Diploma

Diário da República n.º 6, Série II, de 2019-01-09
Acórdão n.º 636/2018, de 9 de janeiro

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 636/2018 de 22/11 – Processo n.º 876/16

Emissor
Tribunal Constitucional
Tipo: Acórdão
Páginas: 1167/0
Número: 636/2018
Parte: Parte D
Publicação: 15 de Janeiro, 2019
Disponibilização: 9 de Janeiro, 2019
Julga inconstitucional a interpretação normativa do n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, no sentido de que impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta pelo encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º[...]

Síntese Comentada

O presente acórdão vem avaliar a inconstitucionalidade, à luz do princípio constitucional da intransmissibilidade de responsabilidade criminal, da interpretação normativa do n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) no sentido de que impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta pelo encerramento[...]

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Diploma

Julga inconstitucional a interpretação normativa do n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, no sentido de que impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta pelo encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais, fazendo correr sobre o património de cada associado a responsabilidade pelo cumprimento da pena de multa que vier a ser aplicada

Acórdão n.º 636/2018, de 9 de janeiro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório
1 – O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), do despacho judicial proferido em 8 de junho de 2016, pedindo a «apreciação da inconstitucionalidade da norma do art.º 7.º, n.º 5, do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001, de 05/06 (…) [c]uja aplicação foi recusada, por ter sido julgada materialmente inconstitucional, no douto despacho de fls. 818 e 819, com fundamento no entendimento de que “a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de uma pessoa coletiva ofende o principio constitucional da intransmissibilidade de responsabilidade criminal – n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa"».

2 – O presente recurso é incidente de processo comum pendente na 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, no âmbito do qual a sociedade comercial A., Lda, foi acusada e pronunciada pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 103.º, n.º 1, alínea b) e c), 104.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

Com fundamento na impossibilidade de apurar o paradeiro dos legais representantes da arguida, foi esta declarada contumaz (fls. 593); posteriormente, foi junta aos autos certidão do registo comercial a atestar que aquela havia sido dissolvida, com registo do encerramento da liquidação e consequente cancelamento da matrícula (fls. 792).

Perante esse facto, o Ministério Público promoveu que fosse declarada extinta a responsabilidade criminal da referida sociedade arguida.

Sobre tal promoção recaiu o despacho judicial recorrido, cujo teor é o seguinte:

«(…)
Como resulta de fls. 792 e 793, a sociedade foi dissolvida por decisão administrativa, estando já encerrada a sua liquidação e cancelada a respetiva matrícula no registo comercial.
A sociedade considera-se extinta pelo registo do encerramento da liquidação – n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais.
O n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal apenas prevê a continuação do procedimento, em fase de execução, quando a extinção da pessoa coletiva seja posterior à condenação pela prática de crime.
Portanto, por princípio, a extinção da pessoa coletiva arrasta a extinção do procedimento criminal, atento o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade criminal – n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa.
Mas o n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, na sua literalidade (não distinguindo sequer entre falta de personalidade jurídica originária e falta de personalidade jurídica superveniente) impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal da pessoa coletiva já extinta, fazendo correr sobre o património comum ou sobre o património de cada associado a responsabilidade pelo cumprimento da pena que vier a ser aplicada.
A responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de uma pessoa coletiva pelo pagamento da pena de multa aplicada por facto imputável à pessoa coletiva ofende o princípio constitucional da intransmissibilidade da responsabilidade criminal – o n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa [como o Tribunal Constitucional teve ocasião de frisar, ao declarar com força obrigatória e geral a inconstitucionalidade da norma consagrada no antigo n.º 7 do artigo 8.º do RGIT (acórdão n.º 171/2014, publicado no Diário da República de 03 de Março de 2014)].
A norma consagrada no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT é, por esse motivo, materialmente inconstitucional, também violando o princípio vertido no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa [numa situação em tudo similar à que integraria a hipótese legal da norma a que correspondia o anterior n.º 7 do artigo 8.º do RGIT (revogado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro), dando-se como reproduzidos, com a devida vénia, os fundamentos jurídicos do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 171/2014, acima referido], motivo pelo qual, atento o fixado no artigo 204º da Constituição da República Portuguesa, aqui se recusa a sua aplicação.
Assim, e atento o disposto no n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal, declaro extinta a responsabilidade penal da sociedade “A., Lda".»

3 – Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, foi determinado pelo relator o prosseguimento do recurso. Notificados os sujeitos processuais, apenas o recorrente apresentou peça de alegações, pugnando a final pela prolação de juízo negativo de inconstitucionalidade. Sintetizou conclusivamente a sua argumentação nestes termos:

