Diário da República n.º 233, Série II, de 2019-12-04
Acórdão n.º 577/2019, de 4 de dezembro
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 577/2019 de 17/10
Tribunal Constitucional
Diploma
Não julga inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua redação originária, segundo a qual não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão proferida por tribunal arbitral em matéria tributária sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo quando a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida por outro tribunal arbitral em matéria tributária
Acórdão n.º 577/2019, de 4 de dezembro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1 – A., S.A., recorrente nos presentes autos em que é recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, interpôs recurso para uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo de uma decisão arbitral proferida no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), invocando oposição com decisões arbitrais proferidas no mesmo Centro sobre idêntica questão de direito. O recurso não foi admitido.
Inconformada, a ora recorrente reclamou para a conferência. Por acórdão de 28 de novembro de 2018, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado, considerando que, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua redação originária, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é apenas suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
2 – É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como LTC), tendo em vista a fiscalização da constitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, na sua redação originária, quando interpretado no sentido de não ser admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, quando as decisões em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, são ambas de tribunais arbitrais em matéria tributária (TAMT).
3 – Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para alegar.
Apenas a recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos:
B – A interpretação literal do artigo 25.º do RJAT sufragada pelo STA e reiterada pela conferência desse Tribunal afigura-se ferida de um conjunto de inconstitucionalidades materiais decorrentes da violação do Princípio da Igualdade (artigo 13.º da CRP), do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º CRP) e, ainda, dos Princípios da justiça, segurança jurídica e proteção da confiança (artigo 2.º da CRP).
C – Impõe-se uma interpretação conforme à CRP do artigo 25.º n.º 2 do RJAT, da qual resulta ser admissível o acesso à via recursiva consubstanciada no recurso por oposição de acórdãos quanto tal oposição se verifique entre Acórdãos proferidos pelos TAMT.
D – A interpretação literal do referido artigo 25.º do RJAT sufragada pelo STA é violadora do Princípio da Igualdade, constante do artigo 13.º da CRP, uma vez que desconsideram as marcadas semelhanças entre os TAMT e os TCA, as quais não podem ser descuradas aquando da comparação das vias recursivas por oposição de Acórdãos.
E – Não é de admitir, atentas as referidas semelhanças, que o legislador preveja a recorribilidade das decisões dos TAMT quando estas se revelem em oposição a decisões dos TCA e do STA, ao mesmo tempo que a nega quando as referidas decisões estejam em marcada oposição com decisões proferidas por outros TAMT.
F – A omissão da possibilidade de interposição de recurso por oposição de acórdãos proferidos pelos TAMT deveu-se tão-só ao facto de o legislador não ter equacionado, aquando do desenho do RJAT (altura em que inexistia qualquer experiência em matéria de arbitragem tributária), que a oposição entre decisões dos TAMT poderia sobrevir surgindo assim uma necessidade de harmonização de Acórdãos.
G – A interpretação literal do artigo 25.º do RJAT sufragada pelo STA e confirmada pela conferência desse Tribunal é violadora do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
H – A prossecução, pela arbitragem tributária, de uma maior celeridade da resolução de litígios de natureza fiscal em comparação com a jurisdição comum, não pode implicar restrições ou diminuições das garantias de defesa do contribuinte que não sejam toleradas pelo Princípio da Proporcionalidade.
I – A avaliação da maior ou menor celeridade do processo nos Tribunais Arbitrais tem de se efetuar por comparação à realidade dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a qual se afigura de tal modo morosa, que não será a rejeição do recurso de oposição entre Acórdãos dos TAMT que justificará uma menor celeridade da arbitragem tributária, não a tornando por isso legítima.
J – Os custos processuais associados à admissibilidade do recurso por oposição de Acórdãos dos TMT não são, de modo algum, suficientes para que se possa concluir que a mesma levará a que a velocidade do processo nos Tribunais Arbitrais se reduza em termos que a aproxime da velocidade do processo nos Tribunais Administrativos Fiscais.
K – Outros meios contenderiam em menor grau com as garantias de defesa do contribuinte como, a título de exemplo, a redução do número de prorrogações de prazo para decisão pelo Tribunal Arbitral, ou a diminuição do próprio prazo das mesmas, previsto no artigo 21.º do RJAT, pelo que a rejeição do recurso por oposição de Acórdãos do TAMT conflitua com o Princípio da Proporcionalidade.
