Diploma

Diário da República n.º 198, Série I, de 2019-10-15
Acórdão n.º 0673/19.0BESNT, de 25 de setembro

Acórdão n.º 0673/19.0BESNT, de 25 de setembro – Incompetência em razão da Hierarquia de órgão de Execução Fiscal Prazo

Tipo: Acórdão
Número: 0673/19.0BESNT
Publicação: 22 de Outubro, 2019
Disponibilização: 25 de Setembro, 2019
I - Para aferir da competência em razão da hierarquia do STA há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.[...]

Diploma

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a reclamação que A………………, com os sinais dos autos, deduziu ao abrigo do artigo 276.º do CPPT contra o despacho do Órgão de Execução Fiscal datado de 21/11/2018 que revogou parcialmente o anterior despacho datado de 07/02/2018, no sentido de reconhecer apenas a prescrição das dívidas provenientes de coima e que estavam subjacentes ao Processo de Execução Fiscal n.º 3549200601180010 e apensos, não reconhecendo a prescrição das demais dívidas em cobrança e que são provenientes de impostos.

A Recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

I – O Reclamante veio interpor reclamação ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, do despacho do OEF datado de 21/11/2018 que revogou parcialmente o despacho de 07/02/2018 no sentido de reconhecer apenas a prescrição das dívidas provenientes de coima e que estavam subjacentes ao PEF n.º 3549200601180010 e apensos, não reconhecendo a prescrição das demais dívidas em cobrança e que são provenientes de impostos, porquanto as mesmas não estariam prescritas face o disposto nos art.ºs 326º e 327º do Código Civil e face a jurisprudência uniforme e consolidada do STA, patente nos acórdãos de 2018/09/05, recurso n.º 0644/18 e de 2018/06/20, recurso n.º 0537/18.

II – Por sentença datada de 26-06-2019, ora recorrida, veio a Mma. Juiz do Tribunal a quo conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, anular o despacho reclamado.

III – Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos.

IV – No caso dos autos, estamos perante um ato de um chefe de Finanças, que apesar de atuar ali como órgão de execução fiscal e a execução fiscal ter natureza judicial, trata-se de um ato que tem por efeito prático constatar que um ato anterior estava desconforme com a lei pois que declarava a ocorrência de um facto jurídico (prescrição de dívidas tributárias) que não tinha correspondência com a realidade das coisas segundo a melhor interpretação da lei e da jurisprudência pertinente sobre a matéria.

V – E assim, sendo aplicável ao caso vertente o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispõe o mesmo na al. j) do n.º 2 do seu art.º 161º que são nulos os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, dispondo o n.º 2 do art.º 162º do CPA que a nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser a todo o tempo conhecida pelos órgãos administrativos competentes para a sua anulação.

VI – Daqui se extrai também que, sendo a prescrição um facto jurídico que, através do decurso do tempo, implica a extinção das obrigações, in casu, obrigações tributárias, esta cumpre ser declarada no PEF pelo OEF aquando da sua ocorrência. Esta declaração nada mais é do que um ato certificativo da ocorrência de um facto, facto este que segundo posterior reavaliação do OEF, como se extrai dos autos, não existiu pois que não se subsumia às normas jurídicas reguladoras do instituto da prescrição das dívidas tributárias.

VII – E estando em causa a nulidade de um ato administrativo, tal ato não poderia estar sujeito aos constrangimentos temporais e de legitimação que se extraem dos artigo 276.º e 277.º do CPPT, pois que estes normativos só podem incidir sobre os atos materialmente administrativos praticados no âmbito da execução fiscal, na medida em que o prazo de reação aí previsto possa ter por objeto um ato ilegal cujos efeitos podem vir a estabilizar na ordem jurídica com o decurso do tempo, o que não acontece no caso dos atos nulos, visando ainda estes preceitos legitimar a reação dos destinatários do ato sem qualquer aplicabilidade quanto aos autores do ato, estes sujeitos unicamente ao regime da invalidade do ato administrativo previsto nos artigos 161.º a 164.º do CPA (por remissão do artigo 2.º, alínea d) do CPPT).

