Diploma

Diário da República n.º 141, Série II, de 2021-07-22
Acórdão n.º 438/2021, de 22 de julho

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 438/2021, de 22 de junho

Emissor
Tribunal Constitucional
Tipo: Acórdão
Páginas: 89/0
Número: 438/2021
Parte: Parte D
Publicação: 29 de Julho, 2021
Disponibilização: 22 de Julho, 2021
Não julga inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro

Diploma

Não julga inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro

Acórdão n.º 438/2021, de 22 de julho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório
1 – Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A., S.A., interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2 – O presente processo teve origem na impugnação, juntos dos tribunais administrativos, do ato de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), relativa ao ano de 2015, no montante de 507.160,27 Euros e respetivos juros compensatórios. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou improcedente a dita impugnação, em 26 de novembro de 2019, tendo a aqui recorrente interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Por decisão sumária, de 02 de julho de 2020, foi negado provimento ao mesmo. Inconformada, a recorrente apresentou reclamação para conferência e o Tribunal a quo, por acórdão de 16 de dezembro de 2020, negou provimento ao recurso.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que a contribuição em causa configura um imposto, cujas bases de tributação, subjetiva e objetiva, contendem com os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da tributação das empresas pelo lucro real, sendo, por isso, um tributo materialmente inconstitucional. Admitindo a possibilidade de a CESE ser considerada uma verdadeira contribuição financeira, e não um imposto, como defende, argumentou a aqui recorrente que, ainda assim, a mesma violaria a CRP, por constituir uma restrição inadmissível do direito de propriedade, violando o princípio da proporcionalidade e o da igualdade (este último concretizado pelo princípio da equivalência).
Além disto, alegou também que, independentemente da sua configuração dogmática concreta, sempre a CESE será inconstitucional, por violação do princípio da proibição de consignação de receitas a determinadas despesas.
Nesta sequência, como acima se explicou, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão, negando provimento ao recurso, tendo considerado, com fundamento no Acórdão n.º 7/2019 deste Tribunal Constitucional, que a CESE se configura como uma contribuição financeira e que não procedem os argumentos no sentido da sua inconstitucionalidade.

3 – É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que vem interposto o presente recurso, cujo objeto a recorrente formulou, nos seguintes termos:
«As normas em causa são os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético", criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro.
No entendimento da Recorrente, as normas referidas violam os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da equivalência, emanações do princípio da Igualdade (artigo 13.º da Constituição), da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104.º), ele próprio uma decorrência da capacidade contributiva e da Igualdade, da proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º), da livre iniciativa (artigo 61.º), da propriedade privada (artigo 62.º) e da não consignação (n.º 3 do artigo 105.º)».

4 – Notificada para apresentar alegações, a recorrente concluiu do seguinte modo:

«CONCLUSÕES:
A. O Acórdão do TC n° 7/2019, em que o Tribunal a quo se baseia para proferir a decisão recorrida – não é transponível para o presente processo.
B. Em primeiro lugar, porque o Acórdão não se debruça sobre uma das causas de pedir invocadas pela ora Recorrente: a de que a regra constante do artigo 12.º do Regime da CESE em vigor em 2014, que tem congéneres em todos os regimes que se lhe seguiram, até a atualidade), ao estipular a proibição de dedução em sede de IRC dos montantes pagos a título de CESE, é inconstitucional – e por isso determina a inconstitucionalidade do tributo.
C. Em segundo lugar, porque o Acórdão limita o objecto do respectivo recurso ao ano de 2014, uma vez que o processo diz respeito a uma liquidação relativa à CESE desse ano, emitida ao abrigo da Lei do Orçamento do Estado respectivo.
D. A Recorrente, como grande parte dos sujeitos passivos da CESE, não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade (a actividade da Recorrente é a de aprovisionamento e distribuição de gás natural), pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).
E. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE).
F. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.
G. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido.
H. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental-, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).
I. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais.
J. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo até pelo menos 2018, esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético (e mesmo depois de 2018 a receita da CESE é utilizada para os objectivos legais numa proporção muito pequena).
K. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.
L. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.
M. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13° da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição" (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente.
N. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório.
O. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade.
P. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.
Q. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema.
R. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade),
S. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a Recorrente – que nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio).
T. Os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, em vigor em 2015 por força do artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015), são inconstitucionais.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, criada originariamente pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e aplicável em 2015 por força do artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015)».

