Diário da República n.º 9, Série I de 2016-01-14
Acórdão do TCAS n.º 08920/15, de 19 de novembro
Acórdão do TCAS de 19/11/2015, Processo n.º 08920/15
Diploma
1 - A prestação tributária mencionada no art.º 114, do R.G.I.T., refere-se a qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.art.º 11, al.a), do R.G.I.T.). No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida ou retida na fonte é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no n.º 2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.art.º 24, n.º 1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
2 - No n.º 5 do preceito sob exegese, prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, assim se remetendo para a violação das regras do pagamento por conta previstas nos art.ºs 96, 97 e 99, do C.I.R.C.
3 - No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no art.º 98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.art.º 96, n.º 1, do C.I.R.C.; art.º 33, da L.G.T.). Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.art.ºs 96, n.º 4, e 99, n.º 1, do C.I.R.C.).
4 - O "pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo. Se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição - porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma.
5 - Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da conduta do arguido no tocante à sua omissão enquanto contribuinte (cfr.art.º 31, do C.Penal).
6 - A sociedade recorrida não cometeu a infracção por que foi acoimada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f), do n.º 5, do art.º 114, do R.G.I.T., dado verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida.
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.63 a 70 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através da qual julgou procedente o salvatério intentado pela sociedade recorrida, "I……………….. - Comércio ……………, Unipessoal, L.da.", e, em consequência, anulou a decisão administrativa de aplicação de coima, mais absolvendo o arguido da infracção de que vinha acusado.
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.81 a 87 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1 - Ao abrigo do art.° 96, n°1 alínea a) do CIRC todas as entidades que exerçam a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola são obrigadas a efectuar três pagamentos por conta com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do ano a que respeitam os rendimentos. Tais pagamentos têm a natureza de entregas pecuniárias antecipadas efectuadas no período de formação do facto tributário (art.° 33 da LGT);
2 - Todavia, tais entidades podem accionar a dispensa de tais pagamentos quando o imposto do exercício for inferior ao valor de referência (art.° 96, n.°4 do CIRC), assim como podem accionar a limitação, ou suspensão do pagamento por conta nos termos do art.º 99, n.°1 a 3 do mesmo diploma legal. Para que se accione tal limitação do pagamento por conta, o que deve ser feito até ao termo do prazo para o respectivo pagamento, deve verificar-se que o montante a pagar por essa via é igual ou superior ao imposto que será devido com base no apuramento feito através da matéria colectável do respectivo período;
3 - Tal apuramento é um pressuposto necessário para o fim desejado, ou seja, o não pagamento por conta que, funcionando como um retardamento da liquidação, sujeito a juros compensatórios, passará assim a beneficiar de uma causa de exclusão da ilicitude, ficando, dessa forma o contribuinte desobrigado de efectuar pagamentos, ou tornando lícita a omissão do pagamento nessa situação. Caso contrário, o não pagamento, constitui uma infracção tributária punida por força do disposto no art.° 114°, n.º1, f) do RGIT, sendo irrelevante, só por si, que não seja devido imposto a final, caso não seja verificada tal limitação;
4 - Ou seja, nesse caso, deve ser aplicado o n.°1 do artigo 99° do CIRC, que prevê:
"Se o contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efectuar novo pagamento por conta";
5 - A omissão do pagamento sem que sejam observados tais cálculos legais é ilícita, considerando que, caso não se demonstre com base na matéria colectável a essa data que a arguida não era obrigada a efectuar tal pagamento deve, consequentemente, ser-lhe aplicada uma coima;
6 - A sentença recorrida, ao decidir tendo em conta o lucro tributável sem fazer essa apreciação dos factos, único raciocínio que permitiria a apreciação de se o montante do pagamento era ou não devido com base na matéria colectável do exercício, escusando novo pagamento por conta, decidiu com errada interpretação das normas legais e deficiente base instrutória";
7 - Contudo, não obstante, face à redacção do normativo legal e, à data dos factos, deveria tê-lo feito sem prejuízo de que teria sempre a sociedade que proceder ao pagamento do imposto, face à redacção do n.°1 do artigo 99 do CIRC;
8 - Dispunha como tal o art.º 96, 1, do CIRC que:
"As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial e agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:
"a) Em três pagamentos por conta, com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n°s. 2 e 3 do art. 8°, nos 7°, 9° e 12° meses do respectivo período de tributação.…"
Dispunha por seu turno, o art.° 97, 1, do mesmo Código:
"Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.° 1 do artigo 83°, relativamente ao exercício imediatamente anterior àqueles em que se devem efectuar esses pagamentos...".