VIII – A douta sentença não concretiza os requisitos plasmados no artigo 162.º, n.º 3, do CPA por forma a conferir efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, nem mesmo resultam do probatório factos que se possam subsumir a este preceito normativo.

IX – Portanto, mal esteve o Tribunal a quo ao entender que “não tendo havido reclamação de tal despacho, formou-se caso decidido ou resolvido", violando assim o disposto na al. j) do n.º 2 do art.º 161º e o n.º 2 do art.º 162º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, e incorrendo em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO DO ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!".

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 131 e 132, no qual se pronuncia pela incompetência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso, por considerar, em suma, que a Recorrente pretende nesta sede “ver novamente discutidos os factos, dando-lhes outra valorização, o que ressalta, nomeadamente, nos pontos III e IX onde diz expressamente que “(…) que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos". Donde necessariamente, in casu, se pretende a valorização do factor tempo, não só para exercer o direito de reclamar, mas também o decurso do prazo da ocorrência ou não de uma eventual prescrição".

Consequentemente, concluiu a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta que este STA é “incompetente para conhecer de mérito em razão da hierarquia. Incompetência essa que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito – artigos 493º, n.º2; 494º al. a) e 495º, todos do CPC e, como tal deve ser apreciada e declarada com as consequências legais".

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público e para, querendo, se pronunciarem sobre a excepção de incompetência aí suscitada, nada vieram dizer.

5 – Foram dispensados os vistos legais.

– Fundamentação –

6 – Questões a decidir

Importa primariamente decidir da questão prévia suscitada nos presentes autos, relativa à alegada incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso.

Improcedendo esta excepção de incompetência, haverá então que conhecer do mérito do recurso, analisando se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao revogar o despacho do Órgão de Execução Fiscal de 21 de Novembro de 2018 que revogou parcialmente o anterior despacho datado de 07 de Fevereiro de 2018, por fundamentalmente considerar que o despacho de 21 de Novembro foi extemporâneo.

7 – Matéria de Facto

É a seguinte a matéria de facto fixada na sentença recorrida:

A. Por Ofício recebido em 17 de Dezembro de 2003, foi o Reclamante citado de que era Executado por reversão no processo de execução fiscal n.º 3549200601180010, nos seguintes termos essenciais (cf. fls. 22 e segs., cujo teor se dá como integralmente reproduzido):

(imagem)

B. Ao referido processo de execução fiscal foram apensados os processos de execução fiscal identificados na Lista constante de fls. 24 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

C. Em 7 de Fevereiro de 2018, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2, concordante com informação com o seguinte teor (cf. fl. 55, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(imagem)

D. Em 21 de Novembro de 2018, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2, concordante com informação com o seguinte teor (cf. fls. 59 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(imagem)

E. Tal despacho foi notificado ao Reclamante por Ofício recebido em 27 de Novembro de 2018 (cf. fls. 57 e 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 10 de Dezembro de 2018, a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 2 (cf. fl. 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

8 – Apreciando

8.1. Questão prévia: da incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA no seu parecer suscitou a excepção dilatória de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso, por considerar, em suma, que a Recorrente pretende nesta sede “ver novamente discutidos os factos, dando-lhes outra valorização, o que ressalta, nomeadamente, nos pontos III e IX onde diz expressamente que “(…) que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos". Donde necessariamente, in casu, se pretende a valorização do factor tempo, não só para exercer o direito de reclamar, mas também o decurso do prazo da ocorrência ou não de uma eventual prescrição".

Vejamos.

Como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo “quando a matéria for exclusivamente de direito", cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Por essa razão, o artigo 280.º, n.º 1 do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do STA há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo - cf. os arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1 e 3, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto – seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa (cfr. o Ac. deste Tribunal de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 201/10).

Porém, no caso dos autos, cremos que nenhuma das alegações de recurso implica a necessidade de dirimir “questões de facto", antes se resolvendo mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas.

