Diploma

Diário da República n.º 37, Série I de 2018-02-21
Acórdão n.º 717/2017, de 15 de novembro

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 717/2017, de 15-02-2018 – Processo n.º 1013/2016

Tipo: Acórdão
Número: 717/2017
Publicação: 1 de Março, 2018
Disponibilização: 15 de Novembro, 2017
Não julga inconstitucional a norma decorrente do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretada no sentido em que os encargos financeiros suportados por uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro[...]

Diploma

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO
1 - Nos presentes autos, vindos de Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, em que é recorrente a AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA e recorrida a sociedade A., S.G.P.S., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 5 de dezembro de 2016, do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 20 de novembro de 2016.

2 - A ora recorrida apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, e 17.º-A do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro («Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária»), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato de correção da matéria tributável, levado a cabo pela ora recorrente, relativo ao exercício de 2012, bem como da subsequente liquidação de IRC.

3 - O acórdão recorrido julgou procedente o pedido, declarando a ilegalidade da correção da matéria tributável da ora recorrida, no montante de € 6 084 536,41, aplicada pela liquidação de IRC, bem como da decisão da reclamação graciosa que mantivera tal correção, anulando ambas.

Com interesse para a decisão que haverá de seguir-se, pode ler-se no referido acórdão o seguinte:

3 - Matéria de direito
«Na sequência de uma inspeção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou correções à matéria tributável do exercício de 2012 do grupo A., de que a Requerente é sociedade dominante.

Entre as correções efetuadas inclui-se uma no montante de € 6.084.536, 41, relativa a «encargos financeiros não dedutíveis face ao disposto nos artigos 32.º do EBF e 23.º do CIRC (...) ».

Esta correção foi feita em relação ao lucro tributável individual da Requerente, sendo efetuado o correspondente ajustamento ao lucro tributável do grupo, em conformidade com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

A correção referida reporta-se a encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares (e prestações acessórias com o mesmo regime) efetuadas a participadas suas, que foram considerados na determinação do lucro tributável.

(...)

3.1. Questão da qualificação das prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redação vigente em 2012
O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia, na redação vigente em 2012, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, estabelece o seguinte:

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela Requerente para efetuar prestações suplementares (ou prestações acessórias com o mesmo regime), às suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações como «partes de capital».

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei»

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma exceção, que é decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

(...)

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre diretamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redação do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

3 - A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

(...)

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

(...)

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redação daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T (...).

Por isso, as correções efetuadas não têm suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

(...)

3.3.5. Questões de inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira
No que concerne a hipotética violação do princípio da igualdade por não enquadramento das prestações suplementares no regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é manifesto que as prestações suplementares são diferentes das partes de capital aí referidas, designadamente ações e quotas de sociedades.

Na verdade, se, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, o fundamento para as SGPS serem penalizadas com a indedutibilidade dos encargos financeiros previstos na parte final daquela norma com aquela norma fosse a neutralização do benefício previsto na parte inicial da irrelevância das mais-valias para a determinação do lucro tributável, então tem de se concluir que essa hipotética atenuação do benefício ou reequilíbrio não se justificam em relação às prestações suplementares, pois, à face do seu regime legal, elas não são restituídas por valor superior àquele por que foram prestadas, não sendo, consequentemente fonte de mais-valias.

Por outro lado, no que concerne ao princípio da capacidade contributiva, se as prestações suplementares são restituídas pelo seu valor e nem sequer vencem juros (artigo 210.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais) não se vislumbra como quem as presta possa ter, por esse facto, capacidade contributiva igual à de quem utiliza financiamentos para adquirir ações ou quotas e as transmitir com mais-valias para efetuar mútuos remunerados.

Isto é, em vez de o não enquadramento das prestações suplementares no regime da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF violar o princípio constitucional da tributação em função da capacidade contributiva e o princípio da igualdade, essas violações poderiam ocorrer se as prestações suplementares fossem equiparadas às partes de capital (ações e quotas de sociedades), para efeito de proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamentos com aquelas conexionados.

Por isso, a consideração destes princípios constitucionais, em vez de impedir a interpretação aqui adotada, antes a corrobora».

4 - Notificado desta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:

«A Autoridade Tributária e Aduaneira requerida nos autos à margem identificados, tendo sido notificada e não se conformando com a decisão arbitral proferida no processo n.º 264/2016-T, de fls. vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 280.º n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e 70° n.º 1 alínea a), 75°, 75°-A e 76°, n° 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro - Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) - e 25.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, interpor recurso da aludida decisão para o Tribunal Constitucional.

Cumprindo o ónus estabelecido no artigo 75.º-A da LTC, a Recorrente consigna que:

a) O presente recurso é interposto à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC por ter sido aplicada norma, mediante uma concreta interpretação cogitada pela ora Recorrida e pelo Tribunal Coletivo, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;

(...)

b) A referida inconstitucionalidade foi suscitada em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral nos art.ºs 204.º a 209.º, suscitando a inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 2, do art.º 32.º do EBF, quando interpretada no sentido da rejeição da subsunção do conceito de prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares às " partes de capital", por violação dos princípio[s] da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade.

c) Tendo ainda sido suscitada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do aludido artigo quando interpretada no sentido da discriminação negativa das prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares face à figura das " partes de capital", por violação do princípio da igualdade.

d) Tal suscitação de inconstitucionalidade radica no facto de substantivamente - económica, jurídica e contabilisticamente - a figura das prestações suplementares (ou, com mais preciosismo, a figura das prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares) ser consonante (indissociável, mesmo) com a figura de partes de capital, uma vez que esta última não se resume às participações sociais, mas abrange também toda a atividade contribuidora dos sócios de uma entidade para a esfera patrimonial do capital societário, garantindo a sua liquidez e dotando-a de recursos financeiros à sua atividade produtiva.

e) Radicando ainda no facto de, na situação em concreto, em que a ora Recorrida deduziu encargos financeiros suportados com prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares para prestá-las a empresas suas associadas, se traduzir num verdadeiro reforço de capital, que afeta a qualidade do capital da sociedade, acrescendo-lhe, em consequência, valor.

f) O Tribunal Arbitral decidiu erradamente em sentido contrário ao da interpretação propugnada pela Recorrente, i.e., considerando que as prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares não se encontram previstas no n.º 2, do art.º 32.º do EBF.

g) Ou seja, o Tribunal Arbitral decidiu aplicar o n.º 2 do art.º 32.º do EBF com base numa interpretação normativa que é contrária à interpretação dada pela ora Recorrente e em cuja inconstitucionalidade a Recorrente havia escorado a sua posição».

5 - Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto recorrente, produziu alegações de onde se retiram as seguintes conclusões:

«Conclusões:
A. De acordo com o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei"»;

B. Estipulando, adicionalmente, o n.º 3 do mesmo normativo que “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários", consagrando, deste modo, o “princípio da substância sobre a forma"».

C. Ainda que isto seja assim, não se afigura correto afirmar que, dispondo o direito fiscal de um conceito próprio de “capital" e de “partes de capital", os mesmos terão o significado técnico de que se revestem no direito societário.

D. Não há dúvidas, em termos societários, que o tratamento dado, quer do lado do investidor, quer da sociedade recetora, é distinto, consoante estejamos perante participações sociais ou perante prestações suplementares.

E. Acontece que, in casu, o termo próprio cujo conceito se visa preencher é do de “partes de capital", não é o de participação social.

F. A interpretação do conceito de partes de capital como partes de capital social encerra uma conclusão cujas premissas não suportam.

G. Diferente seria se o legislador tivesse adotado na redação do artigo 32.º do EBF o conceito de “participação social" e não, como fez, de “parte de capital", pois que no 32.º, n.º 2 do EBF nem se lê “participação" nem “social.

H. Equiparar participação social a parte de capital, é confundir a premissa com a – errada – conclusão.

I. O exercício a realizar será de saber se existe o conceito de “partes de capital" no direito societário e se, existindo, é o mesmo útil para efeitos de perceção do conceito de “partes de capital" no direito fiscal, maxime para compreender o artigo 32.º, do EBF.

J. De facto, o direito societário utiliza o conceito de “parte de capital", mas fá-lo no âmbito restrito das sociedades em nome coletivo – artigos 176.º e 178.º, do Código das Sociedades Comerciais.

K. Destarte, forçosa é a conclusão que não foi ao direito societário que o “legislador fiscal" foi retirar o conceito de partes de capital.

L. Na verdade, como muitos outros conceitos constantes do IRC, o conceito de “partes de capital" utilizado no CIRC e no EBF tem a sua origem não no direito societário, mas sim no direito contabilístico.

M. Como é sabido, ao abrigo da conceção do acréscimo patrimonial consagrada pelo artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, o lucro tributável “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código".

N. Em face do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), as prestações suplementares integram, tal como o capital social, o capital próprio da sociedade recetora das referidas quantias.

O. Com efeito, na ótica da sociedade recetora, as prestações suplementares devem ser reconhecidas na classe 5 – Capital, Reservas e Resultados Transitados –, conta 53 – Outros instrumentos de capital próprio.

P. Ou seja, as prestações suplementares são registadas na sociedade recetora como partes de capital próprio desta, por oposição aos suprimentos que são considerados como um passivo daquela entidade.

Q. Enquanto na sociedade investidora – a sociedade que realiza as prestações suplementares –, as prestações suplementares são, tal como as participações sociais, contabilizadas como “imobilizado" – Classe 4 –, mais precisamente como investimentos financeiros, a ser reconhecidas na conta 41 – Investimentos Financeiros.

R. Em bom rigor, ambas, prestações suplementares e participações sociais eram – e ainda são – partes de capital próprio.

S. E assim, sem mais, não discriminando o legislador, para efeitos de dedutibilidade dos encargos financeiros os suportados com a realização de prestações suplementares dos suportados com a aquisição de participações sociais – e atenta a uniformidade do restante regime fiscal e contabilístico – a conclusão interpretativa seria a de que os encargos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares deverão ter o mesmo tratamento que aqueles suportados para aquisição de participações sociais.

T. Deste modo, face à evidência, entende a Administração Tributária que a utilização do termo “parte de capital" deriva do normativo contabilístico – onde se encontra o exato termo utilizado – e não do direito societário, supostamente derivando da expressão “participação social".

U. Mas, ainda que se trilhasse o caminho que o sentido da expressão “partes de capital" se referiria a partes de capital próprio, ainda assim não estaria o raciocínio desenvolvido enfermado de erro.

V. Com efeito, só as prestações suplementares e as participações sociais – enquanto componentes do capital próprio de outra entidade – são suscetíveis de negócio jurídico. As demais rubricas desse capital próprio – reservas, resultados transitados, resultado líquido do período – não detêm essa virtuosidade.

W. O elemento literal e sistemático levam à mesma conclusão, pois que, não deixa de causar perplexidade como é que do elemento literal resulta que a expressão “partes de capital" se refere a uma única realidade que tem designação própria de participação social.

X. Semelhantemente ao que acontece com as prestações suplementares que servem de reforço ao capital social das sociedades, mas que não o integram e, por consequência, não conhecem valor nominal, também as entradas em serviços (ou os chamados sócios de indústria), apesar de se lhes dever atribuir um montante, nunca são computados no capital social.

Y. Sendo que, nem por isso, deixam de pertencer ao capital social, ainda que se não realize em espécie ou dinheiro.

Z. E isto não se confunde com capital próprio da sociedade beneficiária que é, como vimos, um conceito bem mais abrangente; confunde-se sim com o capital próprio que tem a sua origem em prestações dos sócios.

AA. Essas - prestações dos sócios para o capital próprio da sociedade beneficiária - é que são as partes de capital na sociedade investidora, essas é que são suscetíveis de tráfego comercial.

BB. As prestações suplementares são, pela sua própria natureza, aplicações financeiras duradouras na sociedade beneficiária.

CC. O que implica, em contrapartida, que, por norma, esses instrumentos sejam detidos por um período superior a um ano pela sociedade que realiza a prestação suplementar.

DD. Tendo agora presente a sujeição das prestações suplementares ao regime das mais menos-valias, diga-se que o regime fiscal das SGPS determina que não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

EE. Ou seja, ao abrigo deste regime, as menos-valias derivadas da alienação de prestações suplementares detidas há um ano, ou mais, não concorrem (afastando-se a regra, constante do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC) para a formação do lucro tributável.

FF. Ora, nestes casos, determina igualmente o artigo 32.º, do EBF, que os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas prestações suplementares detidas há mais de um ano também não concorrem para a formação do lucro tributável.

GG. É que, independentemente da sua qualificação, a figura das prestações suplementares, a não serem participações sociais, encontram-se, ao menos, ligadas a estas na medida em que são, tal como as entradas, contribuições monetárias dos sócios que têm como função garantir a produção, o estabelecimento e desenvolvimento das atividades económicas que a sociedade pretende exercer, fazendo parte das obrigações dos sócios.

HH. Se as prestações suplementares não se misturam com as participações sociais, visam, no mínimo, complementar o capital, mediante a sua necessidade.

II. Seja qual for o ponto de vista de que se observe, está-se sempre na esfera do capital de empresa e, não obstante a natureza acessória, suplementar ou complementar destes instrumentos, a sua área de atuação, o escopo, é o reforço de capital, sempre na dependência da vontade dos sócios.

JJ. Assim, a função das prestações suplementares é a contribuição financeira para a formação e conservação do capital, assim garantindo a liquidez da sociedade, dotando-a dos recursos necessários à sua atividade produtiva.

KK. Em todo o caso, independentemente da sua qualificação, a figura das prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares encontra-se ligada às participações sociais, na medida em que são, tal como as entradas, contribuições monetárias dos sócios que têm como função garantir a produção, o estabelecimento e desenvolvimento das atividades económicas que a sociedade pretende exercer, fazendo parte das obrigações dos sócios.

LL. Ainda que prestações suplementares e participações sociais não se confundam ou misturem, visam pelo menos, ambas, complementar o capital, mediante a sua necessidade.

MM. O pretérito artigo 32.º, n.º 2 do EBF, instituído pela Lei do Orçamento de Estado de 2003, assume um caráter marcadamente neutral, alargando e diminuindo a base tributável das sociedades gestoras de participações sociais ao desconsiderar fiscalmente os efeitos das menos e mais valias.

NN. Pelo que, partes de capital não se resume às “participações sociais", mas abrange sim toda a atividade contribuidora dos sócios para a esfera patrimonial do capital societário, garantindo a sua liquidez, dotando-a dos recursos financeiros necessários à sua atividade produtiva.

OO. E, como já se demonstrou, nessa categoria se encontram as prestações suplementares, assumindo o papel de reforço do capital social, na medida em que preenchem necessidades de liquidez cujas entradas não foram suficientes.

PP. São, por isso, formas de contribuição para a formação e conservação do capital, podendo-se também acrescentar que tais financiamentos para reforço do capital afetam-no qualitativamente e acrescem-lhe valor com naturalidade.

QQ. Nestes moldes, dúvidas não restam que as prestações suplementares (ou acessórias sob a forma de prestações suplementares) têm necessariamente de integrar o conceito de “partes de capital" para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, não podendo dissociar-se da alienação das próprias participações sociais.

RR. Sendo ainda que as prestações acessórias ou suplementares, como eventuais obrigações dos sócios, são indissociáveis da participação social, e, a haver direito de restituição, a alienação da participação pressupõe a alienação ou liquidação conjunta destes montantes.

SS. Nos termos do artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, sendo que tributar o rendimento real significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo.

TT. Neste seguimento, diga-se também que a capacidade contributiva está subjacente à constituição fiscal e à tributação do rendimento real e ao próprio princípio da igualdade, sendo que idênticas capacidades contributivas devem suportar cargas fiscais niveladas.

UU. Ao permitir a desconsideração dos encargos financeiros associados ao financiamento através de capitais próprios das participadas, o que o legislador está a fazer é a contrabalançar o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC.

VV. E aqui está o verdadeiro busílis da questão, pois que o dito financiamento ocorre tanto no momento da aquisição das partes sociais, como quando se concedem prestações suplementares, as quais visam de igual forma financiar a atividade da sociedade.

WW. São estes financiamentos no momento da aquisição e manutenção de partes de capital – geradores de encargos financeiros – que ao desenvolver e expandir a atividade societária geram no futuro as mais-valias isentas de tributação.

XX. Se as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, então, atendendo à característica da neutralidade – fundada nos princípios da igualdade, tributação pelo lucro real e capacidade contributiva-, também os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação não podem influenciar na determinação do lucro tributável destas sociedades.

YY. Isto é, se os ganhos não são tributados, então, os gastos que lhes estão inequivocamente subjacentes também não podem ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS.

ZZ. Resulta de tudo quanto se disse que os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais e de prestações acessórias e suplementares, que possam vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, não podem influenciar a determinação do lucro tributável, ou seja, se os ganhos não são tributados, os correspondentes gastos que estão ligados a tais rendimentos não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável.

AAA. Sob pena de violação dos princípios da tributação pelo lucro real, capacidade contributiva, neutralidade e igualdade fiscal, porquanto, e por tudo quanto se deixou dito, capacidades contributivas idênticas, no caso de uma SGPS e de uma sociedade comercial de natureza diversa, apurarem diferentes matérias coletáveis.

Por tudo quanto supra exposto, deve esse Tribunal julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, por violação do tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, artigo 104.º, n.º 2 da CRP, que defende ser legalmente permissível o concurso (dos encargos financeiros suportados pela Requerente com prestações suplementares nas suas associadas) para o apuramento do lucro tributável daquela empresa, a título individual;

E ainda deve esse Tribunal julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 32.º, n.º 2 do EBF por violação do princípio da igualdade na tributação, atenta a discriminação negativa da figura das prestações suplementares face à figura de “partes de capital";».

6 - Notificado para contra-alegar, o recorrido produziu contra-alegações de onde se retiram as seguintes conclusões:

«A) Na decisão arbitral objeto de recurso pela AT, o Tribunal Arbitral decidiu que “prestações suplementares" não são “partes de capital" para efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redação em vigor no ano de 2012 (dado que a norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

B) O Tribunal Arbitral decidiu com apoio não só na doutrina, na posição expressa pela AT em alguns processos, mas também em jurisprudência unânime e esmagadora que os créditos por prestações suplementares não se confundem com partes de capital (cf. decisões arbitrais proferidas nos processos 9/2012-T, 69/2012-T, 12/2013-T, 24/2013-T, 39/2013-T, 69/2013-T, 80-2013-T, 113/2013-T, 376/2014-T, 653/2014-T, 734/2014-T, 780/2014-T, 24/2015-T, 292/2015-T, 326/2015-T, 549-2015-T e 570/2015-T; sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no processo n.º 623/04.9BELSB e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de março de 2006 proferido no processo n.º 0719/05, na qual foi relator o Juiz-Conselheiro Baeta de Queiroz com os Juízes-Conselheiros Pimenta do Vale e Lúcio Barbosa).