«1.ª Recurso obrigatório do Ministério Público, interposto do Despacho proferido em 14 de Junho de 2016, no Proc. 3299/09.3TBGDM, pelo Exmo. Juiz junto do 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, que recusou a aplicação da norma do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da intransmissibilidade da responsabilidade criminal estabelecido no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição.
2.ª O referido juízo de inconstitucionalidade normativa constitui ratio decidendi da diferente solução dada ao caso e a sindicância daquele, por intermédio do presente recurso, poderá utilmente determinar a reformulação da decisão final.
3.ª A decisão recorrida para, primeiramente, considerar a norma do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT aplicável ao caso e, em seguida, recusar a sua aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, interpretou-a com o sentido de que a aí prevista “entidade sem personalidade jurídica" compreende uma sociedade entretanto extinta, nos termos do n.º 2 do art. 160.º do Código das Sociedades Comerciais.
4.ª É com o sentido indicado, que lhe foi interpretativamente atribuído pela decisão recorrida, que a norma jurídica deverá ser apreciada – com o sentido normativo por aquela decisivamente aceite e recusada a aplicação.
5.ª A decisão recorrida cumpriu o dever de fundamentação (arts. 205.º da Constituição e 97.º, n.º 5 do CPP) através de simples remissão genérica para os fundamentos jurídicos do Acórdão do Plenário deste Tribunal 171/14, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição.
6.ª A decisão recorrida entendeu, para tanto, relativamente à norma do n.º 5 do art. 7.º do RGIT, que se estava «numa situação em tudo similar à que integraria a hipótese legal da norma a que correspondia o anterior n° 7 do artigo 8° do RGIT», preceito entretanto revogado pela Lei 75-A/2014, de 30 de Setembro.
7.ª O art. 7.º do RGIT, conforme a respetiva epígrafe, versa sobre a responsabilidade (responsabilidade criminal e contraordenacional) das pessoas jurídicas e equiparadas.
8.ª O n.º 5 do art. 7.º do RGIT, relativamente a entidades sem personalidade jurídica, inexistindo uma esfera patrimonial própria que possa responder pelo pagamento das multas ou coimas aplicadas, imputa este ao património comum dos associados e, subsidiariamente, na sua falta ou insuficiência, ao património próprio de cada um deles (respondendo solidariamente entre si).
9.ª Não resulta, salvo o devido respeito por opinião contrária, que haja aqui uma transferência de responsabilidade.
10.ª A apreciação desenvolvida no citado Ac. 171/14 (Plenário), o qual funda, por remissão em bloco, a decisão recorrida, não encontra correspondência na situação abstratamente regulada no n.º 5 do art. 7.º do RGIT.
11.ª Desde logo, a norma então vigente do n.º 7 do art. 8.º do RGIT, estabelecia, relativamente à infração cometida pela pessoa coletiva, não uma mera responsabilidade subsidiária, mas uma responsabilidade solidária (que decorria da colaboração dolosa na prática da infração e que se verificava independentemente da responsabilidade que ao gerente pudesse também caber a título pessoal).
12.ª Distinguindo as questões e separando os diferentes tipos de responsabilidade, o Ac. 171/14 procede introdutoriamente à convocação da jurisprudência que incidira sobre o regime da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelo pagamento das coimas aplicadas, em processo de contraordenação fiscal, a pessoas coletivas e que não julgara inconstitucional as normas dos arts. 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infrações Tributárias e 7.º-A do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras.
13.ª E, fundamentalmente, no quadro de previsão do n.º 5 do art. 7.º do RGIT, falta a tensão dialética examinada no Ac. 171/14: inexiste uma entidade coletiva, revestida de uma esfera jurídica própria, a quem pudesse ser imputada uma verdadeira responsabilidade autónoma, distinta das dos seus gerentes ou administradores, mas que com estas se devesse relacionar, nos termos do padrão legal estabelecido, cuja constitucionalidade é no mesmo Acórdão sindicada.
14.ª Em vista do exposto, não deverá validar-se a fundamentação, por intermédio da remissão operada na decisão recorrida, da declaração da inconstitucionalidade da norma do n.º 5 do art. 7.º do RGIT.
15.ª Não se antevê, para os efeitos previstos na 2ª parte do art. 79.º-C da LTC, violação de normas ou princípios constitucionais diversos do invocado na decisão recorrida.»

Cumpre apreciar e decidir

II. Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso
4 – O presente recurso – obrigatório para o Ministério Público – versa decisão judicial de recusa de aplicação de sentido normativo extraído do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, com fundamento em inconstitucionalidade.

Importa começar por delimitar o critério normativo cuja efetiva aplicação ao caso foi afastada pelo tribunal a quo por razões de ilegitimidade constitucional, pois sobre este – e sobre este apenas – incide a cognição do Tribunal; nos termos do artigo 79.º-C da LTC, o Tribunal Constitucional só pode julgar inconstitucional ou ilegal sentido normativo que a decisão recorrida, conforme os casos, haja aplicado ou a que haja recusado aplicação.

Com efeito, o recorrente, inscreve no requerimento de interposição de recurso pretensão de controlo da norma contida no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, em todo o seu alcance prescritivo, ainda que acompanhada de remissão para o «entendimento» acolhido. Tal entendimento, todavia, é referido ao juízo de desconformidade com a Constituição – a conclusão de que «a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de uma pessoa colectiva ofende o princípio constitucional da intransmissabilidade de responsabilidade criminal – n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa» – e não a um específico sentido ou dimensão normativa, contida no preceito indicado.

Nas alegações, contudo, o objeto de controlo é encarado numa dimensão mais limitada, com recorte de um específico âmbito subjetivo de aplicação; não se trata de sindicar norma que regula a responsabilidade de gerentes ou administradores de uma pessoa coletiva, nas várias conformações que a figura jurídica pode assumir, mas tão somente de verificar a conformidade constitucional da responsabilidade subsidiária pelo pagamento de multa por infração criminal tributária incidente sobre os associados de um ente sem personalidade jurídica, conceito a que o tribunal a quo entendeu subsumir a presente situação jurídica da arguida, enquanto «sociedade entretanto extinta, nos termos do n.º 2 do art. 160° do Código das Sociedades Comerciais» (cfr. 3.ª e 4.ª conclusões). Veicula-se, dessa forma, uma restrição do objeto normativo a sindicar – o que é admissível, uma vez que o princípio do pedido apenas se opõe a uma ampliação do recurso – com propósito de adequar a questão normativa posta obrigatoriamente a controlo à real e efetiva ratio decidendi do despacho recorrido.

Sucede, porém, que a restrição operada continua a não corresponder fielmente, nos vários elementos articulados, ao efetivo critério normativo de decisão interpretativamente criado pelo tribunal a quo, e por este tido como aplicável para dirimir o caso vertente.

Para o demonstrar, importa relevar o iter interpretativo seguido na decisão recorrida, devendo desde já ser esclarecido que sobre a propriedade ou correção do mesmo não incide o controlo deste Tribunal. Na verdade, independentemente de existirem boas razões para a «perplexidade jurídica» manifestada pelo recorrente em alegações quanto ao percurso hermenêutico seguido na decisão recorrida – singular no panorama doutrinal e jurisprudencial-, certo é que a mobilização nas circunstâncias do caso do disposto no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, e a respetiva interpretação, são pressupostos do presente recurso – um dado – cuja bondade ou acerto não incumbe a este Tribunal discutir.