5 – Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação
6 – Como a própria recorrente reconhece, a questão da constitucionalidade da CESE foi já analisada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 7/2019. É, pois, da fundamentação então adotada – que, adiante-se desde já, aqui se subscreve e renova – que cabe partir para a análise da questão de constitucionalidade agora colocada, atentas as distinções salientadas pela recorrente.
Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:

«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.
Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».
Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.

8 – Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.
No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:
«[…]
É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
Entretanto, a revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em ‘Constituição da República Portuguesa Anotada’, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
[…]».

Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:
«[…]
No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas" (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2", in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco", Vol. I, pp. 493-502).
Segundo Sérgio Vasques estes tributos situam-se no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos, incluindo-se nesta categoria «não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo crescente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários» (em “As Taxas de Regulação Económica em Portugal: Uma Introdução", In “As Taxas de Regulação Económica em Portugal", pág. 38, da ed. da Almedina, 2008),
E de acordo com Suzana Tavares da Silva estes tributos podem «agrupar-se em três tipos fundamentais: 1) como instrumento de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados (ex. prevenção de riscos naturais) – contribuições especiais financeiras; 2) como instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários (ex. taxas de financiamento das entidades reguladoras) – contribuições especiais parafiscais; e 3) como instrumentos de orientação de comportamentos (finalidades extrafiscais) – contribuições orientadoras de comportamentos ou (…) contribuições especiais extrafiscais» (Em “As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário", in “Estudos Regionais e Locais", 2008, pp. 48 e ss.).
[…]».