Dispunha finalmente, o n.° 1 do art.° 99 do mesmo Código:
"Se o contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efectuar novo pagamento por conta, mas deve remeter à direcção de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável onde estiver centralizada a contabilidade uma declaração de limitação de pagamento por conta, de modelo oficial, devidamente assinada e datada, até ao termo do prazo para o respectivo pagamento.";
9 - A sentença recorrida ao julgar a exclusão de licitude com base no lucro tributável a apurar após o fim do exercício errou pois que, à data em que foi praticada a infracção esse resultado não era ainda conhecido e, não sendo por isso esse o critério legal adoptado, uma vez que a lei manda fazer um juízo de valor com base na matéria colectável, decidiu sem atentar às normas aplicáveis, devendo tal infracção ser legalmente punida, pelas disposições combinadas dos art.ºs 114, n. 2, 5, f) e 26 n.° 4 do RGIT;
10 - Para justificar a sua posição, a Mm. Juiz sustenta que os pagamentos por conta são "prestações antecipadas do imposto devido a final, no período de verificação do facto tributário.";
11 - Contudo para se eximir ao pagamento por conta deve o contribuinte, verificado que seja "que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício", proceder a um apuramento de limitação do pagamento por conta até ao termo do prazo para o respectivo pagamento. Ou seja, apenas após o primeiro pagamento e tendo por base a matéria colectável do período será possível verificar se o segundo pagamento será devido ou não. E como não se apurou sequer qual o montante que seria dispensado do pagamento por conta, não se encontra excluída a ilicitude da conduta da arguida;
12 - Sem prejuízo de que desde já importa sublinhar que a limitação só faz sentido se tiver sido paga, pelo menos, a primeira prestação. Basta atentar na redacção da norma legal (citado art.° 99, 1, do CIRC): "... montante do pagamento por conta já efectuado...";
13 - Ou seja, como ficou anteriormente perfeitamente demonstrado, o pagamento por conta não fica afastado do princípio da tributação do lucro real, face ao seu mecanismo que tem em conta a formação do facto tributário e, a matéria colectável apurada em determinado período, pois que se o lucro tributável é determinado por componentes positivas e negativas respeitantes quer a períodos anteriores, quer no próprio período por réditos que se consideram realizados em datas que coincidem com a entrega dos bens e, por serviços a considerar na data em que os mesmos são realizados, estamos perante um facto de formação sucessiva no tempo. Quer isto dizer que o primeiro pagamento por conta deve ser aferido em função do exercício anterior - art.º 97, 1, do CIRC - e, os seguintes tendo em conta o princípio da tributação do lucro real do sujeito passivo, aferidos agora em função do imposto que será devido com base na matéria colectável do período respectivo. Como tal, a falta de entrega da prestação tributária dentro prazo previsto na lei é punível nos termos do Art.º 114 n.º 2 e 26 n.º 4 do RGIT (Regime Geral para as Infracções Tributárias), caso não seja demonstrada a causa de exclusão de ilicitude;
14 - Nesta senda, salvo o devido respeito, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos com deficit instrutório e errada interpretação da lei, não pode manter-se na ordem jurídica;
15 - Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Não foram produzidas contra-alegações.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.106 a 108 dos autos).