Ora, confrontado com promoção de extinção da responsabilidade penal de sociedade comercial acusada e pronunciada mas não julgada e condenada com trânsito em julgado, com invocação fundamentadora do disposto no artigo 127.º do Código Penal (que, no seu n.º 2, estatui que, no caso de extinção de pessoa coletiva ou entidade equiparada, o respetivo património responde pelas multas e indemnizações em que aquela for condenada), o tribunal a quo entendeu que o RGIT comporta regulação especial, obstando à promovida extinção do procedimento criminal, impondo antes o prosseguimento para julgamento e o apuramento da responsabilidade penal tributária da sociedade extinta, a qual se deveria ter como subsistente para essa finalidade, permanecendo sujeito da relação processual penal na (nova) condição de ente sem personalidade jurídica.

Para atingir essa conclusão, o julgador articulou, como premissas, dois enunciados normativos operantes: por um lado, que a sociedade comercial se extinguiu com o encerramento da respetiva liquidação, por força do n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e, por outro, que, exaurido com a liquidação o património comum e, por consequência, inexistindo uma esfera patrimonial própria que possa responder pelo pagamento de multas ou coimas aplicadas ao ente coletivo, o n.º 5 do artigo 7.º do RGIT impõe o prosseguimento do processo criminal e faz recair sobre o património dos sócios da sociedade comercial extinta «a responsabilidade pelo cumprimento da pena que vier a ser aplicada». Assim decorre do seguinte excerto, que importa recordar:

«[O] n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de julho, na sua literalidade (não distinguindo sequer entre falta de personalidade jurídica originária e falta de personalidade jurídica superveniente) impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta, fazendo correr sobre o património comum ou sobre o património de cada associado a responsabilidade pelo cumprimento da pena que vier a ser aplicada.»

Este trecho deixa claro que a hipótese normativa sobre a qual laborou o tribunal a quo projeta unicamente o sancionamento em multa criminal, excluindo a apreciação do problema à luz da responsabilidade contraordenacional, que não foi imputada à sociedade arguida. Haverá, então, que circunscrever o critério normativo em apreço a esse âmbito de regulação – o único considerado na decisão recorrida – afastando conhecimento da conformidade constitucional de dimensão normativa, também ela contida no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, atinente à responsabilidade pelo pagamento de coima, não efetivamente desaplicada.

Temos, então, que o objeto normativo a sindicar se reconduz à interpretação normativa do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, no sentido de que impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta pelo encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais, fazendo correr sobre o património de cada associado a responsabilidade pelo cumprimento da pena de multa que vier a ser aplicada.

Do mérito do recurso
5 – A interpretação normativa em análise inscreve-se ao regime de responsabilidade das pessoas coletivas e equiparadas, contido no artigo 7.º do RGIT. A sua redação é a seguinte:

«Artigo 7.º
Responsabilidade das pessoas coletivas e equiparadas

1 – As pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infrações previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse coletivo.

2 – A responsabilidade das pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.

3 – A responsabilidade criminal das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes.

4 – A responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n.º 1 exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes.

5 – Se a multa ou coima for aplicada a uma entidade sem personalidade jurídica responde por ela o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados.»

A referida disposição acolhe a possibilidade de efetivação da responsabilidade de entes coletivos no quadro das infrações tributárias, um dos primeiros domínios criminais onde o legislador afastou o princípio societas delinquere non potest, quebra de paradigma justificada por exigências pragmáticas de política criminal. Na expressão de Figueiredo Dias, «[p]rovindo hoje as mais graves e frequentes ofensas aos valores protegidos pelo Direito Penal secundário, em muitos âmbitos, não de pessoas individuais mas coletivas, a irresponsabilidade direta destas sempre significaria um seu inexplicável tratamento privilegiado perante aquelas» (in “Para Uma Dogmática do Direito Penal Secundário, Um Contributo para a Reforma do Direito Penal Económico e Social Português", Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 116.º, 1983-1984, p. 263). Recorde-se que o Tribunal teve oportunidade de apreciar legitimidade constitucional de uma tal responsabilização, com referência à (precursora) norma do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, concluindo por juízo negativo de inconstitucionalidade (Acórdãos n.º 212/95 e 213/95). Anote-se ainda que o paulatino abandono do princípio societas delinquere non potest, sentido inicialmente no direito penal secundário, perpassa hoje o próprio direito penal primário ou clássico, sobretudo a partir da revisão do ordenamento penal operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que trouxe consigo, com a nova modelação do artigo 11.º do Código Penal, a possibilidade de efetivação da responsabilidade penal dos entes coletivos em face de um extenso catálogo de crimes, incluindo, no respetivo n.º 11, norma com enunciado similar ao que consta do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT (sobre a relação entre os preceitos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3.ª edição, Universidade Católica Ed., 2015, p. 140 [20]).

6 – Com relevo para a questão em análise, importa referir que o RGIT prosseguiu, na matéria, a solução normativa já constante do diploma que substituiu – o Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro, mormente o respetivo artigo 7.º. Todavia, ao operar a delimitação do círculo de sujeitos visados por tal responsabilização, o legislador do RGIT foi mais específico: se o sentido lato do conceito de pessoa coletiva, constante do artigo 7.º do RJIFNA, abrangia já as sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial – pois ambas se acham dotadas de personalidade jurídica – o RGIT passou a autonomizar na previsão dos n.ºs 1 e 2 do respetivo artigo 7.º, todas as sociedades, ao mesmo tempo que se equiparam às sociedades regularmente constituídas as sociedades irregulares para efeitos de responsabilidade criminal (e contraordenacional).

Cuidou-se, desse modo, de acautelar a natureza específica da personalidade tributária, que apenas depende da suscetibilidade de se ser sujeito de relações jurídicas tributárias (artigo 15.º da LGT), e que abrange igualmente múltiplos entes de facto, porquanto titulares de rendimentos tributáveis e/ou vinculadas a uma prestação tributária de qualquer tipo, mas a que o direito não reconhece, fora desse âmbito, pela sua natureza ou vicissitudes de constituição, personalidade jurídica em geral. São disso exemplo as sociedades civis não constituídas sob a forma comercial, as sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, antes do registo, as mesmas bem como outras pessoas coletivas após a declaração da sua invalidade, as associações sem personalidade jurídica (artigo 195.º do Código Civil), as comissões especiais (artigo 199º do Código Civil) e os patrimónios autónomos, como a herança jacente (cfr. Jorge de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias anotado, 3.ª edição, 2008, p. 89).

