acórdão n.º 753/2014, n.º 3). Com efeito, a não aplicabilidade do RETGS tem como consequência a sujeição das sociedades ao regime comum do IRC e, em relação a este, nada vem alegado no sentido de o mesmo violar o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição. Ou seja, a norma sindicada, per se, não constitui um obstáculo à observância de tal princípio.
Por outro lado, o caráter geral e abstrato, das regras do RETGS a respetiva universalidade, uma vez observados os pressupostos da sua aplicabilidade assegura que este regime, ao permitir um tratamento fiscal diferenciado de certas realidades empresariais que por sua vez também se destacam materialmente da generalidade das empresas, evidencia que não está em causa uma violação do princípio da igualdade.
Resta apreciar a norma objeto do presente recurso à luz do princípio da proporcionalidade.
11 – Está em causa um princípio geral de limitação dos poderes públicos: na realidade, impõem-se limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado legislador e o Estado administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessárias ou excessivamente restritivas» (assim, v. o Acórdão n.º 187/2001).
Como este Tribunal referiu no seu Acórdão n.º 362/2016, «o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, pelas suas conotações históricas e devido à sua natureza de princípio fundamental, é expressão da ideia de que a garantia da liberdade, igualdade e segurança dos cidadãos se funda na sujeição do poder público a normas jurídicas: um Estado informado pela ideia de Direito não pode, sem negar a sua essência, ser um Estado prepotente, arbitrário ou injusto (cfr. os Acórdãos n.ºs 205/2000 e 491/2002)». Nessa perspetiva, o Acórdão n.º 73/2009 entendeu «o princípio da proporcionalidade [como um] princípio geral de limitação do poder público que pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado (também o Estado-legislador) adequar a sua ação aos fins pretendidos, e não estatuir soluções desnecessárias ou excessivamente onerosas ou restritivas». Deste modo, e como afirmado no Acórdão n.º 387/2012, «as decisões que o Estado (lato sensu) toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias, e [tal] finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma justa medida e encontra sede no artigo 2.º da Constituição. O Estado de direito não pode deixar de ser um Estado proporcional» (itálico aditado).
In casu, verifica-se que a norma sindicada se integra num todo definidor das condições de aplicabilidade de um regime tributário especial e mais favorável. A sua função específica é a de assegurar a igualdade de tratamento entre os grupos empresariais: o grupo de sociedades de que façam parte sociedades dominadas que «registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos» não pode optar pela aplicação do RETGS; ora, sob pena de criação de uma desigualdade injustificada, o mesmo regime também não pode ser aplicado a um grupo do qual, a partir de determinado momento, passe a fazer parte uma sociedade nessas condições (cfr. supra o n.º 9).
Para o efeito, a norma em causa, ao determinar a cessação da aplicação do RETGS em caso de alteração superveniente do grupo em consequência da qual o mesmo deixe de respeitar um dos requisitos negativos essenciais à possibilidade de a respetiva sociedade dominante exercer o seu direito de opção quanto à aplicação de tal regime, mostra-se adequada, e, à luz de um critério de evidência aqui aplicável dado o grau de liberdade de conformação legislativa de que goza o legislador democrático neste domínio da política económica, não desnecessária nem desproporcionada em sentido estrito. Se nas condições resultantes da alteração superveniente, a sociedade em causa já não poderia optar pelo RETGS, justifica-se que este último deixe de lhe ser aplicável a partir de tal momento, sob pena de se criar uma desigualdade nas condições de acesso a um tratamento fiscal favorável.
Ademais, e conforme mencionado, esta clareza e objetividade na definição das condições de aplicabilidade de um regime facultativo não só reforçam a segurança e transparência jurídicas na sua aplicação essenciais a uma concorrência leal entre as empresas, como permitem antecipar as consequências fiscais das opções de estratégia empresarial que a sociedade dominante vai fazendo ao longo do tempo.
Decerto que é possível discutir se a inobservância superveniente do requisito negativo em causa, não poderia ter consequências diferentes ou ser compensada de outro modo (a solução consagrada na Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, apontou decisivamente nesse sentido). Contudo, tais considerações relevam já do exercício do poder de conformação legislativa a cargo do legislador democrático, e não do controlo negativo a exercer por este Tribunal quanto às opções legislativas em matéria de política económica.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 69.º, n.º 8, alínea b), do Código do IRC, na formulação vigente no exercício de 2011, segundo a qual cessa a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades quando seja incluída no grupo uma sociedade que registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos; e, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).