Diploma

Diário da República n.º 188, Série II, de 2018-09-28
Acórdão n.º 378/2018, de 4 de julho

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, Processo n.º 156/2016

Tipo: Acórdão
Número: 378/2018
Publicação: 9 de Outubro, 2018
Disponibilização: 4 de Julho, 2018
Não julga inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja[...]

Síntese Comentada

O presente acórdão não julga inconstitucional a norma constante na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (aprovada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro, alterada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro e entretanto revogada pela Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro) na parte que impõe a tributação anual[...]

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Diploma

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório
1 - Pelo Acórdão n.º 250/2017, proferido nos presentes autos, a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional decidiu «[j]ulgar inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».

2 - A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com essa decisão, dela interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 79.º-D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC"). Invocou, como fundamento, que o Tribunal, com tal pronúncia, julgara a referida questão de inconstitucionalidade em sentido divergente ao adotado, quanto à mesma norma, pelo Acórdão n.º 568/2016, proferido pela 2.ª Secção, que «[n]ão julgou inconstitucional a norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (doravante, “TGIS"), que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».

3 - Por despacho do relator de 27 de junho de 2017, o recurso foi admitido.

4 - A recorrente apresentou alegações, concluindo o seguinte:

«(…)
P - O legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a €1000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era susceptível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a Verba 28.1 da TGIS sobre a pessoa de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas (e não só).
Q - Aliás, a capacidade contributiva para além do rendimento e da utilização de bens também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património (cfr. n.º 1 do artigo 4.º da LGT).
R - No caso da Verba 28 da TGIS representa o pressuposto económico que legitima a tributação da titularidade de prédios e terrenos urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
S - Ora, relativamente à afectação do imóvel em apreço e à tributação dos terrenos para construção com afectação habitacional quando afectos ao exercício de uma actividade económica, quando a lei fala em proprietário não distingue, sendo certo que onde a lei não distingue, não deve e não pode o intérprete distinguir, pelo que pouco releva que a Recorrida seja uma empresa.
T - Por outro lado, não se encontra demonstrada a pretendida influência significativa sobre a titularidade de prédios habitacionais por empresas imobiliárias, dado que a Verba n.º 28.1 da TGIS não possui alcance geral, mas tem o seu âmbito de aplicação restringido aos prédios com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, independentemente da natureza do património, usufrutuário ou superficiário.
U - O facto de os imóveis serem bens de investimento, afectos a operações imobiliárias habitualmente desenvolvidas pelo proprietário, não afectando a capacidade contributiva revelada, determinará que a tributação pela Verba 28.1 da TGIS seja susceptível de alguma atenuação no âmbito empresarial, já porque constitui custo de actividade, já pela possibilidade de repercussão (nos preços) que, em maior ou menor grau, sempre existe mesmo nos impostos sobre o rendimento das empresas, como se considerou no Acórdão n.º 590/2015 do Tribunal Constitucional.
V - O imposto em sindicância não visa uma tributação genérica do património e nem esta é, aliás, exigida pelo n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois que está em causa apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva.
X - Efectivamente, o legislador definiu um específico pressuposto económico constitucionalmente válido para alcançar o desiderato de tributação de realidades particularmente reveladoras de riqueza e a legitimar, por conseguinte, uma contribuição complementar para a consolidação orçamental.
Z - O único dado que pode relevar centra-se na aferição da propriedade de imóvel para habitação com VPT igual ou superiora €1000.000,00, que é efectivamente, a unidade e o pressuposto de tributação atentos os específicos fins visados pelo legislador.
AA - Não será, pois, a circunstância de outros contribuintes detentores de imobiliário identicamente valioso ficam isentos de tributo – nomeadamente por nenhum dos imóveis por si titulados atingirem o limiar previsto na Verba 28.1 da TGIS – que justificará uma específica censura constitucional à noma em sindicância.
BB - Um argumento superável quando se atente que o facto de tratarmos de entes colectivos e de imóveis destinados a construção com subsequente revenda – o que, aliás, também pode ocorrer com pessoas singulares que não se dediquem especificamente à promoção imobiliária – não infirma a constatação de que tais sociedades são titulares de um bem tido pelo legislador como manifestação de uma particular fortuna.
CC - Ainda que o terreno se revele instrumental da actividade da sociedade de promoção imobiliária, temos que o mesmo é idóneo a revelar que aquela pessoa colectiva é titular de um bem que, em si mesmo, evidencia uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.
DD - A tributação consubstanciada na Verba 28.1 da TGIS traduz-se numa imposição específica sobre o património (cfr. art.º 4.º n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento, pelo que, no que aqui importa, a capacidade contributiva que se visa atingir respeita estritamente à titularidade, por qualquer espécie de sujeitos passivos, de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação com VPT igual ou superior a €1.000.000, incidindo, portanto, sobre manifestações de riqueza consistentes nos elementos do património que possuam as características indicadas.
EE - A Verba 28.1 da TGIS concerne, com efeito, a uma tributação do património, sem visar especificamente as empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais indicados sobre prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com VPT igual ou superior a €1.000.000, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades com a ora Recorrida, fundações, associações, pessoas singulares, em suma, toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se valor igual ou superior a €1.000.000 (cfr. art.º 2.º, n.º 4, do CIS e art.º 8.º do CIMI).
(…)
HH - No que concerne ao terreno em causa é um terreno para construção em que está prevista ou autorizada a construção de prédios com componente habitacional e, deste modo, atendendo à factualidade que tem, obrigatoriamente, que ser dada como provada por este Tribunal, bem como igualmente aos documentos constantes dos autos, não antevê que seja possível ser de concluir que o terreno para construção sujeito ao imposto do selo cuja liquidação é impugnada nos autos constitui um terreno para construção de VPT superior a €1.000.000 em que estão autorizadas ou previstas edificações constituídas exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a €1.000.0000.
II - Mesmo em termos abstractos, afigura-se que não procede a orientação assumida pelo acórdão de considerar inconstitucional, por infracção ao princípio da igualdade, o critério normativo de tributação de situações jurídicas sobre terrenos para construção cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000 em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por fracções de valor individual inferior a €1.000.000 quando não ocorre a mesma tributação nas situações em que no terreno já foram construídas essas edificações exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a €1.000.000.
JJ - A realidade factual dos autos não é afectada pela configuração, em termos singulares, da específica situação dos terrenos para construção de VPT superior a €1.000.000 em que estão autorizadas ou previstas edificações constituídas exclusivamente por fracções de valor individual inferior a €1.000.000 pois que, desta forma, estaria este Tribunal na contingência de efectuar um juízo de inconstitucionalidade parcial vertical (consabidamente, aquela que reside na aplicabilidade da norma a certas situações ou categorias não autonomizadas no conteúdo normativo – cfr. o acórdão do TC n.º 12/84, de 8 de Fevereiro).
LL - O que está aqui em causa na situação configurada para efeitos do juízo de inconstitucionalidade é simplesmente a caracterização normativo-tributária de prédio urbano, a qual resulta dos conceitos próprios do CIM (cf. art.º 6.º) por força da aplicação subsidiária determinada pelo art.º 67.º n.º 2 do CIS.
MM - Não é nem pertinente, nem conforme à boa interpretação do Princípio da Igualdade fazer relevar, para efeitos de um juízo de conformidade constitucional da verba 28.1. da TGIS, o valor individual inferior a €1.000.000 de cada fracção eventualmente componente da futura edificação em causa no terreno para construção.
NN - Porquanto o único VPT constante da matriz nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis sobre que incide a tributação anual em imposto de selo é o VPT do próprio terreno em construção existente, não o daquelas fracções ainda inexistentes, cujo VPT apenas surgirá quando se deparar, após, a construção, com um prédio urbano habitacional (art.º 6.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CIMI) e já não com um terreno para construção (cf. art.ºs 10.º, 37.º e 106.º do CIMI).
OO - Desta forma na data da tributação em imposto de selo dos terrenos para construção só cabe atender à própria realidade do terreno para construção, tal como o mesmo é legalmente caracterizado, e tendo em conta o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000, não de uma edificação futura, com a consequente espécie de prédio urbano que venha a surgir subsequentemente, incluindo as fracções autónomas ou andares susceptíveis de utilização independente que possam existir, que, verdadeiramente, são meras abstracções virtuais de situações não constituídas, nem jurídica, nem factualmente.
PP - O que está e causa é tão só e apenas a sujeição objectiva e subjectiva à previsão normativa da Verba 28.1 da TGIS e não a uma qualquer futurologia sobre aquilo que aqueles terrenos para construção com afectação habitacional irão dar lugar.
(…)».

5 - A recorrida A., S.A., não apresentou contra-alegações.