Centrando a atenção nos entes societários de índole comercial desprovidos de personalidade jurídica geral – aqueles que relevam para o presente recurso-, verifica-se que o RGIT visa especialmente as sociedades com atividade antes da celebração de escritura pública, seja com a criação de falsa aparência de que existe um contrato de sociedade, seja com a efetiva celebração de acordo de constituição, nos termos do artigo 36.º, n.ºs 1 e 2 do CSC, e as sociedades com celebração de escritura pública mas com atividade antes do registo, referidas no artigo 37.º, n.º 1 do CSC (nesse sentido, Gonçalo de Melo Bandeira, «Responsabilidade» Penal Económica e Fiscal dos Entes Coletivos – À Volta das Sociedades Comerciais e Sociedades Civis sob a Forma Comercial, Almedina, p. 351).

Em tais os casos, o ente societário, porque dotado de organização e autorreferencialidade suficientes, pese embora a não perfeição da sua constituição e/ou registo, é elevado pelo legislador a centro autónomo de imputação de normas jurídico-tributárias, incluindo normas jurídico-penais. Com efeito, nos termos do 18.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, para além das pessoas singulares ou coletivas, também os patrimónios autónomos ou as organizações de facto ou de direito que, nos termos da lei, estão vinculados ao cumprimento da prestação tributária, como contribuinte direto, substituto ou responsável, assumem a condição de sujeitos passivos tributários.

7 – Afirmada a responsabilidade criminal tributária das sociedades, independentemente da forma e regularidade da respetiva constituição, emerge, quanto aos entes societários carecidos de personalidade jurídica, o problema de saber, em caso de condenação em sanção de natureza pecuniária, qual o património onerado com a responsabilidade pelo respetivo pagamento. Na verdade, enquanto relativamente às sociedades regularmente constituídas, se encontra, nos termos gerais, assegurada a existência de um património societário, cuja gestão é autonomamente assegurada nos termos da orgânica societária, e sobre o qual incide a responsabilidade pelo passivo da pessoa coletiva, o mesmo não acontece no caso das sociedades desprovidas de personalidade jurídica. Estas, justamente por agirem à margem das formas e regimes societários legalmente previstos, revestem estruturas e modos de atuar muito diversos, podendo mesmo praticar atos de comércio ou outros tributariamente relevantes sem que sejam dotadas de um qualquer substrato patrimonial comum ou com património próprio muito reduzido e facilmente confundível com o património dos associados.

O n.º 5 do artigo 7.º do RGIT procura justamente dar resposta a esse problema. Perspetivando tais situações, estipulou o legislador que, em caso de condenação do ente por crime tributário, existindo património comum (por exemplo, nos casos, não infrequentes, em que, antes da celebração do contrato de sociedade, os associados iniciam uma atividade tendencialmente estável e duradoura), deve este responder pelo pagamento da sanção pecuniária. Já quando não exista património comum, ou se revele insuficiente para o pagamento da sanção imposta (ou da parte remanescente, após o chamamento do património comum), então a responsabilidade (e a exequibilidade em juízo) recai, solidariamente, sobre o património de cada um dos associados.

Trata-se, pois, de definir uma responsabilização dos associados pelo pagamento da multa (ou coima) em que sejam condenados os sujeitos tributários sem personalidade jurídica na eventualidade da insuficiência do património comum. Estamos, por conseguinte, em face de solução normativa tendente a acautelar a satisfação da multa ou coima imposta a entidade coletiva, obviando aos riscos de se dar uma sua incapacidade de, autonomamente, liquidar os valores devidos em sede criminal (ou contraordenacional), eximindo-se a qualquer responsabilidade que lhe seja assacada e frustrando o programa político-criminal subjacente à condenação.

Duas marcas caracterizadoras podem ser avançadas em face de um tal regime.

A primeira reside em que a responsabilidade erigida na norma em sindicância se acha dependente da incapacidade do património comum em saldar a importância devida a título penal (ou contraordenacional) e assume, nessa medida, carácter subsidiário em face da responsabilidade do próprio ente não personalizado. Como realça o Ministério Público, os associados apenas responderão – ainda que, preenchida tal hipótese, o façam solidariamente – após a aquisição processual da insuficiência ou inexistência do património comum (sem cuidar aqui de apurar qual a sede e o momento processual em que deve ter lugar a demonstração do pressuposto para a responsabilidade pessoal dos associados, de modo a que lhe sejam assegurados meios de defesa).

A segunda emana da constatação de que o chamamento à responsabilidade dos associados prescinde de qualquer ingerência ou interferência dos mesmos na vivência da entidade sem personalidade jurídica e nas tomadas de decisão referentes à definição do correspondente rumo e modo de agir, mormente de culpa na falta de pagamento ou insuficiência do património para a satisfação da sanção imposta à sociedade. Não tratamos, pois, de um mecanismo de responsabilização dos agentes incumbidos de facto da gestão da entidade coletiva. Aliás, a responsabilidade por tal atividade de administração encontra-se paralelamente viabilizada no artigo 8.º do RGIT, conquanto estejam verificados os requisitos aí plasmados.

Tanto assim é que a responsabilização delineada no artigo 7.º, n.º 5 do RGIT é imposta com carácter universal e abrange, nessa senda, todos os associados do ente não personalizado. Efetivamente, em face da situação de inadimplência, o associado é responsabilizado em função da assunção de tal condição, com absoluta independência da eventual existência de um facto próprio passível de fundar uma sua responsabilidade pessoal civil ou criminal.

8 – O enquadramento da norma em controlo que vimos de enunciar tem em atenção a situação em que o sujeito tributário acusado e condenado por infração tributária é um ente que desenvolveu relações jurídicas, mormente relações jurídicas-tributárias, enquanto entidade desprovida de personalidade jurídica geral. Não é essa, porém, como decorre do próprio enunciado da interpretação normativa desaplicada, a conformação do problema em presença no presente recurso.

Com efeito, a norma em análise pressupõe a constituição (regular) da sociedade comercial arguida, além de que não lhe foi aplicada multa criminal, relativamente à qual haja que determinar qual o património vinculado a satisfazer o respetivo pagamento, designadamente em sede executiva. E, fundamentalmente, que se operou, com a sua dissolução, tal como legalmente fixada no regime que disciplina a espécie societária, a mutação ou conversão da natureza do sujeito na pendência do processo penal, designadamente após o momento definidor do objeto do processo (acusação/pronúncia).

