Diploma

Diário da República n.º 61, Série I de 2017-03-27
Acórdão n.º 0666/15, de 11/01/2017

Acórdão do STA de 11/01/2017, Processo n.º 0666/15

Tipo: Acórdão
Número: 0666/15
Publicação: 29 de Março, 2017
Disponibilização: 29 de Março, 2017
IRS/MAIS VALIAS/RETROACTIVIDADE I - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5.º da Lei n.º 15/2010). II - As mais-valias produzidas antes de[...]

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1 - RELATÓRIO
A……………….. e B…….., melhor identificados nos autos, vieram deduzir a presente impugnação judicial contra a liquidação de IRS de 2010, no montante de € 76.472,89.

Por sentença de 26 de Fevereiro de 2015, veio o Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgar procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação impugnada.

Inconformada com o assim decidido, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso com as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2010, com o n° 2011 5004663521, no montante de € 76.472,89, o qual se circunscreve à questão de direito da legalidade da tributação de IRS das mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções, detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, efectuada antes do início da vigência da Lei n° 15/2010, de 26 de Julho, relativamente às acções da impugnante B……………., NIF …………..
B. Considerou o Tribunal a quo, procedente a impugnação, por entender que, o facto tributário consistiu na venda, ou seja a alienação onerosa, das acções da sociedade C……………, SA, que ocorreu no dia 7 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da nova lei, o que significa (...), que a lei nova não pode ser aplicada ao caso em apreço, sob pena de violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal".
C. Os impugnantes deduziram a presente impugnação na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa n° 3182201204000439 contra a referida liquidação de IRS de 2010, por despacho de 25/06/2012.
D. Conforme fixado no probatório, em 07-07-2010, a impugnante alienou onerosamente acções por si detidas há mais de 12 meses, sendo a operação sujeita, em sede de IRS, à tributação autónoma, em resultado da conjugação dos artigos 10°,/1-b), 43°/3 e 72°/4, todos do CIRS, na redacção atribuída pela Lei 15/2010, de 26 de Julho.
E. Na liquidação em causa, não foi considerado o disposto no n°2 do art. 10° do CIRS, face à respectiva revogação operada pelo art. 2° da Lei 15/2010, de 26/7, o mesmo diploma que introduziu um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores, alterando, em consonância o CIRS e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.
F. O novo regime legal procedeu à revogação da anterior exclusão de tributação aplicável às mais-valias provenientes da alienação de acções detidas durante mais de 12 meses (assim como de obrigações e outros títulos de dívida), estabelecendo a sua tributação, mediante a aplicação de uma taxa de 20%, do saldo positivo entre as referidas mais e menos-valias, desde que o mesmo se revelasse superior a €500.
G. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto, considera que, sendo também certo que o legislador fiscal não consagrou um regime transitório na Lei em causa entrada em vigor em 27-07-2010, o qual teria a virtualidade de resolver a matéria aqui controvertida, a liquidação posta em crise não padece dos vícios de ilegalidade e violação da lei que lhe vêm imputados pela mui douta sentença sob recurso.
H. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) comporta várias categorias de rendimentos que correspondem a diferentes fontes ou origens do rendimento, sendo esta divisão em categorias, aconselhada pela diversidade dos regimes de tributação, especialmente no campo da determinação do rendimento e dos métodos de percepção do imposto, que não prejudica o tratamento unitário da matéria colectável, reflectido basicamente na aplicação de uma única tabela de taxas progressivas.
I. Assim se procura harmonizar a concepção da tributação pessoal, própria do sistema unitário, com a atenção que não pode deixar de prestar-se às particularidades relevantes das diferentes categorias de rendimentos, sendo inevitável, independentemente da unicidade tributária destacar que assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a este imposto só está completo no último dia do período de tributação.
J. Trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si antes visa realizar a tributação global do rendimento, com o englobamento de todos os rendimentos recebidos no determinado ano, o que significa que só no final do ano, in casu, de 2010, se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere (cfr. art. 22°, n° 1 do CIRS).
K. Aliás, as normas relativas à caducidade e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto, ou seja, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição, cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é, por si só, considerado um facto tributário autónomo.
L. Implica esta disposição legal a tributação do saldo entre as mais valias e menos valias, revogando a anterior exclusão de tributação das mais valias provenientes da alienação das obrigações e outros títulos de dívida e, bem assim, de acções detidas durante mais de doze meses.
M. Isto é, releva aqui o saldo positivo entre mais e menos valias apurado com referência a 31 de Dezembro de cada ano, pelo que a aplicação da nova Lei a mais valias apuradas em alienações onerosas ocorridas entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro, não colidirá com o princípio da não retroactividade da lei fiscal.
N. Pese embora o facto tributário, complexo e de formação sucessiva, se iniciar a partir de 1 de Janeiro, só se verifica, plenamente, no final do ano o que, formalmente, não consubstancia uma retroactividade, mas sim, mera retrospectividade expectativas que a Constituição não tutela, ao nível da proibição da retroactividade, por não haver direito à imutabilidade da Lei fiscal.
O. À semelhança da situação referida no Acórdão n.º 399/2010, Processo n.º 523 e 524/10 do Tribunal Constitucional, em que se acorda que o facto tributário consubstanciado na alienação efectuada entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010, de acções detidas há mais de 1 ano, não ficou completo no momento da referida venda, sendo sujeito a tributação no final do ano fiscal em curso, não são as mais valias realizadas individualmente em cada uma dessas operações, mas o saldo positivo verificado, no final do ano fiscal, no caso em 2010, entre as mais valias e as menos valias realizadas durante esse mesmo ano.
P. As alterações produzidas pela Lei 15/2010 só produzirão efeitos relevantes quando se proceder ao apuramento do rendimento colectável da totalidade dos rendimentos auferidos durante o ano de 2010, ainda que percebidos em momento anterior ao da entrada em vigor da lei.
Q. Vale isto por dizer, que o facto tributário que esta lei pretende regular na sua totalidade-, não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continua formando na vigência da lei nova e, tendo em conta que o imposto sobre o rendimento é qualificável como um imposto periódico, o período de tributação só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de Dezembro de cada ano, estando, pois, afastada a retroactividade.
R. Ou seja, para a situação como a aqui em apreço, é referida uma retrospectividade ou retroactividade imprópria, não podendo esta ser reconduzida à figura da retroactividade própria, por não se projectar a lei nova em factos já consolidados no momento da sua entrada em vigor.
S. Na mais recente jurisprudência em matéria fiscal o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 128/2009, refere que a natureza necessariamente fluída dos critérios utilizados levou a que, em diversos arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais retroactivas. Foi o que sucedeu, por exemplo, nos Acórdãos n.º 11/83 e 66/84 (este último em Acórdãos, 4.º Vol. p. 35) e ainda nos Acórdãos n.ºs 67/91, 1006/96, 1204/96 e 416/02 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
T. Noutros casos, ao invés, o Tribunal Constitucional entendeu que, por inexistirem razões de interesse público que prevalecessem sobre o valor da segurança jurídica, as normas retroactivas seriam intoleráveis e, consequentemente, constitucionalmente ilegítimas (Cfr., por exemplo, os Acórdão ns.º 409/89, 216/90, 410/95 e 185/2000, também disponíveis no mesmo lugar).",
U. E como no acórdão n.º 85/2010, considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103°, n.º 3, CRP é somente a autêntica, resultando por isso que a “retroactividade inautêntica" não é proibida pelo artigo 103.º n.º 3, da CRP, pelo que, resulta claro que, em situações em tudo similares a esta, o Tribunal Constitucional considera que não há retroactividade autêntica ou própria (neste sentido, o citado Acórdão n.º 399/2010, Processo n.º 523 e 524/10, do Tribunal Constitucional).
V. A motivação da Lei 15/2010, de 26 de Julho, surge na sequência do Programa do Governo com a promoção da aproximação do regime da tributação das mais valias mobiliárias ao que é praticado na generalidade dos países da OCDE e, bem assim, do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para o triénio 2010-2013, onde se refere a tributação das mais valias como medida para a repartição justa e igualitária do esforço de recuperação da economia e de consolidação das contas públicas.
W. Entende a Fazenda Pública que, o facto tributário em IRS verifica-se no último dia do período de tributação (ano civil) pelo que, in casu, não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga antes continua a formar-se já na vigência da nova lei, impondo apurar o saldo entre as mais-valias e menos-valias geradas no período de tributação, numa interpretação teleológica, axiológica e sistemática das normas do CIRS, ao referir expressamente o legislador, que a tributação se verifica sobre o saldo anual.
X. O facto tributário não é assim a mais-valia isoladamente considerada, o acto da alienação, mas tem de ser tido como de formação sucessiva impondo o apuramento de um saldo anual positivo entre as mais e menos valias obtidas, ou seja, a verificação de um acréscimo patrimonial adveniente da alienação.
Y. Suportada na natureza de formação sucessiva do facto tributário, o qual só o final do ano se completa, a situação aqui controvertida fica sujeita à lei fiscal em vigor nesse momento ou seja, ao quadro estabelecido pela Lei 15/2010, de 26/7 vigente no final do ano de 2010, sujeitando-se à tributação autónoma prescrita pela conjugação dos artigos 10°/1-b), 43°/3 e 72°/4 do CIRS, sem que a legalidade ou violação de lei que lhe vinha apontada pela douta sentença sob recurso se verifique.
Z. A jurisprudência que vem sendo fixada pelo Tribunal Constitucional, designadamente, aquela contida no Acórdão 399/2010, propugna que não ocorrerá retroactividade da lei fiscal, ao determinar a tributação autónoma da alienação de acções detidas há mais de 12 meses realizada entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010, nem qualquer violação do princípio da segurança e da tutela jurídica.
M. Ao não decidir neste sentido, a sentença sob recurso fez desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente do art. 110 da LGT, dos artigos 12° da LGT e do Código Civil, dos artigos 10° 11-b), 43°/3 e 720/4, todos do CIRS e dos artigos 2° e 5° da Lei 15/2010, de 26 de Julho, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, com as legais consequências.»