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.65 e 66 dos autos - numeração nossa):
1 - Em 27 de Setembro de 2008, foi levantado auto de notícia contra a ora recorrente, "I………………… - Comércio …………, Unipessoal, L.da.", com o n.i.p.c. ………………., por esta não ter entregue, com referência ao período "2008/07", a prestação tributária correspondente ao montante do pagamento por conta exigível, no valor de € 42.346,68, até ao termo do prazo legal (31-7-2008), o que constitui infracção ao disposto no artigo 96, n.° 1, alínea a), do Código do IRC, punível pelos artigos 114, n.°s 2, 5, alínea f), e 26, n.° 4, todos do RGIT (cfr.auto de notícia junto a fls.2 do presente processo);
2 - O auto de notícia identificado no n.º 1 deu origem ao processo de contra-ordenação fiscal n°…………………., instaurado pelo 10.º Serviço de Finanças de Lisboa, no âmbito do qual foi a arguida notificada, em 27 de Outubro de 2008, nos termos do disposto no artigo 70.° do RGIT, da instauração do processo, dos factos apurados no mesmo, da punição em que incorre e para, querendo, apresentar defesa e juntar elementos probatórios, ou requerer o pagamento voluntário da coima (cfr.documentos juntos a fls.3, 12 e 39 dos presentes autos);
3 - Em 6 de Novembro de 2008, a arguida apresentou a sua defesa (cfr.documento junto a fls.4 a 9 dos presentes autos);
4 - Em 18 de Novembro de 2011, foi proferido despacho pelo Chefe do 10.º Serviço de Finanças de Lisboa, por delegação, que condenou a arguida no pagamento da coima de € 8.469,36, acrescida de custas processuais, no valor de € 48,00, pela prática de infracção ocorrida em 31 de Julho de 2008, ao disposto no artigo 96, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, prevista e punida pelos artigos 114, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26, n.º 4, todos do RGIT (cfr. documento junto a fls.16 e 17 dos presentes autos);
5 - Pelo ofício n.° 13148, de 22 de Novembro de 2011, foi a arguida notificada para, no prazo de vinte dias, proceder ao pagamento da coima e das custas processuais referidas no n.º 4, ou, no mesmo prazo, apresentar recurso judicial da decisão de aplicação da coima (cfr.documento juntos a fls.18 e 19 dos presentes autos);
6 - Em 29 de Dezembro de 2011, a arguida apresentou recurso da decisão referida no n.º4 (cfr.documento junto a fls.22 a 29 dos presentes autos);
7 - No exercício de 2008, a recorrente não apurou qualquer matéria colectável em sede de IRC (cfr.demonstração de liquidação junta a fls.60 dos presentes autos).
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…".
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente o salvatério intentado pela sociedade recorrida, "I…………….. - Comércio …………., Unipessoal, L.da.", e, em consequência, anulou a decisão administrativa de aplicação de coima, mais absolvendo o arguido da infracção de que vinha acusado.
Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.art.º 412, n.º1, do C.P.Penal, "ex vi" do art.º 3, al.b), do R.G.I.T., e do art.º 74, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em sinopse e como supra se alude, que ao abrigo do art.º 96, n.º1, al.a), do C.I.R.C., todas as entidades que exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola são obrigadas a efectuar três pagamentos por conta com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do ano a que respeitam os rendimentos. Que tais entidades podem accionar a dispensa de tais pagamentos quando o imposto do exercício for inferior ao valor de referência (cfr. art.º 96, n.º 4, do C.I.R.C.), assim como podem accionar a limitação, ou suspensão do pagamento por conta nos termos do art.º 99, n.ºs.1 a 3, do mesmo diploma legal. Para que se accione tal limitação do pagamento por conta, o que deve ser feito até ao termo do prazo para o respectivo pagamento, deve verificar-se que o montante a pagar por essa via é igual ou superior ao imposto que será devido com base no apuramento feito através da matéria colectável do respectivo período. Que o não pagamento, fora dos casos mencionados, constitui uma infracção tributária punida por força do disposto no art.º 114, n.ºs 1, e 5, al.f), do R.G.I.T., sendo irrelevante, só por si, que não seja devido imposto a final, caso não seja verificada tal limitação. Que a sentença recorrida ao julgar verificada a exclusão de ilicitude da conduta com base no lucro tributável a apurar após o fim do exercício errou, pois que, à data em que foi praticada a infracção, esse resultado não era ainda conhecido e não sendo, por isso, esse o critério legal adoptado, uma vez que a lei manda fazer um juízo de valor com base na matéria colectável. Que a factualidade constante dos autos deve ser legalmente punida pelas disposições combinadas dos art.ºs 114, n.ºs 1, 2 e 5, al.f), e 26, n.º 4, todos do R.G.I.T. (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso) com base em tal argumentação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do art.º 114, n.ºs 1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2008 (versão original da Lei 15/2001, de 5/6), a qual tinha o seguinte conteúdo:
(Falta de entrega da prestação tributária)
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5 - Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
(...)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.art.º 11, al.a), do R.G.I.T.).