Na verdade, o tribunal a quo entendeu interpretar extensivamente o conceito jurídico-tributário de entidades sem personalidade jurídica, não o reconduzindo tão somente às sociedades irregulares e fiscalmente equiparadas, nele subsumindo igualmente as sociedades comerciais cuja constituição foi regular e nessa qualidade se constituíram como sujeitos das relações jurídico tributárias na base da censura penal, independentemente de extintas a partir do registo do encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais. E, por seu turno, que, por força de relação de subsidiariedade estatuída pelo legislador tributário, o facto extintivo impõe que a responsabilidade pelo pagamento da multa criminal venha a recair sobre o património de cada um dos sócios, para, de seguida, recusar a aplicação de um tal critério normativo de criação jurisprudencial por contrariar o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade criminal, acolhido no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição.

9 – Mostra-se, então, necessário equacionar os regimes de constituição, dissolução e liquidação das sociedades comerciais, na vertente da responsabilização do património dos sócios.

A constituição de uma sociedade tem no seu cerne a criação de uma estrutura coletiva dotada de autonomia e que vai atuar como sujeito de direitos e deveres próprios e centro próprio de imputação de normas jurídicas, dispondo de património próprio que responde, preferencial ou mesmo exclusivamente, pelas suas dívidas.

Como refere o artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades “gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem". É, pois, a aquisição da personalidade jurídica que permite afirmar a autonomia a interceder entre a sociedade e os correspondentes sócios. O referido registo obriga, nesta senda e como refere Coutinho de Abreu (in Curso de Direito Comercial, Volume II – Das Sociedades, Almedina, 2002, página 165), a que:

«Enquanto unitários sujeitos de direitos e deveres, elas têm nome (firma ou denominação), sede, autonomia patrimonial (os elementos patrimoniais ativos das pessoas coletivas respondem apenas pelas dívidas delas, apenas eles respondendo em certos casos – autonomia patrimonial perfeita –, respondendo também o património dos respetivos membros em outros casos – autonomia patrimonial imperfeita), órgãos, capacidade de gozo e de exercício de direitos; são as sociedades-pessoas as titulares dos correspondentes patrimónios sociais, não os sócios, titulares, isso sim, de «participações sociais», geneticamente ligadas a «entradas» em sociedade que se resolvem em transmissões e aquisições.»

A possibilidade de responsabilização subsidiária dos sócios em face do passivo social encontra-se prevista para as sociedades em nome coletivo e para os sócios comanditados nas sociedades em comandita (artigos 175.º, n.º 1 e 465.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais). Assim não é, no entanto, no que respeita às sociedades por quotas – salvo previsão no estatuto social (artigo 198.º do Código das Sociedades Comerciais) –, às sociedades anónimas e às sociedades em comandita quanto aos sócios comanditários. Efetivamente, nestas últimas estruturas será unicamente a sociedade a responder pelas dívidas sociais (artigo 197.º, n.º 3, 271.º e 465.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais).

Por seu turno, o regime de dissolução e liquidação das sociedades, constante nos seus traços fundamentais dos artigos 141.º a 165.º do Código das Sociedades Comerciais e do Regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais (RPAD), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.º 8/2007, de 17 de janeiro, 318/2007, de 26 de setembro, 90/2011, de 25 de junho, 209/2012, de 19 de setembro, e 250/2012, de 23 de novembro, estatui que, verificada causa de dissolução do ente (seja causa de dissolução imediata, por decurso de prazo fixado nos estatutos, deliberação dos sócios, realização completa do objeto social, declaração de insolvência, ou outro facto previsto nos estatutos, seja causa de dissolução administrativa, seja causa de dissolução oficiosa), se inicia de imediato a liquidação (artigo 146.º, n.º 1, do CSC), que culmina com a morte e desaparecimento do ente societário, uma vez registado o respetivo encerramento (artigo 160.º, n.º 2, do CSC).

Durante a fase de liquidação, destinada ao apuramento da situação patrimonial da sociedade (o que implica a realização do ativo patrimonial, a satisfação do passivo e a determinação do destino do respetivo saldo líquido), esta mantém a personalidade jurídica e, salvo disposição em contrário, continua sujeita ao regime que rege as sociedades não dissolvidas (artigo 146.º, n.º 2, do CSC), manifestando nos respetivos atos a sua nova condição, através do aditamento à firma da sociedade da menção «sociedade em liquidação» ou «em liquidação» (artigo 146.º, n.º 3, do CSC). A liquidação dos bens da sociedade pode seguir diversas modalidades (partilha imediata, transmissão global, liquidação extrajudicial, liquidação administrativa e liquidação judicial), a cargo de liquidatário(s). Deve notar-se que caso nenhum ativo haja a partilhar, as operações de dissolução e liquidação podem ter lugar no mesmo momento, sendo o registo pedido globalmente para a dissolução e para a liquidação, procedimento que se encontra facilitado no âmbito da «extinção da empresa na hora» (artigos 27.º a 30.º do RPAD, verificados os respetivos pressupostos (deliberação unânime nesse sentido tomada em assembleia geral por todos os membros da entidade comercial e declaração, expressa na respetiva ata, da não existência de ativo ou passivo a liquidar).

10 – Decorre do exposto que a interpretação normativa em análise, para além do afastamento do disposto no n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal, se coloca à margem do figurino de autonomia patrimonial da espécie societária em presença e respetivo regime de responsabilidade dos associados. Na verdade, a responsabilização, mesmo que subsidiária, dos sócios pelo pagamento dos valores incorporados nas penas de multa significa, naturalmente, que os mesmos são chamados a assumir uma precisa categoria de responsabilidades societárias. O que sucederá como simples decorrência da declaração de uma sociedade como extinta em resultado do registo de encerramento da liquidação e com total independência da sua contribuição para o facto criminoso da sociedade ou da existência de uma conduta própria, posterior e autónoma, dirigida à frustração do património comum.