Foram apresentadas contra alegações a fls. 248 dos autos, com o seguinte quadro conclusivo:
A. De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a procedência da acção de impugnação do acto de liquidação adicional de IRS relativa a 2010 âncora no facto de “a Lei n.º15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, não estabelecendo qualquer norma específica destinada a reger a sua aplicação no tempo.",
B. Concluindo, assim, que “As acções da Impugnante B…………. consideram-se adquiridas na data da constituição da sociedade, nos termos do artigo 43.º, n.º. 6, al. b), na redacção aplicável, ou seja, em Agosto de 2004, pelo que, à data da venda, em Julho de 2010, tinham já passado mais de 12 meses desde a sua aquisição, estando a mais-valia obtida isenta de tributação, nos termos do art 10.º, n.º 2 al. a), do CIRS, na redacção anterior à dada pela Lei n.º. 15/2010."
C. Ora, ao contrário do que invoca a Fazenda Pública nas suas alegações, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento porquanto fez uma correcta interpretação da lei e aplicação da lei no tempo.
E ISTO PORQUE
D. «A periodicidade anual do imposto não justifica a aplicação retroactiva da Lei 15/2010, de 26 de Julho a factos tributários ocorridos antes do início da sua vigência, sob pena de violação do princípio sobre a aplicação da Lei tributária no tempo. (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 4/12/2013 no âmbito do processo n.º 01582/13).
E. Como se demonstrou, e tem sido entendimento dos próprios Tribunais Superiores, “Embora o IRS incida sobre o valor anual dos rendimentos das suas categorias (art. 1º CIRS) o facto tributário é a alienação ou cessão onerosa, (...) e o respectivo ganho. Por isso, este concreto facto não é de formação sucessiva e ficou perfeito, naquela data. Se nessa data estava excluído, como estava, não tinha que entrar no cômputo do IRS anual. Ou seja, transmitindo-se as acções por efeito de contrato de compra e venda e tendo sido pago o preço nessa data, o facto tributário ficou perfeito não havendo elementos deformação sucessiva para o futuro".
F. Tanto assim é que, o próprio Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 4/12/2013 no âmbito do processo n.º 01582/13 veio afastar a aplicabilidade, a casos similares ao dos presentes autos, do Acórdão do Tribunal Constitucional mencionado pela Fazenda Pública nas suas Alegações de Recurso ao esclarecer que “o Acórdão do TC n.º 0399/10 de 27 de Outubro de 2010, é inaplicável ao caso concreto na medida em que, após considerações sobre o principio da irretroactividade das leis fiscais: emite pronúncia sobre questão distinta, aplicação do art. 68.º n.º 1 CIRS a todos os rendimentos auferidos no ano de 2010 após alterações introduzidas pela Lei 11/2010, de 15 de Junho (novo escalão para rendimento colectável superior a €150.000,00 sujeito à taxa de 45%) e pela lei n.º12-A/2010, de 30 de Junho (aumento do valor da taxa de todos os escalões, incluindo o escalão e a taxa introduzida pela Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho) (...)",
G. O Supremo Tribunal Administrativo, no referido acórdão, explica ainda de modo detalhado a questão controvertida, resolvendo-a da seguinte forma:
«A Lei 15/2010, de 26 de Julho, estabelecendo a sua entrada em vigor no dia seguinte à da sua aplicação (cfr. art.5.º), ou seja, em 27/07/2010 revogou o n.º 2 do art. 10.º do CIRS e alterou a redacção quer do n.º11 do mesmo normativo (...). O princípio da proibição da retroactividade fiscal encontra-se consagrado no art. 103.º, n.º 3, da Constituição que dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou seja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei»,
H. Sendo que «para que o Estado possa cobrar um imposto terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstracta, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitraria, indigna de um verdadeiro Estado de Direito.»
I. Tanto assim é que, «o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroactivos, prevendo a tributação de actos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus actores tivessem podido adequar a sua actuação com as novas razões."
J. Ora, tal exigência constitucional decorre «da preocupação do princípio da protecção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, reflectidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação integra e leal entre o cidadão e o Estado."
K. Concluindo que «é neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no art. 103°, n.º 3, a regra da proibição da retroactividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refracção do princípio geral da protecção da confiança dos cidadãos, inerente a toda actividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstracto de grave violação daquela confiança."
L. No que concerne à retroactividade na lei fiscal, vem sendo defendido que o «esta proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroactividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produzirem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorrerem totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (ac.128/2009, 85/2010 e 399/2010)."
M. Finalizando, mesmo que se entenda que a lei cuja constitucionalidade se contesta não contende com a proibição expressa da retroactividade em matéria fiscal sempre seria atentatória do princípio da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio do Estado de Direito democrático, plasmado no artigo 2.º da CRP, ao pretender sujeitar a tributação um facto tributário que anteriormente não se encontrava sujeito, frustra as expectativas dos contribuintes, afectando-as de forma inadmissível, arbitrária e excessivamente onerosa.
N. Neste mesmo sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 8/01/2014 no âmbito do processo n.º 01078/12 que em apreciação de uma situação análoga decidiu nos termos que se transcrevem: «Ora considerando que o facto tributário ocorre à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, a AT ao tributar a totalidade do saldo anual das mais-valias e menos-valias realizadas pela impugnante à taxa de 20%, e ao não atender a que a sua alienação ocorreu na totalidade antes de 26 de Julho de 2010 e que as mesmas já eram detidas, à data da sua alienação à mais de 12 meses é manifesto que aplicou retroactivamente as alterações introduzidas pela Lei n.º 015/2010, de 26 de Julho, tratando-se de retroactividade autêntica constitucionalmente vedada pelo n.º 03 do art. 103.º da CRP. Assim está vedada a eficácia retroactiva às alterações introduzidas pela Lei 15/2010, de 26 de Julho, desde logo no que respeita à revogação da não sujeição tributária prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS quanto às mais-valias de longo prazo, por as participações sócias serem detidas há mais de 12 meses como sucede no caso dos autos".
O. Na mesma esteira, decidiu o mesmo Tribunal no Acórdão proferido em 4/12/2013 no âmbito do processo n.º 01582/13, ao afirmar que “A Lei 15/2010, de 26 de Julho, nada estabeleceu quanto à sua aplicação no tempo senão que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, razão pela qual se deve entender, em continuidade com o disposto no n.º 1 dos art.12.º da LGT e CC, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.»
P. Em suma, “ (…) no caso de mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva do longo do ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo. O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia. » (ibidem)
Q. Em face do que foi dito, a decisão em Recurso não merece censura, e portanto nenhum reparo, devendo, manter-se na ordem jurídica.»

O Ministério Público emitiu parecer cujo teor se apresenta por extracto atentas as partes mais relevantes para o presente recurso.
(…) A questão controvertida traduz-se em saber se a Lei 15/2010 se aplica apenas às mais valias resultantes da alienação de acções ocorrida após a sua entrada em vigor, sob pena de aplicação retractiva da lei, constitucionalmente proibida.
E possível distinguir três graus de retroactividade.
(…)
Ora, como veremos adiante, a aplicação da Lei 15/2010 às mais valias em causa, resultantes da venda de acções operada em 07 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da referia lei, consubstanciaria uma aplicação retroactiva de 1.º grau, claramente proibida nos termos do estatuído nos artigos 12.º/1 da LGT e 103.º/2 da CRP.
O IRS é um imposto unitário sobre o rendimento global das pessoas singulares, periódico ou de formação sucessiva (artigos 1.º e 22.º do CIRS).
No entanto, o IRS contempla elementos de obrigação única como as taxas liberatórias (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, página 293, nota. 470).
No caso em análise está em causa a tributação de mais valias, que consubstancia um elemento do IRS/tributo de obrigação única.
Na verdade, incide sobre operações que se verificam e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo da matéria colectável ser apurada, anualmente.
Com efeito, nos termos do estatuído no artigo 10.º/3 do CIRS os ganhos, qualificados como mais-valias provenientes da alienação onerosa de valores mobiliários, consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação.
O facto gerador da tributação das mais-valias é, assim, a alienação onerosa desses bens.
É, pois essa data (e não a do apuramento da matéria colectável ou outro) a relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova, quando esta não dispõe de forma diversa (neste sentido, sobre questão idêntica à, ora, em apreciação, acórdãos do STA, de 2014.01.08-P.01078/12, e de 2015.05.25-P. 013/15, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
A Lei 15/2010, de 26 de Junho entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 5.º), ou seja no dia 27 de Julho de 2010, sendo certo que não estabeleceu nenhum regime transitório.
Assim sendo, nos termos do estatuído no artigo 12.º da LGT, as alterações introduzidas ao CIRS, pela citada lei, apenas se podem aplicar aos factos tributários ocorridos a partir de 27 de Julho de 2010, como bem decidiu a sentença recorrida.
Uma vez que as acções foram alienadas em 07 de Julho de 2010, as mais-valias daí resultantes não estão sujeitas a tributação em sede de IRS, nos termos do disposto no artigo 10.º/2/a), na redacção anterior.
A interpretação sustentada pela recorrente Fazenda Pública, com o devido respeito, afigura-se materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade fiscal estatuído no artigo 103.º/3 da CRP.
A sentença recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

2 - Fundamentação
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, deu como provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública celebrada no dia 4 de Agosto de 2004, a impugnante e D……………. constituíram a sociedade comercial por quotas, denominada C………….., Lda, com o capital social de € 5.000,00, correspondente à soma de duas quotas, pertencendo uma, no valor de € 4.750,00 à sócia B…………. e outra, no valor de € 250,00, ao sócio D…………….. (doc. n° 2, junto com a p.i.).

2. Na acção de processo ordinário que correu termos na 2ª Vara Mista de Guimarães, sob o n° 13/09.7TCGMR, em que foi autor, D………. e réus a impugnante B…………. e a sociedade C…….., Lda, foi efectuada transacção, nos seguintes termos:

1. - Que o capital social da sociedade é de € 5.000,00 - cinco mil euros - dividido em duas quotas iguais de € 2.500,00 - dois mil e quinhentos euros - pertencentes uma a cada um dos sócios.