C) No entanto, a AT apresentou o presente recurso para o Tribunal Constitucional discutindo e defendendo quase exclusivamente que as “prestações suplementares" são “partes de capital", ignorando por completo a decisão arbitral objeto de recurso e, em concreto, que o que haveria que discutir era em que medida essa interpretação era em si passível de um juízo de inconstitucionalidade, uma vez que afinal não é este Tribunal Constitucional um qualquer tribunal de último recurso para decidir essa questão de interpretação de normas fiscais e respetivos conceitos operativos.

D) Ora, a AT invoca apenas laconicamente “questões de inconstitucionalidade" e cita princípios constitucionais gerais no domínio tributário, sem verdadeiramente explicar em termos inteligíveis em que medida esses princípios são em concreto violados para que possa formular um qualquer juízo de inconstitucionalidade...

E) A petição de princípio da AT é que considerando que “prestação suplementares" são “partes de capital" então não podem ser tratadas diferentemente sob pena de violação de princípios constitucionais e se “discriminar negativamente" (!?) a tributação incidente sobre umas e outras figuras jurídicas, mas para o defender faz um salto lógico que é o desconsiderar e ignorar de toda a jurisprudência e doutrina (e a própria opinião da AT noutros casos) que afirma, sem quaisquer sombras de dúvidas, que “prestações suplementares" não são “partes de capital"!

Logo, em face do exposto, improcedem na totalidade os argumentos a propósito das alegadas “questões de constitucionalidade" pela AT de forma a sustentar a suposta inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF ou da sua interpretação no sentido de que as “prestações suplementares" não são “partes de capital" para efeitos de interpretação dessa norma, devendo, consequentemente, o presente recurso ser julgado improcedente.»

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃOA.
DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO A APRECIAR

7. Tal como definido no respetivo requerimento de interposição, o objeto do recurso interposto nos presentes autos é integrado pelo n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, «EBF»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, quando interpretado no sentido de que não integram o conceito de «“partes de capital"» compreendido no referido preceito legal isto é, não são qualificáveis como «“partes de capital"», para os efeitos ali previstos ?, as «“prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares"». Ou, numa outra formulação, seguida ainda no requerimento de interposição do recurso, pelo n.º 2 do referido artigo 32.º do EBF, quando interpretado no sentido de permitir a dedução dos «encargos financeiros suportados» pela recorrida, enquanto sociedade gestora de participações sociais, «com prestações acessórias», realizadas «sob a forma de prestações suplementares», às «empresas suas associadas», interpretação que a recorrente considera violar os princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade, inscritos no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, bem como o princípio da igualdade, consagrado no respetivo artigo 13.º.

Sendo esta a dimensão normativa impugnada, um aspeto de ordem terminológica convém esclarecer desde já.

Apesar de, tanto o Tribunal recorrido, como recorrente e recorrida utilizarem, por vezes, o conceito de «prestações suplementares» e, por outras, o de «prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares», trata-se de uma variação lexical sem efetivo relevo semântico, ditada por motivos de simplificação discursiva e, por isso, insuscetível de projetar-se sobre a caracterização do critério normativo que integra o objeto do presente recurso de constitucionalidade.

Vejamos mais de perto.

As prestações acessórias - admitidas nas sociedades anónimas, por quotas e em comandita por ações - correspondem, lato sensu, a obrigações dos sócios perante a sociedade, que decorrem, não da lei, mas do contrato de sociedade, podendo revestir conteúdos muito variados. Já as prestações suplementares, apesar de constituírem igualmente obrigações com origem no contrato, têm uma natureza necessariamente pecuniária, isto é, são sempre realizadas em dinheiro. Conforme adiante melhor se verá, a sua função consiste em permitir o aumento do património líquido (capital próprio) da sociedade através do financiamento realizado pelos sócios, sem necessidade de um aumento do capital social (cf. Helena Salazar, Margarida Azevedo e Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos", in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 28, 2017, pp. 73 ss).

Prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares serão, assim, prestações acessórias de natureza pecuniária, que decorrem do contrato de sociedade e são realizadas pelos sócios com o objetivo de produzir um aumento do capital da sociedade - no caso das sociedades gestoras de participações sociais, do capital das sociedades participadas.

Sendo sempre nesta aceção que, em consonância com os elementos que integram o caso sub judice, o conceito de «prestações suplementares» é utilizado tanto pelo Tribunal recorrido, como pelas partes, dúvidas não há de que estamos perante o emprego de denominações de significado homólogo - ao menos, sob o prisma jurídico - e, portanto, sem qualquer variação de conteúdo suscetível de relevar para a resolução do problema de constitucionalidade.

Considerada a asserção que integra o objeto do presente recurso, tal problema consiste em saber se é compatível com os princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade, inscritos no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e/ou com o princípio da igualdade, consagrado no respetivo artigo 13.º, a regra, extraída do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, segundo a qual são dedutíveis ao lucro tributável das sociedades gestoras de participações sociais (doravante, «SGPS») - concorrendo, por isso, para a sua formação - os encargos financeiros por estas suportados com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas.

8 - O preceito constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na versão convocada na decisão recorrida, teve origem na Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2003), correspondendo-lhe, então, o n.º 2 do artigo 31.º daquele Estatuto.

O EBF foi posteriormente alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, tendo sido subsequentemente republicado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, que procedeu à remuneração dos respetivos artigos, transitando o anterior artigo 31.º para o artigo 32.º.

Já como n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o preceito em causa foi novamente alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro - versão em que foi considerado pelo Tribunal recorrido-, tendo sido finalmente revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

Na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF dispunha o seguinte:

«As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.»

Conforme relatado supra, o litígio dirimido nos presentes autos teve origem nas correções à matéria tributável do exercício de 2012 do grupo A., de que a recorrida é sociedade dominante, levadas a cabo pela ora recorrente na sequência da realização de uma inspeção tributária. Tais correções reportam-se aos encargos financeiros suportados pela ora recorrida com a realização de prestações suplementares (e prestações acessórias com o mesmo regime), efetuadas às empresas suas associadas, encargos esses que foram considerados pela ora recorrente abrangidos pelo n.º 2 do artigo 32.º do EBF e, como tal, insuscetíveis de dedução para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Suportado no critério constante da Circular n.º 7/2014, de 30 de março, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («DSIRC»), o fundamento invocado pela ora recorrente para justificar as correções introduzidas no apuramento do lucro tributável da ora recorrida, com consequente ajustamento do lucro tributável do grupo, não foi, todavia, secundado pelo Tribunal a quo.

Confrontado com a questão de saber se as prestações suplementares realizadas pela ora recorrida a empresas suas participadas seriam qualificáveis como “partes de capital", para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, nos termos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para proceder à mencionada correção, o Tribunal a quo concluiu que «o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redação vigente em 2012, ao estabelecer, reportando-se às “partes de capital", que não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS os “encargos financeiros suportados com a sua aquisição", não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares», na medida em que, «pelo menos para este efeito fiscal», estas não se «enquadram no conceito de “partes de capital"».

Aqui residindo a ratio decidendi do acórdão recorrido, a formulação que, em definitivo, melhor traduz o critério normativo que integra o objeto do presente recurso é aquela que o pressupõe integrado pelo n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na interpretação segundo a qual os encargos financeiros suportados por uma SGPS com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro tributável.

É esta, portanto, a norma que cumpre seguidamente confrontar com a Constituição.

9 - Antes, porém, de prosseguimos para a apreciação do mérito da causa, um outro aspeto, relativo ainda ao objeto do recurso, não pode ficar por elucidar.

Nas alegações apresentadas pela recorrente, parte considerável da argumentação esgrimida fixa-se na tentativa de demonstrar quer o desacerto da interpretação seguida pelo Tribunal recorrido para delimitar o âmbito de incidência da norma constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF - isto é, a interpretação segundo a qual o conceito de “prestação suplementar", sendo distinto do conceito de “parte de capital", não determina o funcionamento da regra ali prescrita-, quer a correção do entendimento inverso, isto é, o entendimento de acordo com o qual «as prestações suplementares devem ser tratadas – porque o são – como partes de capital», para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Conforme sabido é, a este Tribunal não cabe pronunciar-se sobre a correção jurídica do resultado interpretativo alcançado pelo Tribunal a quo, no plano do direito infraconstitucional. Ao Tribunal Constitucional apenas cabe verificar se a interpretação normativa subjacente ao juízo decisório formulado pelas instâncias viola ou não algum dos princípios constitucionais invocados no âmbito do recurso, ou eventualmente outros, ainda que expressamente não convocados no respetivo requerimento de interposição.

Não cabe, por isso, apontar aqui qual a melhor interpretação (ou a interpretação preferível) do n.º 2 do artigo 32.º do EBF - isto é, se, à luz dos cânones da hermenêutica jurídica, o conceito de “prestação suplementar" é ou não subsumível ao conceito de “partes de capital", ali previsto-, a não ser na estrita medida em que a relação que entre ambos os conceitos intercede possa relevar para a resolução da questão de constitucionalidade.

Deste ponto de vista, a solução interpretativa sufragada pelo Tribunal recorrido apresenta-se como um dado indiscutido para este Tribunal, ao qual apenas cabe verificar se a regra subjacente a essa solução - de acordo com a qual os «encargos financeiros suportados» por uma SGPS «com prestações acessórias», realizadas «sob a forma de prestações suplementares» às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro tributável-, é compatível com os princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade, e ainda com o princípio da igualdade da tributação.

Essa é, portanto, a única questão que importa solucionar em seguida.

B. DO MÉRITO
10. A solução normativa impugnada pela recorrente situa-se no âmbito do regime fiscal especialmente previsto para as sociedades gestoras de participações sociais, prendendo-se diretamente com a regra de tributação das respetivas mais-valias, menos-valias e encargos financeiros, tal como concretizada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na versão decorrente da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.

De acordo com a referida regra, as mais-valias e menos-valias realizadas por aquele tipo de sociedades através da alienação de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, assim como os encargos financeiros suportados com a respetiva aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável.

Consagrando uma espécie de cláusula antiabuso, o n.º 3 do referido artigo 32.º afasta a aplicação do regime previsto no respetivo n.º 2 relativamente «às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou entidades com domicílio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objeto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão».

Incidindo sobre o critério seguido pelo Tribunal a quo para delimitar negativamente o âmbito de aplicação da norma constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, a posição assumida pela recorrente parte da assunção segundo a qual as prestações suplementares são partes de capital, razão pela qual se encontram sujeitas à incidência da proibição estabelecida no referido preceito legal, do qual resulta, assim, que «os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais e de prestações acessórias e suplementares (…) não podem influenciar a determinação do lucro tributável».

De acordo com a posição para o efeito sustentada, o financiamento da atividade da sociedade ocorre «tanto no momento da aquisição das partes sociais, como quando se concedem prestações suplementares», sendo estes «financiamentos no momento da aquisição e manutenção de partes de capital – geradores de encargos financeiros – que, ao desenvolver e expandir a atividade societária, geram no futuro as mais-valias» que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF isenta de tributação. Se «as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS» - conclui a recorrente-, «também os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação não podem influenciar na determinação do lucro tributável destas sociedades», sob pena de «violação dos princípios da tributação pelo lucro real, capacidade contributiva, neutralidade e igualdade fiscal», por «capacidades contributivas idênticas, no caso de uma SGPS e de uma sociedade comercial de natureza diversa, apurarem diferentes matérias coletáveis».

O desvalor constitucional apontado pela recorrente à interpretação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que acabou por ser sufragada pelo Tribunal a quo - de acordo com a qual os encargos suportados com a realização de prestações suplementares concorrem para a formação do lucro tributável-, foi, contudo, por este afastado de forma expressa.

Partindo do que considerou ser a manifesta diferença existente entre as «prestações suplementares», cuja dedutibilidade para apuramento do lucro tributável se discutia nos autos, e as «partes de capital» referidas no aludido preceito legal, o Tribunal arbitral não apenas rejeitou qualquer incompatibilidade entre o «não enquadramento das prestações suplementares no regime da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF» e o «princípio constitucional da tributação em função da capacidade contributiva» e/ou o «princípio da igualdade», como anteviu a possibilidade de a violação de tais princípios vir efetivamente a ocorrer caso «as prestações suplementares fossem equiparadas às partes de capital (ações e quotas de sociedades), para efeito de proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamentos com aquelas conexionados».

11 - Embora a proibição contida no n.º 2 do artigo 32.º do EBF seja igualmente aplicável a outros dois tipos de entidades - sociedades de capital de risco e investidores de capital de risco-, a dimensão em que os respetivos limites são questionados no âmbito dos presentes autos diz somente respeito aos encargos financeiros suportados pelas sociedades gestoras de participações sociais dedutíveis no apuramento do respetivo lucro tributável.

É inevitável, por isso, começar por atentar nas particulares características deste tipo de sociedades e, em especial, na razão de ser do regime de benefícios fiscais que lhes foi associado.

As SGPS têm por objeto contratual único a gestão de participações sociais de outras empresas, assim desenvolvendo, de forma indireta, uma atividade económica, com um regime legal próprio e específico. Consistindo a atividade das SGPS, por natureza, na valorização das participações sociais por si detidas, percebe-se que sem o estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, as mesmas corriam o risco de converter-se numa figura de «‘viabilidade duvidosa e pouco interesse prático’». Isso mesmo foi salientado no Acórdão n.º 42/2014, aresto no qual teve este Tribunal oportunidade de caracterizar o essencial da evolução do regime de benefícios fiscais concedidos às SGPS, em particular da tributação das mais-valias por estas realizadas.

A tal propósito, escreveu-se aí o seguinte:

«12.1. As SGPS têm como antecedentes as sociedades holding, as quais encontram a primeira regulação no Decreto-Lei n.º 46032, de 27 de abril de 1965. Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 271/72, de 2 de agosto, estabelecendo o regime jurídico das sociedades que comportem como objeto a gestão de participações, distinguindo entre ‘sociedades de controlo’, ‘sociedades de investimento’ e ‘sociedades de aplicações de capitais’, e reconhecendo-lhes papel importante na organização e reforço do tecido empresarial nacional, através do estabelecimento e dinamização de um mercado financeiro que lhe sirva de apoio. Já assim se lhes referira o legislador, na edição de isenção da tributação de Imposto de Capitais sobre juros e dividendos, através do Decreto-Lei n.º 44561, de 10 de setembro de 1962, dizendo: ‘[t]rata-se de remover um obstáculo de peso à criação de empresas cuja atividade consiste na mera gestão de uma carteira de títulos, e que no estrangeiro, por toda a parte – e até, nos últimos anos, particularmente em países em vias de desenvolvimento – tão grande papel desempenham, sobretudo as sociedades de colocação de capitais, na mobilização do aforro de certas classes, e na sua criteriosa aplicação naquele ou naqueles setores que um eficiente serviço de estudos económico-financeiros demonstre serem os de menor risco e de melhores expectativas de rendabilidade. Desnecessário será encarecer o alcance desta inovação’.

Em 1988, o regime jurídico dessas sociedades viria a ser alterado – modificação inscrita na reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 –, através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, passando a adotar a designação de sociedades gestoras de participações sociais. Logo aí se sinalizou a essencialidade do estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, referindo o preâmbulo do diploma que, de outro modo, as SGPS teriam ‘viabilidade duvidosa e pouco interesse prático’.

12.2. O regime fiscal das SGPS, no que concerne à tributação de mais-valias, sofreu sucessivas alterações desde a aprovação do seu regime jurídico, através do referido Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, até à publicação da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro (horizonte relevante para estes autos, sem esquecer que outras lhe sucederam), denotando-se a procura pelo legislador do ponto de equilíbrio entre o reforço da competitividade das empresas nacionais, no confronto com os vários modelos de tributação privativos de tais veículos jurídicos no quadro das jurisdições europeias concorrentes, e a prossecução das finalidades financeiras do sistema fiscal, de satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (cfr. Relatório do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 2005, pp. 331-347). Porém, essa constante demanda de fatores diferenciadores positivos, ou meramente restabelecedores de condições de atratividade para o investimento, teve como consequência forte instabilidade legislativa nesta área.

Assim, nos termos conjugados dos artigos 7.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, as SGPS passaram a beneficiar de um regime de exclusão de tributação de mais-valias obtidas mediante a venda ou troca das participações sociais por si detidas, sempre que o respetivo valor fosse reinvestido até ao final do segundo exercício subsequente ao da realização.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 71/93, de 26 de novembro, que aprovou o Orçamento do Estado Suplementar de 1993, e o aditamento do n.º 6 do artigo 44.º do CIRC, foi instituído um regime de tributação diferida condicionada ao reinvestimento, regime esse que começou por comportar o diferimento por dois anos, sendo posteriormente alargado para três anos e, através da Lei n.º 52-C/96, de 27 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado de 1997, estendido até quatro anos.

Por seu turno, com vigência no ano de 2001, o regime de tributação das mais-valias realizadas por SGPS sofreu nova modificação, por via da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, através de nova redação do artigo 44.º do CIRC, sendo consagrado regime de tributação integral, pese embora faseado ao longo de cinco exercícios anuais, desde que, no exercício anterior ao da realização, ou até ao final do exercício seguinte, o valor de realização fosse reinvestido.

Seguiu-se, pouco tempo depois, a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, em que se procedeu à revisão, entre outros, do CIRC e também do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

O EBF passou a regular o tratamento fiscal das mais-valias (e bem assim das menos-valias) pela transmissão onerosa de participações sociais por SGPS, através do seu artigo 31.º, que mais não fez do que transpor para este diploma a regra constante do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, ao remeter, no seu n.º 2, para o disposto no artigo 45.º do CIRC (anterior artigo 44.º)».

12 - Conforme se extrai das respetivas alegações, a recorrente não contesta a existência de um regime fiscal especial para as SGPS, nem tão-pouco que tal regime possa comportar a concessão de determinados benefícios fiscais, sobretudo no que diz respeito à relevância para o apuramento do lucro tributável dos respetivos encargos financeiros, mais-valias e menos-valias.

Não é, por isso, a diferença que decorre da existência de um regime especial de tributação aplicável àquele tipo de sociedades que a recorrente pretende ver testada perante os princípios da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da tributação pelo lucro real e da neutralidade.