É que, como se desenvolverá melhor adiante, os presentes autos incidem exclusivamente sobre a questão de saber qual o prazo legalmente imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira para a revogação oficiosa de um acto praticado no decurso da execução fiscal. Concretamente, o que está em causa é saber se o prazo para a referida revogação é de 10 dias (conforme previsto no artigo 277.º do CPPT) ou, alternativamente, se é aplicável o prazo mais alargado para a declaração de nulidade de actos previsto nos artigos 161.º, n.º 2, alínea j) e 162.º, n.º 2) do CPA.

Com efeito, embora o despacho da AT revogado (datado de 7 de Fevereiro de 2018) e o posterior despacho que procedeu a essa revogação (datado de 21 de Novembro de 2018) analisem e se pronunciem sobre o decurso do prazo de prescrição de dívidas tributárias, o certo é que nos presentes autos não está em causa aferir da legalidade do conteúdo de tais despachos (ou seja, analisar se a prescrição das dívidas efetivamente ocorreu ou não), nem aferir da veracidade dos factos elencados no probatório.

Como já se disse, o thema decidendum circunscreve-se à questão de saber se o despacho de revogação (datado de 21 de Novembro de 2018), foi ou não proferido dentro do prazo legalmente previsto para o efeito. O que é, a nosso ver, uma questão meramente jurídica.

Deste modo, consideramos que no presente recurso está em causa a apreciação exclusiva de “matéria de direito", pelo que este STA é hierarquicamente competente para conhecer do recurso ao abrigo artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não se verificando a suscitada excepção dilatória de incompetência deste Tribunal.

8.2. Dos vícios imputados à sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 94 a 103 dos autos, julgou procedente a reclamação deduzida pelo Recorrido por entender, em suma, que o prazo para reclamar de actos praticados pelo órgão de execução fiscal é de 10 dias (cf. artigo 277.º do CPPT). Neste contexto, “o termo inicial do prazo para a reclamação é o momento em que o acto se torna eficaz. Consubstanciando-se a declaração da prescrição da dívida exequenda num acto favorável ao destinatário, que não lhe impõe deveres ou encargos nem afecta os seus direitos ou interesses legítimos, ele é imediatamente eficaz, independentemente de notificação (cf. artigo 36.º, n.º 1, do CPPT e artigos 155.º, n.º 1 e 160.º do CPA)".

Assim, para o Tribunal a quo “é desde a data de prolação do despacho referido na letra C do probatório que se tem que contar o prazo de 10 dias. Não tendo havido reclamação de tal despacho, formou-se caso decidido ou resolvido, o que conduz, inelutavelmente, à procedência da presente reclamação". Relembra ainda o Tribunal a quo que “as normas do novo CPA invocadas pela Fazenda Pública na sua resposta (artigos 161.º, n.º 2, alínea j) e 162.º, n.º 2) têm que ver com os fundamentos e prazos para a declaração de nulidade de actos, que não com os prazos para a reclamação de actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal", prazos estes que não foram alterados pelo novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 Janeiro.

Discorda do decidido a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira por considerar, em suma, que “no caso dos autos, estamos perante um ato de um chefe de Finanças, que apesar de atuar ali como órgão de execução fiscal e a execução fiscal ter natureza judicial, trata-se de um ato que tem por efeito prático constatar que um ato anterior estava desconforme com a lei pois que declarava a ocorrência de um facto jurídico (prescrição de dívidas tributárias) que não tinha correspondência com a realidade das coisas segundo a melhor interpretação da lei e da jurisprudência pertinente sobre a matéria. E assim, sendo aplicável ao caso vertente o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispõe o mesmo na al. j) do n.º 2 do seu art.º 161º que são nulos os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, dispondo o n.º 2 do art.º 162º do CPA que a nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser a todo o tempo conhecida pelos órgãos administrativos competentes para a sua anulação".