2. - Aumentar o capital social de € 5.000,00 para € 50.000,00, a realizar por incorporação de reservas livres e a representar pelo reforço das duas actuais quotas, uma vez apreciado o interesse e a oportunidade e aprovado o balanço da sociedade, especialmente elaborado para o efeito, de harmonia com o contemplado no n°1 do art. 91° do Código das Sociedades Comerciais, pelo qual verificaram a existência de reservas suficientes para o efeito,
3. - Alterar o teor do art. 3° do contrato de sociedade, o qual passa a ter a seguinte redacção.
Artigo Terceiro
“O capital social, integralmente realizado em dinheiro, no montante de 50.000,00 €, corresponde à soma de duas quotas de 25.000,00 €, cada, pertencendo uma a cada um dos sócios B………… e D…………..."
4. - Autorizar a divisão da actual quota de 25.000,00 € de que a sócia B…………… é actualmente titular, em quatro novas quotas, sendo a primeira de 24. 700,00 - vinte e quatro mil e setecentos euros - que reserva para si e as três restantes do valor nominal de e 100,00 cada uma, que cede a E…………., A…………….. e F…………., pelo seu valor nominal, cada um dos quais passa a deter nesta sociedade uma quota do valor nominal de 100,00 €
5. - Prestar o consentimento da sociedade à cessão a que se refere o número anterior aos ditos E…………….., A………………, F………, pelo respectivo valor nominal.
6. - Transformar esta sociedade em sociedade anónima, uma vez que já foi aprovado o balanço da sociedade especialmente elaborado pela gerência nos termos e para os efeitos contemplados na alínea a) do n° 1 do art. 132° CSC, uma vez verificado que a sociedade cumpre todos os requisitos a que a lei sujeita a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, ou seja, que o capital social depois da deliberação de transformação satisfaz o mínimo legal estabelecido para o novo tipo que se propõe adoptar, que o património não é inferior à soma do capital social e da reserva legal, que a sociedade contará, após a divisão e cessão anteriormente consentidos, com o número de sócios mínimo exigido por lei para o novo tipo social e que a situação patrimonial da sociedade não sofreu modificações significativas desde a data a que se reporta o Balanço a 30/09/2008 especialmente elaborado para cumprimento do disposto n° 1 do art. 132° do Código das Sociedades Comerciais é dispensado, nos termos do n° 6 do art. 99°, para que remete o n° 3 do art. 132° ambos do Código das Sociedades Comerciais, o exame do projecto de transformação por ROC independente.
7. - A sociedade anónima passará a reger-se pelo seguinte contrato:
Pacto Social
Firma, Sede e Objecto
ARTIGO PRIMEIRO
A sociedade adopta a denominação de C…………….., S.A. e reger-se-á pela legislação, aplicável e pelo presente contrato.
ARTIGO SEGUNDO
A sociedade tem a sua sede na Rua ………… n…………, freguesia de ……, concelho de Guimarães, podendo, por simples deliberação do Conselho de Administração, ser deslocada para qualquer outro local do território nacional.
ARTIGO TERCEIRO
A Sociedade tem por objecto social a comercialização de produtos farmacêuticos, para-farmacêuticos, cosméticos, representações comerciais, importação e exportação, de medicamentos e dispositivos médicos de farmácia e Farmácia.
ARTIGO QUARTO
O capital social, integralmente realizado, é de cinquenta mil euros, dividido em cinquenta mil acções, com o valor nominal de um euro cada uma.
ARTIGO QUINTO
Um - As acções serão necessária e exclusivamente nominativas e inconvertíveis em acções ao portador.
Dois - Poderão ser emitidos títulos de um, cinco, dez, vinte, cinquenta, cem e de múltiplos de cem acções.
ARTIGO SEXTO
Um - A transmissão de acções é livre entre os accionistas e destes para os respectivos cônjuges, descendentes e ascendentes;
Dois - É igualmente livre a transmissão de acções do respectivo titular para sociedade em que este detenha, por si ou conjuntamente com o seu cônjuge, descendentes ou ascendentes, um mínimo de cinquenta por cento do capital.
Três - Em todos os demais casos a transmissão de acções fica subordinado ao consentimento da sociedade.
ARTIGO SÉTIMO
Um - A concessão ou recusa do consentimento para a transmissão de acções competirá ao Conselho de Administração, que disporá de um prazo de trinta dias para se pronunciar sobre o pedido de consentimento.
Dois - No caso de a sociedade não se pronunciar sobre o pedido de consentimento no prazo anteriormente previsto, o titular ficará livre de proceder à transmissão das acções objecto do pedido, a quem e nas condições que para o efeito submeteu à apreciação da sociedade.
Três - Sempre que a sociedade recuse o seu consentimento a determinada transmissão de acções, procederá à sua aquisição nas condições de pagamento que lhe forem notificadas pelo accionista.
Quatro - Tratando-se de transmissões a título gratuito ou transmissões a título oneroso em que a sociedade verifique haver simulação de preço, a aquisição prevista no número anterior far-se-á por valor a determinar de acordo com o disposto no n° 2 do art. 105° do Código das Sociedades Comerciais.
Cinco - A sociedade poderá fazer-se substituir nas aquisições anteriormente previstas pelos accionistas que hajam expressado essa intenção, entre quem, na falta de acordo sobre o número de tais acções que a cada um caberá, se procederá a rateio, na proporção das acções de que cada um seja titular.
ARTIGO OITAVO
Um - a sociedade poderá amortizar acções, durante o prazo de um ano após haver tomado conhecimento de qualquer das seguintes circunstâncias:
- por morte de qualquer accionista, caso os respectivas acções não venham a caber ao cônjuge, a descendente, ascendente ou a outro accionista;
- por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, as acções venham a caber ao cônjuge do primitivo accionista;
- as acções da sociedade hajam sido arroladas, penhoradas, arrestadas ou sujeitas a qualquer espécie de providência judicial ou legal;
- falência ou insolvência de titular de acções da sociedade;
- a sociedade titular de acções desta sociedade, deixe de ter, pelo menos, cinquenta por cento do seu capital e dos inerentes direitos de voto detidos pelos actuais accionistas, seus cônjuges, descendentes ou ascendentes.
Dois - A contrapartida da amortização será igual ao valor que resultar para as respectivas acções do último balanço aprovado à data em que se ver o facto que a fundamenta e será paga em prazo que não excederá os seis meses da deliberação de amortização.
(...) (doc. n.º 4, junto com a p.i.).
3. A transacção referida em 2., foi homologada por sentença proferida em 19.4.2010, já transitada em julgado (doc. n°4, junto com a p.i.).
4. Na sequência da operação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, a impugnante B………………. passou a deter 24700 acções e o impugnante A………… passou a deter 100 acções, com o valor nominal de € 1,00 (cfr. pontos 4 e 5 da transacção referida em 2.).
5. Os impugnantes apresentaram a declaração anual de rendimentos para o ano de 2010, acompanhada do anexo G, relativo a mais-valias, fazendo constar, no quadro 8, respeitante à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários: realização, pelo sujeito passivo B, em Julho de 2010, pelo valor de 789.700,00 e respectiva aquisição em Agosto de 2004, pelo valor de 24.700,00; realização, pelo sujeito passivo A, em Julho de 2010, pelo valor de 100,00 e respectiva aquisição em Maio de 2010, pelo valor de 100,00 (cfr. fls. 36 do P.A.).
6. Por contrato celebrado em 7 de Julho de 2010, os impugnantes venderam a G……………., as acções que detinham na sociedade, C………….., S.A., pelo preço global de € 790.000,00, na seguinte proporção: à impugnante, B…………., o valor de € 789.700,00 e ao impugnante, A…………., o valor de € 100,00 (doc. de fls. 151 a 168).
7. A Administração Fiscal tributou a mais-valia resultante da transmissão das acções (fls. 37 a 38 do P.A.).
8. Os impugnantes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação, que foi indeferida, por despacho proferido em 25.6.2012 (fls. 46 do P.A.).

3 - DO DIREITO:
A decisão recorrida respondeu à questão de saber se pode ser tributado o ganho obtido com a alienação de acções em 7.7.2010, detidas há mais de 12 meses, em causa nos autos e sufragando a tese expendida nos acórdãos do STA de 4.12.2013, rec. n° 1582/13 e de 8.1.2014, rec. n° 1078/12, considerou que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo que se esgota na realização da mais-valia, sem prejuízo de a matéria colectável poder ser apurada anualmente.
E considerou que a Lei n° 15/2010, de 26 de Julho que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, não estabelecendo qualquer norma específica destinada a reger a sua aplicação no tempo e que efectuou a revogação do art. 10°, n.º 2 do CIRS eliminando a não sujeição tributária (art. 3°, n° 2 do EBF) prevista naquele art. 10°, n° 2 do CIRS (na redacção anterior à Lei n° 15/2010, de 26 de Julho) e aumentou o valor da taxa a que está sujeita a tributação das mais-valias de 10% para 20% (art. 72°, n° 4 do CIRS), não devia ser aplicada ao caso dos autos em que a alienação onerosa, das acções da sociedade C………………, SA., que ocorreu no dia 7 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da nova lei, o que significa, que a lei nova não pode ser aplicada ao caso em apreço, sob pena de violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.
DECIDINDO NESTE STA
No presente recurso questiona-se a decisão de 1ª Instância que considerou ilegal a liquidação de IRS efectuada, na consideração de que às mais valias geradas pela venda de acções em, 7 de Julho de 2010 não se aplica a Lei 15/2010 de 26 de Julho.
A questão a decidir, está acertadamente enunciada pelo Mº Pº junto deste STA como sendo: saber se a Lei 15/2010 se aplica apenas às mais valias resultantes da alienação de acções ocorrida após a sua entrada em vigor, sob pena de aplicação rectroactiva da lei, constitucionalmente proibida.
Esta questão obriga ao esclarecimento/indagação sobre quando se verificou o facto tributário. Importa apurar se a mais-valia realizada no dia 7 de Julho de 2010 é ou não um facto tributário de formação sucessiva defendendo a recorrente que o mesmo continua a formar-se já na vigência da nova lei, impondo-se apurar o saldo entre as mais-valias e menos-valias geradas no período de tributação pois o facto tributário em IRS verifica-se no último dia do período de tributação (ano civil).
De modo diverso, a recorrida sustenta que não se está perante um facto tributário de formação sucessiva, mas antes perante um facto tributário que ocorreu na data acabada de referir, isto é, anteriormente à entrada em vigor da nova lei.
O quadro legal:
Artº 1º do CIRS:
1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
(…)
Categoria E - Rendimentos de capitais;
Artº 10º n.ºs 1, 2 e 3 do CIRS
Mais-Valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
(…)
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
2 - (Revogado pelo artigo 2.º da Lei 15/2010, de 26/07). Antes tinha a seguinte redacção: Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:
a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
b) (…)
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;
b) Nos casos de afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas.
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
b) (…)
c) (…)
d) (…)
Artº 72º n.º 4 do CIRS (versão em vigor até Março de 2010)
O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%. (Redacção do DL 192/2005, de 7 de Novembro - A vigorar a partir de 01.01.2006).
Artigo 72.º n.ºs 4 e 7 (Versão em vigor de Abril a Junho/2010)
Taxas especiais
4 - O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%. (Redacção do DL192/2005, de 7 de Novembro - A vigorar a partir de 01.01.2006)
7 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português. (Redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que produz efeitos desde 01/01/2009)

Artigo 72.º n.ºs 4 e 7 (Versão em vigor de Julho a Dezembro/2010)
Taxas especiais
4 - O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 20%. (Redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 15/2010, de 26/07)
7 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português. (Redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que produz efeitos desde 01/01/2009)

A Lei 15/2010 de 26/07, foi publicada no DR, Série I, n.º 143, desse dia, introduzindo um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores, para o que alterou o CIRS e o EBF.
Para o efeito, o seu artigo 1° deu nova redacção aos artigos 10, 43, 72, 119 e 123, do CIRS, aprovado pelo DL 442-A/88, de 30/11, passando o artigo 10° n.º 11 a ter seguinte redacção: «(...) 11 - Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das acções, bem como a data das respectivas aquisições.(...)». Por sua vez o n.º 4 do art. 72.º do mesmo código passou a prever que: “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º é tributado à taxa de 20%".