O que a recorrente verdadeiramente contesta é que, no âmbito desse regime diferenciado previsto para as SGPS - que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF concretiza - possam encontrar-se sujeitos a regras de dedutibilidade diversas os encargos suportados, por um lado, com a aquisição de partes de capital e, por outro, com a realização de prestações suplementares às empresas suas associadas. Mais rigorosamente ainda: vendo na regra que proíbe a dedução ao lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital «um contrabalanceamento» do benefício fiscal resultante da não tributação das mais-valias realizadas através da respetiva alienação, a recorrente contesta a extensão em que tal benefício passaria a verificar-se, face aos demais sujeitos passivos de IRC, no caso de àquela proibição não serem igualmente sujeitos os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares às empresas participadas.

O raciocínio seguido pela recorrente parece, pois, poder sintetizar-se nos termos seguintes: no intuito de conter dentro dos limites de qualquer aceitável discriminação positiva o benefício fiscal concedido às SGPS, o legislador não permitiu a duplicação em que tal benefício passaria a registar-se caso à anulação do impacto das mais-valias realizadas com a alienação de partes de capital sobre a formação do lucro tributável se somasse a possibilidade de a este deduzir os encargos financeiros suportados com a respetiva aquisição; uma vez que a realização de prestações suplementares constitui igualmente uma forma de financiamento da atividade das sociedades participadas, permitindo a entrada de capital que viabiliza a ulterior realização das mais-valias isentas de tributação, então os encargos financeiros com as mesmas suportados não devem poder ser deduzidos ao lucro tributável, de acordo com o princípio segundo o qual, se os ganhos não são tributados, os gastos que lhes estão inequivocamente subjacentes também não podem ser considerados para efeitos fiscais; a não inclusão dos encargos suportados com a realização de prestações suplementares no conjunto dos encargos não dedutíveis representa um reforço do benefício fiscal concedido às SGPS, cujo resultado é o de colocar tais sociedades, relativamente aos outros sujeitos tributados em IRC, além do ponto-limite consentido pelos princípios da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da tributação pelo lucro real e da neutralidade.

13 - Assentando a argumentação sustentada pela recorrente na premissa segundo a qual a aquisição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituem formas, senão iguais, pelo menos equivalentes, de financiamento das sociedades participadas, importa começar por explicitar tais conceitos, no intuito de esclarecer se se trata de figuras análogas ou, pelo contrário, lhe correspondem realidades diversas.

Conforme apontado na doutrina, o conceito de parte de capital refere-se à participação social detida pelos sócios de uma sociedade: «[p]artes de capital (ou participações sociais) é conceito que, inversamente ao que se passa com o conceito de “capital social", se relaciona com a perspetiva do sócio da sociedade à qual “pertence" o capital social - o sócio “participa em parte desse capital social" » (cf. Fernando Carreira Araújo/António Fernandes de Oliveira, “O Código do IRC e os conceitos de (i) capital, (ii) partes de capital, (iii) prestações suplementares e (iv) créditos pela realização de prestações suplementares", in Paulo Otero/Fernando Araújo/João Taborda da Gama (Orgs.), Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 698).

O conceito de parte de capital abrange, assim, o capital social, correspondendo ao quinhão deste detido pelos sócios (quotas ou ações).

As partes de capital são subscritas e realizadas pelos sócios (cf. artigo 20.º do Código das Sociedades Comerciais - em seguida, «CSM»), conferindo direito aos lucros (artigo 21.º, n.º 1, alínea a)), ao voto (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea b)), à informação sobre a vida da sociedade (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea c)) e, no caso de liquidação, à partilha do ativo (cf. artigo 156.º). As partes sociais só são restituíveis verificadas as condições legais e estatutárias, com a saída do sócio da sociedade. Em caso de amortização de participações sociais, poderá haver lugar ao reembolso do capital ou ao pagamento de quantia correspondente à quota de amortização (cf. artigos 235.º, 346.º e 347.º). Os detentores de partes do capital de uma empresa podem aliená-las a qualquer momento, desde que respeitem as regras específicas previstas para os diferentes tipos de sociedades. Neste caso, as mais-valias originadas pela alienação das partes de capital são, em regra, tributadas (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento Singular).

14 - Com o conceito de parte de capital não se confunde a figura das prestações suplementares.

Importadas do direito alemão pelo legislador de 1901, as prestações suplementares correspondem às «entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas», não se incluindo «no capital social da sociedade» (cf. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2.º vol., Lisboa: AAFDL, 1989, pp. 297-298).

Assim, no essencial, caracterizáveis, as prestações suplementares associam a sua razão de ser ao facto de constituírem um meio alternativo de financiamento da sociedade, em termos equivalentes ou análogos àqueles que são proporcionados pelo aumento do capital social, mas sem o cumprimento das formalidades legais e a realização de despesas a este inerentes.

Enquanto instrumento de superação das carências financeiras da sociedade através dos sócios, as prestações suplementares apresentam inequívocas vantagens: do ponto de vista da sociedade, propiciam o seu financiamento através de uma modalidade não remunerada, permitindo fazer face a prejuízos que necessitem de ser entretanto cobertos, com o consequente reforço das garantias dos credores sociais; do ponto de vista dos sócios, permite-lhes financiar a sociedade sem as desvantagens dos suprimentos, nomeadamente a tributação do rendimento proveniente dos juros (cf. Sofia Gouveia Pereira, As Prestações Suplementares no Direito Societário Português, Cascais: Princípia, 2004, pp. 25 ss).

As prestações suplementares aparentam, pois, ser «uma figura híbrida que, apesar de apresentar elementos análogos aos que integram o aumento de capital ou os suprimentos, contudo, não se identifica com qualquer deles»: embora «façam parte do «património da sociedade», as «prestações suplementares não se integram no seu capital, pelo que não constituem um aumento daquele» (cf. Brás Teixeira, “Notas Dispersas sobre Imposto de Capitais", in Ciência e Técnica Fiscal, 1969, 125º, p. 136).

De entre as notas distintivas do regime jurídico a que se encontram sujeitas, ressalta o facto de as prestações suplementares, para além de serem sempre em dinheiro e de não vencerem juros (cf. artigo 210.º, n.ºs 1 e 5, do CSC), não se identificarem com os empréstimos. E isto porque, embora as quantias desembolsadas pelos sócios sejam restituíveis, tal restituição encontra-se sujeita à verificação das condições previstas no artigo 213.º do CSC, dependendo da existência de bens distribuíveis no património da sociedade, da não verificação de declaração de insolvência e, além disso, da aprovação pela Assembleia-Geral (cf. Helena Salazar, Margarida Azevedo e Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias…", cit., pp. 79-80).

Pelo facto de serem sempre em dinheiro e não poderem ser remuneradas, e pelo regime a que se encontram sujeitas, as prestações suplementares são habitualmente designadas como «quase capital» (cf. Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 5ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 386): embora consubstanciem entregas de fundos por meio das quais os sócios contribuem para o reforço do património da sociedade, as prestações suplementares não fazem parte do capital social, nem a sua realização constitui um aumento deste.

Para tal distinção contribui ainda a possibilidade de o direito à restituição de prestações suplementares ser «separado dos outros direitos patrimoniais do sócio, ou por cessão isolada desse direito ou por retenção desse direito pelo cedente da quota» (cf. Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 1989, p. 264): enquanto direito de crédito, o direito ao reembolso é, em princípio, transmissível autonomamente, aplicando-se-lhe o princípio da transmissibilidade dos direitos patrimoniais (neste sentido, cf. Rui Pinto Duarte, “Contribuições dos Sócios para Além do Capital Social: Prestações Acessórias, Suplementares e Suprimentos", in Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 247; Paulo de Tarso Domingues, “As diferentes formas de financiamento pelos sócios e a transmissibilidade autónoma dos créditos respetivos", in Luís Couto Gonçalves et. al. (coord.), Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 779 ss).

Uma vez aqui chegados, uma conclusão crê-se ter ficado já suficientemente evidente: apesar de a aquisição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituírem meios de contribuição dos sócios para o reforço do património da sociedade - no caso das SGPS, do património das empresas participadas-, correspondem-lhe obrigações intrinsecamente distintas, consistindo a mais relevante especificidade evidenciada pelas segundas no facto de o valor a restituir pela respetiva realização, quando tal restituição deva ter lugar, não ser nunca superior ao valor nominal das mesmas.

15 - Apesar de jurídico-substancialmente diferenciáveis, sustenta a recorrente que “partes de capital" e “prestações suplementares" são equivalentes no plano contabilístico, no sentido em que estas integram, tal como o capital social, o património próprio da sociedade.

Não estando aqui em causa, conforme se assinalou já, decidir qual a melhor interpretação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o argumento articulado pela recorrente apenas poderá relevar no plano de análise em que nos situamos se e na medida em que de tal invocada equivalência pretenda extrair-se a razão pela qual os encargos financeiros com umas e outras suportados não deverão poder relevar em termos distintos para a determinação do lucro tributável, sob pena de violação dos princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva, da neutralidade e da igualdade fiscal.

A ser assim, à perspetiva seguida pela recorrente duas objeções podem, desde já, levantar-se.

A primeira prende-se com o facto de o lucro tributável das empresas, apesar de ter por base o respetivo resultado contabilístico, a este se não reconduzir.

O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não segue, com efeito, o modelo da dependência total do direito fiscal face ao direito da contabilidade, pelo que o lucro tributável é apurado por referência ao resultado contabilístico, mas com as correções a que este se encontra sujeito por força das disposições que anulam a relevância de determinados rendimentos ou gastos contabilísticos no plano do apuramento do lucro fiscal (cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 526 ss). Trata-se das correções relativas às variações patrimoniais positivas e negativas, em cujo âmbito justamente se inscrevem as normas que consagram benefícios fiscais.

A razão de ser da não coincidência entre o lucro fiscal e o lucro contabilístico é facilmente explicável: conforme nota José Casalta Nabais, «enquanto o lucro contabilístico é determinado com base em princípios, normas ou regras do (…) direito contabilístico e tem por destinatários os utentes das demonstrações financeiras das empresas (isto é, os investidores, os trabalhadores, os financiadores, os fornecedores e os outros credores comerciais, os clientes, o Governo e seis departamentos e o público em geral), o lucro fiscal guia-se pelos princípios e normas do direito fiscal e tem por destinatário sobretudo o Estado, mais precisamente a administração tributária» (idem, pp. 526-527). É por isso que, ao contrário do que sucede com os critérios de apuramento do lucro contabilístico, o regime do apuramento do lucro fiscal permite acomodar e dar expressão a preocupações de outra ordem, relacionadas, as mais das vezes, com a promoção da atividade económica, designadamente através do reforço do tecido organizacional das empresas e do incremento da respetiva sustentabilidade. E é por isso também que, no conjunto dos elementos que integram aquele regime, têm pleno cabimento as normas que, cindindo o lucro contabilístico do lucro fiscal, isentam de tributação determinados ganhos ou tornam dedutíveis certos encargos financeiros, com o intuito de permitir a realização de outros interesses, diversos da arrecadação de receita como a promoção do emprego, das exportações e do investimento, considerados, num determinado momento histórico, de superlativa relevância no âmbito da política económica e do modelo de desenvolvimento social que só ao legislador democraticamente eleito cumpre delinear.

A segunda objeção prende-se com o próprio significado e alcance da igualação defendida pela recorrente.

A equivalência que é estabelecida entre prestações suplementares e partes do capital funda-se, conforme referido já, no plano contabilístico, assentando no facto de tanto as primeiras como as segundas serem registadas contabilisticamente no “capital próprio".

A circunstância de as prestações suplementares serem tidas contabilisticamente como capital próprio - isto é, de serem consideradas como “capital próprio" de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística - reflete o facto de os sócios apenas poderem recuperar as quantias empregues se e na estrita medida em que existiam bens na sociedade que não sejam necessários à cobertura do capital social e da reserva legal, bem como o facto de o reembolso das correspondentes quantias dever ser decidido em Assembleia-Geral (cf. Helena Salazar, Margarida Azevedo e Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias…", cit., p. 80). Daí, todavia, está longe de resultar que as prestações suplementares e as partes do capital social detenham, por essa razão, a mesma natureza, seja económica ou jurídica (cf. Rui Pinto Duarte, “Contribuições dos…", cit., p. 244). Assim como está longe de resultar, no que aqui especialmente releva, que a diferença que intercede entre ambas as figuras, sobretudo daquele primeiro ponto de vista, não possa constituir para o legislador ordinário fundamento suficiente para não estender às primeiras a proibição de dedução ao lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a respetiva realização.

16 - Caracterizados os traços principais das figuras jurídicas na base da presente querela constitucional, importa agora confrontar com os parâmetros invocados pela recorrente a norma concretamente impugnada, procurando determinar se e em que medida o benefício fiscal concedido às SGPS pode revelar-se incompatível com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da tributação pelo lucro real e da neutralidade, quando nele incluída a consideração, no apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados pelas referidas empresas com a realização de prestações suplementares às empresas suas participadas.

Não tendo a recorrente explicitado os termos em que considera ocorrer a simultânea violação do conjunto dos princípios constitucionais invocados, é conveniente começar por esclarecer o modo como os mesmos se articulam, tendo presente que tais princípios, apesar de analiticamente autónomos, se encontram intimamente conexionados, conforme vem sendo, de resto, assinalado tanto na doutrina como na jurisprudência constitucional.

Ora, em consonância com o modelo em que surge concretizado nos artigos 103.º e 104.º da Constituição, o sistema fiscal português tem como elemento estrutural fundante o princípio da capacidade contributiva, organizando-se, nessa medida, segundo «um princípio que permite uma decisão normativa sobre o modo de distribuição de encargos tributários e que concretiza o princípio da justiça tributária» (cf. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 227).

Tal como tem vindo a ser sublinhado por este Tribunal, o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária, ideia que, no Acórdão n.º 197/2016, foi explicitada nos termos seguintes:

«(…) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto". E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).»

Se o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente (cf. Acórdão n.º 409/99), a capacidade contributiva apresenta-se, em matéria de igualdade fiscal, como o tertium comparationis, isto é, o critério que há de servir de base à comparação que é requerida.

O princípio da capacidade contributiva opera, assim, por um lado, como condição ou pressuposto do ato tributário, no sentido em que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; por outro, intervém como critério ou parâmetro da tributação, na medida em que impõe que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar" (ability to pay) (neste sentido, por todos, cf. Acórdão n.º 197/2013). Deste ponto de vista, pode dizer-se que a capacidade contributiva constitui o pressuposto, o limite e o critério da tributação (neste sentido, cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Coimbra Editora, 2015, pp. 295-296).

17 - Assim sintetizado o essencial do respetivo conteúdo, bem se vê que os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal operam essencialmente na complexa arquitetura das normas de incidência tributária, aí vinculando o legislador à consagração de soluções não dissonantes da regra que impõe que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua capacidade económica (cf. Acórdão n.º 139/2016).

Os benefícios fiscais situam-se, todavia, num plano diverso e, conforme assinalado já, encontram a sua justificação numa distinta ordem de razões: trata-se de «[…] medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», tais como «[…] as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais [com idêntica finalidade]» (cf. artigo 2.º, n.º 1, e n.º 2, do EBF) (idem).

As normas que estabelecem benefícios fiscais são, por isso, recorrentemente caracterizadas como normas de caráter excecional e antissistemático por definição, que, servindo à prossecução de interesses públicos constitucionalmente relevantes, de caráter político, económico, social ou cultural, se encontram em «tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam enquanto padrão de repartição do imposto» (cf. Sérgio Vasques, Manual de…, cit., p. 365, e, no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, 11ª edição com adenda, Lisboa: Rei dos Livros, 2000, pp. 323 a 326).

Neste contexto, a posição de princípio de que aqui se deverá partir não é aquela em que se coloca a recorrente. É, ao invés, a posição que, justamente no âmbito das normas que definem as exceções em matéria de incidência para efeitos de determinação dos factos tributários, vem sendo reiteradamente assumida na jurisprudência deste Tribunal.

Tal posição, conforme se extrai dos Acórdãos n.º 695/2015 e n.º 275/2016, pode sintetizar-se nos seguintes termos:

«Na expressão de SALDANHA SANCHES, as normas de isenção, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, vivem “numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva", o que as vincula a “uma especial legitimação": “a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância"; daí que a função económico-social dos benefícios fiscais obrigue a um “cálculo permanente da receita perdida (da despesa fiscal)", na medida em que “um benefício fiscal é sempre o benefício fiscal para alguns contribuintes, levando à perda de receitas (redução da base fiscal) que leva à maior oneração de outros contribuintes. A criação de um benefício é sempre uma decisão sobre a distribuição dos encargos de financiamento do Estado" (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 2007, pp. 457 e 458). O que significa, como conclui NUNO SÁ GOMES, que “um benefício fiscal, maxime uma isenção, nunca é um favor ou uma liberalidade fiscal, logo ao nível normativo, sob pena de inconstitucionalidade, pois tem que ter por fundamento um interesse público constitucionalmente relevante, superior ao correspondente interesse tutelado pela tributação" (Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Lisboa, 1991, pp. 62-63).

Dito isto, tal como repetidamente afirmado pelo Tribunal, as escolhas de regime tomadas pelo legislador neste domínio apenas podem ser censuradas, com fundamento em infração do princípio da igualdade, encarado como princípio negativo de controlo, quando se demonstre que as diferenças de tratamento entre sujeitos não encontram justificação em fundamentos razoáveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, são prosseguidos (cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 1057/96, 418/2000, 451/2002, 188/2003, 370/2007, 442/2007, 47/2010, 85/2010, 42/2014, 137/2014 e 855/2014).

Ao legislador ordinário cabe o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação, a qual, na espécie, assume necessariamente amplitude considerável: “a matéria das isenções fiscais é uma daquelas em cuja modelação entram em jogo múltiplos e divergentes fatores e em que, desde logo, a decisão passa por uma necessária ponderação entre as diversas considerações (de política económica, de justiça social) suscetíveis de legitimarem ou fundarem o “benefícios" e o “custo" fiscal ou orçamental deste; inevitavelmente, pois, não pode deixar de estar ai aberto um largo espaço de escolha ou opção política, que cabe ao legislador preencher" (Acórdão n.º 188/2003).»

Situando-nos no domínio das normas que estabelecem benefícios fiscais, a caracterização do quadro constitucional relevante para a apreciação da solução impugnada não ficaria completa, conforme se viu, sem a acentuação de um outro princípio, especialmente relevante para o estabelecimento dos limites inerentes ao próprio juízo de sindicância - o princípio da liberdade de conformação ou da margem de discricionariedade constitucionalmente reconhecidas ao legislador tributário.

Atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário «goza, em princípio, de discricionariedade normativo-constitutiva quanto à eleição dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem ser elevados à categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para se definir a matéria coletável» (cf. Acórdão n.º 127/04). Discricionariedade especialmente evidente se, conforme sucede na hipótese sub judice, nos encontrarmos perante uma norma que, refletindo a prossecução de determinados interesses, desagrava a situação do sujeito tributário - no caso, permitindo a contabilização no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC de um certo tipo de encargos financeiros, suportados com a realização de determinada espécie de prestações ou contribuições societárias.