II – Fundamentação
6 - O recurso para o Plenário previsto no invocado artigo 79.º-D da LTC é admissível na hipótese em que o Tribunal Constitucional julgue a questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) em sentido divergente do anteriormente adotado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções (n.º 1).
O critério relevante para a aferição da existência de oposição de julgados, pressuposto de admissibilidade do referido recurso, assenta, assim, nuclearmente, na identidade do objeto normativo das decisões de mérito em confronto, valendo como tal a divergência de julgamentos sucessivos, proferidos por qualquer das secções do Tribunal Constitucional, «quanto à mesma norma», como literalmente decorre do citado n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC.
No caso em análise, tanto o Acórdão n.º 250/2017, de que vem interposto o presente recurso, como o Acórdão n.º 568/2016, invocado em fundamento do recurso, têm por objeto a norma da verba 28.1 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a €1.000.000».
Com efeito, o Acórdão n.º 250/2017 julgou inconstitucional a norma da verba 28.1 da TGIS, na referida redação, «na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».
E muito embora o dispositivo do Acórdão n.º 568/2016 indique apenas a verba 28 da TGIS como fonte legal da norma apreciada, verifica-se que a decisão de não inconstitucionalidade tomada pela 2.ª Secção, nesse processo, por remissão para os fundamentos do Acórdão n.º 590/2015, recai especificamente sobre a solução consagrada na verba 28.1, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superiora €1.000.000», norma que havia sido efetivamente aplicada no processo base pelo Tribunal a quo, apesar da arguição de inconstitucionalidade que lhe foi dirigida pela parte, tendo por referência um lote para construção, com as características aí previstas, de que era proprietária (no mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos n.ºs 692/2016 e 70/2017 e as Decisões Sumárias n.ºs 268/2016, 605/2016 e 214/2017).
Sendo idêntica a norma apreciada pela decisão recorrida e pela decisão fundamento e opostos os juízos nelas formulados quanto à sua desconformidade constitucional, como demonstrado, é de concluir pela admissibilidade do presente recurso.

7 - Nos termos do n.º 5 do artigo 79.º-D da LTC, «a discussão tem por base o acórdão recorrido», sendo, pois, por referência a esta decisão e respetivos fundamentos, que se deverá apreciar e decidir o recurso.
O Acórdão n.º 250/2017 pronunciou-se sobre a inconstitucionalidade da norma inscrita na verba n.º 28.1 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com o seguinte teor:

«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%»

Como se sublinhou, o que se discutia especificamente neste aresto era a questão da inconstitucionalidade da solução normativa, adotada pela Lei n.º 83-C/2013, de alargar a incidência do tributo previsto na norma da verba n.º 28 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, sujeitando à sua aplicação, não apenas a propriedade de prédio habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, mas também a propriedade de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “CIMI")», cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a essa quantia.
Decidiu-se concretamente no referido acórdão que a norma que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terrenos para construção, com as descritas características, viola o princípio da igualdade tributária, consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Em síntese das razões do juízo de inconstitucionalidade, considerou-se, por um lado, que a referida norma «não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto»; e, por outro, que «as diferenciações que [a mesma] introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam o princípio da equidade social na austeridade».

8 - A violação do princípio da igualdade tributária, na perspetiva argumentativa desenvolvida na decisão recorrida no âmbito da primeira ordem de considerações, decorre essencialmente do facto de se desconsiderar o conjunto do património imobiliário de cada contribuinte e a natureza jurídica do sujeito passivo do imposto.
Lê-se, com efeito, no Acórdão n.º 250/2017:

«8. Embora a inclusão dos terrenos para construção na previsão normativa da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo tenha de ser inserida no seu contexto normativo, em rigor não cabe, no âmbito do presente recurso, ajuizar a constitucionalidade daquela verba no seu todo, e menos ainda sindicá-la na sua redação original.
Não se pode deixar de notar, contudo, que a tributação de manifestações avulsas de riqueza imobiliária não será o caminho adequado para cumprir os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva. Mesmo admitindo que a Constituição não impõe a criação de um imposto único sobre o património, como se afirmou com acerto no Acórdão n.º 590/2015, isso não quer dizer que ela tolere indiscriminadamente a criação de impostos parciais, como aquele que aqui se analisa. Não está em causa a inserção sistemática de um mecanismo de tributação do património imobiliário no âmbito do Imposto de Selo, que tem sido utilizado pelo legislador como um imposto residual, ou complementar, onde se inserem diferentes manifestações de riqueza não abrangidas por outros impostos, sem que daí advenha, por si só, qualquer desvio constitucional. Mas se a verba 28.1 da TGIS se assumiu como uma “taxa complementar de IMI", dirigida “a discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes", como sugere José Maria Fernandes Pires (cfr. Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3.ª edição, Almedina Editora, Coimbra, 2015, p. 504), a mesma deveria englobar, ou pelo menos considerar, o conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, sob pena de atingir os diferentes contribuintes de forma excessivamente desigual. Tanto mais que o imposto em questão não é progressivo, e que basta por isso que o valor patrimonial tributário de um prédio seja inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba para que o respetivo proprietário nada tenha a pagar, mesmo que seja proprietário de vários prédios desse valor.
Há, de facto, um pecado original na verba 28.1 da TGIS, tal como ela foi concebida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e que, como veremos adiante, a Lei n.º 83-C/2013 agravou com o aditamento dos terrenos para construção à mencionada previsão normativa. É que, ao não alargar a base de tributação, pelo menos, ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, não personalizando suficientemente o imposto, aquela verba não se revelou adequada a prosseguir “o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento", como o legislador se propôs na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012.

9. Como dissemos anteriormente, a alteração de redação feita pela Lei n.º 83-C/2013, que aditou à verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, introduziu um fator de distorção no regime de tributação do património imobiliário que representa, não apenas uma distorção na coerência interna do conjunto do sistema fiscal, ou mesmo do Imposto de Selo considerado isoladamente, mas uma distorção na própria coerência interna da norma tributária contida na referida verba.
De facto, ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário, a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.
Tem sido salientado pela doutrina fiscal que, enquanto critério de igualdade tributária, o princípio da capacidade contributiva “exige, antes de mais, a personalização do imposto, que quando se tribute uma qualquer manifestação de riqueza se pergunte pela pessoa que está por trás dela e pelas condições em que se encontra" (cfr. Sérgio Vasques, Capacidade contributiva, rendimento e património, in Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 19).
Ora, se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.
O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção.
Dir-se-á que essa exigência só se aplica à tributação de rendimento, e não à tributação de património, mas esse argumento apenas evidencia a diferente realidade da tributação de terrenos para construção, que se repercute mais sobre a atividade económica desenvolvida pelo seu proprietário do que sobre o valor do bem em si mesmo. Com a agravante de que a respetiva carga fiscal, se não inviabilizar em definitivo aquela atividade, acabará por ser suportada pelo consumidor final dos produtos imobiliários que dela resultar, de cuja capacidade contributiva nada podemos presumir sem conhecer a respetiva tipologia edificatória e valor.»

9 - Entende-se não ser de acolher um tal entendimento.
Estando em causa a aferição do cumprimento, pelo legislador, do princípio constitucional da igualdade – que não sofre modificação de sentido quando aplicado ao domínio tributário – não é aceitável que a comparação se faça à luz de outro critério que não o eleito pelo legislador para fundamentar a diferença de regimes jurídico-tributários introduzida pela norma sindicada.
Ora, é neste vício metodológico de análise que, desde logo, incorre a perspetiva defendida na decisão recorrida: de que há desigualdade constitucionalmente censurável porque se tributa o proprietário de um único prédio habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000 e se isenta de imposto o proprietário de vários prédios com tal afetação cujo valor patrimonial tributário individual seja inferior em apenas um euro à quantia fixada naquela verba.
Analisando hipótese equivalente com que se pretendia demonstrar a ocorrência de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, lê-se no Acórdão n.º 590/2015, para cuja doutrina remete o Acórdão fundamento n.º 568/2016:

«(…) [A] comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertium comparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, José Maria Fernandes Pires, ob. cit. pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.
Cabe ainda referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar (…)»

Como se conclui no citado aresto, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material deve, pois, ser referida à «unidade prédio afecto à habitação», centrada na individualidade económico-jurídica do património individual tributado, e não no conjunto do património do sujeito passivo do imposto, que exorbita o quadro de valoração da norma de incidência em causa e contradiz a respetiva estrutura individualizada de intervenção, baseada nos critérios de valor e conceitos económico-jurídicos com que o CIMI estrutura o respetivo imposto.

Uma tal exigência, respeitando à operatividade lógico-valorativa do parâmetro constitucional da igualdade, vale indistintamente para os casos em que a situação jurídica tributada por via do imposto previsto na Verba 28.1 do TGIS é a propriedade de prédios habitacionais ou a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, prevista ou autorizada, seja a habitação: não estando em causa um imposto geral sobre o património, mas um imposto que incide apenas sobre determinados bens, com as características aí previstas, não vale comparar a situação jurídico-tributária do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a €1000.000,00 com a do proprietário de um património imobiliário que, apenas no seu conjunto, excede esse valor.