Para o mesmo efeito, o seu artigo 2° dispôs que «São revogados os n.ºs 2 e 12 do artigo 10º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A./88, de 30 de Novembro.».
Para o mesmo efeito ainda, o seu artigo 5°, sob a epígrafe «Entrada em vigor», estatuiu que «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.».

Da aplicação retroactiva da lei fiscal:
Permitimo-nos sobre esta matéria citar o ac. deste STA de 04/12/2013 tirado no recurso n.º 01582/13 no qual o ora relator interveio como 2º Juiz Adjunto. Ali se pode ler:
“ (…) O princípio da proibição da retroatividade fiscal encontra-se consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição que dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
Escreveu-se a respeito deste normativo no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 319/2012, que “Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroactivos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.
Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado.
É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroactividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt)."

Mais se note que, a propósito da aplicação da lei tributária no tempo rege o art. 12.º da Lei Geral Tributária que estabelece:
“1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2. Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."

Tecidas estas considerações vejamos se na situação dos autos ocorreu a aplicação retroactiva das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
Para isso importa que, previamente, se analise o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e especificamente a tributação das mais-valias mobiliárias em sede de IRS.
A respeito do IRS, no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 399/10 deu-se conta que “O IRS caracteriza-se, em primeiro lugar, por ser um imposto directo, em que se tributam os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação. O facto tributário que dá origem ao imposto é, pois, complexo.
A configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura, pelo que se trata de um imposto periódico. Ou seja, a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tem na sua base situações estáveis que se prolongam no tempo.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos". Ou seja, trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si (embora a retenção na fonte possa, por vezes, obnubilar esta realidade), mas sim o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano. O que significa que só no final do ano de 2010 se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere.
Acresce ainda que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto. Assim, o artigo 45.º, n.º 4, da LGT estabelece que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e o artigo 48.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Quer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é por si só considerado um facto tributário autónomo."
No que se reporta às mais-valias estas constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, não sendo por definição um rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na atividade produtiva (cf. neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 379).
Um dos princípios gerais da sua tributação é, desde logo, o princípio da realização, isto é, só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o ativo é transacionado, excluindo-se de tributação os aumentos de valor dos ativos que não tenham sido objeto de alienação onerosa. O que se justifica por razões de dificuldades administrativas, as dificuldades de liquidez e a dificuldade de compreensão da tributação de meros paper gains.
Em sede de IRS, o art. 10.º, n.º 1, al. b) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de partes sociais e valores mobiliários, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397).
Como escreve José Guilherme Xavier de Basto (in IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397 e 427) “No que respeita ao momento em que o imposto é exigível […] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1". Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza" a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.". Daqui resulta que, em geral (opostamente ao que sucede na alínea b) deste normativo), a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador.
Quanto ao seu regime fiscal, no caso das mais-valias mobiliárias ele passa pela não obrigatoriedade do englobamento das mais-valias tributáveis (72.º, n.º 7 do CIRS) e pela tributação a uma taxa especial (art. 72.º, n.º 4 do CIRS). E nos termos do art. 43.º, n. º 1 do CIRS o que se tributa nas mais-valias é “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano".
Assim, optando pelo englobamento os rendimentos de mais-valias (ou melhor o saldo entre mais-valias e menos-valias) serão adicionados aos demais rendimentos para que sejam tributados pela globalidade às taxas gerais aplicáveis à situação particular, em função da totalidade dos rendimentos englobados. Não optando pelo englobamento a mais-valia apurada é sujeita a tributação a uma taxa especial. (…)
". Fim de citação.

Ora, no caso dos autos estão em causa mais-valias provenientes da transacção de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa. A nosso ver e tal como se decidiu no acórdão supra referenciado, estamos perante um facto tributário de formação instantânea que se esgota na realização da mais-valia (O imposto de mais – valias já era tido como de obrigação única - cf. Ac. do STA de 18.01.1995, P. 18287).
E, a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano", pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria colectável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias. Como muito bem defende a recorrida, não deve confundir-se o facto gerador do imposto com o processo de determinação do rendimento colectável.
Trata-se, como se refere no citado acórdão deste STA, de 04/12/2013, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação [...]" [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012].
Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias.
A similitude com as situações de tributação autónoma é ainda maior quando, o contribuinte não opta pelo englobamento, já que aqui ocorre verdadeiramente uma tributação separada, por aplicação de uma taxa fixa (vd. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS; Almedina, 2.ª edição, p. 171). Ou seja, a taxa vai ser aplicada ao saldo anual, não havendo qualquer influência da grandeza desse saldo na determinação da taxa.
Tendo em conta que a “(…) a linha demarcadora do âmbito da retroactividade fiscal constitucionalmente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias «permanentes» e «periódicas» e «factos» cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma «instantaneamente», para cada um deles «de per si» (maxime, pela distinção entre «impostos periódicos» e «impostos de obrigação única»), e passará provavelmente, depois, no que concerne àquele primeiro tipo de situações, pela distância temporal que já tiver mediado entre o período de produção dos rendimentos e a criação (ou modificação) do correspondente imposto. Isto, de todo o modo, sem prejuízo do relevo de outras circunstâncias, cujo possível peso não poderá ignorar-se." (Cfr. Cardoso da Costa, "O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal", in Perspetivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 418).
Entendemos pois, como se defendeu no aresto a que vimos fazendo referência, que no caso da tributação das mais-valias estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria colectável ser apurada anualmente. É que nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS os ganhos, qualificados como mais-valias, resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários, consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação destes, sendo esse, pois, o da alienação (e não o do apuramento da matéria colectável, da declaração, da liquidação, ou outro) o momento relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova quando esta não disponha em sentido diverso. Ora, a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, como se disse, não estabeleceu nenhum regime transitório estabelecendo apenas que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. o seu artigo 5.º), razão pela qual se deve entender, em conformidade com o disposto no n.º 1 dos artigos 12.º da Lei Geral Tributária e do Código Civil, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.

Face ao exposto vejamos, então, se ocorreu a aplicação retroactiva das alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, não estabelecendo nenhum regime transitório.
Com a revogação do art. 10.º, n.º 2 do CIRS passaram, então, a estar também abrangidas pela norma de incidência, portanto não excluídas de tributação, as mais-valias obtidas com a alienação onerosa de participações sociais ainda que detidas há mais de doze meses.
Ou seja, eliminou-se a não sujeição tributária (art. 3.º, n.º 2 do EBF) prevista naquele art. 10.º, n.º 2 do CIRS (na redacção anterior à Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho).

Ora, considerando que o facto tributário ocorre à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, a Administração Tributária tributou indevidamente a totalidade do saldo anual das mais-valias e menos valias realizadas pela Impugnante B…………….. à taxa de 20%, e para tal não atendeu a que a sua alienação ocorreu, na totalidade, antes de 26 de Julho de 2010 e que as mesmas já eram detidas, à data da sua alienação, há mais de 12 meses no caso da impugnante Mulher (as acções consideram-se adquiridas na data da constituição da sociedade, nos termos do art. 43º, n° 6, al. b), do CIRS, na redacção aplicável, ou seja, em 4 de Agosto de 2004), estando a mais valia obtida isenta de tributação, nos termos do art. 10°, n°2 al. a), do CIRS, na redacção anterior à dada pela Lei n° 15/2010.
Quanto às acções do impugnante A………., também é exacta a indevida tributação pois embora se verifique que as mesmas foram adquiridas em Maio de 2010, pelo que aquele não as deteve 12 meses as mesmas foram vendidas ao preço de aquisição, pelo que não foi realizada qualquer mais valia, não podendo, pois, havendo tributação.
Tendo sucedido a liquidação ora impugnada é manifesto que foram aplicadas as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho e, tratando-se de retroactividade autêntica esta está constitucionalmente vedada pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República.
Assim, não ocorre dúvida que está vedada a eficácia retroactiva às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, desde logo no que respeita à revogação da não sujeição tributária prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS quanto às mais valias ditas de longo prazo, por as participações sociais serem detidas há mais de 12 meses como sucede no caso dos autos.
A título complementar deixamos expresso que, ainda que fosse de aceitar entendimento da AF de que estamos perante um facto jurídico-fiscal complexo de natureza sucessiva, sempre deveria ser tomado em conta o art. 12.º, n.º 2 da LGT o qual dispõe que: “se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor". Ou seja, apenas podia ser tributado à taxa de 20% o saldo entre as mais-valias e menos-valias relativo ao período decorrido a partir de 27.7.2010, (alienação que no caso dos autos inexiste) sendo o saldo relativo ao período anterior a essa data tributado à luz das regras vigentes antes da entrada em vigor da lei nova – isto é, excluindo de tributação a alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses e tributando a alienação de acções detidas pelo seu titular durante menos de 12 meses à taxa de 10%.
Em apoio da linha de orientação defendida supra para além do acórdão do STA de 04/12/2013, podemos ver ainda outros acórdãos do STA, designadamente a saber: de 06/07/2011 tirado no recurso 0281/11; de 08/01/2014 rec. 01078/12; de 16/12/15 rec. 01096/14; de 13/04/201 rec. 0376/15 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 17/02/2016 rec. 0668/15.
Por tudo o que ficou dito consideramos, que nenhuma censura merece a sentença recorrida, a qual deve ser confirmada.