Conforme salientado no Acórdão n.º 139/2016, se se trata de um benefício fiscal, «que o Estado só concede porque o entende, com base numa determinada teleologia», é «muito maior» a margem de liberdade de que goza o legislador ordinário «para estabelecer as respetivas condições» - nestas obviamente se incluindo a seleção dos encargos contabilísticos fiscalmente dedutíveis, isto é, daqueles que, para efeitos de IRC, devam ser considerados no apuramento do lucro tributável.

Neste âmbito, mais do que em qualquer outro, prevalece, pois, a ideia segundo a qual, ainda que «outras soluções normativas capazes de atingir o mesmo desiderato» pudessem, porventura, «ter sido acolhidas», haverá que ter em conta a «margem de determinação do legislador democrático», a qual, «no plano das normas de incidência negativa, como em geral no estabelecimento de benefícios fiscais», surge «dotada de especial amplitude, em função de maior ou menor performance económica do setor empresarial visado e da margem orçamental a que o Estado possa recorrer» (Acórdão n.º 42/14).

18 - O problema de constitucionalidade suscitado nos presentes autos incide, tal como visto já, sobre o critério extraído pelo Tribunal a quo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, de acordo com o qual os encargos financeiros suportados pelas SGPS com a realização de prestações suplementares, ao invés do que sucede com as despesas ocasionadas pela aquisição de partes de capital, constituem variações patrimoniais relevantes para o apuramento do lucro tributável, ao qual são por isso dedutíveis.

De acordo com a recorrente, dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal resulta que idênticas capacidades contributivas devem suportar cargas fiscais niveladas, sendo esta a injunção que, em definitivo, considera subvertida pela solução impugnada. E isto porque, ao impor a «desconsideração dos encargos financeiros associados ao financiamento através de capitais próprios das participadas, o que o legislador está a fazer é a contrabalançar», «face aos demais sujeitos passivos de IRC», o benefício concedido às SGPS através da não tributação das mais-valias geradas pela alienação das partes de capital de que sejam titulares. Benefício esse que só parcialmente será contrabalançado se se permitir a dedutibilidade ao lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares, na medida em que estas, constituindo equivalente forma de financiamento da atividade societária, concorrerão em idênticos termos para a possibilidade de formação das mais-valias isentas de tributação.

Apesar de ambas consubstanciarem uma entrada de fundos na sociedade participada, partes de capital e prestações suplementares - vimo-lo já - correspondem a figuras substancialmente diversas, tanto quanto à respetiva função económica, como no plano societário, encontrando-se sujeitas a regimes jurídicos diferenciados.

Do ponto de vista da ratio subjacente à solução impugnada, trata-se de um elemento não desprezível: enquanto as prestações suplementares, a serem restituídas, o serão sempre pelo respetivo valor, sem o acréscimo de quaisquer juros, a aquisição de partes de capital de uma determinada sociedade, como ações ou quotas, tem como natural correlativo a possibilidade da sua alienação, a qual, ao contrário do que sucede com as primeiras, constituirá, neste caso, o ato direta e imediatamente gerador das eventuais mais-valias que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF isenta de tributação. Ao invés, as prestações suplementares contribuem apenas de indireta forma para aquele eventual resultado, no exato sentido em que, preenchendo necessidades de liquidez imediatas e permitindo repor dessa forma o equilíbrio financeiro da sociedade participada, concorrem, a par de outros fatores, para sobrevinda do acréscimo de valor que, em última instância, propicia a realização das mais-valias isentas de tributação.

Mas, no plano de análise em que nos situamos - que é, conforme referido já, o das normas que estabelecem benefícios fiscais -, a diferença fundamental nem sequer é essa.

O que verdadeiramente singulariza a figura das prestações suplementares reside na específica função económica que lhes está associada, isto é, no facto de constituírem um instrumento particularmente ágil de financiamento das sociedades, apto a responder a duas preocupações fundamentais: a proteção da sociedade, que nelas encontra um meio rápido e eficaz de adequar o seu capital próprio às necessidades sociais; e a proteção dos credores sociais, na medida em que não haverá lugar ao reembolso das quantias prestadas se ou enquanto não permanecer ou não estiver reconstituída a garantia dos credores consistente no capital social (cf. Sofia Gouveia Pereira, As Prestações Suplementares…, cit., p. 27, e, neste último sentido, Raúl Ventura, Sociedades por…, Vol. I., cit., p. 279).

As vantagens que, de ambos os referidos pontos de vista, são proporcionadas pela figura das prestações suplementares, enquanto meio de restabelecimento rápido do equilíbrio económico das sociedades participadas, constitui fundamento suficiente para tornar tão racionalmente plausível quanto constitucionalmente incensurável, à luz do tipo de controlo a que são sujeitáveis as normas que estabelecem benefícios fiscais, a opção, seguida pelo legislador tributário, de limitar aos «encargos financeiros na compra de participações sociais por SGPS» a proibição de dedução ao lucro tributável (cf. Relatório do Orçamento de Estado para 2003), do respetivo âmbito excluindo os encargos suportados com as primeiras, de modo a incentivar a respetiva realização. Opção tanto mais economicamente fundada quanto certo é encontrar-se, as mais das vezes, a sociedade gestora de participações, em função da sua posição no mercado, em situação de obter crédito em condições mais vantajosas do que a sociedade participada, hipótese em que as prestações suplementares permitirão que o crédito obtido pela primeira seja utilizado pela segunda, com os custos globais da operação diminuídos relativamente àqueles que, de outra forma, teriam de ser por esta suportados.

Em suma: estando em causa a viabilidade constitucional, não da existência de um regime fiscal bonificado para as SGPS, mas da extensão em que o benefício fiscal atribuído passará a verificar-se na hipótese de poderem concorrer para a formação do respetivo lucro tributável os encargos financeiros pelas mesmas suportados com a realização de prestações suplementares às empresas participadas, não subsistem dúvidas de que a opção questionada é ainda inteiramente recondutível tanto à razão de ser das normas que, em geral, estabelecem benefícios ficais - em especial, à sua assinalada função económico-social-, como à teleologia do regime fiscal bonificado especialmente previsto para as SGPS. Este, conforme notado já, tem em vista promover ou facultar os arranjos societários dentro do grupo, qualquer que seja a forma como operem, desde que aptos a incrementar a atividade económica das empresas no mesmo integradas, tendo em vista o reforço do tecido empresarial a que dão lastro.

Isso mesmo foi salientado no Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais (relatório apresentado pelo grupo de trabalho criado por Despacho de 1 de maio de 2005 do Ministro de Estado e Finanças), onde se ponderou a manutenção dos benefícios fiscais consagrados no (então) artigo 31.º do EBF, entre o mais, pelo interesse para a dinamização da organização e instalação de grupos económicos em Portugal, tendo presente que as “holdings" constituem «um instrumento valioso de organização da empresa plurissocietária», justamente pelas vantagens organizativas, financeiras e fiscais que proporcionam do ponto de vista da gestão e rentabilização da atividade económica das sociedades componentes do grupo (cf. “Reavaliação dos Benefícios Fiscais", in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 198, Coimbra: Almedina, 2005, pp. 340 ss).

Não se tornando o benefício fiscal concedido às SGPS no n.º 2 do artigo 32.º do EBF nem constitucionalmente menos cabido, nem constitucionalmente mais problemático por incluir a dedutibilidade dos encargos suportados com a realização de prestações suplementares, o critério normativo sufragado pelo Tribunal a quo não merece, em suma, qualquer censura à luz dos princípios que limitam a discricionariedade legislativa em matéria de estabelecimento de benefícios fiscais.

19 - Os princípios da igualdade tributária e da capacidade tributária relacionam-se ainda, no caso das empresas, com o princípio da tributação das empresas (fundamentalmente) segundo o rendimento real, igualmente invocado pela recorrente, que encontra consagração expressa no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição.

Tal como aponta José Casalta Nabais, a norma constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição «mais não é do que uma concretização, uma explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal» (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, cit., p. 171), traduzindo a ideia segundo a qual as empresas, assim como todos os cidadãos, devem ser tributadas de acordo com o seu «rendimento real», isto é, «deverão ser tributadas quando têm rendimento e na exata medida desse rendimento» (cfr. Saldanha Sanches, Manual de…, cit., p. 231).

Tal entendimento é, de resto, partilhado pela jurisprudência constitucional, como pode ver-se pelo Acórdão n.º 197/2013, onde se escreveu o seguinte:

«Tributar o lucro real das empresas, por seu turno, significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva (cfr. o Acórdão n.º 162/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Trata-se, no entanto, de um princípio cuja principal concretização é afastar a tributação das empresas pelo seu lucro normal, isto é, tributar o rendimento que estas poderiam ter obtido em condições normais de exploração, independentemente, pois, das condições concretas em que desenvolveram a sua atividade (XAVIER DE BASTO, “O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, Fiscalidade, n.º 5, 2001, p. 10). A questão tem sido objeto de discussão na jurisprudência constitucional, a propósito dos métodos indiretos de apuramento da matéria coletável (cfr. os artigos da Lei Geral Tributária), assumindo tal jurisprudência que a tributação pelo lucro real é um princípio que admite “desvios", entenda-se, é compatível com alguma “normalização" no apuramento da matéria coletável (cfr. os Acórdãos n.º 84/03 e 85/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).»

Segundo sustenta a recorrente, o critério extraído do n.º 2 do artigo 32.º do EBF - de acordo com o qual os encargos suportados com a realização de prestações suplementares concorrem para a formação do lucro tributável - é incompatível ainda com o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, na medida em que, incidindo a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real, isso «significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo».

Conforme dos seus próprios termos resulta, o argumento invocado pela recorrente desconsidera, uma vez mais, a decisiva circunstância de nos encontrarmos no específico domínio das normas que estabelecem benefícios fiscais, as quais, conforme referido já, constituem, pela sua própria natureza, derrogações pontuais dos princípios gerais que presidem à tributação - e, consequentemente, também do princípio da tributação segundo o lucro real-, traduzindo a concessão de um desagravamento fiscal sob a forma de isenção, redução de taxa ou, no que aqui especialmente releva, de dedução à coleta de determinados encargos.

Benefícios deste tipo - vimo-lo já também - têm caráter excecional, sendo concedidos pelo Estado quando o legislador, no âmbito da política económica que lhe incumbe definir, considere verificar-se um interesse de relevância comunitária superior ao interesse no arrecadamento da receita correspondente à tributação plena.

Colocadas as coisas nestes termos, as considerações acima expendidas quanto ao critério da capacidade contributiva servem também para refutar a alegada violação do princípio da tributação pelo lucro real, até porque este último princípio constitui uma manifestação ou concretização do primeiro. Aliás, no caso específico do princípio da tributação do lucro real, o legislador constituinte teve o especial cuidado de explicitar que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, tornando dessa forma inequívoca a possibilidade de a tributação vir a incidir sobre outro rendimento que não o real, quando tal se mostre justificado.

Estando longe de poder afirmar-se, conforme se viu, que a dedutibilidade ao lucro tributável das SGPS dos encargos pelas mesmas suportados com a realização de prestações suplementares às empresas suas participadas constitua uma opção desligada de quaisquer fundamentos razoáveis, não se vislumbra entorse alguma ao princípio da igualdade, também sob o prisma da imposição prima facie de tributação do lucro real.

20 - O último dos princípios em cuja alegada violação assenta o juízo de inconstitucionalidade reivindicado pela recorrente é o princípio da neutralidade fiscal, fundado igualmente nos já analisados princípios da igualdade tributária, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.

De acordo com a recorrente, «[s]e as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SFGPS, então, atendendo à característica da neutralidade – fundada nos princípios da igualdade, tributação pelo lucro real e capacidade contributiva –, também os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação não podem influenciar na determinação do lucro tributável destas sociedades».

Apesar de parecer tratar-se aqui, não propriamente de um argumento destinado a demonstrar a inconstitucionalidade da norma-objeto, mas antes de mais uma explicitação das razões pelas quais se entende que o preceito constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF deveria ter sido interpretado pelo Tribunal a quo em sentido inverso, não deixarão, ainda assim, de notar-se duas coisas.

A primeira é que nada na Constituição impõe, nem de qualquer um dos seus invocados princípios resulta, que, no âmbito da modelação do regime dos benefícios fiscais concedidos às SGPS, ao legislador ordinário se encontre vedada a possibilidade de tornar dedutíveis ao lucro tributável todos os encargos financeiros suportados com o financiamento das empresas participadas sempre que isentar de tributação as mais-valias resultantes da alienação das respetivas partes do capital.

A segunda serve para dizer que, fundando-se a proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros previstos na parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, tal como defende a recorrente, na “neutralização" do benefício que decorre da irrelevância das mais-valias para a determinação do lucro tributável, sempre haveria de concluir-se que a alegada atenuação do benefício (ou a sua calibração) não teria, pelo menos necessariamente, de estender-se à figura das prestações suplementares, uma vez que as mesmas, não só não integram o capital social da empresa financiada por imposição legal, a sua restituição, a ter lugar, acontece no preciso valor pelo qual foram prestadas como não originam diretamente as mais-valias isentas de tributação.

O recurso deverá, pois, ser julgado improcedente.

III – DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma decorrente do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado no sentido em que os encargos financeiros suportados por uma SGPS com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro tributável;

e, em consequência,

b) Julgar improcedente o recurso interposto pela AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Subscreve-se a decisão de não inconstitucionalidade e a respetiva fundamentação embora com dúvidas quanto ao conhecimento (cfr. II, A., 7 a 9), na medida em que a dimensão normativa fixada como objeto do recurso a partir da ratio decidendi da decisão recorrida se afigura dificilmente dissociável do juízo subsuntivo nela efetuado pelo tribunal a quo reportado ao conceito de «partes do capital» previsto na norma sindicada, no mesmo não enquadrando as «prestações suplementares» (cfr. em especial 3.1., a p. 27 e 3.3.5, a p. 34, da decisão recorrida).
Maria José Rangel de Mesquita

DECLARAÇÃO DE VOTO

Independentemente da solução dada ao caso concreto, não acompanho, em tese geral, a ampla margem de liberdade de conformação política ou de discricionariedade do legislador, em matéria de benefícios fiscais, conforme defendido nalguns excertos do Acórdão. É que, no que diz respeito à concessão de benefícios fiscais a empresas, embora estes possam ser importantes para fomentar o crescimento económico, devem estar sujeitos a pressupostos rigorosamente definidos na lei e controlados pelo Estado, na medida em que é conhecido o aproveitamento, por parte das empresas que gozam destes benefícios, para manipularem os seus comportamentos de forma a abusar dos incentivos que o Estado lhes concede. Por outro lado, a noção de interesse público visado pelo legislador com a criação do benefício fiscal deve ser construída, pela jurisprudência constitucional, de acordo com o conjunto de princípios que carateriza a nossa Constituição fiscal, em particular, com o princípio da justiça tributária na sua dimensão de justiça material distributiva. Com efeito, resulta do artigo 81.º, alínea c), da Constituição, que o legislador constituinte atribui à política fiscal objetivos de promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e da correção da assimetria na distribuição da riqueza e do rendimento. A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem referindo que os benefícios fiscais introduzem elementos de desigualdade no sistema tributário, pelo que a razão de ser da sua existência deverá radicar em relevantes e fundados motivos e interesses públicos (a título exemplificativo, vide o Acórdão n.º 855/2015). Neste sentido, a constitucionalidade da atribuição de benefícios fiscais pelo legislador não pode ser avaliada apenas com base em critérios de incentivo económico aos beneficiários, mas deve ter em conta a margem orçamental existente, de forma a que os benefícios fiscais não ponham em causa as receitas necessárias ao financiamento de serviços públicos de qualidade ou prestações sociais a que têm direito os cidadãos mais desfavorecidos, sendo inconstitucionais as normas que, em contexto de crise económica, concedem benefícios fiscais que, pelos valores económicos que atingem, põem em causa os deveres do Estado para com as populações e acentuam a desigualdade social e económica. Não se pode esquecer que os benefícios fiscais, na medida em que reduzem a base fiscal e implicam uma derrogação deliberada ao sistema normal de tributação, aumentam a tributação dos contribuintes não isentos e representam um pagamento implícito feito pelos poderes públicos, gerando a correspondente despesa fiscal. Sendo assim, a liberdade de conformação do legislador, na atribuição dos benefícios fiscais, deve ser ponderada, não em abstrato, mas no seu contexto económico-social global e fazendo uma leitura unitária da Constituição.
Entendo, por isso, que as normas que regulam a isenção de imposto são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no texto da lei, devendo tais normas ser objeto de interpretação estrita ou declarativa, com a consequência da inconstitucionalidade de uma interpretação normativa extensiva ou da aplicação analógica.
Maria Clara Sottomayor

Acórdão n.º 717/2017, de 15 de novembro

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO
1 – Nos presentes autos, vindos de Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, em que é recorrente a AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA e recorrida a sociedade A., S.G.P.S., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 5 de dezembro de 2016, do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 20 de novembro de 2016.

2 – A ora recorrida apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, e 17.º-A do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro («Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária»), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do ato de correção da matéria tributável, levado a cabo pela ora recorrente, relativo ao exercício de 2012, bem como da subsequente liquidação de IRC.

3 – O acórdão recorrido julgou procedente o pedido, declarando a ilegalidade da correção da matéria tributável da ora recorrida, no montante de € 6 084 536,41, aplicada pela liquidação de IRC, bem como da decisão da reclamação graciosa que mantivera tal correção, anulando ambas.

Com interesse para a decisão que haverá de seguir-se, pode ler-se no referido acórdão o seguinte:

3 – Matéria de direito
«Na sequência de uma inspeção tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou correções à matéria tributável do exercício de 2012 do grupo A., de que a Requerente é sociedade dominante.

Entre as correções efetuadas inclui-se uma no montante de € 6.084.536, 41, relativa a «encargos financeiros não dedutíveis face ao disposto nos artigos 32.º do EBF e 23.º do CIRC (…) ».

Esta correção foi feita em relação ao lucro tributável individual da Requerente, sendo efetuado o correspondente ajustamento ao lucro tributável do grupo, em conformidade com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

A correção referida reporta-se a encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares (e prestações acessórias com o mesmo regime) efetuadas a participadas suas, que foram considerados na determinação do lucro tributável.

(…)

3.1. Questão da qualificação das prestações suplementares como «partes de capital» para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redação vigente em 2012
O artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia, na redação vigente em 2012, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, estabelece o seguinte:

2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

Da parte final desta norma resulta que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS.