No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no n.º2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr. art.º 24, n.º 1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
No n.º 5 do preceito sob exegese, prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, assim se remetendo para a violação das regras do pagamento por conta previstas nos artºs.96, 97 e 99, do C.I.R.C. (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no art.º 98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.art.º 96, n.º 1, do C.I.R.C.; art.º 33, da L.G.T.).
Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.art.ºs 96, n.º 4, e 99, n.º 1, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.218 e seg.).
Ora, tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever e a factualidade considerada assente nos presentes autos, julgamos, com o Tribunal "a quo", que a conduta da sociedade recorrida não preenche os pressupostos do ilícito contra-ordenacional tipificado no citado art.º 114, n.ºs 1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T.
É que o "pagamento por conta" é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido afinal, no período de formação do facto tributário. O que significa, ainda, que o "pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo.
E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição - porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma. A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efectiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infracção não se verifica, e, não se verificando infracção, não pode haver punição. Se não houver imposto devido (por não haver lucro tributável), a punição, para além de não respeitar a norma tipificadora da infracção, desrespeitaria também a valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, onde se contêm normas a requerer a tributação de acordo com o lucro tributável do período e segundo a capacidade contributiva do devedor - conforme, aliás, a uma visão do Direito como ordem jurídica sistémica e unitária, onde, a propósito, ganham proeminência os princípios constitucionais da tributação do lucro real, da justiça e da proporcionalidade. Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr.art.º 31, do C.Penal; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/2/2007, rec.1221/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/3/2007, rec.877/06).
De regresso ao caso dos autos, verifica-se que a sociedade arguida não procedeu ao pagamento por conta referente à 1ª prestação do ano de 2008, no valor de € 42.346,68, cujo prazo para pagamento terminou em 31 de Julho desse ano, actuação que motivou a decisão de aplicação de coima, no montante de € 8.469,34, cominada nos art.ºs 114, n.ºs. 2 e 5, al.f), e 26, n.º 4, todos do R.G.I.T. Sucede que, em relação ao ano de 2008, a cujo exercício corresponde o pagamento por conta em causa não efectuado, não se provou que à A. Fiscal assista o direito de cobrança de algum imposto a título de I.R.C., por a sociedade recorrida não ter apurado qualquer lucro tributável pelo qual seja devido imposto ao Estado (cfr.n.º 7 do probatório).
Nestes termos, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que a sociedade recorrida não cometeu a infracção por que foi acoimada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f), do n.º 5, do art.º 114, do R.G.I.T., dado verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida.
Rematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Condena-se o recorrente em custas.
Acórdão do TCAS n.º 08920/15, de 19 de novembro
1 – A prestação tributária mencionada no art.º 114, do R.G.I.T., refere-se a qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.art.º 11, al.a), do R.G.I.T.). No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida ou retida na fonte é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no n.º 2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa – cfr.art.º 24, n.º 1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
2 – No n.º 5 do preceito sob exegese, prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, assim se remetendo para a violação das regras do pagamento por conta previstas nos art.ºs 96, 97 e 99, do C.I.R.C.