4 - Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Acórdão n.º 0666/15, de 11/01/2017

1 – RELATÓRIO
A……………….. e B…….., melhor identificados nos autos, vieram deduzir a presente impugnação judicial contra a liquidação de IRS de 2010, no montante de € 76.472,89.

Por sentença de 26 de Fevereiro de 2015, veio o Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgar procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação impugnada.

Inconformada com o assim decidido, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso com as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2010, com o n° 2011 5004663521, no montante de € 76.472,89, o qual se circunscreve à questão de direito da legalidade da tributação de IRS das mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções, detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, efectuada antes do início da vigência da Lei n° 15/2010, de 26 de Julho, relativamente às acções da impugnante B……………., NIF …………..
B. Considerou o Tribunal a quo, procedente a impugnação, por entender que, o facto tributário consistiu na venda, ou seja a alienação onerosa, das acções da sociedade C……………, SA, que ocorreu no dia 7 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da nova lei, o que significa (…), que a lei nova não pode ser aplicada ao caso em apreço, sob pena de violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal".
C. Os impugnantes deduziram a presente impugnação na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa n° 3182201204000439 contra a referida liquidação de IRS de 2010, por despacho de 25/06/2012.
D. Conforme fixado no probatório, em 07-07-2010, a impugnante alienou onerosamente acções por si detidas há mais de 12 meses, sendo a operação sujeita, em sede de IRS, à tributação autónoma, em resultado da conjugação dos artigos 10°,/1-b), 43°/3 e 72°/4, todos do CIRS, na redacção atribuída pela Lei 15/2010, de 26 de Julho.
E. Na liquidação em causa, não foi considerado o disposto no n°2 do art. 10° do CIRS, face à respectiva revogação operada pelo art. 2° da Lei 15/2010, de 26/7, o mesmo diploma que introduziu um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores, alterando, em consonância o CIRS e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.
F. O novo regime legal procedeu à revogação da anterior exclusão de tributação aplicável às mais-valias provenientes da alienação de acções detidas durante mais de 12 meses (assim como de obrigações e outros títulos de dívida), estabelecendo a sua tributação, mediante a aplicação de uma taxa de 20%, do saldo positivo entre as referidas mais e menos-valias, desde que o mesmo se revelasse superior a €500.
G. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto, considera que, sendo também certo que o legislador fiscal não consagrou um regime transitório na Lei em causa entrada em vigor em 27-07-2010, o qual teria a virtualidade de resolver a matéria aqui controvertida, a liquidação posta em crise não padece dos vícios de ilegalidade e violação da lei que lhe vêm imputados pela mui douta sentença sob recurso.
H. O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) comporta várias categorias de rendimentos que correspondem a diferentes fontes ou origens do rendimento, sendo esta divisão em categorias, aconselhada pela diversidade dos regimes de tributação, especialmente no campo da determinação do rendimento e dos métodos de percepção do imposto, que não prejudica o tratamento unitário da matéria colectável, reflectido basicamente na aplicação de uma única tabela de taxas progressivas.
I. Assim se procura harmonizar a concepção da tributação pessoal, própria do sistema unitário, com a atenção que não pode deixar de prestar-se às particularidades relevantes das diferentes categorias de rendimentos, sendo inevitável, independentemente da unicidade tributária destacar que assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a este imposto só está completo no último dia do período de tributação.
J. Trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si antes visa realizar a tributação global do rendimento, com o englobamento de todos os rendimentos recebidos no determinado ano, o que significa que só no final do ano, in casu, de 2010, se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere (cfr. art. 22°, n° 1 do CIRS).
K. Aliás, as normas relativas à caducidade e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto, ou seja, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição, cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é, por si só, considerado um facto tributário autónomo.
L. Implica esta disposição legal a tributação do saldo entre as mais valias e menos valias, revogando a anterior exclusão de tributação das mais valias provenientes da alienação das obrigações e outros títulos de dívida e, bem assim, de acções detidas durante mais de doze meses.
M. Isto é, releva aqui o saldo positivo entre mais e menos valias apurado com referência a 31 de Dezembro de cada ano, pelo que a aplicação da nova Lei a mais valias apuradas em alienações onerosas ocorridas entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro, não colidirá com o princípio da não retroactividade da lei fiscal.
N. Pese embora o facto tributário, complexo e de formação sucessiva, se iniciar a partir de 1 de Janeiro, só se verifica, plenamente, no final do ano o que, formalmente, não consubstancia uma retroactividade, mas sim, mera retrospectividade expectativas que a Constituição não tutela, ao nível da proibição da retroactividade, por não haver direito à imutabilidade da Lei fiscal.
O. À semelhança da situação referida no Acórdão n.º 399/2010, Processo n.º 523 e 524/10 do Tribunal Constitucional, em que se acorda que o facto tributário consubstanciado na alienação efectuada entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010, de acções detidas há mais de 1 ano, não ficou completo no momento da referida venda, sendo sujeito a tributação no final do ano fiscal em curso, não são as mais valias realizadas individualmente em cada uma dessas operações, mas o saldo positivo verificado, no final do ano fiscal, no caso em 2010, entre as mais valias e as menos valias realizadas durante esse mesmo ano.
P. As alterações produzidas pela Lei 15/2010 só produzirão efeitos relevantes quando se proceder ao apuramento do rendimento colectável da totalidade dos rendimentos auferidos durante o ano de 2010, ainda que percebidos em momento anterior ao da entrada em vigor da lei.
Q. Vale isto por dizer, que o facto tributário que esta lei pretende regular na sua totalidade-, não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga, antes se continua formando na vigência da lei nova e, tendo em conta que o imposto sobre o rendimento é qualificável como um imposto periódico, o período de tributação só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de Dezembro de cada ano, estando, pois, afastada a retroactividade.
R. Ou seja, para a situação como a aqui em apreço, é referida uma retrospectividade ou retroactividade imprópria, não podendo esta ser reconduzida à figura da retroactividade própria, por não se projectar a lei nova em factos já consolidados no momento da sua entrada em vigor.
S. Na mais recente jurisprudência em matéria fiscal o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 128/2009, refere que a natureza necessariamente fluída dos critérios utilizados levou a que, em diversos arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais retroactivas. Foi o que sucedeu, por exemplo, nos Acórdãos n.º 11/83 e 66/84 (este último em Acórdãos, 4.º Vol. p. 35) e ainda nos Acórdãos n.ºs 67/91, 1006/96, 1204/96 e 416/02 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
T. Noutros casos, ao invés, o Tribunal Constitucional entendeu que, por inexistirem razões de interesse público que prevalecessem sobre o valor da segurança jurídica, as normas retroactivas seriam intoleráveis e, consequentemente, constitucionalmente ilegítimas (Cfr., por exemplo, os Acórdão ns.º 409/89, 216/90, 410/95 e 185/2000, também disponíveis no mesmo lugar).",
U. E como no acórdão n.º 85/2010, considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103°, n.º 3, CRP é somente a autêntica, resultando por isso que a “retroactividade inautêntica" não é proibida pelo artigo 103.º n.º 3, da CRP, pelo que, resulta claro que, em situações em tudo similares a esta, o Tribunal Constitucional considera que não há retroactividade autêntica ou própria (neste sentido, o citado Acórdão n.º 399/2010, Processo n.º 523 e 524/10, do Tribunal Constitucional).
V. A motivação da Lei 15/2010, de 26 de Julho, surge na sequência do Programa do Governo com a promoção da aproximação do regime da tributação das mais valias mobiliárias ao que é praticado na generalidade dos países da OCDE e, bem assim, do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para o triénio 2010-2013, onde se refere a tributação das mais valias como medida para a repartição justa e igualitária do esforço de recuperação da economia e de consolidação das contas públicas.
W. Entende a Fazenda Pública que, o facto tributário em IRS verifica-se no último dia do período de tributação (ano civil) pelo que, in casu, não ocorreu totalmente ao abrigo da lei antiga antes continua a formar-se já na vigência da nova lei, impondo apurar o saldo entre as mais-valias e menos-valias geradas no período de tributação, numa interpretação teleológica, axiológica e sistemática das normas do CIRS, ao referir expressamente o legislador, que a tributação se verifica sobre o saldo anual.
X. O facto tributário não é assim a mais-valia isoladamente considerada, o acto da alienação, mas tem de ser tido como de formação sucessiva impondo o apuramento de um saldo anual positivo entre as mais e menos valias obtidas, ou seja, a verificação de um acréscimo patrimonial adveniente da alienação.
Y. Suportada na natureza de formação sucessiva do facto tributário, o qual só o final do ano se completa, a situação aqui controvertida fica sujeita à lei fiscal em vigor nesse momento ou seja, ao quadro estabelecido pela Lei 15/2010, de 26/7 vigente no final do ano de 2010, sujeitando-se à tributação autónoma prescrita pela conjugação dos artigos 10°/1-b), 43°/3 e 72°/4 do CIRS, sem que a legalidade ou violação de lei que lhe vinha apontada pela douta sentença sob recurso se verifique.
Z. A jurisprudência que vem sendo fixada pelo Tribunal Constitucional, designadamente, aquela contida no Acórdão 399/2010, propugna que não ocorrerá retroactividade da lei fiscal, ao determinar a tributação autónoma da alienação de acções detidas há mais de 12 meses realizada entre 1 de Janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010, nem qualquer violação do princípio da segurança e da tutela jurídica.
M. Ao não decidir neste sentido, a sentença sob recurso fez desacertada interpretação dos normativos aplicáveis, designadamente do art. 110 da LGT, dos artigos 12° da LGT e do Código Civil, dos artigos 10° 11-b), 43°/3 e 720/4, todos do CIRS e dos artigos 2° e 5° da Lei 15/2010, de 26 de Julho, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, com as legais consequências.»