Atente-se, ademais, que a mobilização do artigo 7.º, n.º 5 do RGIT em face de sociedades declaradas extintas significa que aquela responsabilização se dá em face de indivíduos que, nos termos da estrutura organizativa das pessoas coletivas, podem ser alheios aos seus órgãos de gestão e representação. Referia já Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, Coimbra Editora, 10.ª Edição, 1973, página 204) que o órgão de pessoa coletiva “consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objetivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa coletiva". E os poderes de vinculação das sociedades são, nesta vertente, monopolizados pelos órgãos com funções de administração a traduzirem-se na gerência nas sociedades por quotas, nas sociedades em nome coletivo e nas sociedades em comandita e no conselho de administração nas sociedades anónimas. Isto quando a convergência entre a qualidade de sócios e a de gerente apenas se apresenta regime regra nas sociedades em nome coletivo (artigo 191.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais) e nas sociedades em comandita (artigos 470.º, n.º 1, 474.º e 478.º do Código das Sociedades Comerciais). Já quanto às sociedades por quotas e sociedades anónimas, temos que qualquer pessoa singular com capacidade jurídica plena poderá integrar o correspondente órgão de administração independentemente de ostentar a qualidade de sócio.

Temos, pois, que a norma cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo acaba por comportar supressão do paradigma de autonomia societária mesmo em face das pessoas coletivas que se caracterizam, primacialmente, por essa nota de diferenciação clara entre patrimónios e esferas decisórias.

11 – Por outro lado, um tal padrão de imputação não é suscetível de equiparação ao normal círculo de sujeitos tributários desprovidos de personalidade judiciária geral, os quais, importa recordar, se reconduzem às sociedades civis não constituídas sob a forma comercial, às sociedades comerciais ou civis sob forma comercial antes do registo, às mesmas bem como outras pessoas coletivas após a declaração da sua invalidade, às associações sem personalidade jurídica referidas no artigo 195.º do Código Civil, às comissões especiais mencionadas no artigo 199.º do mesmo Código e aos patrimónios autónomos, como a herança jacente.

Para tais entidades, que se assumem como potenciais sujeitos de relações tributárias ao ponto de ser de lhes reconhecer a personalidade prevista no artigo 15.º da Lei Geral Tributária, e contrariamente ao que sucede nas sociedades de responsabilidade limitada, tratamos primacialmente de entes onde os associados já podem ser chamados a responder, a título solidário ou subsidiário, pelas dívidas sociais (artigo 36.º do Código das Sociedades Comerciais para as relações a interceder previamente à celebração do contrato de sociedade; artigo 38.º do Código das Sociedades Comerciais, para as sociedades em nome coletivo antes do registo; artigo 39.º do Código das Sociedades Comerciais, para as sociedades em comandita simples antes do registo; artigo 40.º do Código das Sociedades Comerciais, para as sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações antes do registo; artigo 52.º do Código das Sociedades Comerciais, para as sociedades comerciais após a declaração de invalidade; artigo 997.º do Código Civil, para as sociedades civis não constituídas sob a forma comercial; artigo 198.º do Código Civil, para as associações sem personalidade jurídica; e artigo 200.º do Código Civil, para as comissões especiais).

É certo que tal responsabilização apenas se acha incondicionalmente prevista para os membros das comissões especiais (artigo 200.º do Código Civil) e das sociedades civis não constituídas sob a forma comercial (artigo 997.º do Código Civil). Efetivamente, a responsabilização prevista para os sócios/associados dos demais entes supra referidos encontra-se já dependente da circunstância de os mesmos terem assumido uma qualquer intervenção no negócio ou ato que funda esse mesma obrigação, seja «dando o seu acordo» (artigo 38.º, n.º 1 e 39.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais), «autorizando-o» (artigo 38.º, n.º 2, 39.º, n.º 3 e 40.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais), «consentindo no começo das atividades sociais» (artigo 39.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais) ou «contraindo a obrigação» (artigo 198.º, n.º 1 do Código Civil). Sucede que os poderes de administração destas entidades não personalizadas competirão, em regra, aos próprios associados ou, pelo menos, serão exercidos nos moldes a estabelecer entre estes (artigo 195.º do Código Civil, para as associações sem personalidade jurídica; artigo 985.º do Código Civil, para as sociedades civis não constituídas sob a forma comercial; artigo 2047.º do Código Civil, para a herança jacente; e artigos 38.º, 39.º e 40.º do Código das Sociedades Comerciais, no que se refere às sociedades antes do registo, que atuam no pressuposto já anteriormente erigido no n.º 2 do artigo 36.º do mesmo diploma no sentido de «os sócios iniciarem a atividade da sociedade previamente ao registo»).

Assim, o programa normativo subjacente ao n.º 5 do artigo 7.º do RGIT acha-se delineado em função de entes cuja gestão se acha tradicionalmente encabeçada pelos próprios associados. Entidades em que, no arquétipo inerente ao seu funcionamento, um normal associado tenderá a assumir algum tipo de contribuição ou ingerência nos atos mais relevantes da vida da pessoa coletiva, designadamente na perca da desejável incolumidade do património próprio a ser mobilizado para liquidar a mesma sanção.

Esta circunstância não deve, todavia, fazer olvidar que a universalidade do artigo 7.º, n.º 5 do RGIT, já supra enfatizada, poderá ainda conduzir à responsabilização de outros associados do ente sem personalidade jurídica. Na verdade, porque a hipótese de incidência de tal preceito se acha apenas dependente da assunção da qualidade de associado e da insuficiência do património comum, temos que estes serão chamados a responder pela pena de multa ainda que se achem totalmente alheios à atividade desenvolvida pelo ente não personalizado ou pela dissipação daquele mesmo património. O que, sem aquele preceito, apenas poderia ocorrer, nos termos gerais, por reporte aos membros das comissões especiais e das sociedades civis não constituídas sob a forma comercial.

Ora, os meros sócios da sociedade comercial declarada extinta não foram, no período em que a mesma subsistiu no ordenamento jurídico, chamados a administrar, enquanto tal, os destinos desta pessoa coletiva: essa posição incumbiu a quem assumiu poderes de gestão. E, desse modo, assumiram a posição de sócios sob a convicção de que não seriam, identicamente, chamados a responder pelas dívidas sociais. Efetivamente, as regras que definem o modelo de responsabilização e governação das sociedades de responsabilidade limitada não viabilizariam, à partida, que os correspondentes sócios pudessem ser responsabilizados, ainda que subsidiariamente, pelo passivo da pessoa coletiva. Isto mesmo no âmbito da dissolução e liquidação, pois o respetivo regime incorpora a disciplina da responsabilidade dos sócios perante os credores própria de cada tipo societário.