3 – No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no art.º 98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.art.º 96, n.º 1, do C.I.R.C.; art.º 33, da L.G.T.). Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.art.ºs 96, n.º 4, e 99, n.º 1, do C.I.R.C.).
4 – O “pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta") – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo – aquele “pagamento por conta" não tem fundamento substantivo. Se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição – porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma.
5 – Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da conduta do arguido no tocante à sua omissão enquanto contribuinte (cfr.art.º 31, do C.Penal).
6 – A sociedade recorrida não cometeu a infracção por que foi acoimada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f), do n.º 5, do art.º 114, do R.G.I.T., dado verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida.
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.63 a 70 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através da qual julgou procedente o salvatério intentado pela sociedade recorrida, “I……………….. – Comércio ……………, Unipessoal, L.da.", e, em consequência, anulou a decisão administrativa de aplicação de coima, mais absolvendo o arguido da infracção de que vinha acusado.
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.81 a 87 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1 – Ao abrigo do art.° 96, n°1 alínea a) do CIRC todas as entidades que exerçam a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola são obrigadas a efectuar três pagamentos por conta com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do ano a que respeitam os rendimentos. Tais pagamentos têm a natureza de entregas pecuniárias antecipadas efectuadas no período de formação do facto tributário (art.° 33 da LGT);
2 – Todavia, tais entidades podem accionar a dispensa de tais pagamentos quando o imposto do exercício for inferior ao valor de referência (art.° 96, n.°4 do CIRC), assim como podem accionar a limitação, ou suspensão do pagamento por conta nos termos do art.º 99, n.°1 a 3 do mesmo diploma legal. Para que se accione tal limitação do pagamento por conta, o que deve ser feito até ao termo do prazo para o respectivo pagamento, deve verificar-se que o montante a pagar por essa via é igual ou superior ao imposto que será devido com base no apuramento feito através da matéria colectável do respectivo período;
3 – Tal apuramento é um pressuposto necessário para o fim desejado, ou seja, o não pagamento por conta que, funcionando como um retardamento da liquidação, sujeito a juros compensatórios, passará assim a beneficiar de uma causa de exclusão da ilicitude, ficando, dessa forma o contribuinte desobrigado de efectuar pagamentos, ou tornando lícita a omissão do pagamento nessa situação. Caso contrário, o não pagamento, constitui uma infracção tributária punida por força do disposto no art.° 114°, n.º1, f) do RGIT, sendo irrelevante, só por si, que não seja devido imposto a final, caso não seja verificada tal limitação;
4 – Ou seja, nesse caso, deve ser aplicado o n.°1 do artigo 99° do CIRC, que prevê:
“Se o contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efectuar novo pagamento por conta";
5 – A omissão do pagamento sem que sejam observados tais cálculos legais é ilícita, considerando que, caso não se demonstre com base na matéria colectável a essa data que a arguida não era obrigada a efectuar tal pagamento deve, consequentemente, ser-lhe aplicada uma coima;
6 – A sentença recorrida, ao decidir tendo em conta o lucro tributável sem fazer essa apreciação dos factos, único raciocínio que permitiria a apreciação de se o montante do pagamento era ou não devido com base na matéria colectável do exercício, escusando novo pagamento por conta, decidiu com errada interpretação das normas legais e deficiente base instrutória";
7 – Contudo, não obstante, face à redacção do normativo legal e, à data dos factos, deveria tê-lo feito sem prejuízo de que teria sempre a sociedade que proceder ao pagamento do imposto, face à redacção do n.°1 do artigo 99 do CIRC;
8 – Dispunha como tal o art.º 96, 1, do CIRC que:
“As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial e agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:
“a) Em três pagamentos por conta, com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n°s. 2 e 3 do art. 8°, nos 7°, 9° e 12° meses do respectivo período de tributação.…"
Dispunha por seu turno, o art.° 97, 1, do mesmo Código:
“Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.° 1 do artigo 83°, relativamente ao exercício imediatamente anterior àqueles em que se devem efectuar esses pagamentos…".