Por outro lado, atentas as conclusões da alegação da recorrente, importa recordar a síntese feita pelo tribunal a quo, a propósito da distinção entre imposto de receita consignada e contribuição financeira:
«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala"; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»
No Acórdão n.º 152/2013, o Tribunal Constitucional confrontou-se, igualmente, com um tributo que inseriu na categoria das contribuições financeiras, no caso, exigido a operadores económicos atuando no mercado regulado (a «taxa de utilização do espectro radioelétrico»). Antes deste, outros, como os Acórdãos n.ºs 365/2008 e 613/2008, haviam já adotado esta classificação tripartida, a propósito das «taxas» de regulação cobradas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que expressamente qualificou já não como imposto ou taxa, mas como contribuição financeira.
Também no caso sub iudice o tributo em análise incide sobre pessoas coletivas que, integrando o setor energético nacional, se dedicam a atividade económica regulada.
No Acórdão n.º 365/2008 escreveu-se:
«[…] importa relembrar a distinção entre os conceitos dos diferentes tipos de tributo, tendo presente que a C.R.P. não indica qualquer critério distintivo, sendo necessário recorrer aos conceitos constantes da Lei Geral Tributária (artigo 4.º), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
“1 – Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.
2 – As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
(…)".
Estas definições legais limitaram-se a recolher os ensinamentos dominantes da doutrina fiscal (vide, entre outros, TEIXEIRA RIBEIRO, em “Lições de Finanças Públicas", pág. 267, da ed. de 1977, da Coimbra Editora, CARDOSO DA COSTA, em “Curso de Direito Fiscal", pág. 4-19, da 2.ª Edição, da Almedina, SOUSA FRANCO, em “Finanças Públicas e Direito Financeiro", volume II, pág. 58-73, da 4.ª Edição, da Almedina, DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA LEITE DE CAMPOS, em “Direito Tributário", pág. 27-29, da ed. de 1996, da Almedina, CASALTA NABAIS, em “Direito fiscal", pág. 20-32, da 3ª ed., da Almedina,, NUNO SÁ GOMES, em “Manual de Direito Fiscal", vol. 1, pág. 73-79, da 12.ª ed., do Rei dos Livros, SALDANHA SANCHES, em “Manual de Direito Fiscal", pág. 22-37, da 3.ª Edição, da Coimbra Editora, EDUARDO PAZ FERREIRA, em “Ainda a propósito da distinção entre impostos e taxas: o caso da taxa municipal devida pela realização de infraestruturas urbanísticas", em “Ciência e Técnica Fiscal", n.º 380, pág. 63-81, e XAVIER DE BASTO e LOBO XAVIER, em “Ainda a propósito da distinção entre taxa e imposto: a inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela constituição de sociedades e pelas modificações dos respetivos contratos, na R.D.E.S., n.º 1 e 3, de 1994, pág. 3 e seg.), os quais foram, alias, adotados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (uma resenha desta jurisprudência foi efetuada por CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitu­cional em matéria fiscal", no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 387 e seg., e por CARDOSO DA COSTA, em “O enquadramento constitucional dos impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional", em “Perspetivas Constitucionais – Nos 20 anos da Constituição de 1976", vol. II, pág. 397 e seg.).
O imposto, enquanto prestação unilateral, não corresponde a nenhuma contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado; ele terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais.
Ao carácter unilateral da prestação de imposto contrapõe-se a natureza sinalagmática das taxas.
A sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de taxa só existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que, satisfaz, além de necessidades coletivas, necessidades individuais (vide TEIXEIRA RIBEIRO, em “Noção jurídica de taxa", na “Revista de Legislação e de Jurisprudência", ano 117.º, pág. 291).
A taxa “pressupõe, ou dá origem, a uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um bem ou serviço público", sendo “grande a variabilidade do conteúdo jurídico do conceito, resultante da diversidade das situações que geram as obrigações de taxa e das múltiplas delimitações formais da respetiva noção financeira" (SOUSA FRANCO, na ob. cit., págs. 63-64).
Mas, fugindo a esta divisão dicotómica dos tributos, tem sido apontada a existência de outras figuras marginais designadas como tributos parafiscais (artigo 3.º, n.º 1, a), da Lei Geral Tributária), nos quais se incluem, com especial visibilidade, as contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, que resultam numa verdadeira consignação subjetiva de receitas (sobre os tributos parafiscais, nomeadamente as referidas contribuições, vide ALBERTO XAVIER, em “Manual de direito fiscal", vol. I, pág. 64 e seg., da ed. de 1974, SOUSA FRANCO, ob. cit., pág. 74 e seg., CASALTA NABAIS, em “Direito fiscal", pág. 32, da 3ª ed., da Almedina, e em “O dever fundamental de pagar impostos", pág. 256 e seg., da ed. de 1998, da Almedina, e SALDANHA SANCHES, na ob. cit., pág. 58-65). A criação de tais contribuições a favor de determinadas pessoas coletivas públicas distintas da Administração estadual, regional ou local, visam o seu sustento financeiro, escapando à disciplina jurídica clássica, como forma de evitar o crescimento do défice das contas públicas e contornar a rigidez do regime dos impostos, através da previsão de meios financeiros mais dúcteis.
Como escreveu SOUSA FRANCO:
“Nas contribuições parafiscais há (…) uma maior agilidade atribuída à administração pública, quanto ao modo de criação e agravamento e quanto ao próprio regime geral dessas receitas, tornando mais fácil o seu processo de lançamento, liquidação e cobrança" (na ob. cit., pág. 76).
Após estes considerandos, cabe agora perguntar se é possível, conforme pretende a Recorrente, atribuir a natureza de imposto, à “taxa" sub judice. Obviamente, na economia do presente recurso de constitucionalidade, apenas relevará o regime jurídico concreto da “taxa de regulação e supervisão", sendo completamente irrelevante o nomen juris atribuído na lei.
Como resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de junho, a “taxa" de regulação e supervisão é precisamente uma contribuição para o financiamento da ação quotidiana da ERC, a qual é exigida pela natureza da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos da taxa. São os custos do serviço de monitorização e acompanhamento contínuo e permanente de cada entidade que prossiga atividades de comunicação social, operando nesse mercado, em ordem a assegurar o cumprimento das competências que estão atribuídas à ERC, que esta taxa visa satisfazer.
Sendo a atividade desenvolvida por essas entidades a causa da necessidade da ERC ter que empreender ações de regulação e de supervisão contínuas, e beneficiando aquelas da vigilância no cumprimento das regras estabelecidas para o sector e da efetiva concorrência ao nível dos produtos oferecidos, entendeu-se que devem os seus agentes contribuir proporcionalmente para o financiamento dos custos dessas ações essenciais à existência de um mercado plural. Foi esta a filosofia que presidiu à criação desta “taxa".
Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida “taxa" não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tais tributos antes qualificáveis como contribuições, incluídas na designação genérica dos tributos parafiscais (vide, adotando esta qualificação relativamente às “taxas" financiadoras da atividade das entidades reguladoras, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa anotada", vol. I, pág. 1095, da 4ª ed., da Coimbra Editora, CARDOSO DA COSTA, em “Sobre o princípio da legalidade das “taxas" (e das “demais contribuições financeiras")", em Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento", pág. 805, e SÉRGIO VASQUES, em “As taxas de regulação económica em Portugal: uma introdução", em “As taxas de regulação económica em Portugal", pág. 34, da ed. de 2008, da Almedina).
[…]».