10 - Ora, analisando o problema de inconstitucionalidade na perspetiva da situação jurídica selecionada como determinante da aplicação do tributo – a da titularidade do direito de propriedade sobre um único terreno para construção de valor igual ou superior a €1000.000,00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação –, não se afigura fundado o juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, que a decisão recorrida dirige à verba 28.1 da TGIS.
Lê-se no Acórdão n.º 590/2015, a respeito de tal princípio, o seguinte:

«O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos" (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)" (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto" (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).»

A esta luz, há que reconhecer que a norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, mesmo quando aplicada a terrenos para construção de edifícios destinados a habitação, atinge prédios de valor «bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional», cuja propriedade «revela maiores indicadores de riqueza», sendo, como tal, suscetível de fundar «a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade"» (Acórdão n.º 590/2015).
Assegura-se, assim, ainda, a necessária relação entre a prestação tributária devida e o seu pressuposto económico, traduzido na capacidade contributiva acrescida desse modo evidenciada por todos aqueles que são proprietários de terrenos para construção com as referidas características, mesmo que em grau inferior ao garantido pelo modelo de tributação sobre o rendimento, que, como se sabe, não é o único admitido pela Constituição (cfr. artigo 104.º, n.º 3).
Acresce que, como também se sublinhou no Acórdão n.º 590/2015, «a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão».
O tratamento diferenciado de situações que apresentam essa inexpressiva variação quantitativa, como sucede na hipótese, invocada pela decisão recorrida, de o valor patrimonial tributário de cada um dos vários prédios detidos pelo proprietário isento do imposto ser inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba, não tem, por isso, a virtualidade de pôr em causa, só por si, a conformidade constitucional da norma que fixa em €1.000.000,00 o valor patrimonial tributário a partir do qual é exigido o pagamento do imposto.

11 - Quanto à desconsideração da natureza jurídica do titular da situação jurídico-patrimonial constitutiva do imposto previsto na Verba 28.1, afirma a decisão recorrida que a referida norma, «ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário (…) confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza» (itálico nosso). Também por esta via, defende-se, se desconsidera a concreta situação económico-social em que está a pessoa visada pela tributação, presumindo-se, mal, que o proprietário de terrenos para construção de edifícios para habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00 tem idêntica capacidade contributiva que os proprietários de casas para habitação desse valor:

«(Se) por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.
O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção».

12 - Deve, contudo, sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais activos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)» (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentro desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos sectores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.
Ora, como vimos, a opção por tal modelo de tributação é constitucionalmente legítima, sendo virtualmente apta, com tal configuração, a prosseguir o programa que a Constituição lhe associa de contribuir para a igualdade entre os cidadãos, não decorrendo da argumentação expendida na decisão sob recurso a demonstração fundada de que efetivamente ocorre «arbitrariedade intolerável» na opção normativa de alargar a incidência do referido imposto aos terrenos para construção.
De facto, se é certo que a simples titularidade de terrenos para construção de habitações de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não permite, só por si, determinar a concreta e completa situação económico-financeira em que se encontra o sujeito passivo do imposto – o que, repete-se, não é constitucionalmente exigível-, também não autoriza juízos extrapolativos sobre o tipo de contribuintes atingidos por tal norma de incidência, o ramo de atividade em que atuam e as vicissitudes conjunturais, nomeadamente de mercado, a que poderão estar sujeitos.
Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muitos menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos específicos inerentes a cada um desses ramos de atividade.
A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de varáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade-, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade.
Como se salienta no Acórdão n.º 711/2006, em passo transcrito no Acórdão n.º 590/2015, «[a]veriguar (…) da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

13 - De todo o modo, mesmo que estivesse em causa – e não está – hipótese normativa circunscrita a sociedades comerciais com tal objeto social, não decorre do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos. Não há, por isso, qualquer motivo para censurar, no plano constitucional, a opção legal de também as sujeitar ao pagamento do imposto com base na titularidade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Como relembra a decisão que mais recentemente abordou o problema, apoiando-se na jurisprudência do Acórdão n.º 590/15 (Decisão Sumária n.º 214/2017), «[a] alteração do Imposto do Selo correspondeu a um dos três pilares – alterações em sede de IRS, de IRC e de Imposto do Selo – do esforço para reforçar a equidade social do sistema fiscal, garantindo que a repartição dos sacrifícios exigidos aos contribuintes em ordem à consecução do equilíbrio orçamental não fosse feita apenas por aqueles que vivem do rendimento do trabalho (cfr. a Proposta de Lei n.º 96/XII). Nesse sentido, e conforme foi anunciado em sede de debate parlamentar, o esforço orçamental deveria incidir sobre todos os tipos de rendimentos, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor».
Sendo essa a teleologia da norma constante da Verba 28.1, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, ainda no contexto excecional de crise económica determinante do conjunto das descritas alterações legais, não se afigura que a previsão da titularidade de terrenos para construção de edifícios destinados a habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000, como facto constitutivo da obrigação tributária em apreço, mereça reprovação constitucional.
Nessa situação jurídica, tal como sucede com a propriedade de casas para habitação de tal valor, há uma razão constitucionalmente válida que justifica a tributação: a titularidade de bens cujo valor patrimonial tributário e afetação social normal são suscetíveis de revelar uma especial capacidade para suportar e participar no esforço de consolidação orçamental que o legislador, no exercício do seu poder de livre conformação, decidiu alargar aos titulares de determinados patrimónios imobiliários, por razões de maior equidade social, a que a Constituição é claramente sensível.
Não cabe ao Tribunal Constitucional equacionar a possibilidade (abstrata) de existirem situações ou hipóteses que, em atenção à natureza do sujeito visado ou ramo de atividade por este desenvolvido, poderiam justificar diferentes soluções tributárias, e, com base nisso, decidir pela inconstitucionalidade da solução adotada pelo legislador, quando, como é o caso, a sua inclusão no âmbito de incidência da norma tributária, a par de todas as outras hipóteses abrangidas, de variável configuração factual, não constitui solução arbitrária ou racionalmente infundada, por assentar em indícios seguros, embora não infalíveis, de especial ou acrescida capacidade contributiva, como ficou demonstrado.
Por isso, não se afigura que as razões invocadas pela decisão recorrida, com base em tais ponderações, possam determinar um juízo de inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da igualdade tributária.

14 - Finalmente, também não impõe tal conclusão a circunstância, invocada no mesmo aresto, de a tributação dos terrenos para construção se basear na possibilidade futura de neles se virem a construir habitações sem considerar a respetiva tipologia edificatória e estrutura jurídica.
Neste plano de abordagem, sustenta o Acórdão n.º 250/2017, no essencial, que a desconsideração, pela norma sindicada, das diferenças existentes, tanto no plano físico como jurídico, entre terrenos para construção e edifícios ou construções já existentes, leva a que se sujeite a tributação, tanto «um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo» ou, mesmo, «uma casa de luxo já construída» - leia-se: de valor igual ou superior a um milhão de euros - como «um terreno para construção com um valor patrimonial superior [a esse valor], mas destinado à construção de um edifício de habitação colectiva (…) constituído por fracções autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a um milhão de euros», situação que não é de modo algum materialmente comparável a qualquer das duas primeiras hipóteses.
A causa da inconstitucionalidade residiria, pois, de acordo com a posição adotada, no facto de a norma tributar a propriedade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, prevista ou autorizada, sendo para habitação, inclui frações autónomas com valor inferior àquele, situação que, por ser desigual àquelas outras, mereceria distinto tratamento tributário.

15 - Mas não se afigura que assim seja.
Como se acentuou na Decisão Sumária n.º 214/2017, que analisou e refutou argumentação equivalente, «a conexão entre as regras de incidência objectiva e subjectiva aplicáveis à situação jurídica prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e as regras contidas no Código do IMI tem como consequência que o conceito de prédio relevante para efeitos do Código do Imposto do Selo seja, nos termos do respectivo artigo 1.º, n.º 6, o conceito homónimo definido no CIMI; e que o sujeito passivo do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral, seja, conforme estatuído no artigo 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, quem, em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar, for proprietário de um prédio com um VPT [valor patrimonial tributário], apurado nos termos do CIMI, igual ou superior a €1.000.000,00».
Considerando uma tal homogenia de conceitos jurídico-tributários, é claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins, tal como se afirma da decisão recorrida. Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.
As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 uma edificação constituída por frações autónomas de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência, deixarão de ser aplicáveis.
O único dado certo que, no enquadramento legal aplicável, pode e deve ser ajuizado, no plano constitucional, é a titularidade, no momento do vencimento da obrigação tributária em causa, de direitos reais de gozo sobre um terreno para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, se destina a habitação.