No caso em apreço, os encargos financeiros em causa foram suportados pela Requerente para efetuar prestações suplementares (ou prestações acessórias com o mesmo regime), às suas participadas, pelo que a aplicabilidade desta norma à situação depende da qualificação destas prestações como «partes de capital».

«Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que às mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

No n.º 2 do mesmo artigo 11.º estabelece-se que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei»

Desta norma resulta que, embora a regra seja a de os termos utilizados nas normas fiscais deverem ser interpretados com o mesmo alcance que têm noutros ramos do direito, há uma exceção, que é decorrer diretamente da lei fiscal que o sentido do termo utilizado na lei fiscal é diferente do que tem noutros ramos do direito.

(…)

Ora, no caso em apreço, para esclarecimento da questão de saber se as prestações suplementares são abrangidas no conceito de «partes de capital» há uma norma da qual decorre diretamente que aquelas não se englobam neste conceito, que é o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redação do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, vigente no ano de 2011.

Estabelece-se neste n.º 3 do artigo 45.º o seguinte:

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

(…)

Tal como está redigida a norma, as prestações suplementares englobar-se-ão no conceito de «outras componentes do capital próprio» e não nas «partes de capital», pois a referência àquelas aparece a seguir a este último conceito e não ao primeiro.

(…)

Esta delimitação do conceito de «partes de capital» que se extrai do referido n.º 2 do artigo 45.º é feita para efeitos de determinação de menos-valias, que se inclui na matéria de que trata o artigo 32.º, n.º 2, do EBF (é uma norma que afasta em relação às SGPS a relevância tributária em geral prevista no CIRC para as mais-valias e menos-valias) pelo que, tendo-se de presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (nos termos do referido artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), justifica-se a conclusão de que foi utilizada na norma especial o mesmo conceito de «partes de capital» que foi utilizado na norma que prevê a relevância tributária regra.

Para além disso, a norma do artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi reformulada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, já depois da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005 no artigo 45.º do CIRC e a nova redação daquela norma mantém a referência apenas às «partes de capital» sem qualquer alusão às «outras componentes do capital próprio» a que alude o artigo 45.º, n.º 2.

Esta conclusão, extraída do teor literal do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, conjugado com o artigo 45.º, n.º 2, é confirmada pela razão de ser do regime especial das mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS, que não vale em relação às prestações suplementares, como proficientemente se explica no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 12/2013-T (…).

Por isso, as correções efetuadas não têm suporte legal no artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

(…)

3.3.5. Questões de inconstitucionalidade suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira
No que concerne a hipotética violação do princípio da igualdade por não enquadramento das prestações suplementares no regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é manifesto que as prestações suplementares são diferentes das partes de capital aí referidas, designadamente ações e quotas de sociedades.

Na verdade, se, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, o fundamento para as SGPS serem penalizadas com a indedutibilidade dos encargos financeiros previstos na parte final daquela norma com aquela norma fosse a neutralização do benefício previsto na parte inicial da irrelevância das mais-valias para a determinação do lucro tributável, então tem de se concluir que essa hipotética atenuação do benefício ou reequilíbrio não se justificam em relação às prestações suplementares, pois, à face do seu regime legal, elas não são restituídas por valor superior àquele por que foram prestadas, não sendo, consequentemente fonte de mais-valias.

Por outro lado, no que concerne ao princípio da capacidade contributiva, se as prestações suplementares são restituídas pelo seu valor e nem sequer vencem juros (artigo 210.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais) não se vislumbra como quem as presta possa ter, por esse facto, capacidade contributiva igual à de quem utiliza financiamentos para adquirir ações ou quotas e as transmitir com mais-valias para efetuar mútuos remunerados.

Isto é, em vez de o não enquadramento das prestações suplementares no regime da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF violar o princípio constitucional da tributação em função da capacidade contributiva e o princípio da igualdade, essas violações poderiam ocorrer se as prestações suplementares fossem equiparadas às partes de capital (ações e quotas de sociedades), para efeito de proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamentos com aquelas conexionados.

Por isso, a consideração destes princípios constitucionais, em vez de impedir a interpretação aqui adotada, antes a corrobora».

4 – Notificado desta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:

«A Autoridade Tributária e Aduaneira requerida nos autos à margem identificados, tendo sido notificada e não se conformando com a decisão arbitral proferida no processo n.º 264/2016-T, de fls. vem, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 280.º n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e 70° n.º 1 alínea a), 75°, 75°-A e 76°, n° 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro – Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) – e 25.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, interpor recurso da aludida decisão para o Tribunal Constitucional.

Cumprindo o ónus estabelecido no artigo 75.º-A da LTC, a Recorrente consigna que:

a) O presente recurso é interposto à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC por ter sido aplicada norma, mediante uma concreta interpretação cogitada pela ora Recorrida e pelo Tribunal Coletivo, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;

(…)

b) A referida inconstitucionalidade foi suscitada em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral nos art.ºs 204.º a 209.º, suscitando a inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 2, do art.º 32.º do EBF, quando interpretada no sentido da rejeição da subsunção do conceito de prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares às " partes de capital", por violação dos princípio[s] da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade.

c) Tendo ainda sido suscitada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do aludido artigo quando interpretada no sentido da discriminação negativa das prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares face à figura das " partes de capital", por violação do princípio da igualdade.

d) Tal suscitação de inconstitucionalidade radica no facto de substantivamente – económica, jurídica e contabilisticamente – a figura das prestações suplementares (ou, com mais preciosismo, a figura das prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares) ser consonante (indissociável, mesmo) com a figura de partes de capital, uma vez que esta última não se resume às participações sociais, mas abrange também toda a atividade contribuidora dos sócios de uma entidade para a esfera patrimonial do capital societário, garantindo a sua liquidez e dotando-a de recursos financeiros à sua atividade produtiva.

e) Radicando ainda no facto de, na situação em concreto, em que a ora Recorrida deduziu encargos financeiros suportados com prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares para prestá-las a empresas suas associadas, se traduzir num verdadeiro reforço de capital, que afeta a qualidade do capital da sociedade, acrescendo-lhe, em consequência, valor.

f) O Tribunal Arbitral decidiu erradamente em sentido contrário ao da interpretação propugnada pela Recorrente, i.e., considerando que as prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares não se encontram previstas no n.º 2, do art.º 32.º do EBF.

g) Ou seja, o Tribunal Arbitral decidiu aplicar o n.º 2 do art.º 32.º do EBF com base numa interpretação normativa que é contrária à interpretação dada pela ora Recorrente e em cuja inconstitucionalidade a Recorrente havia escorado a sua posição».

5 – Notificada para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira, enquanto recorrente, produziu alegações de onde se retiram as seguintes conclusões:

«Conclusões:
A. De acordo com o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei"»;

B. Estipulando, adicionalmente, o n.º 3 do mesmo normativo que “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários", consagrando, deste modo, o “princípio da substância sobre a forma"».

C. Ainda que isto seja assim, não se afigura correto afirmar que, dispondo o direito fiscal de um conceito próprio de “capital" e de “partes de capital", os mesmos terão o significado técnico de que se revestem no direito societário.

D. Não há dúvidas, em termos societários, que o tratamento dado, quer do lado do investidor, quer da sociedade recetora, é distinto, consoante estejamos perante participações sociais ou perante prestações suplementares.

E. Acontece que, in casu, o termo próprio cujo conceito se visa preencher é do de “partes de capital", não é o de participação social.

F. A interpretação do conceito de partes de capital como partes de capital social encerra uma conclusão cujas premissas não suportam.

G. Diferente seria se o legislador tivesse adotado na redação do artigo 32.º do EBF o conceito de “participação social" e não, como fez, de “parte de capital", pois que no 32.º, n.º 2 do EBF nem se lê “participação" nem “social.

H. Equiparar participação social a parte de capital, é confundir a premissa com a – errada – conclusão.

I. O exercício a realizar será de saber se existe o conceito de “partes de capital" no direito societário e se, existindo, é o mesmo útil para efeitos de perceção do conceito de “partes de capital" no direito fiscal, maxime para compreender o artigo 32.º, do EBF.

J. De facto, o direito societário utiliza o conceito de “parte de capital", mas fá-lo no âmbito restrito das sociedades em nome coletivo – artigos 176.º e 178.º, do Código das Sociedades Comerciais.

K. Destarte, forçosa é a conclusão que não foi ao direito societário que o “legislador fiscal" foi retirar o conceito de partes de capital.

L. Na verdade, como muitos outros conceitos constantes do IRC, o conceito de “partes de capital" utilizado no CIRC e no EBF tem a sua origem não no direito societário, mas sim no direito contabilístico.

M. Como é sabido, ao abrigo da conceção do acréscimo patrimonial consagrada pelo artigo 17.º, n.º 1, do CIRC, o lucro tributável “é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código".

N. Em face do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), as prestações suplementares integram, tal como o capital social, o capital próprio da sociedade recetora das referidas quantias.

O. Com efeito, na ótica da sociedade recetora, as prestações suplementares devem ser reconhecidas na classe 5 – Capital, Reservas e Resultados Transitados –, conta 53 – Outros instrumentos de capital próprio.

P. Ou seja, as prestações suplementares são registadas na sociedade recetora como partes de capital próprio desta, por oposição aos suprimentos que são considerados como um passivo daquela entidade.

Q. Enquanto na sociedade investidora – a sociedade que realiza as prestações suplementares –, as prestações suplementares são, tal como as participações sociais, contabilizadas como “imobilizado" – Classe 4 –, mais precisamente como investimentos financeiros, a ser reconhecidas na conta 41 – Investimentos Financeiros.

R. Em bom rigor, ambas, prestações suplementares e participações sociais eram – e ainda são – partes de capital próprio.

S. E assim, sem mais, não discriminando o legislador, para efeitos de dedutibilidade dos encargos financeiros os suportados com a realização de prestações suplementares dos suportados com a aquisição de participações sociais – e atenta a uniformidade do restante regime fiscal e contabilístico – a conclusão interpretativa seria a de que os encargos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares deverão ter o mesmo tratamento que aqueles suportados para aquisição de participações sociais.

T. Deste modo, face à evidência, entende a Administração Tributária que a utilização do termo “parte de capital" deriva do normativo contabilístico – onde se encontra o exato termo utilizado – e não do direito societário, supostamente derivando da expressão “participação social".

U. Mas, ainda que se trilhasse o caminho que o sentido da expressão “partes de capital" se referiria a partes de capital próprio, ainda assim não estaria o raciocínio desenvolvido enfermado de erro.

V. Com efeito, só as prestações suplementares e as participações sociais – enquanto componentes do capital próprio de outra entidade – são suscetíveis de negócio jurídico. As demais rubricas desse capital próprio – reservas, resultados transitados, resultado líquido do período – não detêm essa virtuosidade.

W. O elemento literal e sistemático levam à mesma conclusão, pois que, não deixa de causar perplexidade como é que do elemento literal resulta que a expressão “partes de capital" se refere a uma única realidade que tem designação própria de participação social.

X. Semelhantemente ao que acontece com as prestações suplementares que servem de reforço ao capital social das sociedades, mas que não o integram e, por consequência, não conhecem valor nominal, também as entradas em serviços (ou os chamados sócios de indústria), apesar de se lhes dever atribuir um montante, nunca são computados no capital social.

Y. Sendo que, nem por isso, deixam de pertencer ao capital social, ainda que se não realize em espécie ou dinheiro.

Z. E isto não se confunde com capital próprio da sociedade beneficiária que é, como vimos, um conceito bem mais abrangente; confunde-se sim com o capital próprio que tem a sua origem em prestações dos sócios.

AA. Essas – prestações dos sócios para o capital próprio da sociedade beneficiária – é que são as partes de capital na sociedade investidora, essas é que são suscetíveis de tráfego comercial.

BB. As prestações suplementares são, pela sua própria natureza, aplicações financeiras duradouras na sociedade beneficiária.

CC. O que implica, em contrapartida, que, por norma, esses instrumentos sejam detidos por um período superior a um ano pela sociedade que realiza a prestação suplementar.

DD. Tendo agora presente a sujeição das prestações suplementares ao regime das mais menos-valias, diga-se que o regime fiscal das SGPS determina que não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

EE. Ou seja, ao abrigo deste regime, as menos-valias derivadas da alienação de prestações suplementares detidas há um ano, ou mais, não concorrem (afastando-se a regra, constante do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC) para a formação do lucro tributável.

FF. Ora, nestes casos, determina igualmente o artigo 32.º, do EBF, que os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas prestações suplementares detidas há mais de um ano também não concorrem para a formação do lucro tributável.

GG. É que, independentemente da sua qualificação, a figura das prestações suplementares, a não serem participações sociais, encontram-se, ao menos, ligadas a estas na medida em que são, tal como as entradas, contribuições monetárias dos sócios que têm como função garantir a produção, o estabelecimento e desenvolvimento das atividades económicas que a sociedade pretende exercer, fazendo parte das obrigações dos sócios.

HH. Se as prestações suplementares não se misturam com as participações sociais, visam, no mínimo, complementar o capital, mediante a sua necessidade.

II. Seja qual for o ponto de vista de que se observe, está-se sempre na esfera do capital de empresa e, não obstante a natureza acessória, suplementar ou complementar destes instrumentos, a sua área de atuação, o escopo, é o reforço de capital, sempre na dependência da vontade dos sócios.

JJ. Assim, a função das prestações suplementares é a contribuição financeira para a formação e conservação do capital, assim garantindo a liquidez da sociedade, dotando-a dos recursos necessários à sua atividade produtiva.

KK. Em todo o caso, independentemente da sua qualificação, a figura das prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares encontra-se ligada às participações sociais, na medida em que são, tal como as entradas, contribuições monetárias dos sócios que têm como função garantir a produção, o estabelecimento e desenvolvimento das atividades económicas que a sociedade pretende exercer, fazendo parte das obrigações dos sócios.

LL. Ainda que prestações suplementares e participações sociais não se confundam ou misturem, visam pelo menos, ambas, complementar o capital, mediante a sua necessidade.

MM. O pretérito artigo 32.º, n.º 2 do EBF, instituído pela Lei do Orçamento de Estado de 2003, assume um caráter marcadamente neutral, alargando e diminuindo a base tributável das sociedades gestoras de participações sociais ao desconsiderar fiscalmente os efeitos das menos e mais valias.

NN. Pelo que, partes de capital não se resume às “participações sociais", mas abrange sim toda a atividade contribuidora dos sócios para a esfera patrimonial do capital societário, garantindo a sua liquidez, dotando-a dos recursos financeiros necessários à sua atividade produtiva.

OO. E, como já se demonstrou, nessa categoria se encontram as prestações suplementares, assumindo o papel de reforço do capital social, na medida em que preenchem necessidades de liquidez cujas entradas não foram suficientes.

PP. São, por isso, formas de contribuição para a formação e conservação do capital, podendo-se também acrescentar que tais financiamentos para reforço do capital afetam-no qualitativamente e acrescem-lhe valor com naturalidade.

QQ. Nestes moldes, dúvidas não restam que as prestações suplementares (ou acessórias sob a forma de prestações suplementares) têm necessariamente de integrar o conceito de “partes de capital" para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, não podendo dissociar-se da alienação das próprias participações sociais.

RR. Sendo ainda que as prestações acessórias ou suplementares, como eventuais obrigações dos sócios, são indissociáveis da participação social, e, a haver direito de restituição, a alienação da participação pressupõe a alienação ou liquidação conjunta destes montantes.

SS. Nos termos do artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, sendo que tributar o rendimento real significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo.

TT. Neste seguimento, diga-se também que a capacidade contributiva está subjacente à constituição fiscal e à tributação do rendimento real e ao próprio princípio da igualdade, sendo que idênticas capacidades contributivas devem suportar cargas fiscais niveladas.

UU. Ao permitir a desconsideração dos encargos financeiros associados ao financiamento através de capitais próprios das participadas, o que o legislador está a fazer é a contrabalançar o benefício concedido às SGPS face aos demais sujeitos passivos de IRC.

VV. E aqui está o verdadeiro busílis da questão, pois que o dito financiamento ocorre tanto no momento da aquisição das partes sociais, como quando se concedem prestações suplementares, as quais visam de igual forma financiar a atividade da sociedade.

WW. São estes financiamentos no momento da aquisição e manutenção de partes de capital – geradores de encargos financeiros – que ao desenvolver e expandir a atividade societária geram no futuro as mais-valias isentas de tributação.

XX. Se as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, então, atendendo à característica da neutralidade – fundada nos princípios da igualdade, tributação pelo lucro real e capacidade contributiva-, também os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação não podem influenciar na determinação do lucro tributável destas sociedades.

YY. Isto é, se os ganhos não são tributados, então, os gastos que lhes estão inequivocamente subjacentes também não podem ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável das SGPS.

ZZ. Resulta de tudo quanto se disse que os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais e de prestações acessórias e suplementares, que possam vir a beneficiar do regime de exclusão de tributação, não podem influenciar a determinação do lucro tributável, ou seja, se os ganhos não são tributados, os correspondentes gastos que estão ligados a tais rendimentos não podem igualmente ser considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável.

AAA. Sob pena de violação dos princípios da tributação pelo lucro real, capacidade contributiva, neutralidade e igualdade fiscal, porquanto, e por tudo quanto se deixou dito, capacidades contributivas idênticas, no caso de uma SGPS e de uma sociedade comercial de natureza diversa, apurarem diferentes matérias coletáveis.

Por tudo quanto supra exposto, deve esse Tribunal julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, por violação do tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, artigo 104.º, n.º 2 da CRP, que defende ser legalmente permissível o concurso (dos encargos financeiros suportados pela Requerente com prestações suplementares nas suas associadas) para o apuramento do lucro tributável daquela empresa, a título individual;

E ainda deve esse Tribunal julgar inconstitucional a interpretação normativa do artigo 32.º, n.º 2 do EBF por violação do princípio da igualdade na tributação, atenta a discriminação negativa da figura das prestações suplementares face à figura de “partes de capital";».

6 – Notificado para contra-alegar, o recorrido produziu contra-alegações de onde se retiram as seguintes conclusões:

«A) Na decisão arbitral objeto de recurso pela AT, o Tribunal Arbitral decidiu que “prestações suplementares" não são “partes de capital" para efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais na redação em vigor no ano de 2012 (dado que a norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

B) O Tribunal Arbitral decidiu com apoio não só na doutrina, na posição expressa pela AT em alguns processos, mas também em jurisprudência unânime e esmagadora que os créditos por prestações suplementares não se confundem com partes de capital (cf. decisões arbitrais proferidas nos processos 9/2012-T, 69/2012-T, 12/2013-T, 24/2013-T, 39/2013-T, 69/2013-T, 80-2013-T, 113/2013-T, 376/2014-T, 653/2014-T, 734/2014-T, 780/2014-T, 24/2015-T, 292/2015-T, 326/2015-T, 549-2015-T e 570/2015-T; sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no processo n.º 623/04.9BELSB e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de março de 2006 proferido no processo n.º 0719/05, na qual foi relator o Juiz-Conselheiro Baeta de Queiroz com os Juízes-Conselheiros Pimenta do Vale e Lúcio Barbosa).