9 – O regime que cria a contribuição extraordinária sobre o setor energético foi aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro. No artigo 1.º, n.º 2, desse regime, determinou-se que a «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético».
Na sua sequência, o artigo 11.º do Regime Jurídico que cria a CESE, consignou a sua receita a um Fundo – o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril – «com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira».
Estabeleceu o artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 55/2014 sobre os objetivos do FSSSE:
«2 – O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através:
a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética;
b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro».

10 – A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto.
Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético.
Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.
Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.
O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.
Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.
Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.
E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral.
Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala"; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».
Neste sentido pronunciou-se igualmente o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 4/2016 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de março de 2018):
«[A] CESE, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, no sentido acima referido, [trata-se] de uma contribuição financeira.
A CESE é uma contrapartida para o financiamento da eficiência energética e da redução da dívida do SEN, exigida pelo modelo do Estado regulador.»

11 – Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, ponto relativamente ao qual o Tribunal Constitucional, atendendo ao objeto do pedido, não tem de se pronunciar – in casu está em causa apenas a apreciação da aplicabilidade da CESE pela primeira vez e no ano para o qual a mesma foi originariamente criada (ano de 2014) – é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida:
«Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas.
Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário.
Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário", é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige" a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório».
Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária" – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual.
Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice – que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe – não tem de, nem pretende tomar posição. Mas o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário» da contribuição – é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015).
E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l’efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. […]
Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente– para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. […]»

12 – Acresce que a CESE é consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), instituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril. Esta consignação ao FSSSE foi expressamente fixada, logo na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 11.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013), retirando esta receita ao financiamento de despesas públicas gerais do Estado.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou ser esta uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.º 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico.
Independentemente de se considerar esta consignação de receitas decisiva para a caracterização do tributo em causa, a verdade é que a natureza de contribuição financeira da CESE resulta, inequivocamente, da presença de um sinalagma, ainda que difuso, que lhe confere bilateralidade, nos termos atrás desenvolvidos.
Aliás, a circunstância de ser ainda possível identificar, na CESE, quer a tributação de benefícios, mesmo que reflexos, destinados a um especial conjunto ou categoria de sujeitos passivos, quer o objetivo de cobrir os custos que as soluções regulatórias desse financiamento pressupõem, legitima materialmente a consignação de receitas, por lei considerada excecional.
Por todas estas razões, não pode deixar de se considerar que a CESE assume as características de uma contribuição financeira.

13 – Chegados à conclusão de que a CESE deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como um imposto, fica precludida a análise dos argumentos da recorrente que sustentavam a inconstitucionalidade das normas que a criaram e estabeleceram o respetivo regime, remetendo para os princípios constitucionais que regulam estes tributos, como a violação do princípio da capacidade contributiva na vertente da igualdade material, ou a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real.
O entendimento da sua natureza enquanto contribuição financeira não afasta, segundo invoca a recorrente, que se avalie da conformidade do regime resultante das normas questionadas com os princípios da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade aplicável aos tributos comutativos, e da proporcionalidade, na sua relação com a propriedade privada e livre iniciativa económica.