L – O requisito da proporcionalidade stricto sensu falha ainda, pois a celeridade não pode ser o objetivo último de um regime processual, concebido este para conciliar a celeridade do processo de decisão com a tutela dos direitos dos cidadãos.
M – A interpretação literal que ora se põe em causa é violadora dos princípios da justiça, segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitos no artigo 2.º da CRP.
N – A efetiva justiça só é atingida se observados os princípios da segurança e proteção da confiança.
O – Em matéria fiscal, a segurança jurídica assume uma dimensão essencial de estabilidade e previsibilidade: os sujeitos passivos e a própria AT têm de ter a certeza das consequências fiscais que determinado ato ou facto implicam, objetivo que apenas se atinge admitindo-se o recurso por oposição de Acórdãos quando a contradição se verifica face a decisões emanadas dos TAMT.
P – A necessidade de harmonização ainda é mais premente em situações como a presente em que a contradição entre decisões dos TAMT põe em causa o princípio da legalidade e da tipicidade fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, o que contribui para a incerteza quanto à incidência subjetiva e para o incumprimento do objetivo último do Direito Fiscal que é o de assegurar a tributação apenas em conformidade com a lei.
Q – Esta incerteza afeta não só o sentido da jurisprudência mas, concomitantemente, o sentido e interpretação da própria lei fiscal, o que não pode ser admitido.
R – O próprio Governo da República Portuguesa reconhece a omissão na qual o RJAT incorreu, pelo que se impõe, no Estado de Justiça consagrado na CRP, uma interpretação que reconheça o verdadeiro objetivo do legislador: promover a celeridade, ao mesmo tempo assegurando as garantias de defesa do contribuinte».
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
4 – O RJAT prevê um regime de recursos próprio, que, tendo em conta a natureza da arbitragem enquanto meio alternativo de utilização facultativa de resolução de litígios no domínio tributário, procede a um enquadramento normativo devidamente estruturado nos diferentes aspetos relevantes da arbitragem naquele domínio. Por atender às exigências específicas da arbitragem em matérias de direito público, trata-se de um regime de referência para a arbitragem do direito administrativo geral (neste sentido, v., por exemplo, a síntese de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Breves apontamentos sobre a arbitragem de Direito Administrativo em Portugal in Arbitragem em Direito Público, e-book, CAAD, 2019, pp. 57 e ss., acessível a partir da ligação https://fgvprojetos.fgv.br/publicacao/arbitragem-em-direito-publico). Daí não se segue, todavia, que as concretas soluções consagradas não sejam objeto de discussão e que, para o mesmo problema, se divisem diversas alternativas.
Um dos temas mais controversos respeita justamente à (i)recorribilidade das decisões arbitrais junto de tribunais da ordem dos tribunais administrativos e fiscais (cfr. idem, ibidem, p. 59; v. também CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 470-472).
O princípio tradicional nesta matéria é o da irrecorribilidade (ao menos, tendencial; cfr. o artigo 39.º, n.º 4, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro). Duas das vantagens da arbitragem voluntária consistem precisamente na obtenção de uma decisão final e definitiva em prazo razoável e na redução da pendência nos tribunais. A estas acresce a especialização dos árbitros em relação às matérias em discussão.
Aquele mesmo princípio foi consagrado no RJAT.
Deixando de parte a questão do recurso para o Tribunal Constitucional (e, bem assim, a da impugnação da decisão arbitral junto do tribunal central administrativo competente para efeitos de anulação cfr. artigos 27.º e 28.º do RJAT), verifica-se que a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo se limitou à finalidade de uniformizar a jurisprudência prevista no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT. Aliás, tal possibilidade apenas foi consagrada na sequência do debate na Assembleia da República (cfr. o artigo 124.º, n.º 1, alínea h), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril a autorização legislativa habilitadora daquele Regime). Com efeito, tal preceito, na sua redação originária aquela que releva para efeitos do presente recurso estabelece o seguinte:
[Na sequência da alteração introduzida pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (com início de vigência no dia 1 de outubro de 2019), passou a ser admissível o recurso das decisões arbitrais para o Supremo Tribunal Administrativo também no caso de oposição «com outra decisão arbitral» (cfr. a referência nos n.ºs 119 a 127 das alegações da recorrente à Proposta de Lei n.º 180/XIII, com eco na respetiva conclusão R)].