C) No entanto, a AT apresentou o presente recurso para o Tribunal Constitucional discutindo e defendendo quase exclusivamente que as “prestações suplementares" são “partes de capital", ignorando por completo a decisão arbitral objeto de recurso e, em concreto, que o que haveria que discutir era em que medida essa interpretação era em si passível de um juízo de inconstitucionalidade, uma vez que afinal não é este Tribunal Constitucional um qualquer tribunal de último recurso para decidir essa questão de interpretação de normas fiscais e respetivos conceitos operativos.

D) Ora, a AT invoca apenas laconicamente “questões de inconstitucionalidade" e cita princípios constitucionais gerais no domínio tributário, sem verdadeiramente explicar em termos inteligíveis em que medida esses princípios são em concreto violados para que possa formular um qualquer juízo de inconstitucionalidade…

E) A petição de princípio da AT é que considerando que “prestação suplementares" são “partes de capital" então não podem ser tratadas diferentemente sob pena de violação de princípios constitucionais e se “discriminar negativamente" (!?) a tributação incidente sobre umas e outras figuras jurídicas, mas para o defender faz um salto lógico que é o desconsiderar e ignorar de toda a jurisprudência e doutrina (e a própria opinião da AT noutros casos) que afirma, sem quaisquer sombras de dúvidas, que “prestações suplementares" não são “partes de capital"!

Logo, em face do exposto, improcedem na totalidade os argumentos a propósito das alegadas “questões de constitucionalidade" pela AT de forma a sustentar a suposta inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF ou da sua interpretação no sentido de que as “prestações suplementares" não são “partes de capital" para efeitos de interpretação dessa norma, devendo, consequentemente, o presente recurso ser julgado improcedente.»

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃOA.
DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO A APRECIAR

7. Tal como definido no respetivo requerimento de interposição, o objeto do recurso interposto nos presentes autos é integrado pelo n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, «EBF»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, quando interpretado no sentido de que não integram o conceito de «“partes de capital"» compreendido no referido preceito legal isto é, não são qualificáveis como «“partes de capital"», para os efeitos ali previstos ?, as «“prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares"». Ou, numa outra formulação, seguida ainda no requerimento de interposição do recurso, pelo n.º 2 do referido artigo 32.º do EBF, quando interpretado no sentido de permitir a dedução dos «encargos financeiros suportados» pela recorrida, enquanto sociedade gestora de participações sociais, «com prestações acessórias», realizadas «sob a forma de prestações suplementares», às «empresas suas associadas», interpretação que a recorrente considera violar os princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade, inscritos no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, bem como o princípio da igualdade, consagrado no respetivo artigo 13.º.

Sendo esta a dimensão normativa impugnada, um aspeto de ordem terminológica convém esclarecer desde já.

Apesar de, tanto o Tribunal recorrido, como recorrente e recorrida utilizarem, por vezes, o conceito de «prestações suplementares» e, por outras, o de «prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares», trata-se de uma variação lexical sem efetivo relevo semântico, ditada por motivos de simplificação discursiva e, por isso, insuscetível de projetar-se sobre a caracterização do critério normativo que integra o objeto do presente recurso de constitucionalidade.

Vejamos mais de perto.

As prestações acessórias – admitidas nas sociedades anónimas, por quotas e em comandita por ações – correspondem, lato sensu, a obrigações dos sócios perante a sociedade, que decorrem, não da lei, mas do contrato de sociedade, podendo revestir conteúdos muito variados. Já as prestações suplementares, apesar de constituírem igualmente obrigações com origem no contrato, têm uma natureza necessariamente pecuniária, isto é, são sempre realizadas em dinheiro. Conforme adiante melhor se verá, a sua função consiste em permitir o aumento do património líquido (capital próprio) da sociedade através do financiamento realizado pelos sócios, sem necessidade de um aumento do capital social (cf. Helena Salazar, Margarida Azevedo e Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos", in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 28, 2017, pp. 73 ss).

Prestações acessórias sob a forma de prestações suplementares serão, assim, prestações acessórias de natureza pecuniária, que decorrem do contrato de sociedade e são realizadas pelos sócios com o objetivo de produzir um aumento do capital da sociedade – no caso das sociedades gestoras de participações sociais, do capital das sociedades participadas.

Sendo sempre nesta aceção que, em consonância com os elementos que integram o caso sub judice, o conceito de «prestações suplementares» é utilizado tanto pelo Tribunal recorrido, como pelas partes, dúvidas não há de que estamos perante o emprego de denominações de significado homólogo – ao menos, sob o prisma jurídico – e, portanto, sem qualquer variação de conteúdo suscetível de relevar para a resolução do problema de constitucionalidade.

Considerada a asserção que integra o objeto do presente recurso, tal problema consiste em saber se é compatível com os princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade, inscritos no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, e/ou com o princípio da igualdade, consagrado no respetivo artigo 13.º, a regra, extraída do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, segundo a qual são dedutíveis ao lucro tributável das sociedades gestoras de participações sociais (doravante, «SGPS») – concorrendo, por isso, para a sua formação – os encargos financeiros por estas suportados com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas.

8 – O preceito constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na versão convocada na decisão recorrida, teve origem na Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro (que aprovou o Orçamento do Estado para 2003), correspondendo-lhe, então, o n.º 2 do artigo 31.º daquele Estatuto.

O EBF foi posteriormente alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, tendo sido subsequentemente republicado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, que procedeu à remuneração dos respetivos artigos, transitando o anterior artigo 31.º para o artigo 32.º.

Já como n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o preceito em causa foi novamente alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro – versão em que foi considerado pelo Tribunal recorrido-, tendo sido finalmente revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

Na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, o n.º 2 do artigo 32.º do EBF dispunha o seguinte:

«As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.»

Conforme relatado supra, o litígio dirimido nos presentes autos teve origem nas correções à matéria tributável do exercício de 2012 do grupo A., de que a recorrida é sociedade dominante, levadas a cabo pela ora recorrente na sequência da realização de uma inspeção tributária. Tais correções reportam-se aos encargos financeiros suportados pela ora recorrida com a realização de prestações suplementares (e prestações acessórias com o mesmo regime), efetuadas às empresas suas associadas, encargos esses que foram considerados pela ora recorrente abrangidos pelo n.º 2 do artigo 32.º do EBF e, como tal, insuscetíveis de dedução para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Suportado no critério constante da Circular n.º 7/2014, de 30 de março, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («DSIRC»), o fundamento invocado pela ora recorrente para justificar as correções introduzidas no apuramento do lucro tributável da ora recorrida, com consequente ajustamento do lucro tributável do grupo, não foi, todavia, secundado pelo Tribunal a quo.

Confrontado com a questão de saber se as prestações suplementares realizadas pela ora recorrida a empresas suas participadas seriam qualificáveis como “partes de capital", para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, nos termos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para proceder à mencionada correção, o Tribunal a quo concluiu que «o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redação vigente em 2012, ao estabelecer, reportando-se às “partes de capital", que não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS os “encargos financeiros suportados com a sua aquisição", não afasta a relevância para a formação do lucro tributável dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares», na medida em que, «pelo menos para este efeito fiscal», estas não se «enquadram no conceito de “partes de capital"».

Aqui residindo a ratio decidendi do acórdão recorrido, a formulação que, em definitivo, melhor traduz o critério normativo que integra o objeto do presente recurso é aquela que o pressupõe integrado pelo n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na interpretação segundo a qual os encargos financeiros suportados por uma SGPS com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro tributável.

É esta, portanto, a norma que cumpre seguidamente confrontar com a Constituição.

9 – Antes, porém, de prosseguimos para a apreciação do mérito da causa, um outro aspeto, relativo ainda ao objeto do recurso, não pode ficar por elucidar.

Nas alegações apresentadas pela recorrente, parte considerável da argumentação esgrimida fixa-se na tentativa de demonstrar quer o desacerto da interpretação seguida pelo Tribunal recorrido para delimitar o âmbito de incidência da norma constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF – isto é, a interpretação segundo a qual o conceito de “prestação suplementar", sendo distinto do conceito de “parte de capital", não determina o funcionamento da regra ali prescrita-, quer a correção do entendimento inverso, isto é, o entendimento de acordo com o qual «as prestações suplementares devem ser tratadas – porque o são – como partes de capital», para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Conforme sabido é, a este Tribunal não cabe pronunciar-se sobre a correção jurídica do resultado interpretativo alcançado pelo Tribunal a quo, no plano do direito infraconstitucional. Ao Tribunal Constitucional apenas cabe verificar se a interpretação normativa subjacente ao juízo decisório formulado pelas instâncias viola ou não algum dos princípios constitucionais invocados no âmbito do recurso, ou eventualmente outros, ainda que expressamente não convocados no respetivo requerimento de interposição.

Não cabe, por isso, apontar aqui qual a melhor interpretação (ou a interpretação preferível) do n.º 2 do artigo 32.º do EBF – isto é, se, à luz dos cânones da hermenêutica jurídica, o conceito de “prestação suplementar" é ou não subsumível ao conceito de “partes de capital", ali previsto-, a não ser na estrita medida em que a relação que entre ambos os conceitos intercede possa relevar para a resolução da questão de constitucionalidade.

Deste ponto de vista, a solução interpretativa sufragada pelo Tribunal recorrido apresenta-se como um dado indiscutido para este Tribunal, ao qual apenas cabe verificar se a regra subjacente a essa solução – de acordo com a qual os «encargos financeiros suportados» por uma SGPS «com prestações acessórias», realizadas «sob a forma de prestações suplementares» às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro tributável-, é compatível com os princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva e da neutralidade, e ainda com o princípio da igualdade da tributação.

Essa é, portanto, a única questão que importa solucionar em seguida.

B. DO MÉRITO
10. A solução normativa impugnada pela recorrente situa-se no âmbito do regime fiscal especialmente previsto para as sociedades gestoras de participações sociais, prendendo-se diretamente com a regra de tributação das respetivas mais-valias, menos-valias e encargos financeiros, tal como concretizada no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na versão decorrente da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.

De acordo com a referida regra, as mais-valias e menos-valias realizadas por aquele tipo de sociedades através da alienação de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, assim como os encargos financeiros suportados com a respetiva aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável.

Consagrando uma espécie de cláusula antiabuso, o n.º 3 do referido artigo 32.º afasta a aplicação do regime previsto no respetivo n.º 2 relativamente «às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou entidades com domicílio, sede ou direção efetiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objeto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão».

Incidindo sobre o critério seguido pelo Tribunal a quo para delimitar negativamente o âmbito de aplicação da norma constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, a posição assumida pela recorrente parte da assunção segundo a qual as prestações suplementares são partes de capital, razão pela qual se encontram sujeitas à incidência da proibição estabelecida no referido preceito legal, do qual resulta, assim, que «os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes sociais e de prestações acessórias e suplementares (…) não podem influenciar a determinação do lucro tributável».

De acordo com a posição para o efeito sustentada, o financiamento da atividade da sociedade ocorre «tanto no momento da aquisição das partes sociais, como quando se concedem prestações suplementares», sendo estes «financiamentos no momento da aquisição e manutenção de partes de capital – geradores de encargos financeiros – que, ao desenvolver e expandir a atividade societária, geram no futuro as mais-valias» que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF isenta de tributação. Se «as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS» – conclui a recorrente-, «também os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação não podem influenciar na determinação do lucro tributável destas sociedades», sob pena de «violação dos princípios da tributação pelo lucro real, capacidade contributiva, neutralidade e igualdade fiscal», por «capacidades contributivas idênticas, no caso de uma SGPS e de uma sociedade comercial de natureza diversa, apurarem diferentes matérias coletáveis».

O desvalor constitucional apontado pela recorrente à interpretação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, que acabou por ser sufragada pelo Tribunal a quo – de acordo com a qual os encargos suportados com a realização de prestações suplementares concorrem para a formação do lucro tributável-, foi, contudo, por este afastado de forma expressa.

Partindo do que considerou ser a manifesta diferença existente entre as «prestações suplementares», cuja dedutibilidade para apuramento do lucro tributável se discutia nos autos, e as «partes de capital» referidas no aludido preceito legal, o Tribunal arbitral não apenas rejeitou qualquer incompatibilidade entre o «não enquadramento das prestações suplementares no regime da parte final do artigo 32.º, n.º 2, do EBF» e o «princípio constitucional da tributação em função da capacidade contributiva» e/ou o «princípio da igualdade», como anteviu a possibilidade de a violação de tais princípios vir efetivamente a ocorrer caso «as prestações suplementares fossem equiparadas às partes de capital (ações e quotas de sociedades), para efeito de proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com financiamentos com aquelas conexionados».

11 – Embora a proibição contida no n.º 2 do artigo 32.º do EBF seja igualmente aplicável a outros dois tipos de entidades – sociedades de capital de risco e investidores de capital de risco-, a dimensão em que os respetivos limites são questionados no âmbito dos presentes autos diz somente respeito aos encargos financeiros suportados pelas sociedades gestoras de participações sociais dedutíveis no apuramento do respetivo lucro tributável.

É inevitável, por isso, começar por atentar nas particulares características deste tipo de sociedades e, em especial, na razão de ser do regime de benefícios fiscais que lhes foi associado.

As SGPS têm por objeto contratual único a gestão de participações sociais de outras empresas, assim desenvolvendo, de forma indireta, uma atividade económica, com um regime legal próprio e específico. Consistindo a atividade das SGPS, por natureza, na valorização das participações sociais por si detidas, percebe-se que sem o estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, as mesmas corriam o risco de converter-se numa figura de «‘viabilidade duvidosa e pouco interesse prático’». Isso mesmo foi salientado no Acórdão n.º 42/2014, aresto no qual teve este Tribunal oportunidade de caracterizar o essencial da evolução do regime de benefícios fiscais concedidos às SGPS, em particular da tributação das mais-valias por estas realizadas.

A tal propósito, escreveu-se aí o seguinte:

«12.1. As SGPS têm como antecedentes as sociedades holding, as quais encontram a primeira regulação no Decreto-Lei n.º 46032, de 27 de abril de 1965. Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 271/72, de 2 de agosto, estabelecendo o regime jurídico das sociedades que comportem como objeto a gestão de participações, distinguindo entre ‘sociedades de controlo’, ‘sociedades de investimento’ e ‘sociedades de aplicações de capitais’, e reconhecendo-lhes papel importante na organização e reforço do tecido empresarial nacional, através do estabelecimento e dinamização de um mercado financeiro que lhe sirva de apoio. Já assim se lhes referira o legislador, na edição de isenção da tributação de Imposto de Capitais sobre juros e dividendos, através do Decreto-Lei n.º 44561, de 10 de setembro de 1962, dizendo: ‘[t]rata-se de remover um obstáculo de peso à criação de empresas cuja atividade consiste na mera gestão de uma carteira de títulos, e que no estrangeiro, por toda a parte – e até, nos últimos anos, particularmente em países em vias de desenvolvimento – tão grande papel desempenham, sobretudo as sociedades de colocação de capitais, na mobilização do aforro de certas classes, e na sua criteriosa aplicação naquele ou naqueles setores que um eficiente serviço de estudos económico-financeiros demonstre serem os de menor risco e de melhores expectativas de rendabilidade. Desnecessário será encarecer o alcance desta inovação’.

Em 1988, o regime jurídico dessas sociedades viria a ser alterado – modificação inscrita na reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 –, através do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, passando a adotar a designação de sociedades gestoras de participações sociais. Logo aí se sinalizou a essencialidade do estabelecimento de um regime que comportasse vantagens fiscais para tais sociedades, mormente no domínio da tributação de mais-valias e menos-valias obtidas, referindo o preâmbulo do diploma que, de outro modo, as SGPS teriam ‘viabilidade duvidosa e pouco interesse prático’.

12.2. O regime fiscal das SGPS, no que concerne à tributação de mais-valias, sofreu sucessivas alterações desde a aprovação do seu regime jurídico, através do referido Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, até à publicação da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de dezembro (horizonte relevante para estes autos, sem esquecer que outras lhe sucederam), denotando-se a procura pelo legislador do ponto de equilíbrio entre o reforço da competitividade das empresas nacionais, no confronto com os vários modelos de tributação privativos de tais veículos jurídicos no quadro das jurisdições europeias concorrentes, e a prossecução das finalidades financeiras do sistema fiscal, de satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (cfr. Relatório do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 2005, pp. 331-347). Porém, essa constante demanda de fatores diferenciadores positivos, ou meramente restabelecedores de condições de atratividade para o investimento, teve como consequência forte instabilidade legislativa nesta área.

Assim, nos termos conjugados dos artigos 7.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e 44.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, as SGPS passaram a beneficiar de um regime de exclusão de tributação de mais-valias obtidas mediante a venda ou troca das participações sociais por si detidas, sempre que o respetivo valor fosse reinvestido até ao final do segundo exercício subsequente ao da realização.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 71/93, de 26 de novembro, que aprovou o Orçamento do Estado Suplementar de 1993, e o aditamento do n.º 6 do artigo 44.º do CIRC, foi instituído um regime de tributação diferida condicionada ao reinvestimento, regime esse que começou por comportar o diferimento por dois anos, sendo posteriormente alargado para três anos e, através da Lei n.º 52-C/96, de 27 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado de 1997, estendido até quatro anos.

Por seu turno, com vigência no ano de 2001, o regime de tributação das mais-valias realizadas por SGPS sofreu nova modificação, por via da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, através de nova redação do artigo 44.º do CIRC, sendo consagrado regime de tributação integral, pese embora faseado ao longo de cinco exercícios anuais, desde que, no exercício anterior ao da realização, ou até ao final do exercício seguinte, o valor de realização fosse reinvestido.

Seguiu-se, pouco tempo depois, a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, em que se procedeu à revisão, entre outros, do CIRC e também do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

O EBF passou a regular o tratamento fiscal das mais-valias (e bem assim das menos-valias) pela transmissão onerosa de participações sociais por SGPS, através do seu artigo 31.º, que mais não fez do que transpor para este diploma a regra constante do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, ao remeter, no seu n.º 2, para o disposto no artigo 45.º do CIRC (anterior artigo 44.º)».

12 – Conforme se extrai das respetivas alegações, a recorrente não contesta a existência de um regime fiscal especial para as SGPS, nem tão-pouco que tal regime possa comportar a concessão de determinados benefícios fiscais, sobretudo no que diz respeito à relevância para o apuramento do lucro tributável dos respetivos encargos financeiros, mais-valias e menos-valias.