14 – A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade, assim como do princípio da proibição de consignação de receitas (cfr. conclusão P. das alegações da recorrente, de fls. 407).
Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade.
Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos.
Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto.
Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência.
No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN.
É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade.

15 – A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação.
Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade.
Ora, está bem de ver – o que sobressai da desenvolvida distinção entre taxas e contribuições para que atrás se remeteu – que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN.
Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético…», finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional».
No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE).
Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes.
No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará.
É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam.
É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório.

Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.
A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo:
«[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais" (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.»

Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto».
A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável – se a taxa for de montante manifestamente excessivo».
Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento.
Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado.
Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos.
Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.º do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores.
Daqui não se segue – o que é reforçado pela natureza do tributo em causa – que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE:
«[I]mporta destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a ‘contribuir’ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade.
Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.»
Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa.

Não haverá, em suma, como se conclui pelo que fica dito, violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade.

16 – Relativamente à consignação de receitas, uma vez encontrada no caráter sinalagmático da relação entre a sujeição ao tributo e a prestação/benefício presumido para o sujeito passivo, a razão para o lançamento daquele e, tendo em conta o que vem de ser dito sobre o equilíbrio da adoção deste tributo, devendo a bilateralidade identificada ser considerada como argumento suficientemente atendível, então, há que concluir que também a opção pela consignação desta receita, que é por lei, em si mesma, excecional, não merece censura, não pondo em causa o princípio da equivalência ou da proporcionalidade».

7 – Conhecida esta jurisprudência, torna-se necessário averiguar se, como alega a recorrente, dos autos emergem diferenças relevantes que justifiquem uma inversão de sentido decisório, em relação à posição anteriormente adotada pelo Tribunal Constitucional. Como decorre das alegações supra, a recorrente sustenta a necessidade de uma revisão jurisprudencial, no fundamental, em dois argumentos:
i) o facto de o Acórdão n.º 7/2019 não se ter pronunciado sobre uma das causas de pedir ora invocadas, designadamente, a de que a regra constante do artigo 12.º do Regime da CESE, ao estipular a proibição de dedução em sede de IRC dos montantes pagos a título de CESE, é inconstitucional – e por isso determina a inconstitucionalidade do tributo;
ii) o facto de o Acórdão n.º 7/2019 limitar o objeto do recurso ao ano de 2014, uma vez que o presente processo diz respeito à liquidação relativa à CESE do ano de 2015.

Vejamos.

8 – É verdade que, como afirma a recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE constitui uma questão não totalmente resolvida no Acórdão n.º 7/2019 do Tribunal Constitucional. Por essa razão, este veio a conhecer, posteriormente, no Acórdão n.º 301/2021, da questão de constitucionalidade especificamente atinente a essa norma, relativa à conformidade com a CRP da não dedutibilidade da CESE em sede de IRC, prevista no artigo 12.º daquele regime, que não fora individualizada e apreciada detalhadamente em 2019. Assim, afirmou, no Acórdão n.º 301/2021, este Tribunal:

«8. Ora, também no que respeita à arguida inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE por violação do princípio da proporcionalidade, as alegações produzidas pela recorrente desviaram-se da configuração inicial do problema. Com efeito, a recorrente não foi capaz de autonomizar qualquer questão especificamente relacionada com a norma a que ficou reduzido o objeto do presente recurso, dirigindo novamente a censura constitucional – agora centrada na violação do princípio da igualdade proporcional – às regras de incidência subjetiva e objetiva do tributo. Todas as referências à impossibilidade de deduzir o encargo suportado com a CESE ao lucro tributável em IRC serviram apenas para arguir a «especial gravidade» ou «especial notoriedade» da alegada ofensa aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, imputada ao regime jurídico que criou o tributo, considerado nos seus aspetos essenciais. Quanto a esta linha de argumentação, nada há, pois, a acrescentar: as regras de incidência do tributo já foram objeto de apreciação na Decisão Sumária n.º 229/2020 e não integram o objeto do presente recurso.
Em qualquer caso, é manifesta a improcedência da questão da inconstitucionalidade do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, tal como colocada na reclamação apresentada dessa decisão sumária. Recorde-se que a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético foi criada no singular contexto da execução do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, como atesta o Relatório do Orçamento do Estado para 2014, com um propósito claro: «(…) num esforço de cumprimento equitativo das metas orçamentais para 2014, será introduzida uma contribuição extraordinária sobre o sector energético e aumentada a contribuição sobre o sistema bancário. Estas medidas destinam-se não só a contribuir para a sustentabilidade sistémica destes sectores mas também a repartir o esforço de ajustamento orçamental com as empresas de maior capacidade contributiva.» (v. Relatório do Orçamento do Estado para 2014, p. 33, disponível em https://www.dgo.gov.pt/politicaorcamental/).
A liquidação desta contribuição haveria, assim, de contribuir para a consolidação das contas públicas de duas formas: por um lado, as despesas com a adoção das medidas tidas por necessárias para assegurar a sustentabilidade do sector energético passariam a ser financiadas pelas receitas adicionais obtidas através da liquidação do tributo; por outro, as receitas do orçamento geral do Estado resultantes da liquidação do IRC não sofreriam qualquer diminuição consequente da liquidação do tributo, porque o encargo suportado pelos sujeitos passivos da CESE não poderia ser deduzido ao lucro tributável (v. a alínea q), do n.º 1, do artigo 23.º-A do Código do IRC).
Ao invocar que o artigo 12.º do regime jurídico da CESE contende com o princípio da proporcionalidade, por tornar excessivo o montante do tributo exigido, a recorrente confunde estas duas dimensões do esforço de ajustamento orçamental especialmente exigido aos operadores do sector energético. Não há dúvida de que, tal como este Tribunal tem reconhecido, a criação de tributos comutativos deve obedecer ao princípio da equivalência, que constitui expressão dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ao impor que «o quantitativo da prestação tributária deva corresponder ao custo ou benefício que se pretende compensar, sendo o tributo inválido se manifestamente excessivo ao custo ou valor dos bens e serviços prestados ao sujeito passivo.» (v. o Acórdão n.º 344/2019). Para tal, importa que a incidência subjetiva, a incidência objetiva e a taxa aplicável sejam determinadas de modo a exprimir uma conexão tangível e razoável entre os sujeitos passivos, os custos ou benefícios (real ou presumidamente) causados ou aproveitados por estes e o quantum do tributo exigido.
Ora, parece evidente que, se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os seus sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor, resultando numa diminuição da respetiva «taxa efetiva». Contudo, a impossibilidade de atenuação do impacto financeiro deste tributo através da dedução dos respetivos encargos ao lucro tributável em IRC constitui um aspeto extrínseco a essa correlação relevante para a configuração da CESE e que não pode ser adequadamente apreciado à luz do princípio da equivalência, nem sequer como expressão do princípio da proporcionalidade. Dessa disposição resulta, não um aumento do encargo suportado com a CESE, mas um agravamento do montante de IRC a pagar. Trata-se, pois, de uma questão que poderá convocar o princípio da igualdade, na medida em que se entenda que este exige a consideração de todos os encargos tributários suportados pelas empresas na determinação da sua real capacidade contributiva (ou do lucro real a que se refere o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição), mas que evidentemente excede o âmbito do presente recurso, em que não está em causa a apreciação da constitucionalidade de normas aplicadas num ato de liquidação de IRC».

Quanto a esta específica questão, mantendo-se válida esta orientação jurisprudencial – com a qual se concorda –, os seus fundamentos são inteiramente transponíveis para a questão objeto dos presentes autos.