Para a Recorrente, “estando em causa a nulidade de um ato administrativo, tal ato não poderia estar sujeito aos constrangimentos temporais e de legitimação que se extraem dos artigo 276.º e 277.º do CPPT, pois que estes normativos só podem incidir sobre os atos materialmente administrativos praticados no âmbito da execução fiscal, na medida em que o prazo de reação aí previsto possa ter por objeto um ato ilegal cujos efeitos podem vir a estabilizar na ordem jurídica com o decurso do tempo, o que não acontece no caso dos atos nulos, visando ainda estes preceitos legitimar a reação dos destinatários do ato sem qualquer aplicabilidade quanto aos autores do ato, estes sujeitos unicamente ao regime da invalidade do ato administrativo previsto nos artigos 161.º a 164.º do CPA (por remissão do artigo 2.º, alínea d) do CPPT)".

Não foram apresentadas contra-alegações e a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, concluindo pela incompetência deste STA em razão da hierarquia, não se pronunciou concretamente sobre o mérito da acção.

Vejamos.

Como bem se salienta na sentença recorrida, a questão sub judice já se encontra decidida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que a revogação de actos praticados pela Administração Tributária no âmbito de um processo de execução fiscal só pode ocorrer dentro do prazo legalmente estabelecido no artigo 277.º do CPPT para o eventual exercício do direito de reclamar, entendimento que consideramos ser de manter, por ser aquele que se revela mais curial.

Com efeito, e como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 8 de Julho de 2015 no âmbito do processo n.º 0781/15, “sobre a impugnação de actos proferidos no âmbito dos processos de execução fiscal ou que sobre o mesmo tenham uma repercussão imediata, dispõem directamente os artigos 276º e 277º do CPPT.

O primeiro, sob a epígrafe “Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal", dispõe que as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.

O segundo, estabelece quais os prazos para o efeito:

1 - A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões.

2 - A reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o acto reclamado.

3 - Caso o acto reclamado tenha sido proferido por entidade diversa do órgão da execução fiscal, o prazo referido no número anterior é de 30 dias".

Resultando provado que o primeiro despacho em causa nos presentes autos, datado de 7 de Fevereiro de 2018, determinou a prescrição de todas as dívidas em execução fiscal e que o mesmo não foi impugnado nos termos do disposto nos artigos anteriormente citados, concluiu-se no citado aresto – tal como se conclui no caso sub judice – não existir dúvida de “que aquela extinção da execução conduziu à “consolidação das situações jurídicas por ela definidas", cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, vol. Iv, pág. 295", não sendo “susceptível de alteração, quer por via de acto administrativo, quer por via de decisão judicial e, portanto, nesta medida teremos que concluir que se decidiu correctamente na sentença impugnada".

Mais recentemente, também Hugo Flores da Silva, “As nulidades do processo de execução fiscal" in “Execução Fiscal", Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019, p. 97, refere que “a sindicância jurisdicional dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal é, por regra, levada a efeito através da reclamação disciplinada nos artigos 276.º e seguintes do CPPT. Ao contrário do que sucede noutros âmbitos do processo tributário, o legislador estabeleceu um prazo único de 10 dias a contar da notificação do ato reclamado para que a sua legalidade seja sindicada junto de um órgão jurisdicional. Tal facto dilui, a nosso ver, a aplicação dos referidos regimes das invalidades procedimentais, porquanto, independentemente do tipo de vício em causa, os atos do órgão de execução fiscal consolidam-se na ordem jurídica quando não sejam impugnados tempestivamente. Seja nulo ou anulável, deverá o ato praticado pelo órgão de execução fiscal ver a sua conformidade jurídica jurisdicionalmente sindicada mediante reclamação a apresentar no prazo de 10 dias a contar da respetiva notificação", o que poderá encontrar justificação na “natureza declaradamente judicial da execução fiscal, mormente o facto de tal lhe imprimir uma maior solenidade do que a registada ao nível dos procedimentos, bem como o facto de os atos em causa resultarem (por regra) de procedimentos petitórios enxertados no âmbito do processo, não constituindo, por isso, atos que possam “apanhar de surpresa" os sujeitos visados pelos seus efeitos, poder-se-á equacionar uma legitima compressão dos prazos de reação".