Foram apresentadas contra alegações a fls. 248 dos autos, com o seguinte quadro conclusivo:
A. De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a procedência da acção de impugnação do acto de liquidação adicional de IRS relativa a 2010 âncora no facto de “a Lei n.º15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, não estabelecendo qualquer norma específica destinada a reger a sua aplicação no tempo.",
B. Concluindo, assim, que “As acções da Impugnante B…………. consideram-se adquiridas na data da constituição da sociedade, nos termos do artigo 43.º, n.º. 6, al. b), na redacção aplicável, ou seja, em Agosto de 2004, pelo que, à data da venda, em Julho de 2010, tinham já passado mais de 12 meses desde a sua aquisição, estando a mais-valia obtida isenta de tributação, nos termos do art 10.º, n.º 2 al. a), do CIRS, na redacção anterior à dada pela Lei n.º. 15/2010."
C. Ora, ao contrário do que invoca a Fazenda Pública nas suas alegações, o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento porquanto fez uma correcta interpretação da lei e aplicação da lei no tempo.
E ISTO PORQUE
D. «A periodicidade anual do imposto não justifica a aplicação retroactiva da Lei 15/2010, de 26 de Julho a factos tributários ocorridos antes do início da sua vigência, sob pena de violação do princípio sobre a aplicação da Lei tributária no tempo. (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 4/12/2013 no âmbito do processo n.º 01582/13).
E. Como se demonstrou, e tem sido entendimento dos próprios Tribunais Superiores, “Embora o IRS incida sobre o valor anual dos rendimentos das suas categorias (art. 1º CIRS) o facto tributário é a alienação ou cessão onerosa, (…) e o respectivo ganho. Por isso, este concreto facto não é de formação sucessiva e ficou perfeito, naquela data. Se nessa data estava excluído, como estava, não tinha que entrar no cômputo do IRS anual. Ou seja, transmitindo-se as acções por efeito de contrato de compra e venda e tendo sido pago o preço nessa data, o facto tributário ficou perfeito não havendo elementos deformação sucessiva para o futuro".
F. Tanto assim é que, o próprio Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 4/12/2013 no âmbito do processo n.º 01582/13 veio afastar a aplicabilidade, a casos similares ao dos presentes autos, do Acórdão do Tribunal Constitucional mencionado pela Fazenda Pública nas suas Alegações de Recurso ao esclarecer que “o Acórdão do TC n.º 0399/10 de 27 de Outubro de 2010, é inaplicável ao caso concreto na medida em que, após considerações sobre o principio da irretroactividade das leis fiscais: emite pronúncia sobre questão distinta, aplicação do art. 68.º n.º 1 CIRS a todos os rendimentos auferidos no ano de 2010 após alterações introduzidas pela Lei 11/2010, de 15 de Junho (novo escalão para rendimento colectável superior a €150.000,00 sujeito à taxa de 45%) e pela lei n.º12-A/2010, de 30 de Junho (aumento do valor da taxa de todos os escalões, incluindo o escalão e a taxa introduzida pela Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho) (…)",
G. O Supremo Tribunal Administrativo, no referido acórdão, explica ainda de modo detalhado a questão controvertida, resolvendo-a da seguinte forma:
«A Lei 15/2010, de 26 de Julho, estabelecendo a sua entrada em vigor no dia seguinte à da sua aplicação (cfr. art.5.º), ou seja, em 27/07/2010 revogou o n.º 2 do art. 10.º do CIRS e alterou a redacção quer do n.º11 do mesmo normativo (…). O princípio da proibição da retroactividade fiscal encontra-se consagrado no art. 103.º, n.º 3, da Constituição que dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou seja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei»,
H. Sendo que «para que o Estado possa cobrar um imposto terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstracta, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitraria, indigna de um verdadeiro Estado de Direito.»
I. Tanto assim é que, «o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroactivos, prevendo a tributação de actos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus actores tivessem podido adequar a sua actuação com as novas razões."
J. Ora, tal exigência constitucional decorre «da preocupação do princípio da protecção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, reflectidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação integra e leal entre o cidadão e o Estado."
K. Concluindo que «é neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no art. 103°, n.º 3, a regra da proibição da retroactividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refracção do princípio geral da protecção da confiança dos cidadãos, inerente a toda actividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstracto de grave violação daquela confiança."
L. No que concerne à retroactividade na lei fiscal, vem sendo defendido que o «esta proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroactividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produzirem um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorrerem totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (ac.128/2009, 85/2010 e 399/2010)."
M. Finalizando, mesmo que se entenda que a lei cuja constitucionalidade se contesta não contende com a proibição expressa da retroactividade em matéria fiscal sempre seria atentatória do princípio da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio do Estado de Direito democrático, plasmado no artigo 2.º da CRP, ao pretender sujeitar a tributação um facto tributário que anteriormente não se encontrava sujeito, frustra as expectativas dos contribuintes, afectando-as de forma inadmissível, arbitrária e excessivamente onerosa.
N. Neste mesmo sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 8/01/2014 no âmbito do processo n.º 01078/12 que em apreciação de uma situação análoga decidiu nos termos que se transcrevem: «Ora considerando que o facto tributário ocorre à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, a AT ao tributar a totalidade do saldo anual das mais-valias e menos-valias realizadas pela impugnante à taxa de 20%, e ao não atender a que a sua alienação ocorreu na totalidade antes de 26 de Julho de 2010 e que as mesmas já eram detidas, à data da sua alienação à mais de 12 meses é manifesto que aplicou retroactivamente as alterações introduzidas pela Lei n.º 015/2010, de 26 de Julho, tratando-se de retroactividade autêntica constitucionalmente vedada pelo n.º 03 do art. 103.º da CRP. Assim está vedada a eficácia retroactiva às alterações introduzidas pela Lei 15/2010, de 26 de Julho, desde logo no que respeita à revogação da não sujeição tributária prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS quanto às mais-valias de longo prazo, por as participações sócias serem detidas há mais de 12 meses como sucede no caso dos autos".
O. Na mesma esteira, decidiu o mesmo Tribunal no Acórdão proferido em 4/12/2013 no âmbito do processo n.º 01582/13, ao afirmar que “A Lei 15/2010, de 26 de Julho, nada estabeleceu quanto à sua aplicação no tempo senão que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, razão pela qual se deve entender, em continuidade com o disposto no n.º 1 dos art.12.º da LGT e CC, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.»
P. Em suma, “ (…) no caso de mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva do longo do ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo. O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia. » (ibidem)
Q. Em face do que foi dito, a decisão em Recurso não merece censura, e portanto nenhum reparo, devendo, manter-se na ordem jurídica.»

O Ministério Público emitiu parecer cujo teor se apresenta por extracto atentas as partes mais relevantes para o presente recurso.
(…) A questão controvertida traduz-se em saber se a Lei 15/2010 se aplica apenas às mais valias resultantes da alienação de acções ocorrida após a sua entrada em vigor, sob pena de aplicação retractiva da lei, constitucionalmente proibida.
E possível distinguir três graus de retroactividade.
(…)
Ora, como veremos adiante, a aplicação da Lei 15/2010 às mais valias em causa, resultantes da venda de acções operada em 07 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da referia lei, consubstanciaria uma aplicação retroactiva de 1.º grau, claramente proibida nos termos do estatuído nos artigos 12.º/1 da LGT e 103.º/2 da CRP.
O IRS é um imposto unitário sobre o rendimento global das pessoas singulares, periódico ou de formação sucessiva (artigos 1.º e 22.º do CIRS).
No entanto, o IRS contempla elementos de obrigação única como as taxas liberatórias (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, página 293, nota. 470).
No caso em análise está em causa a tributação de mais valias, que consubstancia um elemento do IRS/tributo de obrigação única.
Na verdade, incide sobre operações que se verificam e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo da matéria colectável ser apurada, anualmente.
Com efeito, nos termos do estatuído no artigo 10.º/3 do CIRS os ganhos, qualificados como mais-valias provenientes da alienação onerosa de valores mobiliários, consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação.
O facto gerador da tributação das mais-valias é, assim, a alienação onerosa desses bens.
É, pois essa data (e não a do apuramento da matéria colectável ou outro) a relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova, quando esta não dispõe de forma diversa (neste sentido, sobre questão idêntica à, ora, em apreciação, acórdãos do STA, de 2014.01.08-P.01078/12, e de 2015.05.25-P. 013/15, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
A Lei 15/2010, de 26 de Junho entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 5.º), ou seja no dia 27 de Julho de 2010, sendo certo que não estabeleceu nenhum regime transitório.
Assim sendo, nos termos do estatuído no artigo 12.º da LGT, as alterações introduzidas ao CIRS, pela citada lei, apenas se podem aplicar aos factos tributários ocorridos a partir de 27 de Julho de 2010, como bem decidiu a sentença recorrida.
Uma vez que as acções foram alienadas em 07 de Julho de 2010, as mais-valias daí resultantes não estão sujeitas a tributação em sede de IRS, nos termos do disposto no artigo 10.º/2/a), na redacção anterior.
A interpretação sustentada pela recorrente Fazenda Pública, com o devido respeito, afigura-se materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade fiscal estatuído no artigo 103.º/3 da CRP.
A sentença recorrida não merece, assim, censura.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

2 – Fundamentação
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, deu como provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública celebrada no dia 4 de Agosto de 2004, a impugnante e D……………. constituíram a sociedade comercial por quotas, denominada C………….., Lda, com o capital social de € 5.000,00, correspondente à soma de duas quotas, pertencendo uma, no valor de € 4.750,00 à sócia B…………. e outra, no valor de € 250,00, ao sócio D…………….. (doc. n° 2, junto com a p.i.).

2. Na acção de processo ordinário que correu termos na 2ª Vara Mista de Guimarães, sob o n° 13/09.7TCGMR, em que foi autor, D………. e réus a impugnante B…………. e a sociedade C…….., Lda, foi efectuada transacção, nos seguintes termos:

1. – Que o capital social da sociedade é de € 5.000,00 – cinco mil euros – dividido em duas quotas iguais de € 2.500,00 – dois mil e quinhentos euros – pertencentes uma a cada um dos sócios.