16 - Ora, na perspetiva juridicamente relevante da demonstração de riqueza, os terrenos destinados à construção de habitações, independentemente da estrutura jurídica e tipologia que estas últimas vierem a assumir, não são equiparáveis a prédios constituídos em frações autónomas.
No primeiro caso, está em causa, de acordo com as definições acolhidas pelo Código do Imposto do Selo, um único prédio, cujo VPT, determinado nos termos do Código do IMI, não pode deixar de ser considerado para aferir da incidência do Imposto do Selo; no segundo caso, sendo cada uma das frações autónomas havidas como constituindo um único prédio (artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, aplicável), há tantos prédios quantas frações autónomas, valendo, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, o VPT de cada uma delas.
Ora, enquanto o valor do terreno para construção revela necessariamente a capacidade contributiva do seu único titular, o mesmo não ocorre com um prédio constituído em propriedade horizontal, «uma vez que, sendo cada uma das fracções susceptíveis de uma situação jurídica real própria, só o valor de cada uma delas é idóneo a revelar a capacidade contributiva do seu titular» (Acórdão n.º 620/15; neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 214/2017).
Considerando a globalidade do enquadramento jurídico aplicável e, em particular, o plano de incidência da norma constante da Verba 28.1 da TGIS – a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de habitações com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 –, o proprietário de um terreno destinado à construção revela, à data da verificação do facto tributário, uma capacidade contributiva superior ao titular de cada uma das frações autónomas cujo valor patrimonial tributário não ultrapassa aquela quantia, ainda que o edifício que se prevê construir venha também a integrar frações de valor inferior a €1.000.000,00.

É que, relevando, para efeitos tributários, apenas o VPT de cada fração autónoma - que, como se viu, constitui uma unidade económico-jurídica legalmente qualificada como constituindo um único prédio – não vale comparar a situação patrimonial do titular de um prédio para habitação já construído, cujas frações sejam de valor patrimonial tributário inferior a €1.000.000,00, com a do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a esse montante, ainda que este tenha autorização para nele construir um prédio com tais características.
De acordo com os critérios legalmente aplicáveis, cuja constitucionalidade não vem questionada, o proprietário de um prédio já construído, constituído em propriedade horizontal, não é tido como titular, para efeitos tributários, da globalidade das frações autónomas dele integrantes, considerando precisamente a autonomia económico-jurídica destas últimas em relação ao edifício de que fazem parte. Por isso, não tendo qualquer dessas frações um VPT ou superior a €1.000.000,00, não está o mesmo sujeito ao pagamento do imposto do selo.
Diferentemente, o proprietário de um terreno para construção de edifício para habitação é já havido, para esses mesmos efeitos, como titular do correspondente valor patrimonial, pela razão evidente de que, apesar da possibilidade futura da divisão económico-jurídica desse edifício, esta ainda se não concretizou. Daí que, tendo o terreno um VPT de €1.000.000,00 ou mais, lhe seja exigido o pagamento do imposto, imposto este que, por compatível com o nível de riqueza demonstrado pelo contribuinte no momento do vencimento da correspondente obrigação tributária, não pode ser considerado infundado ou arbitrário.
Como impressivamente se afirma em declaração de voto constante do Acórdão n.º 250/2017:

«(..) não é a circunstância de a construção prevista num dado terreno se reconduzir a uma habitação de luxo ou a prédio em propriedade horizontal com diversas fracções de reduzido ou médio valor que permite questionar a efectiva concretização do propósito de tributação de específicas manifestações de riqueza. Quer o correspondente titular deseje edificar uma habitação dotada de todo o género de ostentação, um imóvel em propriedade horizontal com dezenas de fracções ou uma singela vivenda, a realidade é que, no momento da verificação do facto tributário, estamos invariavelmente em face de terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a €1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno – e já não a específica habitação que se deseja edificar – que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança.
Se, não obstante as múltiplas possibilidades que tem ao seu dispor, o proprietário se decide pela implementação de construção que não ascenda a tal grandeza – nomeadamente por esta se apresentar em propriedade horizontal, a importar uma tributação das fracções autónomas e já não do edifício global-, tal não invalida a constatação de que, enquanto terreno, aquele imóvel se apresentava, por si só, como especial manifestação de riqueza».

E assim sendo, também não oferece dúvidas que, contrariamente ao que se defende na decisão recorrida, a diferenciação introduzida entre os contribuintes que se encontram em tal situação e os que não estão, incluindo os titulares de prédios urbanos constituídos por frações urbanas de VPT inferior a €1.000.000,00, é adequada à realização do fim visado pela norma da Verba 28.1, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de mais valor em termos ajustados à satisfação do «princípio da equidade social na austeridade.

III - Decisão
17 - Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00;
b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
c) Revogar o Acórdão n.º 250/2017.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido.
Entendo que é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade, a incidência da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, desde que os imóveis em causa integrem uma atividade de promoção ou investimento imobiliários.
O fundamento da tributação dos prédios destinados à habitação com elevado valor patrimonial tributário é a capacidade contributiva indiretamente manifestada pela titularidade do imóvel. Com efeito, partindo-se do pressuposto de que o património manifesta capacidade contributiva e que não é viável, por razões de praticabilidade, a tributação global do património, parece evidente que os impostos sobre a riqueza devem incidir sobre factos ou situações patrimoniais de que se possa inferir a titularidade de um património significativo. Por outras palavras, a tributação do património pode e deve basear-se em métodos indiciários.
Ora, a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de valor igual ou superior a 1.000.000,00 de euros constitui, no contexto da sociedade portuguesa, um índice razoável (se bem que não infalível) de titularidade de um património significativo, revelador de considerável capacidade contributiva. Daí que me pareça acertada a conclusão alcançada no Acórdão n.º 590/2015, de que a verba 28.1 da TGIS não viola o princípio da igualdade, interpretado como norma de controlo judicial do poder legislativo, no caso-padrão em que o prédio habitacional ou o terreno para construção destinado a habitação se encontrem afetos ao uso ou fruição do respetivo titular.
Não creio, porém, que a mesma conclusão seja válida quando o titular do imóvel seja um empreendedor imobiliário, que o adquiriu com o fito de prosseguir a respetiva atividade. Nesses casos, a tributação incide sobre um fator de produção afeto a uma empresa cuja fortuna se desconhece. A titularidade do bem não permite presumir rigorosamente nada de significativo sobre a capacidade contributiva do sujeito, pelo menos na medida em que esta se encontre vinculada a uma ideia, imposta pela compreensão substancial do princípio da igualdade, de igualdade de sacrifício na repartição dos encargos públicos.
Há, assim, uma incongruência manifesta entre o fundamento legítimo do tributo e o seu âmbito de incidência. Nessa medida - e apenas nessa exata medida-, a verba 28.1. da TGIS é inconstitucional, por violar o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.

Acórdão n.º 378/2018, de 4 de julho

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório
1 – Pelo Acórdão n.º 250/2017, proferido nos presentes autos, a 1.ª Secção do Tribunal Constitucional decidiu «[j]ulgar inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».

2 – A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com essa decisão, dela interpôs recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 79.º-D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC"). Invocou, como fundamento, que o Tribunal, com tal pronúncia, julgara a referida questão de inconstitucionalidade em sentido divergente ao adotado, quanto à mesma norma, pelo Acórdão n.º 568/2016, proferido pela 2.ª Secção, que «[n]ão julgou inconstitucional a norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (doravante, “TGIS"), que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».

3 – Por despacho do relator de 27 de junho de 2017, o recurso foi admitido.

4 – A recorrente apresentou alegações, concluindo o seguinte:

«(…)
P – O legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a €1000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era susceptível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a Verba 28.1 da TGIS sobre a pessoa de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas (e não só).
Q – Aliás, a capacidade contributiva para além do rendimento e da utilização de bens também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património (cfr. n.º 1 do artigo 4.º da LGT).
R – No caso da Verba 28 da TGIS representa o pressuposto económico que legitima a tributação da titularidade de prédios e terrenos urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.
S – Ora, relativamente à afectação do imóvel em apreço e à tributação dos terrenos para construção com afectação habitacional quando afectos ao exercício de uma actividade económica, quando a lei fala em proprietário não distingue, sendo certo que onde a lei não distingue, não deve e não pode o intérprete distinguir, pelo que pouco releva que a Recorrida seja uma empresa.
T – Por outro lado, não se encontra demonstrada a pretendida influência significativa sobre a titularidade de prédios habitacionais por empresas imobiliárias, dado que a Verba n.º 28.1 da TGIS não possui alcance geral, mas tem o seu âmbito de aplicação restringido aos prédios com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, independentemente da natureza do património, usufrutuário ou superficiário.
U – O facto de os imóveis serem bens de investimento, afectos a operações imobiliárias habitualmente desenvolvidas pelo proprietário, não afectando a capacidade contributiva revelada, determinará que a tributação pela Verba 28.1 da TGIS seja susceptível de alguma atenuação no âmbito empresarial, já porque constitui custo de actividade, já pela possibilidade de repercussão (nos preços) que, em maior ou menor grau, sempre existe mesmo nos impostos sobre o rendimento das empresas, como se considerou no Acórdão n.º 590/2015 do Tribunal Constitucional.
V – O imposto em sindicância não visa uma tributação genérica do património e nem esta é, aliás, exigida pelo n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois que está em causa apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva.
X – Efectivamente, o legislador definiu um específico pressuposto económico constitucionalmente válido para alcançar o desiderato de tributação de realidades particularmente reveladoras de riqueza e a legitimar, por conseguinte, uma contribuição complementar para a consolidação orçamental.
Z – O único dado que pode relevar centra-se na aferição da propriedade de imóvel para habitação com VPT igual ou superiora €1000.000,00, que é efectivamente, a unidade e o pressuposto de tributação atentos os específicos fins visados pelo legislador.
AA – Não será, pois, a circunstância de outros contribuintes detentores de imobiliário identicamente valioso ficam isentos de tributo – nomeadamente por nenhum dos imóveis por si titulados atingirem o limiar previsto na Verba 28.1 da TGIS – que justificará uma específica censura constitucional à noma em sindicância.
BB – Um argumento superável quando se atente que o facto de tratarmos de entes colectivos e de imóveis destinados a construção com subsequente revenda – o que, aliás, também pode ocorrer com pessoas singulares que não se dediquem especificamente à promoção imobiliária – não infirma a constatação de que tais sociedades são titulares de um bem tido pelo legislador como manifestação de uma particular fortuna.
CC – Ainda que o terreno se revele instrumental da actividade da sociedade de promoção imobiliária, temos que o mesmo é idóneo a revelar que aquela pessoa colectiva é titular de um bem que, em si mesmo, evidencia uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários.
DD – A tributação consubstanciada na Verba 28.1 da TGIS traduz-se numa imposição específica sobre o património (cfr. art.º 4.º n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento, pelo que, no que aqui importa, a capacidade contributiva que se visa atingir respeita estritamente à titularidade, por qualquer espécie de sujeitos passivos, de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação com VPT igual ou superior a €1.000.000, incidindo, portanto, sobre manifestações de riqueza consistentes nos elementos do património que possuam as características indicadas.
EE – A Verba 28.1 da TGIS concerne, com efeito, a uma tributação do património, sem visar especificamente as empresas, pois compreende toda a espécie de sujeitos passivos que sejam titulares dos direitos reais indicados sobre prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com VPT igual ou superior a €1.000.000, independentemente de assumirem carácter empresarial ou não, abrangendo, assim, para além de sociedades com a ora Recorrida, fundações, associações, pessoas singulares, em suma, toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se valor igual ou superior a €1.000.000 (cfr. art.º 2.º, n.º 4, do CIS e art.º 8.º do CIMI).
(…)
HH – No que concerne ao terreno em causa é um terreno para construção em que está prevista ou autorizada a construção de prédios com componente habitacional e, deste modo, atendendo à factualidade que tem, obrigatoriamente, que ser dada como provada por este Tribunal, bem como igualmente aos documentos constantes dos autos, não antevê que seja possível ser de concluir que o terreno para construção sujeito ao imposto do selo cuja liquidação é impugnada nos autos constitui um terreno para construção de VPT superior a €1.000.000 em que estão autorizadas ou previstas edificações constituídas exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a €1.000.0000.
II – Mesmo em termos abstractos, afigura-se que não procede a orientação assumida pelo acórdão de considerar inconstitucional, por infracção ao princípio da igualdade, o critério normativo de tributação de situações jurídicas sobre terrenos para construção cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000 em que estão autorizadas ou previstas edificações exclusivamente constituídas por fracções de valor individual inferior a €1.000.000 quando não ocorre a mesma tributação nas situações em que no terreno já foram construídas essas edificações exclusivamente constituídas por frações de valor individual inferior a €1.000.000.
JJ – A realidade factual dos autos não é afectada pela configuração, em termos singulares, da específica situação dos terrenos para construção de VPT superior a €1.000.000 em que estão autorizadas ou previstas edificações constituídas exclusivamente por fracções de valor individual inferior a €1.000.000 pois que, desta forma, estaria este Tribunal na contingência de efectuar um juízo de inconstitucionalidade parcial vertical (consabidamente, aquela que reside na aplicabilidade da norma a certas situações ou categorias não autonomizadas no conteúdo normativo – cfr. o acórdão do TC n.º 12/84, de 8 de Fevereiro).
LL – O que está aqui em causa na situação configurada para efeitos do juízo de inconstitucionalidade é simplesmente a caracterização normativo-tributária de prédio urbano, a qual resulta dos conceitos próprios do CIM (cf. art.º 6.º) por força da aplicação subsidiária determinada pelo art.º 67.º n.º 2 do CIS.
MM – Não é nem pertinente, nem conforme à boa interpretação do Princípio da Igualdade fazer relevar, para efeitos de um juízo de conformidade constitucional da verba 28.1. da TGIS, o valor individual inferior a €1.000.000 de cada fracção eventualmente componente da futura edificação em causa no terreno para construção.
NN – Porquanto o único VPT constante da matriz nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis sobre que incide a tributação anual em imposto de selo é o VPT do próprio terreno em construção existente, não o daquelas fracções ainda inexistentes, cujo VPT apenas surgirá quando se deparar, após, a construção, com um prédio urbano habitacional (art.º 6.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CIMI) e já não com um terreno para construção (cf. art.ºs 10.º, 37.º e 106.º do CIMI).
OO – Desta forma na data da tributação em imposto de selo dos terrenos para construção só cabe atender à própria realidade do terreno para construção, tal como o mesmo é legalmente caracterizado, e tendo em conta o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000, não de uma edificação futura, com a consequente espécie de prédio urbano que venha a surgir subsequentemente, incluindo as fracções autónomas ou andares susceptíveis de utilização independente que possam existir, que, verdadeiramente, são meras abstracções virtuais de situações não constituídas, nem jurídica, nem factualmente.
PP – O que está e causa é tão só e apenas a sujeição objectiva e subjectiva à previsão normativa da Verba 28.1 da TGIS e não a uma qualquer futurologia sobre aquilo que aqueles terrenos para construção com afectação habitacional irão dar lugar.
(…)».

5 – A recorrida A., S.A., não apresentou contra-alegações.

II – Fundamentação
6 – O recurso para o Plenário previsto no invocado artigo 79.º-D da LTC é admissível na hipótese em que o Tribunal Constitucional julgue a questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) em sentido divergente do anteriormente adotado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções (n.º 1).
O critério relevante para a aferição da existência de oposição de julgados, pressuposto de admissibilidade do referido recurso, assenta, assim, nuclearmente, na identidade do objeto normativo das decisões de mérito em confronto, valendo como tal a divergência de julgamentos sucessivos, proferidos por qualquer das secções do Tribunal Constitucional, «quanto à mesma norma», como literalmente decorre do citado n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC.
No caso em análise, tanto o Acórdão n.º 250/2017, de que vem interposto o presente recurso, como o Acórdão n.º 568/2016, invocado em fundamento do recurso, têm por objeto a norma da verba 28.1 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a €1.000.000».
Com efeito, o Acórdão n.º 250/2017 julgou inconstitucional a norma da verba 28.1 da TGIS, na referida redação, «na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00».
E muito embora o dispositivo do Acórdão n.º 568/2016 indique apenas a verba 28 da TGIS como fonte legal da norma apreciada, verifica-se que a decisão de não inconstitucionalidade tomada pela 2.ª Secção, nesse processo, por remissão para os fundamentos do Acórdão n.º 590/2015, recai especificamente sobre a solução consagrada na verba 28.1, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superiora €1.000.000», norma que havia sido efetivamente aplicada no processo base pelo Tribunal a quo, apesar da arguição de inconstitucionalidade que lhe foi dirigida pela parte, tendo por referência um lote para construção, com as características aí previstas, de que era proprietária (no mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos n.ºs 692/2016 e 70/2017 e as Decisões Sumárias n.ºs 268/2016, 605/2016 e 214/2017).
Sendo idêntica a norma apreciada pela decisão recorrida e pela decisão fundamento e opostos os juízos nelas formulados quanto à sua desconformidade constitucional, como demonstrado, é de concluir pela admissibilidade do presente recurso.

7 – Nos termos do n.º 5 do artigo 79.º-D da LTC, «a discussão tem por base o acórdão recorrido», sendo, pois, por referência a esta decisão e respetivos fundamentos, que se deverá apreciar e decidir o recurso.
O Acórdão n.º 250/2017 pronunciou-se sobre a inconstitucionalidade da norma inscrita na verba n.º 28.1 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, com o seguinte teor:

«28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%»

Como se sublinhou, o que se discutia especificamente neste aresto era a questão da inconstitucionalidade da solução normativa, adotada pela Lei n.º 83-C/2013, de alargar a incidência do tributo previsto na norma da verba n.º 28 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, sujeitando à sua aplicação, não apenas a propriedade de prédio habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, mas também a propriedade de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “CIMI")», cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a essa quantia.
Decidiu-se concretamente no referido acórdão que a norma que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terrenos para construção, com as descritas características, viola o princípio da igualdade tributária, consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
Em síntese das razões do juízo de inconstitucionalidade, considerou-se, por um lado, que a referida norma «não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto»; e, por outro, que «as diferenciações que [a mesma] introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam o princípio da equidade social na austeridade».