Dispunha finalmente, o n.° 1 do art.° 99 do mesmo Código:
“Se o contribuinte verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício, pode deixar de efectuar novo pagamento por conta, mas deve remeter à direcção de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável onde estiver centralizada a contabilidade uma declaração de limitação de pagamento por conta, de modelo oficial, devidamente assinada e datada, até ao termo do prazo para o respectivo pagamento.";
9 – A sentença recorrida ao julgar a exclusão de licitude com base no lucro tributável a apurar após o fim do exercício errou pois que, à data em que foi praticada a infracção esse resultado não era ainda conhecido e, não sendo por isso esse o critério legal adoptado, uma vez que a lei manda fazer um juízo de valor com base na matéria colectável, decidiu sem atentar às normas aplicáveis, devendo tal infracção ser legalmente punida, pelas disposições combinadas dos art.ºs 114, n. 2, 5, f) e 26 n.° 4 do RGIT;
10 – Para justificar a sua posição, a Mm. Juiz sustenta que os pagamentos por conta são “prestações antecipadas do imposto devido a final, no período de verificação do facto tributário.";
11 – Contudo para se eximir ao pagamento por conta deve o contribuinte, verificado que seja “que o montante do pagamento por conta já efectuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria colectável do exercício", proceder a um apuramento de limitação do pagamento por conta até ao termo do prazo para o respectivo pagamento. Ou seja, apenas após o primeiro pagamento e tendo por base a matéria colectável do período será possível verificar se o segundo pagamento será devido ou não. E como não se apurou sequer qual o montante que seria dispensado do pagamento por conta, não se encontra excluída a ilicitude da conduta da arguida;
12 – Sem prejuízo de que desde já importa sublinhar que a limitação só faz sentido se tiver sido paga, pelo menos, a primeira prestação. Basta atentar na redacção da norma legal (citado art.° 99, 1, do CIRC): “… montante do pagamento por conta já efectuado…";
13 – Ou seja, como ficou anteriormente perfeitamente demonstrado, o pagamento por conta não fica afastado do princípio da tributação do lucro real, face ao seu mecanismo que tem em conta a formação do facto tributário e, a matéria colectável apurada em determinado período, pois que se o lucro tributável é determinado por componentes positivas e negativas respeitantes quer a períodos anteriores, quer no próprio período por réditos que se consideram realizados em datas que coincidem com a entrega dos bens e, por serviços a considerar na data em que os mesmos são realizados, estamos perante um facto de formação sucessiva no tempo. Quer isto dizer que o primeiro pagamento por conta deve ser aferido em função do exercício anterior – art.º 97, 1, do CIRC – e, os seguintes tendo em conta o princípio da tributação do lucro real do sujeito passivo, aferidos agora em função do imposto que será devido com base na matéria colectável do período respectivo. Como tal, a falta de entrega da prestação tributária dentro prazo previsto na lei é punível nos termos do Art.º 114 n.º 2 e 26 n.º 4 do RGIT (Regime Geral para as Infracções Tributárias), caso não seja demonstrada a causa de exclusão de ilicitude;
14 – Nesta senda, salvo o devido respeito, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos com deficit instrutório e errada interpretação da lei, não pode manter-se na ordem jurídica;
15 – Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
Não foram produzidas contra-alegações.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.106 a 108 dos autos).