Assim é, como decorre dos mais elementares princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, razão pela qual se conclui que o recurso não merece provimento.

– Decisão –

9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Acórdão n.º 0673/19.0BESNT, de 25 de setembro

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a reclamação que A………………, com os sinais dos autos, deduziu ao abrigo do artigo 276.º do CPPT contra o despacho do Órgão de Execução Fiscal datado de 21/11/2018 que revogou parcialmente o anterior despacho datado de 07/02/2018, no sentido de reconhecer apenas a prescrição das dívidas provenientes de coima e que estavam subjacentes ao Processo de Execução Fiscal n.º 3549200601180010 e apensos, não reconhecendo a prescrição das demais dívidas em cobrança e que são provenientes de impostos.

A Recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

I – O Reclamante veio interpor reclamação ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, do despacho do OEF datado de 21/11/2018 que revogou parcialmente o despacho de 07/02/2018 no sentido de reconhecer apenas a prescrição das dívidas provenientes de coima e que estavam subjacentes ao PEF n.º 3549200601180010 e apensos, não reconhecendo a prescrição das demais dívidas em cobrança e que são provenientes de impostos, porquanto as mesmas não estariam prescritas face o disposto nos art.ºs 326º e 327º do Código Civil e face a jurisprudência uniforme e consolidada do STA, patente nos acórdãos de 2018/09/05, recurso n.º 0644/18 e de 2018/06/20, recurso n.º 0537/18.

II – Por sentença datada de 26-06-2019, ora recorrida, veio a Mma. Juiz do Tribunal a quo conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, anular o despacho reclamado.

III – Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos.

IV – No caso dos autos, estamos perante um ato de um chefe de Finanças, que apesar de atuar ali como órgão de execução fiscal e a execução fiscal ter natureza judicial, trata-se de um ato que tem por efeito prático constatar que um ato anterior estava desconforme com a lei pois que declarava a ocorrência de um facto jurídico (prescrição de dívidas tributárias) que não tinha correspondência com a realidade das coisas segundo a melhor interpretação da lei e da jurisprudência pertinente sobre a matéria.

V – E assim, sendo aplicável ao caso vertente o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispõe o mesmo na al. j) do n.º 2 do seu art.º 161º que são nulos os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, dispondo o n.º 2 do art.º 162º do CPA que a nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser a todo o tempo conhecida pelos órgãos administrativos competentes para a sua anulação.

VI – Daqui se extrai também que, sendo a prescrição um facto jurídico que, através do decurso do tempo, implica a extinção das obrigações, in casu, obrigações tributárias, esta cumpre ser declarada no PEF pelo OEF aquando da sua ocorrência. Esta declaração nada mais é do que um ato certificativo da ocorrência de um facto, facto este que segundo posterior reavaliação do OEF, como se extrai dos autos, não existiu pois que não se subsumia às normas jurídicas reguladoras do instituto da prescrição das dívidas tributárias.

VII – E estando em causa a nulidade de um ato administrativo, tal ato não poderia estar sujeito aos constrangimentos temporais e de legitimação que se extraem dos artigo 276.º e 277.º do CPPT, pois que estes normativos só podem incidir sobre os atos materialmente administrativos praticados no âmbito da execução fiscal, na medida em que o prazo de reação aí previsto possa ter por objeto um ato ilegal cujos efeitos podem vir a estabilizar na ordem jurídica com o decurso do tempo, o que não acontece no caso dos atos nulos, visando ainda estes preceitos legitimar a reação dos destinatários do ato sem qualquer aplicabilidade quanto aos autores do ato, estes sujeitos unicamente ao regime da invalidade do ato administrativo previsto nos artigos 161.º a 164.º do CPA (por remissão do artigo 2.º, alínea d) do CPPT).

VIII – A douta sentença não concretiza os requisitos plasmados no artigo 162.º, n.º 3, do CPA por forma a conferir efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, nem mesmo resultam do probatório factos que se possam subsumir a este preceito normativo.