Ou seja, à consagração da arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária (cfr. o artigo 1.º do RJAT) correspondeu a opção clara no sentido irrecorribilidade das decisões arbitrais:
Recorde-se que a Administração fiscal se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrários em matéria tributária que funcionam junto do CAAD (cfr. o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). Deste modo, o recurso à arbitragem tributária, a efetivar mediante o pedido de constituição de tribunal arbitral nos termos do artigo 10.º do RJAT, corresponde a um verdadeiro direito dos sujeitos passivos.
5 – Os tribunais arbitrais no âmbito do CAAD só podem decidir de acordo com o direito constituído, sendo vedado o recurso à equidade (cfr. o artigo 2.º, n.º 2, do RJAT). Daí ter entendido o legislador justificar-se um mecanismo de uniformização da jurisprudência, garantindo a previsibilidade e segurança na aplicação do direito. Com efeito, a alternativa representada pelos tribunais arbitrais em matéria tributária não deve ter como consequência a proliferação de entendimentos contraditórios quanto a uma dada questão jurídica a que seja aplicável um único regime jurídico. Deste modo, em caso de oposição de decisões arbitrais à jurisprudência consolidada dos tribunais superiores da ordem dos tribunais administrativos e fiscais os dois tribunais centrais administrativos e o próprio Supremo Tribunal Administrativo, que são aqueles cujas decisões vinculam os tribunais tributários de 1.ª instância, abre-se uma via de recursória excecional destinada a restabelecer a unidade de interpretação e aplicação do direito (o que, de resto, nem sequer se afigura incompatível com a ideia de «um contágio das decisões judiciais pelas arbitrais, as tais que são proferidas por técnicos mais especializados» como aventa CARLA CASTELO TRINDADE, ob. cit., p. 483). Ora, é justamente essa a finalidade do recurso por oposição previsto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, a tramitar, com as necessárias adaptações, segundo o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cfr. o n.º 3 do citado artigo 25.º).
6 – A recorrente entende que tal solução normativa, devido a não contemplar (também) uma via de recurso com fundamento na oposição entre decisões arbitrais, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e ainda os princípios da justiça, da segurança jurídica e da proteção da confiança.
Mas não tem razão.
7 – É sabido que fora do âmbito do direito criminal (e com ressalva dos casos excecionais em que a lesão resulte imediatamente do ato jurisdicional) a Constituição não consagra um direito a um duplo grau de jurisdição, gozando o legislador ordinário, por isso, de uma ampla liberdade de conformação neste domínio (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 396/2014, acessível, assim como os demais adiante referidos, a partir da ligação https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). De todo o modo, esta liberdade não é ilimitada.
Desde logo, porque a própria previsão constitucional de tribunais superiores torna intolerável a pura e simples eliminação da faculdade de recorrer em todo e qualquer caso.
Mas, mais decisivamente, aquela liberdade encontra um outro limite (um limite interno) quanto às próprias condições de admissibilidade do recurso, que decorre do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição) e, mais especificamente, do princípio da igualdade. A este propósito, valem também para o processo tributário as seguintes considerações feitas com referência ao processo civil no Acórdão n.º 328/2012:
É a esta luz da não consagração constitucional do direito a [um] 2.º grau de jurisdição neste domínio, por um lado, e da proibição do arbítrio no estabelecimento do critério de recorribilidade, quando o legislador opte por abrir a possibilidade de recurso, por outro que importa analisar o critério normativo adotado [].»
Com efeito, numa perspetiva de igualdade material ou substantiva aquela que subjaz ao artigo 13.º, n.º 1, da Constituição e que se traduz na igualdade através da lei, a igualdade jurídica corresponde a um conceito relativo e valorativo assente numa comparação de situações em função da finalidade da norma: as mesmas, na medida em que, à luz de tal finalidade, sejam consideradas iguais, devem ser tratadas igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da desigualdade. Tal implica a determinação prévia da igualdade ou desigualdade das situações em causa, porquanto no plano da realidade factual não existem situações absolutamente iguais. Para tanto, é necessário comparar situações em função de um certo ponto de vista: a ratio da norma a aplicar. Por isso, a comparação indispensável ao juízo de igualdade exige pelo menos três elementos: duas situações ou objetos que se comparam em função de um aspeto que se destaca do todo e que serve de termo de comparação (tertium comparationis). Este termo o «terceiro (elemento) da comparação» corresponde à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar; é o pressuposto da respetiva comparabilidade. Assim, o juízo de igualdade significa fazer sobressair ou destacar elementos comuns a dois ou mais objetos diferentes, de modo a permitir a sua integração num conjunto ou conceito comum (genus proximum).