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.65 e 66 dos autos – numeração nossa):
1 – Em 27 de Setembro de 2008, foi levantado auto de notícia contra a ora recorrente, “I………………… – Comércio …………, Unipessoal, L.da.", com o n.i.p.c. ………………., por esta não ter entregue, com referência ao período “2008/07", a prestação tributária correspondente ao montante do pagamento por conta exigível, no valor de € 42.346,68, até ao termo do prazo legal (31-7-2008), o que constitui infracção ao disposto no artigo 96, n.° 1, alínea a), do Código do IRC, punível pelos artigos 114, n.°s 2, 5, alínea f), e 26, n.° 4, todos do RGIT (cfr.auto de notícia junto a fls.2 do presente processo);
2 – O auto de notícia identificado no n.º 1 deu origem ao processo de contra-ordenação fiscal n°…………………., instaurado pelo 10.º Serviço de Finanças de Lisboa, no âmbito do qual foi a arguida notificada, em 27 de Outubro de 2008, nos termos do disposto no artigo 70.° do RGIT, da instauração do processo, dos factos apurados no mesmo, da punição em que incorre e para, querendo, apresentar defesa e juntar elementos probatórios, ou requerer o pagamento voluntário da coima (cfr.documentos juntos a fls.3, 12 e 39 dos presentes autos);
3 – Em 6 de Novembro de 2008, a arguida apresentou a sua defesa (cfr.documento junto a fls.4 a 9 dos presentes autos);
4 – Em 18 de Novembro de 2011, foi proferido despacho pelo Chefe do 10.º Serviço de Finanças de Lisboa, por delegação, que condenou a arguida no pagamento da coima de € 8.469,36, acrescida de custas processuais, no valor de € 48,00, pela prática de infracção ocorrida em 31 de Julho de 2008, ao disposto no artigo 96, n.º 1, alínea a), do Código do IRC, prevista e punida pelos artigos 114, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26, n.º 4, todos do RGIT (cfr. documento junto a fls.16 e 17 dos presentes autos);
5 – Pelo ofício n.° 13148, de 22 de Novembro de 2011, foi a arguida notificada para, no prazo de vinte dias, proceder ao pagamento da coima e das custas processuais referidas no n.º 4, ou, no mesmo prazo, apresentar recurso judicial da decisão de aplicação da coima (cfr.documento juntos a fls.18 e 19 dos presentes autos);
6 – Em 29 de Dezembro de 2011, a arguida apresentou recurso da decisão referida no n.º4 (cfr.documento junto a fls.22 a 29 dos presentes autos);
7 – No exercício de 2008, a recorrente não apurou qualquer matéria colectável em sede de IRC (cfr.demonstração de liquidação junta a fls.60 dos presentes autos).
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório…".
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente o salvatério intentado pela sociedade recorrida, “I…………….. – Comércio …………., Unipessoal, L.da.", e, em consequência, anulou a decisão administrativa de aplicação de coima, mais absolvendo o arguido da infracção de que vinha acusado.
Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.art.º 412, n.º1, do C.P.Penal, “ex vi" do art.º 3, al.b), do R.G.I.T., e do art.º 74, n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em sinopse e como supra se alude, que ao abrigo do art.º 96, n.º1, al.a), do C.I.R.C., todas as entidades que exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola são obrigadas a efectuar três pagamentos por conta com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do ano a que respeitam os rendimentos. Que tais entidades podem accionar a dispensa de tais pagamentos quando o imposto do exercício for inferior ao valor de referência (cfr. art.º 96, n.º 4, do C.I.R.C.), assim como podem accionar a limitação, ou suspensão do pagamento por conta nos termos do art.º 99, n.ºs.1 a 3, do mesmo diploma legal. Para que se accione tal limitação do pagamento por conta, o que deve ser feito até ao termo do prazo para o respectivo pagamento, deve verificar-se que o montante a pagar por essa via é igual ou superior ao imposto que será devido com base no apuramento feito através da matéria colectável do respectivo período. Que o não pagamento, fora dos casos mencionados, constitui uma infracção tributária punida por força do disposto no art.º 114, n.ºs 1, e 5, al.f), do R.G.I.T., sendo irrelevante, só por si, que não seja devido imposto a final, caso não seja verificada tal limitação. Que a sentença recorrida ao julgar verificada a exclusão de ilicitude da conduta com base no lucro tributável a apurar após o fim do exercício errou, pois que, à data em que foi praticada a infracção, esse resultado não era ainda conhecido e não sendo, por isso, esse o critério legal adoptado, uma vez que a lei manda fazer um juízo de valor com base na matéria colectável. Que a factualidade constante dos autos deve ser legalmente punida pelas disposições combinadas dos art.ºs 114, n.ºs 1, 2 e 5, al.f), e 26, n.º 4, todos do R.G.I.T. (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso) com base em tal argumentação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do art.º 114, n.ºs 1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2008 (versão original da Lei 15/2001, de 5/6), a qual tinha o seguinte conteúdo:
(Falta de entrega da prestação tributária)
1 – A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 – Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5 – Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
(…)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.art.º 11, al.a), do R.G.I.T.).