Não é, por isso, a diferença que decorre da existência de um regime especial de tributação aplicável àquele tipo de sociedades que a recorrente pretende ver testada perante os princípios da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da tributação pelo lucro real e da neutralidade.

O que a recorrente verdadeiramente contesta é que, no âmbito desse regime diferenciado previsto para as SGPS – que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF concretiza – possam encontrar-se sujeitos a regras de dedutibilidade diversas os encargos suportados, por um lado, com a aquisição de partes de capital e, por outro, com a realização de prestações suplementares às empresas suas associadas. Mais rigorosamente ainda: vendo na regra que proíbe a dedução ao lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital «um contrabalanceamento» do benefício fiscal resultante da não tributação das mais-valias realizadas através da respetiva alienação, a recorrente contesta a extensão em que tal benefício passaria a verificar-se, face aos demais sujeitos passivos de IRC, no caso de àquela proibição não serem igualmente sujeitos os encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares às empresas participadas.

O raciocínio seguido pela recorrente parece, pois, poder sintetizar-se nos termos seguintes: no intuito de conter dentro dos limites de qualquer aceitável discriminação positiva o benefício fiscal concedido às SGPS, o legislador não permitiu a duplicação em que tal benefício passaria a registar-se caso à anulação do impacto das mais-valias realizadas com a alienação de partes de capital sobre a formação do lucro tributável se somasse a possibilidade de a este deduzir os encargos financeiros suportados com a respetiva aquisição; uma vez que a realização de prestações suplementares constitui igualmente uma forma de financiamento da atividade das sociedades participadas, permitindo a entrada de capital que viabiliza a ulterior realização das mais-valias isentas de tributação, então os encargos financeiros com as mesmas suportados não devem poder ser deduzidos ao lucro tributável, de acordo com o princípio segundo o qual, se os ganhos não são tributados, os gastos que lhes estão inequivocamente subjacentes também não podem ser considerados para efeitos fiscais; a não inclusão dos encargos suportados com a realização de prestações suplementares no conjunto dos encargos não dedutíveis representa um reforço do benefício fiscal concedido às SGPS, cujo resultado é o de colocar tais sociedades, relativamente aos outros sujeitos tributados em IRC, além do ponto-limite consentido pelos princípios da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da tributação pelo lucro real e da neutralidade.

13 – Assentando a argumentação sustentada pela recorrente na premissa segundo a qual a aquisição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituem formas, senão iguais, pelo menos equivalentes, de financiamento das sociedades participadas, importa começar por explicitar tais conceitos, no intuito de esclarecer se se trata de figuras análogas ou, pelo contrário, lhe correspondem realidades diversas.

Conforme apontado na doutrina, o conceito de parte de capital refere-se à participação social detida pelos sócios de uma sociedade: «[p]artes de capital (ou participações sociais) é conceito que, inversamente ao que se passa com o conceito de “capital social", se relaciona com a perspetiva do sócio da sociedade à qual “pertence" o capital social – o sócio “participa em parte desse capital social" » (cf. Fernando Carreira Araújo/António Fernandes de Oliveira, “O Código do IRC e os conceitos de (i) capital, (ii) partes de capital, (iii) prestações suplementares e (iv) créditos pela realização de prestações suplementares", in Paulo Otero/Fernando Araújo/João Taborda da Gama (Orgs.), Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 698).

O conceito de parte de capital abrange, assim, o capital social, correspondendo ao quinhão deste detido pelos sócios (quotas ou ações).

As partes de capital são subscritas e realizadas pelos sócios (cf. artigo 20.º do Código das Sociedades Comerciais – em seguida, «CSM»), conferindo direito aos lucros (artigo 21.º, n.º 1, alínea a)), ao voto (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea b)), à informação sobre a vida da sociedade (cf. artigo 21.º, n.º 1, alínea c)) e, no caso de liquidação, à partilha do ativo (cf. artigo 156.º). As partes sociais só são restituíveis verificadas as condições legais e estatutárias, com a saída do sócio da sociedade. Em caso de amortização de participações sociais, poderá haver lugar ao reembolso do capital ou ao pagamento de quantia correspondente à quota de amortização (cf. artigos 235.º, 346.º e 347.º). Os detentores de partes do capital de uma empresa podem aliená-las a qualquer momento, desde que respeitem as regras específicas previstas para os diferentes tipos de sociedades. Neste caso, as mais-valias originadas pela alienação das partes de capital são, em regra, tributadas (cf. artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento Singular).

14 – Com o conceito de parte de capital não se confunde a figura das prestações suplementares.

Importadas do direito alemão pelo legislador de 1901, as prestações suplementares correspondem às «entradas em dinheiro que podem ser realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas», não se incluindo «no capital social da sociedade» (cf. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2.º vol., Lisboa: AAFDL, 1989, pp. 297-298).

Assim, no essencial, caracterizáveis, as prestações suplementares associam a sua razão de ser ao facto de constituírem um meio alternativo de financiamento da sociedade, em termos equivalentes ou análogos àqueles que são proporcionados pelo aumento do capital social, mas sem o cumprimento das formalidades legais e a realização de despesas a este inerentes.

Enquanto instrumento de superação das carências financeiras da sociedade através dos sócios, as prestações suplementares apresentam inequívocas vantagens: do ponto de vista da sociedade, propiciam o seu financiamento através de uma modalidade não remunerada, permitindo fazer face a prejuízos que necessitem de ser entretanto cobertos, com o consequente reforço das garantias dos credores sociais; do ponto de vista dos sócios, permite-lhes financiar a sociedade sem as desvantagens dos suprimentos, nomeadamente a tributação do rendimento proveniente dos juros (cf. Sofia Gouveia Pereira, As Prestações Suplementares no Direito Societário Português, Cascais: Princípia, 2004, pp. 25 ss).

As prestações suplementares aparentam, pois, ser «uma figura híbrida que, apesar de apresentar elementos análogos aos que integram o aumento de capital ou os suprimentos, contudo, não se identifica com qualquer deles»: embora «façam parte do «património da sociedade», as «prestações suplementares não se integram no seu capital, pelo que não constituem um aumento daquele» (cf. Brás Teixeira, “Notas Dispersas sobre Imposto de Capitais", in Ciência e Técnica Fiscal, 1969, 125º, p. 136).

De entre as notas distintivas do regime jurídico a que se encontram sujeitas, ressalta o facto de as prestações suplementares, para além de serem sempre em dinheiro e de não vencerem juros (cf. artigo 210.º, n.ºs 1 e 5, do CSC), não se identificarem com os empréstimos. E isto porque, embora as quantias desembolsadas pelos sócios sejam restituíveis, tal restituição encontra-se sujeita à verificação das condições previstas no artigo 213.º do CSC, dependendo da existência de bens distribuíveis no património da sociedade, da não verificação de declaração de insolvência e, além disso, da aprovação pela Assembleia-Geral (cf. Helena Salazar, Margarida Azevedo e Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias…", cit., pp. 79-80).

Pelo facto de serem sempre em dinheiro e não poderem ser remuneradas, e pelo regime a que se encontram sujeitas, as prestações suplementares são habitualmente designadas como «quase capital» (cf. Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 5ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 386): embora consubstanciem entregas de fundos por meio das quais os sócios contribuem para o reforço do património da sociedade, as prestações suplementares não fazem parte do capital social, nem a sua realização constitui um aumento deste.

Para tal distinção contribui ainda a possibilidade de o direito à restituição de prestações suplementares ser «separado dos outros direitos patrimoniais do sócio, ou por cessão isolada desse direito ou por retenção desse direito pelo cedente da quota» (cf. Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 1989, p. 264): enquanto direito de crédito, o direito ao reembolso é, em princípio, transmissível autonomamente, aplicando-se-lhe o princípio da transmissibilidade dos direitos patrimoniais (neste sentido, cf. Rui Pinto Duarte, “Contribuições dos Sócios para Além do Capital Social: Prestações Acessórias, Suplementares e Suprimentos", in Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 247; Paulo de Tarso Domingues, “As diferentes formas de financiamento pelos sócios e a transmissibilidade autónoma dos créditos respetivos", in Luís Couto Gonçalves et. al. (coord.), Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 779 ss).

Uma vez aqui chegados, uma conclusão crê-se ter ficado já suficientemente evidente: apesar de a aquisição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituírem meios de contribuição dos sócios para o reforço do património da sociedade – no caso das SGPS, do património das empresas participadas-, correspondem-lhe obrigações intrinsecamente distintas, consistindo a mais relevante especificidade evidenciada pelas segundas no facto de o valor a restituir pela respetiva realização, quando tal restituição deva ter lugar, não ser nunca superior ao valor nominal das mesmas.

15 – Apesar de jurídico-substancialmente diferenciáveis, sustenta a recorrente que “partes de capital" e “prestações suplementares" são equivalentes no plano contabilístico, no sentido em que estas integram, tal como o capital social, o património próprio da sociedade.

Não estando aqui em causa, conforme se assinalou já, decidir qual a melhor interpretação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o argumento articulado pela recorrente apenas poderá relevar no plano de análise em que nos situamos se e na medida em que de tal invocada equivalência pretenda extrair-se a razão pela qual os encargos financeiros com umas e outras suportados não deverão poder relevar em termos distintos para a determinação do lucro tributável, sob pena de violação dos princípios da tributação pelo lucro real, da capacidade contributiva, da neutralidade e da igualdade fiscal.

A ser assim, à perspetiva seguida pela recorrente duas objeções podem, desde já, levantar-se.

A primeira prende-se com o facto de o lucro tributável das empresas, apesar de ter por base o respetivo resultado contabilístico, a este se não reconduzir.

O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não segue, com efeito, o modelo da dependência total do direito fiscal face ao direito da contabilidade, pelo que o lucro tributável é apurado por referência ao resultado contabilístico, mas com as correções a que este se encontra sujeito por força das disposições que anulam a relevância de determinados rendimentos ou gastos contabilísticos no plano do apuramento do lucro fiscal (cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 526 ss). Trata-se das correções relativas às variações patrimoniais positivas e negativas, em cujo âmbito justamente se inscrevem as normas que consagram benefícios fiscais.

A razão de ser da não coincidência entre o lucro fiscal e o lucro contabilístico é facilmente explicável: conforme nota José Casalta Nabais, «enquanto o lucro contabilístico é determinado com base em princípios, normas ou regras do (…) direito contabilístico e tem por destinatários os utentes das demonstrações financeiras das empresas (isto é, os investidores, os trabalhadores, os financiadores, os fornecedores e os outros credores comerciais, os clientes, o Governo e seis departamentos e o público em geral), o lucro fiscal guia-se pelos princípios e normas do direito fiscal e tem por destinatário sobretudo o Estado, mais precisamente a administração tributária» (idem, pp. 526-527). É por isso que, ao contrário do que sucede com os critérios de apuramento do lucro contabilístico, o regime do apuramento do lucro fiscal permite acomodar e dar expressão a preocupações de outra ordem, relacionadas, as mais das vezes, com a promoção da atividade económica, designadamente através do reforço do tecido organizacional das empresas e do incremento da respetiva sustentabilidade. E é por isso também que, no conjunto dos elementos que integram aquele regime, têm pleno cabimento as normas que, cindindo o lucro contabilístico do lucro fiscal, isentam de tributação determinados ganhos ou tornam dedutíveis certos encargos financeiros, com o intuito de permitir a realização de outros interesses, diversos da arrecadação de receita como a promoção do emprego, das exportações e do investimento, considerados, num determinado momento histórico, de superlativa relevância no âmbito da política económica e do modelo de desenvolvimento social que só ao legislador democraticamente eleito cumpre delinear.

A segunda objeção prende-se com o próprio significado e alcance da igualação defendida pela recorrente.

A equivalência que é estabelecida entre prestações suplementares e partes do capital funda-se, conforme referido já, no plano contabilístico, assentando no facto de tanto as primeiras como as segundas serem registadas contabilisticamente no “capital próprio".

A circunstância de as prestações suplementares serem tidas contabilisticamente como capital próprio – isto é, de serem consideradas como “capital próprio" de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística – reflete o facto de os sócios apenas poderem recuperar as quantias empregues se e na estrita medida em que existiam bens na sociedade que não sejam necessários à cobertura do capital social e da reserva legal, bem como o facto de o reembolso das correspondentes quantias dever ser decidido em Assembleia-Geral (cf. Helena Salazar, Margarida Azevedo e Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias…", cit., p. 80). Daí, todavia, está longe de resultar que as prestações suplementares e as partes do capital social detenham, por essa razão, a mesma natureza, seja económica ou jurídica (cf. Rui Pinto Duarte, “Contribuições dos…", cit., p. 244). Assim como está longe de resultar, no que aqui especialmente releva, que a diferença que intercede entre ambas as figuras, sobretudo daquele primeiro ponto de vista, não possa constituir para o legislador ordinário fundamento suficiente para não estender às primeiras a proibição de dedução ao lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a respetiva realização.

16 – Caracterizados os traços principais das figuras jurídicas na base da presente querela constitucional, importa agora confrontar com os parâmetros invocados pela recorrente a norma concretamente impugnada, procurando determinar se e em que medida o benefício fiscal concedido às SGPS pode revelar-se incompatível com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da igualdade fiscal, da tributação pelo lucro real e da neutralidade, quando nele incluída a consideração, no apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados pelas referidas empresas com a realização de prestações suplementares às empresas suas participadas.

Não tendo a recorrente explicitado os termos em que considera ocorrer a simultânea violação do conjunto dos princípios constitucionais invocados, é conveniente começar por esclarecer o modo como os mesmos se articulam, tendo presente que tais princípios, apesar de analiticamente autónomos, se encontram intimamente conexionados, conforme vem sendo, de resto, assinalado tanto na doutrina como na jurisprudência constitucional.

Ora, em consonância com o modelo em que surge concretizado nos artigos 103.º e 104.º da Constituição, o sistema fiscal português tem como elemento estrutural fundante o princípio da capacidade contributiva, organizando-se, nessa medida, segundo «um princípio que permite uma decisão normativa sobre o modo de distribuição de encargos tributários e que concretiza o princípio da justiça tributária» (cf. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 227).

Tal como tem vindo a ser sublinhado por este Tribunal, o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária, ideia que, no Acórdão n.º 197/2016, foi explicitada nos termos seguintes:

«(…) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, o princípio da capacidade contributiva, apesar de se não encontrar expressamente consagrado na Constituição, mais não será do que “a expressão (qualificada) do princípio da igualdade, entendido em sentido material, no domínio dos impostos, ou seja, a igualdade no imposto". E, nesse sentido, constitui o corolário tributário dos princípios da igualdade e da justiça fiscal e do qual decorre um comando para o legislador ordinário no sentido de arquitetar o sistema fiscal tendo em vista as capacidades contributivas de cada um (cfr. o acórdão n.º 187/2013 e a jurisprudência aí citada).»

Se o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente (cf. Acórdão n.º 409/99), a capacidade contributiva apresenta-se, em matéria de igualdade fiscal, como o tertium comparationis, isto é, o critério que há de servir de base à comparação que é requerida.

O princípio da capacidade contributiva opera, assim, por um lado, como condição ou pressuposto do ato tributário, no sentido em que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; por outro, intervém como critério ou parâmetro da tributação, na medida em que impõe que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar" (ability to pay) (neste sentido, por todos, cf. Acórdão n.º 197/2013). Deste ponto de vista, pode dizer-se que a capacidade contributiva constitui o pressuposto, o limite e o critério da tributação (neste sentido, cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Coimbra Editora, 2015, pp. 295-296).

17 – Assim sintetizado o essencial do respetivo conteúdo, bem se vê que os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal operam essencialmente na complexa arquitetura das normas de incidência tributária, aí vinculando o legislador à consagração de soluções não dissonantes da regra que impõe que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua capacidade económica (cf. Acórdão n.º 139/2016).

Os benefícios fiscais situam-se, todavia, num plano diverso e, conforme assinalado já, encontram a sua justificação numa distinta ordem de razões: trata-se de «[…] medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», tais como «[…] as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais [com idêntica finalidade]» (cf. artigo 2.º, n.º 1, e n.º 2, do EBF) (idem).

As normas que estabelecem benefícios fiscais são, por isso, recorrentemente caracterizadas como normas de caráter excecional e antissistemático por definição, que, servindo à prossecução de interesses públicos constitucionalmente relevantes, de caráter político, económico, social ou cultural, se encontram em «tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam enquanto padrão de repartição do imposto» (cf. Sérgio Vasques, Manual de…, cit., p. 365, e, no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, 11ª edição com adenda, Lisboa: Rei dos Livros, 2000, pp. 323 a 326).

Neste contexto, a posição de princípio de que aqui se deverá partir não é aquela em que se coloca a recorrente. É, ao invés, a posição que, justamente no âmbito das normas que definem as exceções em matéria de incidência para efeitos de determinação dos factos tributários, vem sendo reiteradamente assumida na jurisprudência deste Tribunal.

Tal posição, conforme se extrai dos Acórdãos n.º 695/2015 e n.º 275/2016, pode sintetizar-se nos seguintes termos:

«Na expressão de SALDANHA SANCHES, as normas de isenção, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, vivem “numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva", o que as vincula a “uma especial legitimação": “a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância"; daí que a função económico-social dos benefícios fiscais obrigue a um “cálculo permanente da receita perdida (da despesa fiscal)", na medida em que “um benefício fiscal é sempre o benefício fiscal para alguns contribuintes, levando à perda de receitas (redução da base fiscal) que leva à maior oneração de outros contribuintes. A criação de um benefício é sempre uma decisão sobre a distribuição dos encargos de financiamento do Estado" (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Ed., 3.ª Ed., 2007, pp. 457 e 458). O que significa, como conclui NUNO SÁ GOMES, que “um benefício fiscal, maxime uma isenção, nunca é um favor ou uma liberalidade fiscal, logo ao nível normativo, sob pena de inconstitucionalidade, pois tem que ter por fundamento um interesse público constitucionalmente relevante, superior ao correspondente interesse tutelado pela tributação" (Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Lisboa, 1991, pp. 62-63).

Dito isto, tal como repetidamente afirmado pelo Tribunal, as escolhas de regime tomadas pelo legislador neste domínio apenas podem ser censuradas, com fundamento em infração do princípio da igualdade, encarado como princípio negativo de controlo, quando se demonstre que as diferenças de tratamento entre sujeitos não encontram justificação em fundamentos razoáveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, são prosseguidos (cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 1057/96, 418/2000, 451/2002, 188/2003, 370/2007, 442/2007, 47/2010, 85/2010, 42/2014, 137/2014 e 855/2014).