IX – Portanto, mal esteve o Tribunal a quo ao entender que “não tendo havido reclamação de tal despacho, formou-se caso decidido ou resolvido", violando assim o disposto na al. j) do n.º 2 do art.º 161º e o n.º 2 do art.º 162º, ambos do Código do Procedimento Administrativo, e incorrendo em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorreta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO DO ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!".

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 131 e 132, no qual se pronuncia pela incompetência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso, por considerar, em suma, que a Recorrente pretende nesta sede “ver novamente discutidos os factos, dando-lhes outra valorização, o que ressalta, nomeadamente, nos pontos III e IX onde diz expressamente que “(…) que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos". Donde necessariamente, in casu, se pretende a valorização do factor tempo, não só para exercer o direito de reclamar, mas também o decurso do prazo da ocorrência ou não de uma eventual prescrição".

Consequentemente, concluiu a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta que este STA é “incompetente para conhecer de mérito em razão da hierarquia. Incompetência essa que constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito – artigos 493º, n.º2; 494º al. a) e 495º, todos do CPC e, como tal deve ser apreciada e declarada com as consequências legais".

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público e para, querendo, se pronunciarem sobre a excepção de incompetência aí suscitada, nada vieram dizer.

5 – Foram dispensados os vistos legais.

– Fundamentação –

6 – Questões a decidir

Importa primariamente decidir da questão prévia suscitada nos presentes autos, relativa à alegada incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso.

Improcedendo esta excepção de incompetência, haverá então que conhecer do mérito do recurso, analisando se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao revogar o despacho do Órgão de Execução Fiscal de 21 de Novembro de 2018 que revogou parcialmente o anterior despacho datado de 07 de Fevereiro de 2018, por fundamentalmente considerar que o despacho de 21 de Novembro foi extemporâneo.

7 – Matéria de Facto

É a seguinte a matéria de facto fixada na sentença recorrida:

A. Por Ofício recebido em 17 de Dezembro de 2003, foi o Reclamante citado de que era Executado por reversão no processo de execução fiscal n.º 3549200601180010, nos seguintes termos essenciais (cf. fls. 22 e segs., cujo teor se dá como integralmente reproduzido):

(imagem)

B. Ao referido processo de execução fiscal foram apensados os processos de execução fiscal identificados na Lista constante de fls. 24 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

C. Em 7 de Fevereiro de 2018, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2, concordante com informação com o seguinte teor (cf. fl. 55, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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D. Em 21 de Novembro de 2018, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2, concordante com informação com o seguinte teor (cf. fls. 59 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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E. Tal despacho foi notificado ao Reclamante por Ofício recebido em 27 de Novembro de 2018 (cf. fls. 57 e 58, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 10 de Dezembro de 2018, a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 2 (cf. fl. 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

8 – Apreciando

8.1. Questão prévia: da incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA no seu parecer suscitou a excepção dilatória de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento do objecto do recurso, por considerar, em suma, que a Recorrente pretende nesta sede “ver novamente discutidos os factos, dando-lhes outra valorização, o que ressalta, nomeadamente, nos pontos III e IX onde diz expressamente que “(…) que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do ato em crise nos autos". Donde necessariamente, in casu, se pretende a valorização do factor tempo, não só para exercer o direito de reclamar, mas também o decurso do prazo da ocorrência ou não de uma eventual prescrição".

Vejamos.

Como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo “quando a matéria for exclusivamente de direito", cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Por essa razão, o artigo 280.º, n.º 1 do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do STA há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo – cf. os arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1 e 3, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto – seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa (cfr. o Ac. deste Tribunal de 30 de Junho de 2010, rec. n.º 201/10).

Porém, no caso dos autos, cremos que nenhuma das alegações de recurso implica a necessidade de dirimir “questões de facto", antes se resolvendo mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas.