No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no n.º2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa – cfr. art.º 24, n.º 1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
No n.º 5 do preceito sob exegese, prevêem-se várias situações em que não há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, mas sim omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, assim se remetendo para a violação das regras do pagamento por conta previstas nos artºs.96, 97 e 99, do C.I.R.C. (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no art.º 98, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.art.º 96, n.º 1, do C.I.R.C.; art.º 33, da L.G.T.).
Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.art.ºs 96, n.º 4, e 99, n.º 1, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.218 e seg.).
Ora, tendo presente o quadro normativo de referência acabado de transcrever e a factualidade considerada assente nos presentes autos, julgamos, com o Tribunal “a quo", que a conduta da sociedade recorrida não preenche os pressupostos do ilícito contra-ordenacional tipificado no citado art.º 114, n.ºs 1, 2 e 5, al.f), do R.G.I.T.
É que o “pagamento por conta" é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido afinal, no período de formação do facto tributário. O que significa, ainda, que o “pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o “pagamento por conta") – mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo – aquele “pagamento por conta" não tem fundamento substantivo.
E, assim, se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição – porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma. A falta de entrega da prestação por conta pode existir, mas, se não ocorrer a efectiva lesão do interesse protegido pela norma incriminadora, a infracção não se verifica, e, não se verificando infracção, não pode haver punição. Se não houver imposto devido (por não haver lucro tributável), a punição, para além de não respeitar a norma tipificadora da infracção, desrespeitaria também a valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, onde se contêm normas a requerer a tributação de acordo com o lucro tributável do período e segundo a capacidade contributiva do devedor – conforme, aliás, a uma visão do Direito como ordem jurídica sistémica e unitária, onde, a propósito, ganham proeminência os princípios constitucionais da tributação do lucro real, da justiça e da proporcionalidade. Em conclusão, nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr.art.º 31, do C.Penal; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/2/2007, rec.1221/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/3/2007, rec.877/06).
De regresso ao caso dos autos, verifica-se que a sociedade arguida não procedeu ao pagamento por conta referente à 1ª prestação do ano de 2008, no valor de € 42.346,68, cujo prazo para pagamento terminou em 31 de Julho desse ano, actuação que motivou a decisão de aplicação de coima, no montante de € 8.469,34, cominada nos art.ºs 114, n.ºs. 2 e 5, al.f), e 26, n.º 4, todos do R.G.I.T. Sucede que, em relação ao ano de 2008, a cujo exercício corresponde o pagamento por conta em causa não efectuado, não se provou que à A. Fiscal assista o direito de cobrança de algum imposto a título de I.R.C., por a sociedade recorrida não ter apurado qualquer lucro tributável pelo qual seja devido imposto ao Estado (cfr.n.º 7 do probatório).
Nestes termos, deve concluir-se, com o Tribunal “a quo", que a sociedade recorrida não cometeu a infracção por que foi acoimada, porquanto a sua conduta não preencheu todos os elementos constituintes da infracção tipificada na alínea f), do n.º 5, do art.º 114, do R.G.I.T., dado verificar-se uma causa de exclusão da ilicitude no tocante à sua conduta omissiva, motivo pelo qual deverá ser absolvida.
Rematando, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Condena-se o recorrente em custas.