8 – A violação do princípio da igualdade tributária, na perspetiva argumentativa desenvolvida na decisão recorrida no âmbito da primeira ordem de considerações, decorre essencialmente do facto de se desconsiderar o conjunto do património imobiliário de cada contribuinte e a natureza jurídica do sujeito passivo do imposto.
Lê-se, com efeito, no Acórdão n.º 250/2017:

«8. Embora a inclusão dos terrenos para construção na previsão normativa da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo tenha de ser inserida no seu contexto normativo, em rigor não cabe, no âmbito do presente recurso, ajuizar a constitucionalidade daquela verba no seu todo, e menos ainda sindicá-la na sua redação original.
Não se pode deixar de notar, contudo, que a tributação de manifestações avulsas de riqueza imobiliária não será o caminho adequado para cumprir os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva. Mesmo admitindo que a Constituição não impõe a criação de um imposto único sobre o património, como se afirmou com acerto no Acórdão n.º 590/2015, isso não quer dizer que ela tolere indiscriminadamente a criação de impostos parciais, como aquele que aqui se analisa. Não está em causa a inserção sistemática de um mecanismo de tributação do património imobiliário no âmbito do Imposto de Selo, que tem sido utilizado pelo legislador como um imposto residual, ou complementar, onde se inserem diferentes manifestações de riqueza não abrangidas por outros impostos, sem que daí advenha, por si só, qualquer desvio constitucional. Mas se a verba 28.1 da TGIS se assumiu como uma “taxa complementar de IMI", dirigida “a discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes", como sugere José Maria Fernandes Pires (cfr. Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3.ª edição, Almedina Editora, Coimbra, 2015, p. 504), a mesma deveria englobar, ou pelo menos considerar, o conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, sob pena de atingir os diferentes contribuintes de forma excessivamente desigual. Tanto mais que o imposto em questão não é progressivo, e que basta por isso que o valor patrimonial tributário de um prédio seja inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba para que o respetivo proprietário nada tenha a pagar, mesmo que seja proprietário de vários prédios desse valor.
Há, de facto, um pecado original na verba 28.1 da TGIS, tal como ela foi concebida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e que, como veremos adiante, a Lei n.º 83-C/2013 agravou com o aditamento dos terrenos para construção à mencionada previsão normativa. É que, ao não alargar a base de tributação, pelo menos, ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, não personalizando suficientemente o imposto, aquela verba não se revelou adequada a prosseguir “o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento", como o legislador se propôs na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012.

9. Como dissemos anteriormente, a alteração de redação feita pela Lei n.º 83-C/2013, que aditou à verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção, introduziu um fator de distorção no regime de tributação do património imobiliário que representa, não apenas uma distorção na coerência interna do conjunto do sistema fiscal, ou mesmo do Imposto de Selo considerado isoladamente, mas uma distorção na própria coerência interna da norma tributária contida na referida verba.
De facto, ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário, a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.
Tem sido salientado pela doutrina fiscal que, enquanto critério de igualdade tributária, o princípio da capacidade contributiva “exige, antes de mais, a personalização do imposto, que quando se tribute uma qualquer manifestação de riqueza se pergunte pela pessoa que está por trás dela e pelas condições em que se encontra" (cfr. Sérgio Vasques, Capacidade contributiva, rendimento e património, in Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 19).
Ora, se por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.
O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção.
Dir-se-á que essa exigência só se aplica à tributação de rendimento, e não à tributação de património, mas esse argumento apenas evidencia a diferente realidade da tributação de terrenos para construção, que se repercute mais sobre a atividade económica desenvolvida pelo seu proprietário do que sobre o valor do bem em si mesmo. Com a agravante de que a respetiva carga fiscal, se não inviabilizar em definitivo aquela atividade, acabará por ser suportada pelo consumidor final dos produtos imobiliários que dela resultar, de cuja capacidade contributiva nada podemos presumir sem conhecer a respetiva tipologia edificatória e valor.»

9 – Entende-se não ser de acolher um tal entendimento.
Estando em causa a aferição do cumprimento, pelo legislador, do princípio constitucional da igualdade – que não sofre modificação de sentido quando aplicado ao domínio tributário – não é aceitável que a comparação se faça à luz de outro critério que não o eleito pelo legislador para fundamentar a diferença de regimes jurídico-tributários introduzida pela norma sindicada.
Ora, é neste vício metodológico de análise que, desde logo, incorre a perspetiva defendida na decisão recorrida: de que há desigualdade constitucionalmente censurável porque se tributa o proprietário de um único prédio habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000 e se isenta de imposto o proprietário de vários prédios com tal afetação cujo valor patrimonial tributário individual seja inferior em apenas um euro à quantia fixada naquela verba.
Analisando hipótese equivalente com que se pretendia demonstrar a ocorrência de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, lê-se no Acórdão n.º 590/2015, para cuja doutrina remete o Acórdão fundamento n.º 568/2016:

«(…) [A] comparação proposta não encontra cabimento, pois afasta-se, no tertium comparationis eleito, da estrutura da norma em análise. A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, José Maria Fernandes Pires, ob. cit. pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.
Cabe ainda referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adotar (…)»

Como se conclui no citado aresto, a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material deve, pois, ser referida à «unidade prédio afecto à habitação», centrada na individualidade económico-jurídica do património individual tributado, e não no conjunto do património do sujeito passivo do imposto, que exorbita o quadro de valoração da norma de incidência em causa e contradiz a respetiva estrutura individualizada de intervenção, baseada nos critérios de valor e conceitos económico-jurídicos com que o CIMI estrutura o respetivo imposto.

Uma tal exigência, respeitando à operatividade lógico-valorativa do parâmetro constitucional da igualdade, vale indistintamente para os casos em que a situação jurídica tributada por via do imposto previsto na Verba 28.1 do TGIS é a propriedade de prédios habitacionais ou a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, prevista ou autorizada, seja a habitação: não estando em causa um imposto geral sobre o património, mas um imposto que incide apenas sobre determinados bens, com as características aí previstas, não vale comparar a situação jurídico-tributária do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a €1000.000,00 com a do proprietário de um património imobiliário que, apenas no seu conjunto, excede esse valor.

10 – Ora, analisando o problema de inconstitucionalidade na perspetiva da situação jurídica selecionada como determinante da aplicação do tributo – a da titularidade do direito de propriedade sobre um único terreno para construção de valor igual ou superior a €1000.000,00 cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação –, não se afigura fundado o juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade tributária, que a decisão recorrida dirige à verba 28.1 da TGIS.
Lê-se no Acórdão n.º 590/2015, a respeito de tal princípio, o seguinte:

«O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos" (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)" (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto" (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).»

A esta luz, há que reconhecer que a norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, mesmo quando aplicada a terrenos para construção de edifícios destinados a habitação, atinge prédios de valor «bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional», cuja propriedade «revela maiores indicadores de riqueza», sendo, como tal, suscetível de fundar «a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade"» (Acórdão n.º 590/2015).
Assegura-se, assim, ainda, a necessária relação entre a prestação tributária devida e o seu pressuposto económico, traduzido na capacidade contributiva acrescida desse modo evidenciada por todos aqueles que são proprietários de terrenos para construção com as referidas características, mesmo que em grau inferior ao garantido pelo modelo de tributação sobre o rendimento, que, como se sabe, não é o único admitido pela Constituição (cfr. artigo 104.º, n.º 3).
Acresce que, como também se sublinhou no Acórdão n.º 590/2015, «a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados – por excesso ou por defeito – de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão».
O tratamento diferenciado de situações que apresentam essa inexpressiva variação quantitativa, como sucede na hipótese, invocada pela decisão recorrida, de o valor patrimonial tributário de cada um dos vários prédios detidos pelo proprietário isento do imposto ser inferior em apenas um euro ao milhão exigido pela referida verba, não tem, por isso, a virtualidade de pôr em causa, só por si, a conformidade constitucional da norma que fixa em €1.000.000,00 o valor patrimonial tributário a partir do qual é exigido o pagamento do imposto.