9 – Resta, pois, a questão de saber se o facto de o objeto do recurso abarcar, no presente processo, a CESE relativa ao ano de 2015, implica alterações substanciais, de modo a pôr em causa linha argumentativa e os raciocínios adotados no Acórdão n.º 7/2019.
A recorrente defende que assim é. Fundamenta esta posição com base no facto de a receita da CESE não ter, pelo menos até 2016, servido para os fins legalmente previstos, não tendo sido transferidas para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético as verbas correspondentes. Na verdade, afirma a recorrente, “a CESE não teve qualquer impacto nos défices tarifários de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 (a notícia diz que, a ter efeitos, já só relativamente às tarifas de 2019), nunca tendo servido, pois, para o principal objectivo do tributo – a redução da dívida tarifária da electricidade", o que comprometeria, definitivamente, a sua validade jurídica. Mais ainda, a recorrente entende que o decurso do tempo infirma um dos argumentos sustentadores da decisão de não inconstitucionalidade, a saber, a transitoriedade, ou excecionalidade da CESE.
Ora, começando por este último argumento: a verdade é que o caráter excecional da CESE não é infirmado pela prorrogação da medida até ao momento. Dados os objetivos financeiros e de políticas públicas em que se funda – redução do défice tarifário do SEN, e, com maior importância no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da recorrente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético – não parece, nem resulta dos dados dos autos, que o período até agora decorrido consubstancie um prazo excessivo, ou desproporcionado para a sua prossecução.
No entanto, mesmo que a recorrente tivesse razão – e que a evolução do regime jurídico e da prática de aplicação da CESE venha a comprovar, sem margem para dúvidas, e ao contrário do que pode afirmar-se com firmeza neste momento, a sua consolidação no ordenamento jurídico, não podendo, a partir de então, negar-se, o seu caráter permanente –, tal não implicaria, sem mais, a sua desconformidade constitucional. Na realidade, isso reforçaria o paralelismo com as demais contribuições financeiras exigidas a privados para financiamento da regulação de determinados setores de interesse geral – nomeadamente, e como se viu, o setor energético, entendido em termos latos, cuja sustentabilidade sistémica (e não meramente financeira, ou tarifária) se configura como uma forma de cumprimento do dever estadual de proteção do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, consagrado no artigo 66.º da Constituição. Nestes termos, a adoção de políticas de cariz social e ambiental direcionadas para o setor energético, bem como de medidas relacionadas com a eficiência energética, constitui, nesta sede, uma forma – de entre todas as que podem ser desenhadas pelo legislador no âmbito da sua larga margem de atuação nesta matéria – de dar cumprimento à obrigação de “promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações" e ainda de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida", previstas, respetivamente, nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 66.º da CRP. Para a avaliação da constitucionalidade da medida nesse cenário, sempre seria, pois, indispensável uma análise detalhada dos concretos elementos atinentes ao regime de tributação, o que, naturalmente, não tem lugar na resolução do caso dos autos, que respeita apenas aos anos iniciais de vigência da CESE, em particular o de 2015.
Ou seja, ao contrário da argumentação da recorrente, não se afigura decisivo o elemento da excecionalidade para um julgamento de não inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE. Tal caraterística reforça a argumentação plasmada no Acórdão n.º 7/2019, mas está longe de constituir o seu único pilar de sustentação. Para o juízo de não inconstitucionalidade então proferido – e que agora se renova – contribui, sobretudo, a caraterização dogmática do tributo como contribuição financeira, e o objetivo de financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor da energia, já que este permite afirmar a sinalagmaticidade do tributo, ainda que não referida a uma contraprestação específica.
Assim, e independentemente do incumprimento da legislação que possa ter ocorrido, nos primeiros anos de vigência da CESE, quanto a transferências da receita obtida por via da sua cobrança para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, a verdade é que, desde esta perspetiva, resulta plenamente aplicável a este caso tudo o que este Tribunal Constitucional disse acerca daquela contribuição em 2019.
Em razão de tudo quanto atrás se afirmou, renova-se, nesta sede, a fundamentação dos Acórdãos n.º 7/2019 e 301/2021 e, em consequência, não se julgam inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º, que modelam o regime jurídico da «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético», aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado para o ano de 2015 pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

III – Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético", aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro, e prorrogado pelo artigo 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
b) Negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, ponderados os critérios fixados no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).