É que, como se desenvolverá melhor adiante, os presentes autos incidem exclusivamente sobre a questão de saber qual o prazo legalmente imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira para a revogação oficiosa de um acto praticado no decurso da execução fiscal. Concretamente, o que está em causa é saber se o prazo para a referida revogação é de 10 dias (conforme previsto no artigo 277.º do CPPT) ou, alternativamente, se é aplicável o prazo mais alargado para a declaração de nulidade de actos previsto nos artigos 161.º, n.º 2, alínea j) e 162.º, n.º 2) do CPA.

Com efeito, embora o despacho da AT revogado (datado de 7 de Fevereiro de 2018) e o posterior despacho que procedeu a essa revogação (datado de 21 de Novembro de 2018) analisem e se pronunciem sobre o decurso do prazo de prescrição de dívidas tributárias, o certo é que nos presentes autos não está em causa aferir da legalidade do conteúdo de tais despachos (ou seja, analisar se a prescrição das dívidas efetivamente ocorreu ou não), nem aferir da veracidade dos factos elencados no probatório.

Como já se disse, o thema decidendum circunscreve-se à questão de saber se o despacho de revogação (datado de 21 de Novembro de 2018), foi ou não proferido dentro do prazo legalmente previsto para o efeito. O que é, a nosso ver, uma questão meramente jurídica.

Deste modo, consideramos que no presente recurso está em causa a apreciação exclusiva de “matéria de direito", pelo que este STA é hierarquicamente competente para conhecer do recurso ao abrigo artigos 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não se verificando a suscitada excepção dilatória de incompetência deste Tribunal.

8.2. Dos vícios imputados à sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 94 a 103 dos autos, julgou procedente a reclamação deduzida pelo Recorrido por entender, em suma, que o prazo para reclamar de actos praticados pelo órgão de execução fiscal é de 10 dias (cf. artigo 277.º do CPPT). Neste contexto, “o termo inicial do prazo para a reclamação é o momento em que o acto se torna eficaz. Consubstanciando-se a declaração da prescrição da dívida exequenda num acto favorável ao destinatário, que não lhe impõe deveres ou encargos nem afecta os seus direitos ou interesses legítimos, ele é imediatamente eficaz, independentemente de notificação (cf. artigo 36.º, n.º 1, do CPPT e artigos 155.º, n.º 1 e 160.º do CPA)".

Assim, para o Tribunal a quo “é desde a data de prolação do despacho referido na letra C do probatório que se tem que contar o prazo de 10 dias. Não tendo havido reclamação de tal despacho, formou-se caso decidido ou resolvido, o que conduz, inelutavelmente, à procedência da presente reclamação". Relembra ainda o Tribunal a quo que “as normas do novo CPA invocadas pela Fazenda Pública na sua resposta (artigos 161.º, n.º 2, alínea j) e 162.º, n.º 2) têm que ver com os fundamentos e prazos para a declaração de nulidade de actos, que não com os prazos para a reclamação de actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal", prazos estes que não foram alterados pelo novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 Janeiro.

Discorda do decidido a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira por considerar, em suma, que “no caso dos autos, estamos perante um ato de um chefe de Finanças, que apesar de atuar ali como órgão de execução fiscal e a execução fiscal ter natureza judicial, trata-se de um ato que tem por efeito prático constatar que um ato anterior estava desconforme com a lei pois que declarava a ocorrência de um facto jurídico (prescrição de dívidas tributárias) que não tinha correspondência com a realidade das coisas segundo a melhor interpretação da lei e da jurisprudência pertinente sobre a matéria. E assim, sendo aplicável ao caso vertente o novo Código do Procedimento Administrativo (CPA), dispõe o mesmo na al. j) do n.º 2 do seu art.º 161º que são nulos os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes, dispondo o n.º 2 do art.º 162º do CPA que a nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser a todo o tempo conhecida pelos órgãos administrativos competentes para a sua anulação".