2. – Aumentar o capital social de € 5.000,00 para € 50.000,00, a realizar por incorporação de reservas livres e a representar pelo reforço das duas actuais quotas, uma vez apreciado o interesse e a oportunidade e aprovado o balanço da sociedade, especialmente elaborado para o efeito, de harmonia com o contemplado no n°1 do art. 91° do Código das Sociedades Comerciais, pelo qual verificaram a existência de reservas suficientes para o efeito,
3. – Alterar o teor do art. 3° do contrato de sociedade, o qual passa a ter a seguinte redacção.
Artigo Terceiro
“O capital social, integralmente realizado em dinheiro, no montante de 50.000,00 €, corresponde à soma de duas quotas de 25.000,00 €, cada, pertencendo uma a cada um dos sócios B………… e D……………"
4. – Autorizar a divisão da actual quota de 25.000,00 € de que a sócia B…………… é actualmente titular, em quatro novas quotas, sendo a primeira de 24. 700,00 – vinte e quatro mil e setecentos euros – que reserva para si e as três restantes do valor nominal de e 100,00 cada uma, que cede a E…………., A…………….. e F…………., pelo seu valor nominal, cada um dos quais passa a deter nesta sociedade uma quota do valor nominal de 100,00 €
5. – Prestar o consentimento da sociedade à cessão a que se refere o número anterior aos ditos E…………….., A………………, F………, pelo respectivo valor nominal.
6. – Transformar esta sociedade em sociedade anónima, uma vez que já foi aprovado o balanço da sociedade especialmente elaborado pela gerência nos termos e para os efeitos contemplados na alínea a) do n° 1 do art. 132° CSC, uma vez verificado que a sociedade cumpre todos os requisitos a que a lei sujeita a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, ou seja, que o capital social depois da deliberação de transformação satisfaz o mínimo legal estabelecido para o novo tipo que se propõe adoptar, que o património não é inferior à soma do capital social e da reserva legal, que a sociedade contará, após a divisão e cessão anteriormente consentidos, com o número de sócios mínimo exigido por lei para o novo tipo social e que a situação patrimonial da sociedade não sofreu modificações significativas desde a data a que se reporta o Balanço a 30/09/2008 especialmente elaborado para cumprimento do disposto n° 1 do art. 132° do Código das Sociedades Comerciais é dispensado, nos termos do n° 6 do art. 99°, para que remete o n° 3 do art. 132° ambos do Código das Sociedades Comerciais, o exame do projecto de transformação por ROC independente.
7. – A sociedade anónima passará a reger-se pelo seguinte contrato:
Pacto Social
Firma, Sede e Objecto
ARTIGO PRIMEIRO
A sociedade adopta a denominação de C…………….., S.A. e reger-se-á pela legislação, aplicável e pelo presente contrato.
ARTIGO SEGUNDO
A sociedade tem a sua sede na Rua ………… n…………, freguesia de ……, concelho de Guimarães, podendo, por simples deliberação do Conselho de Administração, ser deslocada para qualquer outro local do território nacional.
ARTIGO TERCEIRO
A Sociedade tem por objecto social a comercialização de produtos farmacêuticos, para-farmacêuticos, cosméticos, representações comerciais, importação e exportação, de medicamentos e dispositivos médicos de farmácia e Farmácia.
ARTIGO QUARTO
O capital social, integralmente realizado, é de cinquenta mil euros, dividido em cinquenta mil acções, com o valor nominal de um euro cada uma.
ARTIGO QUINTO
Um – As acções serão necessária e exclusivamente nominativas e inconvertíveis em acções ao portador.
Dois – Poderão ser emitidos títulos de um, cinco, dez, vinte, cinquenta, cem e de múltiplos de cem acções.
ARTIGO SEXTO
Um – A transmissão de acções é livre entre os accionistas e destes para os respectivos cônjuges, descendentes e ascendentes;
Dois – É igualmente livre a transmissão de acções do respectivo titular para sociedade em que este detenha, por si ou conjuntamente com o seu cônjuge, descendentes ou ascendentes, um mínimo de cinquenta por cento do capital.
Três – Em todos os demais casos a transmissão de acções fica subordinado ao consentimento da sociedade.
ARTIGO SÉTIMO
Um – A concessão ou recusa do consentimento para a transmissão de acções competirá ao Conselho de Administração, que disporá de um prazo de trinta dias para se pronunciar sobre o pedido de consentimento.
Dois – No caso de a sociedade não se pronunciar sobre o pedido de consentimento no prazo anteriormente previsto, o titular ficará livre de proceder à transmissão das acções objecto do pedido, a quem e nas condições que para o efeito submeteu à apreciação da sociedade.
Três – Sempre que a sociedade recuse o seu consentimento a determinada transmissão de acções, procederá à sua aquisição nas condições de pagamento que lhe forem notificadas pelo accionista.
Quatro – Tratando-se de transmissões a título gratuito ou transmissões a título oneroso em que a sociedade verifique haver simulação de preço, a aquisição prevista no número anterior far-se-á por valor a determinar de acordo com o disposto no n° 2 do art. 105° do Código das Sociedades Comerciais.
Cinco – A sociedade poderá fazer-se substituir nas aquisições anteriormente previstas pelos accionistas que hajam expressado essa intenção, entre quem, na falta de acordo sobre o número de tais acções que a cada um caberá, se procederá a rateio, na proporção das acções de que cada um seja titular.
ARTIGO OITAVO
Um – a sociedade poderá amortizar acções, durante o prazo de um ano após haver tomado conhecimento de qualquer das seguintes circunstâncias:
– por morte de qualquer accionista, caso os respectivas acções não venham a caber ao cônjuge, a descendente, ascendente ou a outro accionista;
– por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, as acções venham a caber ao cônjuge do primitivo accionista;
– as acções da sociedade hajam sido arroladas, penhoradas, arrestadas ou sujeitas a qualquer espécie de providência judicial ou legal;
– falência ou insolvência de titular de acções da sociedade;
– a sociedade titular de acções desta sociedade, deixe de ter, pelo menos, cinquenta por cento do seu capital e dos inerentes direitos de voto detidos pelos actuais accionistas, seus cônjuges, descendentes ou ascendentes.
Dois – A contrapartida da amortização será igual ao valor que resultar para as respectivas acções do último balanço aprovado à data em que se ver o facto que a fundamenta e será paga em prazo que não excederá os seis meses da deliberação de amortização.
(…) (doc. n.º 4, junto com a p.i.).
3. A transacção referida em 2., foi homologada por sentença proferida em 19.4.2010, já transitada em julgado (doc. n°4, junto com a p.i.).
4. Na sequência da operação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, a impugnante B………………. passou a deter 24700 acções e o impugnante A………… passou a deter 100 acções, com o valor nominal de € 1,00 (cfr. pontos 4 e 5 da transacção referida em 2.).
5. Os impugnantes apresentaram a declaração anual de rendimentos para o ano de 2010, acompanhada do anexo G, relativo a mais-valias, fazendo constar, no quadro 8, respeitante à alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários: realização, pelo sujeito passivo B, em Julho de 2010, pelo valor de 789.700,00 e respectiva aquisição em Agosto de 2004, pelo valor de 24.700,00; realização, pelo sujeito passivo A, em Julho de 2010, pelo valor de 100,00 e respectiva aquisição em Maio de 2010, pelo valor de 100,00 (cfr. fls. 36 do P.A.).
6. Por contrato celebrado em 7 de Julho de 2010, os impugnantes venderam a G……………., as acções que detinham na sociedade, C………….., S.A., pelo preço global de € 790.000,00, na seguinte proporção: à impugnante, B…………., o valor de € 789.700,00 e ao impugnante, A…………., o valor de € 100,00 (doc. de fls. 151 a 168).
7. A Administração Fiscal tributou a mais-valia resultante da transmissão das acções (fls. 37 a 38 do P.A.).
8. Os impugnantes deduziram reclamação graciosa contra a liquidação, que foi indeferida, por despacho proferido em 25.6.2012 (fls. 46 do P.A.).

3 – DO DIREITO:
A decisão recorrida respondeu à questão de saber se pode ser tributado o ganho obtido com a alienação de acções em 7.7.2010, detidas há mais de 12 meses, em causa nos autos e sufragando a tese expendida nos acórdãos do STA de 4.12.2013, rec. n° 1582/13 e de 8.1.2014, rec. n° 1078/12, considerou que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo que se esgota na realização da mais-valia, sem prejuízo de a matéria colectável poder ser apurada anualmente.
E considerou que a Lei n° 15/2010, de 26 de Julho que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, não estabelecendo qualquer norma específica destinada a reger a sua aplicação no tempo e que efectuou a revogação do art. 10°, n.º 2 do CIRS eliminando a não sujeição tributária (art. 3°, n° 2 do EBF) prevista naquele art. 10°, n° 2 do CIRS (na redacção anterior à Lei n° 15/2010, de 26 de Julho) e aumentou o valor da taxa a que está sujeita a tributação das mais-valias de 10% para 20% (art. 72°, n° 4 do CIRS), não devia ser aplicada ao caso dos autos em que a alienação onerosa, das acções da sociedade C………………, SA., que ocorreu no dia 7 de Julho de 2010, portanto, antes da entrada em vigor da nova lei, o que significa, que a lei nova não pode ser aplicada ao caso em apreço, sob pena de violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.
DECIDINDO NESTE STA
No presente recurso questiona-se a decisão de 1ª Instância que considerou ilegal a liquidação de IRS efectuada, na consideração de que às mais valias geradas pela venda de acções em, 7 de Julho de 2010 não se aplica a Lei 15/2010 de 26 de Julho.
A questão a decidir, está acertadamente enunciada pelo Mº Pº junto deste STA como sendo: saber se a Lei 15/2010 se aplica apenas às mais valias resultantes da alienação de acções ocorrida após a sua entrada em vigor, sob pena de aplicação rectroactiva da lei, constitucionalmente proibida.
Esta questão obriga ao esclarecimento/indagação sobre quando se verificou o facto tributário. Importa apurar se a mais-valia realizada no dia 7 de Julho de 2010 é ou não um facto tributário de formação sucessiva defendendo a recorrente que o mesmo continua a formar-se já na vigência da nova lei, impondo-se apurar o saldo entre as mais-valias e menos-valias geradas no período de tributação pois o facto tributário em IRS verifica-se no último dia do período de tributação (ano civil).
De modo diverso, a recorrida sustenta que não se está perante um facto tributário de formação sucessiva, mas antes perante um facto tributário que ocorreu na data acabada de referir, isto é, anteriormente à entrada em vigor da nova lei.
O quadro legal:
Artº 1º do CIRS:
1 – O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
(…)
Categoria E – Rendimentos de capitais;
Artº 10º n.ºs 1, 2 e 3 do CIRS
Mais-Valias
1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
(…)
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
2 – (Revogado pelo artigo 2.º da Lei 15/2010, de 26/07). Antes tinha a seguinte redacção: Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:
a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
b) (…)
3 – Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;
b) Nos casos de afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas.
4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
b) (…)
c) (…)
d) (…)
Artº 72º n.º 4 do CIRS (versão em vigor até Março de 2010)
O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%. (Redacção do DL 192/2005, de 7 de Novembro – A vigorar a partir de 01.01.2006).
Artigo 72.º n.ºs 4 e 7 (Versão em vigor de Abril a Junho/2010)
Taxas especiais
4 – O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%. (Redacção do DL192/2005, de 7 de Novembro – A vigorar a partir de 01.01.2006)
7 – Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português. (Redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que produz efeitos desde 01/01/2009)

Artigo 72.º n.ºs 4 e 7 (Versão em vigor de Julho a Dezembro/2010)
Taxas especiais
4 – O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 20%. (Redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 15/2010, de 26/07)
7 – Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português. (Redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que produz efeitos desde 01/01/2009)

A Lei 15/2010 de 26/07, foi publicada no DR, Série I, n.º 143, desse dia, introduzindo um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores, para o que alterou o CIRS e o EBF.
Para o efeito, o seu artigo 1° deu nova redacção aos artigos 10, 43, 72, 119 e 123, do CIRS, aprovado pelo DL 442-A/88, de 30/11, passando o artigo 10° n.º 11 a ter seguinte redacção: «(…) 11 – Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das acções, bem como a data das respectivas aquisições.(…)». Por sua vez o n.º 4 do art. 72.º do mesmo código passou a prever que: “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º é tributado à taxa de 20%".