11 – Quanto à desconsideração da natureza jurídica do titular da situação jurídico-patrimonial constitutiva do imposto previsto na Verba 28.1, afirma a decisão recorrida que a referida norma, «ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário (…) confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza» (itálico nosso). Também por esta via, defende-se, se desconsidera a concreta situação económico-social em que está a pessoa visada pela tributação, presumindo-se, mal, que o proprietário de terrenos para construção de edifícios para habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00 tem idêntica capacidade contributiva que os proprietários de casas para habitação desse valor:

«(Se) por trás do tributo imposto ao proprietário de uma casa de habitação de valor patrimonial superior a um milhão de euros poderá estar um contribuinte com força económica suficiente para suportar a respetiva carga fiscal, por trás do tributo imposto ao proprietário de um terreno para construção estará normalmente um empreendedor, em regra sob a forma de uma sociedade comercial dedicada à promoção imobiliária, sobre cuja força económica nada sabemos. Na verdade, não podemos presumir que aquele contribuinte tem uma força económica proporcional ao valor do terreno, que é meramente instrumental em relação à sua atividade económica. Desconhecemos qual a margem de lucro que retirará do seu exercício, se é que está em condições jurídicas e económicas de a desenvolver, ou se não terá mesmo uma situação líquida negativa.
O que nos leva a uma segunda perversão do princípio da capacidade contributiva, que exige que se tribute o rendimento líquido do contribuinte, depois de deduzidas as despesas necessárias à sua própria obtenção».

12 – Deve, contudo, sublinhar-se que o imposto previsto na Verba 28.1, como é próprio dos impostos sobre o património, delimita o seu âmbito de incidência por referência exclusiva à titularidade de determinados valores patrimoniais, «independentemente da função desempenhada por tais activos (capital produtivo, aplicação de fundos ou poupança ou consumo duradouro)» (Decisão Sumária n.º 214/2017). Por outro lado, sendo um imposto sobre o património, também não individualiza nem distingue os respetivos sujeitos passivos por recurso a outro critério que não seja precisamente a titularidade desses valores patrimoniais. Assim, aplica-se indistintamente a pessoas singulares e pessoas coletivas e, dentro desta categoria, a associações, fundações e sociedades comerciais, independentemente do ramo económico em que estas últimas operem e dos específicos riscos comerciais existentes nos respetivos sectores de atividade, aliás próprios de toda e qualquer atividade comercial.
Ora, como vimos, a opção por tal modelo de tributação é constitucionalmente legítima, sendo virtualmente apta, com tal configuração, a prosseguir o programa que a Constituição lhe associa de contribuir para a igualdade entre os cidadãos, não decorrendo da argumentação expendida na decisão sob recurso a demonstração fundada de que efetivamente ocorre «arbitrariedade intolerável» na opção normativa de alargar a incidência do referido imposto aos terrenos para construção.
De facto, se é certo que a simples titularidade de terrenos para construção de habitações de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não permite, só por si, determinar a concreta e completa situação económico-financeira em que se encontra o sujeito passivo do imposto – o que, repete-se, não é constitucionalmente exigível-, também não autoriza juízos extrapolativos sobre o tipo de contribuintes atingidos por tal norma de incidência, o ramo de atividade em que atuam e as vicissitudes conjunturais, nomeadamente de mercado, a que poderão estar sujeitos.
Como se referiu, a norma em causa parte da ponderação de concretas situações jurídico-patrimoniais, delimitadas em função do valor patrimonial tributário do imóvel e sua afetação social normal, integrando no seu âmbito subjetivo de aplicação um conjunto indeterminado de contribuintes de acordo com um critério uniforme: a titularidade de terrenos para construção de edifícios para habitação de elevado valor patrimonial tributário. Em relação a nenhum deles é valorada a sua concreta situação económico-financeira (rendimentos ou lucros), a sua natureza (singular ou coletiva), estrutura de organização (empresarial ou não empresarial), concreta forma jurídica assumida (sociedade comercial ou outra) e, muitos menos, os diversos setores de atividade em que eventualmente atuam os comerciantes abrangidos e os riscos específicos inerentes a cada um desses ramos de atividade.
A mera probabilidade estatística de serem atingidos pela norma em questão sociedades comerciais dedicadas à promoção imobiliária, associada à ponderação de varáveis económicas de verificação incerta, como seja o impacto económico do imposto nesse particular ramo de atividade comercial – cujo valor, aliás, não deixará de ser considerado como custo da atividade-, não constitui razão suficientemente sólida para suportar um juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, na específica hipótese em apreciação, considerando, além do mais, o caráter negativo do controlo constitucional ditado pelo princípio da igualdade.
Como se salienta no Acórdão n.º 711/2006, em passo transcrito no Acórdão n.º 590/2015, «[a]veriguar (…) da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) – como proibição do arbítrio».

13 – De todo o modo, mesmo que estivesse em causa – e não está – hipótese normativa circunscrita a sociedades comerciais com tal objeto social, não decorre do programa constitucional de igualação tributária, por via dos impostos sobre o património, qualquer exigência de discriminação positiva das empresas, face aos restantes contribuintes sujeitos a esse tipo de impostos. Não há, por isso, qualquer motivo para censurar, no plano constitucional, a opção legal de também as sujeitar ao pagamento do imposto com base na titularidade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Como relembra a decisão que mais recentemente abordou o problema, apoiando-se na jurisprudência do Acórdão n.º 590/15 (Decisão Sumária n.º 214/2017), «[a] alteração do Imposto do Selo correspondeu a um dos três pilares – alterações em sede de IRS, de IRC e de Imposto do Selo – do esforço para reforçar a equidade social do sistema fiscal, garantindo que a repartição dos sacrifícios exigidos aos contribuintes em ordem à consecução do equilíbrio orçamental não fosse feita apenas por aqueles que vivem do rendimento do trabalho (cfr. a Proposta de Lei n.º 96/XII). Nesse sentido, e conforme foi anunciado em sede de debate parlamentar, o esforço orçamental deveria incidir sobre todos os tipos de rendimentos, abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor».
Sendo essa a teleologia da norma constante da Verba 28.1, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, ainda no contexto excecional de crise económica determinante do conjunto das descritas alterações legais, não se afigura que a previsão da titularidade de terrenos para construção de edifícios destinados a habitação de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000, como facto constitutivo da obrigação tributária em apreço, mereça reprovação constitucional.
Nessa situação jurídica, tal como sucede com a propriedade de casas para habitação de tal valor, há uma razão constitucionalmente válida que justifica a tributação: a titularidade de bens cujo valor patrimonial tributário e afetação social normal são suscetíveis de revelar uma especial capacidade para suportar e participar no esforço de consolidação orçamental que o legislador, no exercício do seu poder de livre conformação, decidiu alargar aos titulares de determinados patrimónios imobiliários, por razões de maior equidade social, a que a Constituição é claramente sensível.
Não cabe ao Tribunal Constitucional equacionar a possibilidade (abstrata) de existirem situações ou hipóteses que, em atenção à natureza do sujeito visado ou ramo de atividade por este desenvolvido, poderiam justificar diferentes soluções tributárias, e, com base nisso, decidir pela inconstitucionalidade da solução adotada pelo legislador, quando, como é o caso, a sua inclusão no âmbito de incidência da norma tributária, a par de todas as outras hipóteses abrangidas, de variável configuração factual, não constitui solução arbitrária ou racionalmente infundada, por assentar em indícios seguros, embora não infalíveis, de especial ou acrescida capacidade contributiva, como ficou demonstrado.
Por isso, não se afigura que as razões invocadas pela decisão recorrida, com base em tais ponderações, possam determinar um juízo de inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da igualdade tributária.

14 – Finalmente, também não impõe tal conclusão a circunstância, invocada no mesmo aresto, de a tributação dos terrenos para construção se basear na possibilidade futura de neles se virem a construir habitações sem considerar a respetiva tipologia edificatória e estrutura jurídica.
Neste plano de abordagem, sustenta o Acórdão n.º 250/2017, no essencial, que a desconsideração, pela norma sindicada, das diferenças existentes, tanto no plano físico como jurídico, entre terrenos para construção e edifícios ou construções já existentes, leva a que se sujeite a tributação, tanto «um terreno para construção destinado à construção de uma ou mais casas de luxo» ou, mesmo, «uma casa de luxo já construída» – leia-se: de valor igual ou superior a um milhão de euros – como «um terreno para construção com um valor patrimonial superior [a esse valor], mas destinado à construção de um edifício de habitação colectiva (…) constituído por fracções autónomas de pequena ou média dimensão, todas elas de valor muito inferior a um milhão de euros», situação que não é de modo algum materialmente comparável a qualquer das duas primeiras hipóteses.
A causa da inconstitucionalidade residiria, pois, de acordo com a posição adotada, no facto de a norma tributar a propriedade de terrenos para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1000.000,00, cuja edificação, prevista ou autorizada, sendo para habitação, inclui frações autónomas com valor inferior àquele, situação que, por ser desigual àquelas outras, mereceria distinto tratamento tributário.