Ao legislador ordinário cabe o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação, a qual, na espécie, assume necessariamente amplitude considerável: “a matéria das isenções fiscais é uma daquelas em cuja modelação entram em jogo múltiplos e divergentes fatores e em que, desde logo, a decisão passa por uma necessária ponderação entre as diversas considerações (de política económica, de justiça social) suscetíveis de legitimarem ou fundarem o “benefícios" e o “custo" fiscal ou orçamental deste; inevitavelmente, pois, não pode deixar de estar ai aberto um largo espaço de escolha ou opção política, que cabe ao legislador preencher" (Acórdão n.º 188/2003).»

Situando-nos no domínio das normas que estabelecem benefícios fiscais, a caracterização do quadro constitucional relevante para a apreciação da solução impugnada não ficaria completa, conforme se viu, sem a acentuação de um outro princípio, especialmente relevante para o estabelecimento dos limites inerentes ao próprio juízo de sindicância – o princípio da liberdade de conformação ou da margem de discricionariedade constitucionalmente reconhecidas ao legislador tributário.

Atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário «goza, em princípio, de discricionariedade normativo-constitutiva quanto à eleição dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem ser elevados à categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para se definir a matéria coletável» (cf. Acórdão n.º 127/04). Discricionariedade especialmente evidente se, conforme sucede na hipótese sub judice, nos encontrarmos perante uma norma que, refletindo a prossecução de determinados interesses, desagrava a situação do sujeito tributário – no caso, permitindo a contabilização no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC de um certo tipo de encargos financeiros, suportados com a realização de determinada espécie de prestações ou contribuições societárias.

Conforme salientado no Acórdão n.º 139/2016, se se trata de um benefício fiscal, «que o Estado só concede porque o entende, com base numa determinada teleologia», é «muito maior» a margem de liberdade de que goza o legislador ordinário «para estabelecer as respetivas condições» – nestas obviamente se incluindo a seleção dos encargos contabilísticos fiscalmente dedutíveis, isto é, daqueles que, para efeitos de IRC, devam ser considerados no apuramento do lucro tributável.

Neste âmbito, mais do que em qualquer outro, prevalece, pois, a ideia segundo a qual, ainda que «outras soluções normativas capazes de atingir o mesmo desiderato» pudessem, porventura, «ter sido acolhidas», haverá que ter em conta a «margem de determinação do legislador democrático», a qual, «no plano das normas de incidência negativa, como em geral no estabelecimento de benefícios fiscais», surge «dotada de especial amplitude, em função de maior ou menor performance económica do setor empresarial visado e da margem orçamental a que o Estado possa recorrer» (Acórdão n.º 42/14).

18 – O problema de constitucionalidade suscitado nos presentes autos incide, tal como visto já, sobre o critério extraído pelo Tribunal a quo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, de acordo com o qual os encargos financeiros suportados pelas SGPS com a realização de prestações suplementares, ao invés do que sucede com as despesas ocasionadas pela aquisição de partes de capital, constituem variações patrimoniais relevantes para o apuramento do lucro tributável, ao qual são por isso dedutíveis.

De acordo com a recorrente, dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal resulta que idênticas capacidades contributivas devem suportar cargas fiscais niveladas, sendo esta a injunção que, em definitivo, considera subvertida pela solução impugnada. E isto porque, ao impor a «desconsideração dos encargos financeiros associados ao financiamento através de capitais próprios das participadas, o que o legislador está a fazer é a contrabalançar», «face aos demais sujeitos passivos de IRC», o benefício concedido às SGPS através da não tributação das mais-valias geradas pela alienação das partes de capital de que sejam titulares. Benefício esse que só parcialmente será contrabalançado se se permitir a dedutibilidade ao lucro tributável dos encargos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares, na medida em que estas, constituindo equivalente forma de financiamento da atividade societária, concorrerão em idênticos termos para a possibilidade de formação das mais-valias isentas de tributação.

Apesar de ambas consubstanciarem uma entrada de fundos na sociedade participada, partes de capital e prestações suplementares – vimo-lo já – correspondem a figuras substancialmente diversas, tanto quanto à respetiva função económica, como no plano societário, encontrando-se sujeitas a regimes jurídicos diferenciados.

Do ponto de vista da ratio subjacente à solução impugnada, trata-se de um elemento não desprezível: enquanto as prestações suplementares, a serem restituídas, o serão sempre pelo respetivo valor, sem o acréscimo de quaisquer juros, a aquisição de partes de capital de uma determinada sociedade, como ações ou quotas, tem como natural correlativo a possibilidade da sua alienação, a qual, ao contrário do que sucede com as primeiras, constituirá, neste caso, o ato direta e imediatamente gerador das eventuais mais-valias que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF isenta de tributação. Ao invés, as prestações suplementares contribuem apenas de indireta forma para aquele eventual resultado, no exato sentido em que, preenchendo necessidades de liquidez imediatas e permitindo repor dessa forma o equilíbrio financeiro da sociedade participada, concorrem, a par de outros fatores, para sobrevinda do acréscimo de valor que, em última instância, propicia a realização das mais-valias isentas de tributação.

Mas, no plano de análise em que nos situamos – que é, conforme referido já, o das normas que estabelecem benefícios fiscais -, a diferença fundamental nem sequer é essa.

O que verdadeiramente singulariza a figura das prestações suplementares reside na específica função económica que lhes está associada, isto é, no facto de constituírem um instrumento particularmente ágil de financiamento das sociedades, apto a responder a duas preocupações fundamentais: a proteção da sociedade, que nelas encontra um meio rápido e eficaz de adequar o seu capital próprio às necessidades sociais; e a proteção dos credores sociais, na medida em que não haverá lugar ao reembolso das quantias prestadas se ou enquanto não permanecer ou não estiver reconstituída a garantia dos credores consistente no capital social (cf. Sofia Gouveia Pereira, As Prestações Suplementares…, cit., p. 27, e, neste último sentido, Raúl Ventura, Sociedades por…, Vol. I., cit., p. 279).

As vantagens que, de ambos os referidos pontos de vista, são proporcionadas pela figura das prestações suplementares, enquanto meio de restabelecimento rápido do equilíbrio económico das sociedades participadas, constitui fundamento suficiente para tornar tão racionalmente plausível quanto constitucionalmente incensurável, à luz do tipo de controlo a que são sujeitáveis as normas que estabelecem benefícios fiscais, a opção, seguida pelo legislador tributário, de limitar aos «encargos financeiros na compra de participações sociais por SGPS» a proibição de dedução ao lucro tributável (cf. Relatório do Orçamento de Estado para 2003), do respetivo âmbito excluindo os encargos suportados com as primeiras, de modo a incentivar a respetiva realização. Opção tanto mais economicamente fundada quanto certo é encontrar-se, as mais das vezes, a sociedade gestora de participações, em função da sua posição no mercado, em situação de obter crédito em condições mais vantajosas do que a sociedade participada, hipótese em que as prestações suplementares permitirão que o crédito obtido pela primeira seja utilizado pela segunda, com os custos globais da operação diminuídos relativamente àqueles que, de outra forma, teriam de ser por esta suportados.

Em suma: estando em causa a viabilidade constitucional, não da existência de um regime fiscal bonificado para as SGPS, mas da extensão em que o benefício fiscal atribuído passará a verificar-se na hipótese de poderem concorrer para a formação do respetivo lucro tributável os encargos financeiros pelas mesmas suportados com a realização de prestações suplementares às empresas participadas, não subsistem dúvidas de que a opção questionada é ainda inteiramente recondutível tanto à razão de ser das normas que, em geral, estabelecem benefícios ficais – em especial, à sua assinalada função económico-social-, como à teleologia do regime fiscal bonificado especialmente previsto para as SGPS. Este, conforme notado já, tem em vista promover ou facultar os arranjos societários dentro do grupo, qualquer que seja a forma como operem, desde que aptos a incrementar a atividade económica das empresas no mesmo integradas, tendo em vista o reforço do tecido empresarial a que dão lastro.

Isso mesmo foi salientado no Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais (relatório apresentado pelo grupo de trabalho criado por Despacho de 1 de maio de 2005 do Ministro de Estado e Finanças), onde se ponderou a manutenção dos benefícios fiscais consagrados no (então) artigo 31.º do EBF, entre o mais, pelo interesse para a dinamização da organização e instalação de grupos económicos em Portugal, tendo presente que as “holdings" constituem «um instrumento valioso de organização da empresa plurissocietária», justamente pelas vantagens organizativas, financeiras e fiscais que proporcionam do ponto de vista da gestão e rentabilização da atividade económica das sociedades componentes do grupo (cf. “Reavaliação dos Benefícios Fiscais", in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 198, Coimbra: Almedina, 2005, pp. 340 ss).

Não se tornando o benefício fiscal concedido às SGPS no n.º 2 do artigo 32.º do EBF nem constitucionalmente menos cabido, nem constitucionalmente mais problemático por incluir a dedutibilidade dos encargos suportados com a realização de prestações suplementares, o critério normativo sufragado pelo Tribunal a quo não merece, em suma, qualquer censura à luz dos princípios que limitam a discricionariedade legislativa em matéria de estabelecimento de benefícios fiscais.

19 – Os princípios da igualdade tributária e da capacidade tributária relacionam-se ainda, no caso das empresas, com o princípio da tributação das empresas (fundamentalmente) segundo o rendimento real, igualmente invocado pela recorrente, que encontra consagração expressa no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição.

Tal como aponta José Casalta Nabais, a norma constante do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição «mais não é do que uma concretização, uma explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal» (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, cit., p. 171), traduzindo a ideia segundo a qual as empresas, assim como todos os cidadãos, devem ser tributadas de acordo com o seu «rendimento real», isto é, «deverão ser tributadas quando têm rendimento e na exata medida desse rendimento» (cfr. Saldanha Sanches, Manual de…, cit., p. 231).

Tal entendimento é, de resto, partilhado pela jurisprudência constitucional, como pode ver-se pelo Acórdão n.º 197/2013, onde se escreveu o seguinte:

«Tributar o lucro real das empresas, por seu turno, significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva (cfr. o Acórdão n.º 162/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Trata-se, no entanto, de um princípio cuja principal concretização é afastar a tributação das empresas pelo seu lucro normal, isto é, tributar o rendimento que estas poderiam ter obtido em condições normais de exploração, independentemente, pois, das condições concretas em que desenvolveram a sua atividade (XAVIER DE BASTO, “O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, Fiscalidade, n.º 5, 2001, p. 10). A questão tem sido objeto de discussão na jurisprudência constitucional, a propósito dos métodos indiretos de apuramento da matéria coletável (cfr. os artigos da Lei Geral Tributária), assumindo tal jurisprudência que a tributação pelo lucro real é um princípio que admite “desvios", entenda-se, é compatível com alguma “normalização" no apuramento da matéria coletável (cfr. os Acórdãos n.º 84/03 e 85/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).»

Segundo sustenta a recorrente, o critério extraído do n.º 2 do artigo 32.º do EBF – de acordo com o qual os encargos suportados com a realização de prestações suplementares concorrem para a formação do lucro tributável – é incompatível ainda com o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, na medida em que, incidindo a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real, isso «significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo».

Conforme dos seus próprios termos resulta, o argumento invocado pela recorrente desconsidera, uma vez mais, a decisiva circunstância de nos encontrarmos no específico domínio das normas que estabelecem benefícios fiscais, as quais, conforme referido já, constituem, pela sua própria natureza, derrogações pontuais dos princípios gerais que presidem à tributação – e, consequentemente, também do princípio da tributação segundo o lucro real-, traduzindo a concessão de um desagravamento fiscal sob a forma de isenção, redução de taxa ou, no que aqui especialmente releva, de dedução à coleta de determinados encargos.

Benefícios deste tipo – vimo-lo já também – têm caráter excecional, sendo concedidos pelo Estado quando o legislador, no âmbito da política económica que lhe incumbe definir, considere verificar-se um interesse de relevância comunitária superior ao interesse no arrecadamento da receita correspondente à tributação plena.

Colocadas as coisas nestes termos, as considerações acima expendidas quanto ao critério da capacidade contributiva servem também para refutar a alegada violação do princípio da tributação pelo lucro real, até porque este último princípio constitui uma manifestação ou concretização do primeiro. Aliás, no caso específico do princípio da tributação do lucro real, o legislador constituinte teve o especial cuidado de explicitar que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, tornando dessa forma inequívoca a possibilidade de a tributação vir a incidir sobre outro rendimento que não o real, quando tal se mostre justificado.

Estando longe de poder afirmar-se, conforme se viu, que a dedutibilidade ao lucro tributável das SGPS dos encargos pelas mesmas suportados com a realização de prestações suplementares às empresas suas participadas constitua uma opção desligada de quaisquer fundamentos razoáveis, não se vislumbra entorse alguma ao princípio da igualdade, também sob o prisma da imposição prima facie de tributação do lucro real.

20 – O último dos princípios em cuja alegada violação assenta o juízo de inconstitucionalidade reivindicado pela recorrente é o princípio da neutralidade fiscal, fundado igualmente nos já analisados princípios da igualdade tributária, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.

De acordo com a recorrente, «[s]e as mais-valias realizadas não concorrem para a formação do lucro tributável das SFGPS, então, atendendo à característica da neutralidade – fundada nos princípios da igualdade, tributação pelo lucro real e capacidade contributiva –, também os encargos financeiros suportados com a aquisição e manutenção das partes de capital que possam vir a beneficiar do regime de exclusão da tributação não podem influenciar na determinação do lucro tributável destas sociedades».

Apesar de parecer tratar-se aqui, não propriamente de um argumento destinado a demonstrar a inconstitucionalidade da norma-objeto, mas antes de mais uma explicitação das razões pelas quais se entende que o preceito constante do n.º 2 do artigo 32.º do EBF deveria ter sido interpretado pelo Tribunal a quo em sentido inverso, não deixarão, ainda assim, de notar-se duas coisas.

A primeira é que nada na Constituição impõe, nem de qualquer um dos seus invocados princípios resulta, que, no âmbito da modelação do regime dos benefícios fiscais concedidos às SGPS, ao legislador ordinário se encontre vedada a possibilidade de tornar dedutíveis ao lucro tributável todos os encargos financeiros suportados com o financiamento das empresas participadas sempre que isentar de tributação as mais-valias resultantes da alienação das respetivas partes do capital.

A segunda serve para dizer que, fundando-se a proibição de dedutibilidade dos encargos financeiros previstos na parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, tal como defende a recorrente, na “neutralização" do benefício que decorre da irrelevância das mais-valias para a determinação do lucro tributável, sempre haveria de concluir-se que a alegada atenuação do benefício (ou a sua calibração) não teria, pelo menos necessariamente, de estender-se à figura das prestações suplementares, uma vez que as mesmas, não só não integram o capital social da empresa financiada por imposição legal, a sua restituição, a ter lugar, acontece no preciso valor pelo qual foram prestadas como não originam diretamente as mais-valias isentas de tributação.

O recurso deverá, pois, ser julgado improcedente.

III – DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma decorrente do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, quando interpretado no sentido em que os encargos financeiros suportados por uma SGPS com prestações acessórias, realizadas sob a forma de prestações suplementares, às empresas suas participadas, relevam para a determinação do lucro tributável;

e, em consequência,

b) Julgar improcedente o recurso interposto pela AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Subscreve-se a decisão de não inconstitucionalidade e a respetiva fundamentação embora com dúvidas quanto ao conhecimento (cfr. II, A., 7 a 9), na medida em que a dimensão normativa fixada como objeto do recurso a partir da ratio decidendi da decisão recorrida se afigura dificilmente dissociável do juízo subsuntivo nela efetuado pelo tribunal a quo reportado ao conceito de «partes do capital» previsto na norma sindicada, no mesmo não enquadrando as «prestações suplementares» (cfr. em especial 3.1., a p. 27 e 3.3.5, a p. 34, da decisão recorrida).
Maria José Rangel de Mesquita

DECLARAÇÃO DE VOTO

Independentemente da solução dada ao caso concreto, não acompanho, em tese geral, a ampla margem de liberdade de conformação política ou de discricionariedade do legislador, em matéria de benefícios fiscais, conforme defendido nalguns excertos do Acórdão. É que, no que diz respeito à concessão de benefícios fiscais a empresas, embora estes possam ser importantes para fomentar o crescimento económico, devem estar sujeitos a pressupostos rigorosamente definidos na lei e controlados pelo Estado, na medida em que é conhecido o aproveitamento, por parte das empresas que gozam destes benefícios, para manipularem os seus comportamentos de forma a abusar dos incentivos que o Estado lhes concede. Por outro lado, a noção de interesse público visado pelo legislador com a criação do benefício fiscal deve ser construída, pela jurisprudência constitucional, de acordo com o conjunto de princípios que carateriza a nossa Constituição fiscal, em particular, com o princípio da justiça tributária na sua dimensão de justiça material distributiva. Com efeito, resulta do artigo 81.º, alínea c), da Constituição, que o legislador constituinte atribui à política fiscal objetivos de promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e da correção da assimetria na distribuição da riqueza e do rendimento. A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem referindo que os benefícios fiscais introduzem elementos de desigualdade no sistema tributário, pelo que a razão de ser da sua existência deverá radicar em relevantes e fundados motivos e interesses públicos (a título exemplificativo, vide o Acórdão n.º 855/2015). Neste sentido, a constitucionalidade da atribuição de benefícios fiscais pelo legislador não pode ser avaliada apenas com base em critérios de incentivo económico aos beneficiários, mas deve ter em conta a margem orçamental existente, de forma a que os benefícios fiscais não ponham em causa as receitas necessárias ao financiamento de serviços públicos de qualidade ou prestações sociais a que têm direito os cidadãos mais desfavorecidos, sendo inconstitucionais as normas que, em contexto de crise económica, concedem benefícios fiscais que, pelos valores económicos que atingem, põem em causa os deveres do Estado para com as populações e acentuam a desigualdade social e económica. Não se pode esquecer que os benefícios fiscais, na medida em que reduzem a base fiscal e implicam uma derrogação deliberada ao sistema normal de tributação, aumentam a tributação dos contribuintes não isentos e representam um pagamento implícito feito pelos poderes públicos, gerando a correspondente despesa fiscal. Sendo assim, a liberdade de conformação do legislador, na atribuição dos benefícios fiscais, deve ser ponderada, não em abstrato, mas no seu contexto económico-social global e fazendo uma leitura unitária da Constituição.
Entendo, por isso, que as normas que regulam a isenção de imposto são insuscetíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no texto da lei, devendo tais normas ser objeto de interpretação estrita ou declarativa, com a consequência da inconstitucionalidade de uma interpretação normativa extensiva ou da aplicação analógica.
Maria Clara Sottomayor