Ora, a Constituição não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado. Proíbe, isso sim, as discriminações negativas atentatórias da (igual) dignidade da pessoa humana e as diferenças de tratamento sem uma qualquer razão justificativa e, como tal, arbitrárias. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 39/88:
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.»
Finalmente, não é função do princípio da igualdade garantir que todas as escolhas do legislador sejam racionais e coerentes ou correspondem à melhor solução. Nesse particular, justifica-se recordar a jurisprudência constitucional firmada no Acórdão n.º 546/2011:
8 – A inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões dos tribunais arbitrais em matéria tributária com fundamento em oposição com outras decisões arbitrais, ainda que possa ser considerada discutível no plano político-legislativo (designadamente, por tais decisões também poderem originar correntes jurisprudenciais significativas, tendo em conta a recorrência das mesmas questões tributárias e o aumento do recurso à arbitragem), não é arbitrária. Com efeito, tal solução normativa, para além de se adequar ao princípio da irrecorribilidade das decisões arbitrais enformador do RJAT (e até de o acentuar) a qual traduz uma opção constitucionalmente legítima do legislador, e não uma restrição de um hipotético direito ao recurso, encontra uma justificação plausível na própria diferença estatutária e funcional entre os tribunais arbitrais e os tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal do Estado.
Os primeiros não integram a hierarquia judiciária e decidem em 1.ª instância; as suas decisões são, em regra, definitivas e, para além da força persuasiva dos respetivos fundamentos, não projetam efeitos sobre as decisões de outros tribunais. Já os segundos assumem necessariamente uma função orientadora quanto à boa interpretação do direito aplicável, vinculativa para os tribunais de 1.ª instância da respetiva ordem. Com efeito, as decisões destes últimos são, em princípio, recorríveis para os tribunais superiores, que, ao conhecerem e decidirem tais recursos, padronizam e uniformizam o direito aplicável.
A norma ora sindicada visa, deste modo, assegurar que, uma vez estabelecida determinada orientação quanto a certa «questão fundamental de direito», vinculativa para os tribunais estaduais que julgam em 1.ª instância os litígios de natureza fiscal, a mesma seja igualmente respeitada pelos tribunais arbitrais em matéria tributária, prevenindo, desse modo, contradições na interpretação e aplicação dos mesmos normativos. Trata-se, por conseguinte, de uma solução ordenada à segurança, à previsibilidade e, em última análise, à justiça na resolução dos litígios jurídico-tributários.
Pelo exposto, a aludida norma tem um fundamento racional e não põe em causa o direito de acesso à justiça.
9 – No que se refere à alegada violação dos princípios da justiça, da segurança jurídica e da proteção da confiança, cumpre ter presente que a solução do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT assenta, desde logo, no princípio da irrecorribilidade das decisões arbitrais (cfr. supra o n.º 4). Acresce o caráter facultativo do recurso à arbitragem tributária pelo contribuinte (v. ibidem, in fine). Nesse sentido, refere-se muito justamente na decisão ora recorrida:
Por outro lado, atento o caráter ad hoc de cada tribunal arbitral, as respetivas decisões são únicas e destinadas exclusivamente ao caso concreto, vinculando apenas quem é parte no respetivo processo. Consequentemente, não se vê como é que a partir de uma decisão arbitral anterior em certo sentido podem nascer expetativas juridicamente relevantes de que casos semelhantes versando as mesmas questões fundamentais de direito venham a ter idêntica decisão. Tal uniformidade de soluções só poderia ser assegurada por via da recorribilidade das decisões arbitrais uma solução expressa e legitimamente afastada pelo legislador e com a qual quem opta pelo recurso à arbitragem necessariamente se conforma.
A norma do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT ora sindicada não viola, assim, os aludidos parâmetros constitucionais da justiça, da segurança jurídica e da proteção da confiança.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua redação originária, segundo a qual não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão proferida por tribunal arbitral em matéria tributária sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo quando a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida por outro tribunal arbitral em matéria tributária; e, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).