15 – Mas não se afigura que assim seja.
Como se acentuou na Decisão Sumária n.º 214/2017, que analisou e refutou argumentação equivalente, «a conexão entre as regras de incidência objectiva e subjectiva aplicáveis à situação jurídica prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo e as regras contidas no Código do IMI tem como consequência que o conceito de prédio relevante para efeitos do Código do Imposto do Selo seja, nos termos do respectivo artigo 1.º, n.º 6, o conceito homónimo definido no CIMI; e que o sujeito passivo do Imposto do Selo, nas situações previstas na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral, seja, conforme estatuído no artigo 2.º, n.º 4, do Código do Imposto do Selo, quem, em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar, for proprietário de um prédio com um VPT [valor patrimonial tributário], apurado nos termos do CIMI, igual ou superior a €1.000.000,00».
Considerando uma tal homogenia de conceitos jurídico-tributários, é claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para o efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins, tal como se afirma da decisão recorrida. Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer atuar retroativamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídicas, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
Como se salientou, o que releva para efeitos de aplicação da norma da verba 28.1 é a situação jurídico-patrimonial existente à data do vencimento da obrigação do pagamento do imposto, sendo, pois, por referência ao facto tributário concreto existente nessa data que se deverá avaliar a existência, ou não, de um fundamento racional ou razoável para justificar as consequências jurídico-tributárias que dele imediatamente emergem.
As transformações juridicamente relevantes que o objeto da propriedade vier a sofrer no decurso do tempo, a partir desse momento, decorrentes, designadamente, da eventualidade de vir a ser construído num terreno para construção de valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00 uma edificação constituída por frações autónomas de valor inferior, configuram hipóteses de verificação e conteúdo incerto, mesmo considerando a existência de um licenciamento nesses termos, que pode vir a ser alterado ou nem sequer utilizado. Não podem, por isso, relevar decisivamente na avaliação da constitucionalidade de normas, ou segmentos delas, que, em virtude da sua ocorrência, deixarão de ser aplicáveis.
O único dado certo que, no enquadramento legal aplicável, pode e deve ser ajuizado, no plano constitucional, é a titularidade, no momento do vencimento da obrigação tributária em causa, de direitos reais de gozo sobre um terreno para construção de valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00, cuja edificação, autorizada ou prevista, se destina a habitação.

16 – Ora, na perspetiva juridicamente relevante da demonstração de riqueza, os terrenos destinados à construção de habitações, independentemente da estrutura jurídica e tipologia que estas últimas vierem a assumir, não são equiparáveis a prédios constituídos em frações autónomas.
No primeiro caso, está em causa, de acordo com as definições acolhidas pelo Código do Imposto do Selo, um único prédio, cujo VPT, determinado nos termos do Código do IMI, não pode deixar de ser considerado para aferir da incidência do Imposto do Selo; no segundo caso, sendo cada uma das frações autónomas havidas como constituindo um único prédio (artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, aplicável), há tantos prédios quantas frações autónomas, valendo, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, o VPT de cada uma delas.
Ora, enquanto o valor do terreno para construção revela necessariamente a capacidade contributiva do seu único titular, o mesmo não ocorre com um prédio constituído em propriedade horizontal, «uma vez que, sendo cada uma das fracções susceptíveis de uma situação jurídica real própria, só o valor de cada uma delas é idóneo a revelar a capacidade contributiva do seu titular» (Acórdão n.º 620/15; neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 214/2017).
Considerando a globalidade do enquadramento jurídico aplicável e, em particular, o plano de incidência da norma constante da Verba 28.1 da TGIS – a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de habitações com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 –, o proprietário de um terreno destinado à construção revela, à data da verificação do facto tributário, uma capacidade contributiva superior ao titular de cada uma das frações autónomas cujo valor patrimonial tributário não ultrapassa aquela quantia, ainda que o edifício que se prevê construir venha também a integrar frações de valor inferior a €1.000.000,00.

É que, relevando, para efeitos tributários, apenas o VPT de cada fração autónoma – que, como se viu, constitui uma unidade económico-jurídica legalmente qualificada como constituindo um único prédio – não vale comparar a situação patrimonial do titular de um prédio para habitação já construído, cujas frações sejam de valor patrimonial tributário inferior a €1.000.000,00, com a do proprietário de um terreno para construção de valor igual ou superior a esse montante, ainda que este tenha autorização para nele construir um prédio com tais características.
De acordo com os critérios legalmente aplicáveis, cuja constitucionalidade não vem questionada, o proprietário de um prédio já construído, constituído em propriedade horizontal, não é tido como titular, para efeitos tributários, da globalidade das frações autónomas dele integrantes, considerando precisamente a autonomia económico-jurídica destas últimas em relação ao edifício de que fazem parte. Por isso, não tendo qualquer dessas frações um VPT ou superior a €1.000.000,00, não está o mesmo sujeito ao pagamento do imposto do selo.
Diferentemente, o proprietário de um terreno para construção de edifício para habitação é já havido, para esses mesmos efeitos, como titular do correspondente valor patrimonial, pela razão evidente de que, apesar da possibilidade futura da divisão económico-jurídica desse edifício, esta ainda se não concretizou. Daí que, tendo o terreno um VPT de €1.000.000,00 ou mais, lhe seja exigido o pagamento do imposto, imposto este que, por compatível com o nível de riqueza demonstrado pelo contribuinte no momento do vencimento da correspondente obrigação tributária, não pode ser considerado infundado ou arbitrário.
Como impressivamente se afirma em declaração de voto constante do Acórdão n.º 250/2017:

«(..) não é a circunstância de a construção prevista num dado terreno se reconduzir a uma habitação de luxo ou a prédio em propriedade horizontal com diversas fracções de reduzido ou médio valor que permite questionar a efectiva concretização do propósito de tributação de específicas manifestações de riqueza. Quer o correspondente titular deseje edificar uma habitação dotada de todo o género de ostentação, um imóvel em propriedade horizontal com dezenas de fracções ou uma singela vivenda, a realidade é que, no momento da verificação do facto tributário, estamos invariavelmente em face de terreno cuja edificação prevista se dirige a habitação e que assume um VPT superior a €1.000.000,00. E é a titularidade de tal terreno – e já não a específica habitação que se deseja edificar – que permite referenciar o respectivo proprietário como dotado de particular abastança.
Se, não obstante as múltiplas possibilidades que tem ao seu dispor, o proprietário se decide pela implementação de construção que não ascenda a tal grandeza – nomeadamente por esta se apresentar em propriedade horizontal, a importar uma tributação das fracções autónomas e já não do edifício global-, tal não invalida a constatação de que, enquanto terreno, aquele imóvel se apresentava, por si só, como especial manifestação de riqueza».

E assim sendo, também não oferece dúvidas que, contrariamente ao que se defende na decisão recorrida, a diferenciação introduzida entre os contribuintes que se encontram em tal situação e os que não estão, incluindo os titulares de prédios urbanos constituídos por frações urbanas de VPT inferior a €1.000.000,00, é adequada à realização do fim visado pela norma da Verba 28.1, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de mais valor em termos ajustados à satisfação do «princípio da equidade social na austeridade.

III – Decisão
17 – Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00;
b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
c) Revogar o Acórdão n.º 250/2017.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido.
Entendo que é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade, a incidência da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, desde que os imóveis em causa integrem uma atividade de promoção ou investimento imobiliários.
O fundamento da tributação dos prédios destinados à habitação com elevado valor patrimonial tributário é a capacidade contributiva indiretamente manifestada pela titularidade do imóvel. Com efeito, partindo-se do pressuposto de que o património manifesta capacidade contributiva e que não é viável, por razões de praticabilidade, a tributação global do património, parece evidente que os impostos sobre a riqueza devem incidir sobre factos ou situações patrimoniais de que se possa inferir a titularidade de um património significativo. Por outras palavras, a tributação do património pode e deve basear-se em métodos indiciários.
Ora, a titularidade de um prédio habitacional ou de um terreno para construção de valor igual ou superior a 1.000.000,00 de euros constitui, no contexto da sociedade portuguesa, um índice razoável (se bem que não infalível) de titularidade de um património significativo, revelador de considerável capacidade contributiva. Daí que me pareça acertada a conclusão alcançada no Acórdão n.º 590/2015, de que a verba 28.1 da TGIS não viola o princípio da igualdade, interpretado como norma de controlo judicial do poder legislativo, no caso-padrão em que o prédio habitacional ou o terreno para construção destinado a habitação se encontrem afetos ao uso ou fruição do respetivo titular.
Não creio, porém, que a mesma conclusão seja válida quando o titular do imóvel seja um empreendedor imobiliário, que o adquiriu com o fito de prosseguir a respetiva atividade. Nesses casos, a tributação incide sobre um fator de produção afeto a uma empresa cuja fortuna se desconhece. A titularidade do bem não permite presumir rigorosamente nada de significativo sobre a capacidade contributiva do sujeito, pelo menos na medida em que esta se encontre vinculada a uma ideia, imposta pela compreensão substancial do princípio da igualdade, de igualdade de sacrifício na repartição dos encargos públicos.
Há, assim, uma incongruência manifesta entre o fundamento legítimo do tributo e o seu âmbito de incidência. Nessa medida – e apenas nessa exata medida-, a verba 28.1. da TGIS é inconstitucional, por violar o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.