Para a Recorrente, “estando em causa a nulidade de um ato administrativo, tal ato não poderia estar sujeito aos constrangimentos temporais e de legitimação que se extraem dos artigo 276.º e 277.º do CPPT, pois que estes normativos só podem incidir sobre os atos materialmente administrativos praticados no âmbito da execução fiscal, na medida em que o prazo de reação aí previsto possa ter por objeto um ato ilegal cujos efeitos podem vir a estabilizar na ordem jurídica com o decurso do tempo, o que não acontece no caso dos atos nulos, visando ainda estes preceitos legitimar a reação dos destinatários do ato sem qualquer aplicabilidade quanto aos autores do ato, estes sujeitos unicamente ao regime da invalidade do ato administrativo previsto nos artigos 161.º a 164.º do CPA (por remissão do artigo 2.º, alínea d) do CPPT)".

Não foram apresentadas contra-alegações e a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, concluindo pela incompetência deste STA em razão da hierarquia, não se pronunciou concretamente sobre o mérito da acção.

Vejamos.

Como bem se salienta na sentença recorrida, a questão sub judice já se encontra decidida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que a revogação de actos praticados pela Administração Tributária no âmbito de um processo de execução fiscal só pode ocorrer dentro do prazo legalmente estabelecido no artigo 277.º do CPPT para o eventual exercício do direito de reclamar, entendimento que consideramos ser de manter, por ser aquele que se revela mais curial.

Com efeito, e como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 8 de Julho de 2015 no âmbito do processo n.º 0781/15, “sobre a impugnação de actos proferidos no âmbito dos processos de execução fiscal ou que sobre o mesmo tenham uma repercussão imediata, dispõem directamente os artigos 276º e 277º do CPPT.

O primeiro, sob a epígrafe “Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal", dispõe que as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância.

O segundo, estabelece quais os prazos para o efeito:

1 – A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões.

2 – A reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o acto reclamado.

3 – Caso o acto reclamado tenha sido proferido por entidade diversa do órgão da execução fiscal, o prazo referido no número anterior é de 30 dias".

Resultando provado que o primeiro despacho em causa nos presentes autos, datado de 7 de Fevereiro de 2018, determinou a prescrição de todas as dívidas em execução fiscal e que o mesmo não foi impugnado nos termos do disposto nos artigos anteriormente citados, concluiu-se no citado aresto – tal como se conclui no caso sub judice – não existir dúvida de “que aquela extinção da execução conduziu à “consolidação das situações jurídicas por ela definidas", cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, vol. Iv, pág. 295", não sendo “susceptível de alteração, quer por via de acto administrativo, quer por via de decisão judicial e, portanto, nesta medida teremos que concluir que se decidiu correctamente na sentença impugnada".

Mais recentemente, também Hugo Flores da Silva, “As nulidades do processo de execução fiscal" in “Execução Fiscal", Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019, p. 97, refere que “a sindicância jurisdicional dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal é, por regra, levada a efeito através da reclamação disciplinada nos artigos 276.º e seguintes do CPPT. Ao contrário do que sucede noutros âmbitos do processo tributário, o legislador estabeleceu um prazo único de 10 dias a contar da notificação do ato reclamado para que a sua legalidade seja sindicada junto de um órgão jurisdicional. Tal facto dilui, a nosso ver, a aplicação dos referidos regimes das invalidades procedimentais, porquanto, independentemente do tipo de vício em causa, os atos do órgão de execução fiscal consolidam-se na ordem jurídica quando não sejam impugnados tempestivamente. Seja nulo ou anulável, deverá o ato praticado pelo órgão de execução fiscal ver a sua conformidade jurídica jurisdicionalmente sindicada mediante reclamação a apresentar no prazo de 10 dias a contar da respetiva notificação", o que poderá encontrar justificação na “natureza declaradamente judicial da execução fiscal, mormente o facto de tal lhe imprimir uma maior solenidade do que a registada ao nível dos procedimentos, bem como o facto de os atos em causa resultarem (por regra) de procedimentos petitórios enxertados no âmbito do processo, não constituindo, por isso, atos que possam “apanhar de surpresa" os sujeitos visados pelos seus efeitos, poder-se-á equacionar uma legitima compressão dos prazos de reação".

Assim é, como decorre dos mais elementares princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, razão pela qual se conclui que o recurso não merece provimento.

– Decisão –

9 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.