Para o mesmo efeito, o seu artigo 2° dispôs que «São revogados os n.ºs 2 e 12 do artigo 10º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A./88, de 30 de Novembro.».
Para o mesmo efeito ainda, o seu artigo 5°, sob a epígrafe «Entrada em vigor», estatuiu que «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.».

Da aplicação retroactiva da lei fiscal:
Permitimo-nos sobre esta matéria citar o ac. deste STA de 04/12/2013 tirado no recurso n.º 01582/13 no qual o ora relator interveio como 2º Juiz Adjunto. Ali se pode ler:
“ (…) O princípio da proibição da retroatividade fiscal encontra-se consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição que dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
Escreveu-se a respeito deste normativo no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 319/2012, que “Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroactivos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.
Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado.
É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroactividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt)."

Mais se note que, a propósito da aplicação da lei tributária no tempo rege o art. 12.º da Lei Geral Tributária que estabelece:
“1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2. Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor."

Tecidas estas considerações vejamos se na situação dos autos ocorreu a aplicação retroactiva das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
Para isso importa que, previamente, se analise o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e especificamente a tributação das mais-valias mobiliárias em sede de IRS.
A respeito do IRS, no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 399/10 deu-se conta que “O IRS caracteriza-se, em primeiro lugar, por ser um imposto directo, em que se tributam os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação. O facto tributário que dá origem ao imposto é, pois, complexo.
A configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura, pelo que se trata de um imposto periódico. Ou seja, a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tem na sua base situações estáveis que se prolongam no tempo.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos". Ou seja, trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si (embora a retenção na fonte possa, por vezes, obnubilar esta realidade), mas sim o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano. O que significa que só no final do ano de 2010 se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere.
Acresce ainda que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto. Assim, o artigo 45.º, n.º 4, da LGT estabelece que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e o artigo 48.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Quer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é por si só considerado um facto tributário autónomo."
No que se reporta às mais-valias estas constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, não sendo por definição um rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na atividade produtiva (cf. neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 379).
Um dos princípios gerais da sua tributação é, desde logo, o princípio da realização, isto é, só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o ativo é transacionado, excluindo-se de tributação os aumentos de valor dos ativos que não tenham sido objeto de alienação onerosa. O que se justifica por razões de dificuldades administrativas, as dificuldades de liquidez e a dificuldade de compreensão da tributação de meros paper gains.
Em sede de IRS, o art. 10.º, n.º 1, al. b) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de partes sociais e valores mobiliários, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397).
Como escreve José Guilherme Xavier de Basto (in IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397 e 427) “No que respeita ao momento em que o imposto é exigível […] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1". Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza" a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.". Daqui resulta que, em geral (opostamente ao que sucede na alínea b) deste normativo), a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador.
Quanto ao seu regime fiscal, no caso das mais-valias mobiliárias ele passa pela não obrigatoriedade do englobamento das mais-valias tributáveis (72.º, n.º 7 do CIRS) e pela tributação a uma taxa especial (art. 72.º, n.º 4 do CIRS). E nos termos do art. 43.º, n. º 1 do CIRS o que se tributa nas mais-valias é “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano".
Assim, optando pelo englobamento os rendimentos de mais-valias (ou melhor o saldo entre mais-valias e menos-valias) serão adicionados aos demais rendimentos para que sejam tributados pela globalidade às taxas gerais aplicáveis à situação particular, em função da totalidade dos rendimentos englobados. Não optando pelo englobamento a mais-valia apurada é sujeita a tributação a uma taxa especial. (…)
". Fim de citação.

Ora, no caso dos autos estão em causa mais-valias provenientes da transacção de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa. A nosso ver e tal como se decidiu no acórdão supra referenciado, estamos perante um facto tributário de formação instantânea que se esgota na realização da mais-valia (O imposto de mais – valias já era tido como de obrigação única – cf. Ac. do STA de 18.01.1995, P. 18287).
E, a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano", pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria colectável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias. Como muito bem defende a recorrida, não deve confundir-se o facto gerador do imposto com o processo de determinação do rendimento colectável.
Trata-se, como se refere no citado acórdão deste STA, de 04/12/2013, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação […]" [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012].
Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias.
A similitude com as situações de tributação autónoma é ainda maior quando, o contribuinte não opta pelo englobamento, já que aqui ocorre verdadeiramente uma tributação separada, por aplicação de uma taxa fixa (vd. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS; Almedina, 2.ª edição, p. 171). Ou seja, a taxa vai ser aplicada ao saldo anual, não havendo qualquer influência da grandeza desse saldo na determinação da taxa.
Tendo em conta que a “(…) a linha demarcadora do âmbito da retroactividade fiscal constitucionalmente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias «permanentes» e «periódicas» e «factos» cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma «instantaneamente», para cada um deles «de per si» (maxime, pela distinção entre «impostos periódicos» e «impostos de obrigação única»), e passará provavelmente, depois, no que concerne àquele primeiro tipo de situações, pela distância temporal que já tiver mediado entre o período de produção dos rendimentos e a criação (ou modificação) do correspondente imposto. Isto, de todo o modo, sem prejuízo do relevo de outras circunstâncias, cujo possível peso não poderá ignorar-se." (Cfr. Cardoso da Costa, “O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal", in Perspetivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 418).
Entendemos pois, como se defendeu no aresto a que vimos fazendo referência, que no caso da tributação das mais-valias estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria colectável ser apurada anualmente. É que nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS os ganhos, qualificados como mais-valias, resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários, consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação destes, sendo esse, pois, o da alienação (e não o do apuramento da matéria colectável, da declaração, da liquidação, ou outro) o momento relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova quando esta não disponha em sentido diverso. Ora, a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, como se disse, não estabeleceu nenhum regime transitório estabelecendo apenas que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. o seu artigo 5.º), razão pela qual se deve entender, em conformidade com o disposto no n.º 1 dos artigos 12.º da Lei Geral Tributária e do Código Civil, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.

Face ao exposto vejamos, então, se ocorreu a aplicação retroactiva das alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, não estabelecendo nenhum regime transitório.
Com a revogação do art. 10.º, n.º 2 do CIRS passaram, então, a estar também abrangidas pela norma de incidência, portanto não excluídas de tributação, as mais-valias obtidas com a alienação onerosa de participações sociais ainda que detidas há mais de doze meses.
Ou seja, eliminou-se a não sujeição tributária (art. 3.º, n.º 2 do EBF) prevista naquele art. 10.º, n.º 2 do CIRS (na redacção anterior à Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho).

Ora, considerando que o facto tributário ocorre à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, a Administração Tributária tributou indevidamente a totalidade do saldo anual das mais-valias e menos valias realizadas pela Impugnante B…………….. à taxa de 20%, e para tal não atendeu a que a sua alienação ocorreu, na totalidade, antes de 26 de Julho de 2010 e que as mesmas já eram detidas, à data da sua alienação, há mais de 12 meses no caso da impugnante Mulher (as acções consideram-se adquiridas na data da constituição da sociedade, nos termos do art. 43º, n° 6, al. b), do CIRS, na redacção aplicável, ou seja, em 4 de Agosto de 2004), estando a mais valia obtida isenta de tributação, nos termos do art. 10°, n°2 al. a), do CIRS, na redacção anterior à dada pela Lei n° 15/2010.
Quanto às acções do impugnante A………., também é exacta a indevida tributação pois embora se verifique que as mesmas foram adquiridas em Maio de 2010, pelo que aquele não as deteve 12 meses as mesmas foram vendidas ao preço de aquisição, pelo que não foi realizada qualquer mais valia, não podendo, pois, havendo tributação.
Tendo sucedido a liquidação ora impugnada é manifesto que foram aplicadas as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho e, tratando-se de retroactividade autêntica esta está constitucionalmente vedada pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República.
Assim, não ocorre dúvida que está vedada a eficácia retroactiva às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, desde logo no que respeita à revogação da não sujeição tributária prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS quanto às mais valias ditas de longo prazo, por as participações sociais serem detidas há mais de 12 meses como sucede no caso dos autos.
A título complementar deixamos expresso que, ainda que fosse de aceitar entendimento da AF de que estamos perante um facto jurídico-fiscal complexo de natureza sucessiva, sempre deveria ser tomado em conta o art. 12.º, n.º 2 da LGT o qual dispõe que: “se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor". Ou seja, apenas podia ser tributado à taxa de 20% o saldo entre as mais-valias e menos-valias relativo ao período decorrido a partir de 27.7.2010, (alienação que no caso dos autos inexiste) sendo o saldo relativo ao período anterior a essa data tributado à luz das regras vigentes antes da entrada em vigor da lei nova – isto é, excluindo de tributação a alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses e tributando a alienação de acções detidas pelo seu titular durante menos de 12 meses à taxa de 10%.
Em apoio da linha de orientação defendida supra para além do acórdão do STA de 04/12/2013, podemos ver ainda outros acórdãos do STA, designadamente a saber: de 06/07/2011 tirado no recurso 0281/11; de 08/01/2014 rec. 01078/12; de 16/12/15 rec. 01096/14; de 13/04/201 rec. 0376/15 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 17/02/2016 rec. 0668/15.
Por tudo o que ficou dito consideramos, que nenhuma censura merece a sentença recorrida, a qual deve ser confirmada.

4 – Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.