12 – Feito este percurso – indispensável para determinar qual a natureza e os efeitos substantivos da responsabilidade comportada na norma em análise, independentemente da qualificação formal que o legislador ou o tribunal recorrido lhe atribua, pois dela depende a resposta à questão jurídico-constitucional-, cabe agora apurar se a dimensão normativa desaplicada infringe, como ajuizado pelo tribunal a quo, o parâmetro de constitucionalidade contido no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição, ao estabelecer que «a responsabilidade penal é insuscetível de transmissão».

Reconhecidamente, a norma constitucional consagra uma das refrações do princípio da pessoalidade das penas, o qual, como sublinhado pela jurisprudência e pela doutrina, implica «a) extinção da pena e do procedimento criminal com a morte do agente; b) proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros; c) impossibilidade de sub-rogação no cumprimento das penas» (Acórdão n.º 337/03 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1993, página 197).

Vimos já que o critério normativo recusado pelo Tribunal a quo conduz a uma irrestrita responsabilização dos sócios de sociedade declarada extinta pela pena de multa decorrente da prática de ilícito penal tributário. Isto ainda que tal sócio não assuma, a priori, qualquer intromissão na definição da vida societária. E mesmo que não seja perspetivado pelo ordenamento jurídico como tendo contribuído para o cometimento do crime por não ostentar, paralelamente, qualquer culpa ou concorrência no cometimento dos factos subjacentes à infração.

Como, igualmente, dispensa a verificação de uma sua qualquer atuação concorrente para uma diminuição culposa do património social e que vá ao ponto de inviabilizar o pagamento da multa ou um comportamento preordenado ao não cumprimento de tal responsabilidade por parte da pessoa coletiva. Não há, assim, um qualquer pressuposto autónomo ou exigência de juízo diferenciado que permita concluir estarmos apenas em face de uma pura responsabilização pela não satisfação culposa do montante da multa.

Tal significa que a responsabilidade subsidiária estatuída pelo legislador tributário na interpretação normativa sindicada se opera com total abstração da eventual responsabilidade pessoal do associado e sem que sobre este recaia um juízo autónomo de responsabilização, orientado por critérios de decisão próprios (distintos dos que regulam a responsabilidade penal) e radicado na censura específica do desrespeito de deveres fiduciários daquele para com o património comum e a satisfação de interesses públicos.

13 – Perante tais dados normativos, o tribunal a quo considerou que se estava perante uma transmissão da responsabilidade penal para terceiros, impondo o mesmo juízo de inconstitucionalidade que recaiu sobre o sentido normativo fiscalizado no Acórdão n.º 171/2014, para cuja doutrina remeteu.

No referido aresto, proferido pelo Plenário no âmbito da via processual de generalização de juízos de inconstitucionalidade prevista no artigo 82.º da LTC, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 8.º, n.º 7, do RGIT, “na parte que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática da infração pelas multas aplicadas à sociedade", com fundamento em violação do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição.

O Tribunal começou por sublinhar que, ao contrário de outras normas a estatuir a responsabilidade subsidiária de administradores, gerentes ou outras pessoas com função de administração pelo pagamento de multas ou coimas a pessoas coletivas em processo penal, nas quais a responsabilidade se fundava em facto autónomo da infração (Acórdãos n.º 437/2011, 561/2011 e 249/2012), na norma então em apreço, o gerente se encontrava sujeito a uma responsabilidade solidária pela multa aplicada à pessoa coletiva, responsabilidade derivada da mesma atuação dolosa que podia determinar a sua própria condenação a título pessoal. Assente o pressuposto de que não estavam em causa quaisquer factos, anteriores ou posteriores à aplicação da sanção que tenham colocado a pessoa coletiva na impossibilidade de pagamento, considerou-se que a obrigação solidária imposta no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, independentemente da qualificação formal que lhe seja atribuída, consubstanciava verdadeiramente uma consequência jurídica do ilícito penal que fora diretamente imputado à pessoa coletiva e, nessa medida, integrava uma transmissão de pena, com o sentido definido pelo artigo 30.º, n.º 3, da Constituição. Diz-se no referido aresto:

«(…) [A] imposição de uma responsabilidade solidária a terceiro para pagamento de multas aplicadas à pessoa coletiva, independentemente de ele poder ser corresponsabilizado como coautor ou cúmplice na prática da infração – tal como admite o n.º 7 do artigo 8º-, configura uma situação de transmissão da responsabilidade penal, na medida em que é o obrigado solidário que passa a responder pelo cumprimento integral da sanção que respeita a uma outra pessoa jurídica, implicando a violação do princípio da pessoalidade das penas consignado no artigo 30º, n.º 3, da Constituição.
O princípio da responsabilidade criminal das pessoas coletivas, que começou por ser admitido em certas áreas delimitadas da criminalidade (direito criminal da economia, da saúde, da informática ou das infrações tributárias), foi consagrado como regra, relativamente a certo tipo de crimes, no direito penal de justiça, através da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, com base num critério de imputação assente numa atuação em nome e no interesse da pessoa coletiva e que não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes (artigo 11º, n.º 2 e 7, do Código Penal). Não se trata, por isso, de uma responsabilidade por facto de outrem, mas antes de uma verdadeira responsabilidade autónoma e distinta da responsabilidade que possa ser imputada a pessoas físicas que compõem a pessoa coletiva e que pressupõe que estas entidades possam constituir objeto de censura ético-penal (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 81). E nesse sentido, a multa aplicada a pessoa coletiva em processo penal não perde o caráter de pena criminal e o seu efeito de natureza pessoalíssima, com a consequente sujeição ao princípio consagrado naquele artigo 30º, n.º 3, da Lei Fundamental (quanto à não inconstitucionalidade da criminalização das pessoas coletivas, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 213/95).
Como refrações do princípio da pessoalidade das penas aponta-se a extinção da pena e do procedimento criminal com a morte do agente, a proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros e a impossibilidade de subrogação no cumprimento das penas (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 504). Por outro lado, com o princípio da pessoalidade das penas não se pretende afirmar que os efeitos das penas não possam refletir-se desfavoravelmente em relação a terceiros mas tão-só que o seu efeito direto e imediato se deve limitar à pessoa do delinquente, de forma a que, se a lei comina a aplicação de uma pena de multa para uma certa infração, somente aquele que a praticou a deve sofrer ou pagar (JOÃO CASTRO E SOUSA, As Pessoas Coletivas em face do Direito Criminal e do chamado Direito de Mera Ordenação, Coimbra, 1985, pág. 118). Proíbe-se, em suma, que a pena recaia sobre uma pessoa diferente da que praticou o facto que lhe serve de fundamento (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 337/2003).
Estamos perante uma transmissão de pena com o sentido definido pelo artigo 30º, n.º 3, da Constituição, quando se verifica a imputação de responsabilidade a uma certa categoria de sujeitos para suprir a inoperatividade prática da responsabilidade penal que recai sobre a pessoa coletiva.
A responsabilidade solidária do administrador ou gerente pressupõe que, em momento anterior, tenha sido estabelecida a responsabilidade penal da pessoa coletiva, com a aplicação de uma multa. A determinação em concreto da medida da pena, no correspondente processo penal, tem por base fatores exclusivamente atinentes à pessoa coletiva enquanto autora da infração, e à qual são estranhas quaisquer circunstâncias que digam pessoalmente respeito ao responsável solidário, como o grau de culpa ou a sua situação económica.
Certo é que constitui condição da responsabilidade solidária, nos termos do n.º 7 do artigo 8º do RGIT, a comparticipação do gerente na prática da infração tributária, mas essa relação de causalidade, podendo originar uma responsabilidade pessoal, não tem qualquer interferência na fixação da multa aplicável à pessoa coletiva. A responsabilidade solidária opera independentemente da responsabilidade pessoal do condevedor e quer a este seja ou não imputada, a título individual, a mesma infração.
A norma prevê, por conseguinte, não já uma mera responsabilidade ressarcitória de natureza civil, mas uma responsabilidade sancionatória por efeito da extensão ao agente da responsabilidade penal da pessoa coletiva.
Poderá dizer-se que a comunicação ao administrador ou gerente da multa aplicada à pessoa coletiva pela prática da infração corresponde a um mecanismo de garantia de pagamento do quantitativo monetário da multa, que não encerra uma censura penal, nem impede o ulterior exercício do direito de regresso contra a sociedade, nem tem para o responsável solidário outras consequências de natureza estritamente penal (cfr., neste sentido, o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 8 de janeiro de 2014).
O ponto é que nenhuma destas considerações, a manterem validade, descaracteriza o aspeto central do regime sancionatório instituído pelo n.º 7 do artigo 8º do RGIT. O que importa reter é que a pessoa coletiva exime-se ao cumprimento da pena através da transferência do dever de pagar a multa para o devedor solidário e o Estado exonera-se, por essa via, do exercício do jus puniendi de que é titular. O que consubstancia objetivamente uma transmissão de pena e põe em causa a indisponibilidade dos interesses que as reações criminais visam tutelar.»

Efetivamente, entre o sentido normativo desaplicado nos presentes autos e aquele apreciado no Acórdão n.º 171/2014 denotam-se claros pontos de aproximação, na ótica do parâmetro em equação, conduzindo a idêntico juízo de censura constitucional.

O sentido normativo em apreço comporta uma imputação de responsabilidade assente no próprio facto típico que é caracterizado com infração penal tributária, agora dirigida a todos os associados de sociedade comercial extinta com o encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do CSC, mecanismo votado apenas a obviar os riscos de incapacidade do pagamento de multa. Trata-se, por conseguinte, e tal como acontecia com o n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, de regime legal votado apenas, ou primacialmente, à salvaguarda do programa punitivo, por meio da incidência sobre pessoa ou pessoas diferentes do agente as consequências jurídicas de natureza pecuniária decorrentes do facto típico. E, nessa senda, o legislador prescinde de qualquer exigência dirigida aos associados, a acrescer a essa simples condição, dispensando a averiguação e demonstração de uma qualquer ingerência ou interferência dos mesmos no trato comercial e tributário da sociedade, convivendo mesmo com o respetivo alheamento total das decisões que definam e moldem a vontade da pessoa coletiva condenada. Do que se trata é, assim, e também aqui, de uma extensão da responsabilidade penal do ente coletivo aos associados.

Não colhem as objeções do recorrente, que defende a distinção entre as dimensões apreciadas no âmbito do Acórdão n.º 171/2014 e nos presentes autos, em função da natureza subsidiária da responsabilidade do património dos associados (e não solidária, como era acolhida no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT, entretanto revogado) e da inexistência de uma entidade coletiva, revestida de uma esfera jurídica própria, a quem pudesse ser imputada uma verdadeira responsabilidade autónoma.

Sendo certo que a responsabilidade dos associados acolhida no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT se exerce subsidariamente ao chamamento do substrato patrimonial comum da entidade coletiva, pressupondo a verificação da inexistência ou a insuficiência deste para satisfazer o pagamento da sanção penal, não é menos certo que o critério normativo de decisão obtido por mediação interpretativa e em questão no presente recurso não comporta a concorrência de patrimónios autonomamente imputáveis, pressuposta na responsabilidade subsidiária. Na verdade, o sentido normativo em apreço não se reporta a todo o tipo responsabilidade decorrente da atividade de uma sociedade comercial mas, especificamente, à responsabilidade pelo pagamento de multa criminal imposta a sociedade extinta pelo registo do encerramento da liquidação, como estipulado no n.º 2 do artigo 160.º do CSC; o que comporta, como se viu supra (cfr. ponto 11), a finalização de um processo dirigido à realização e destinação de todos os haveres sociais, nada restando. A (eventual) pena de multa imposta a uma sociedade extinta nessas condições – possibilidade aceite e perspetivada pelo tribunal a quo, recorde-se – constitui, na realidade das coisas, a condenação de uma concha vazia, cujas consequências jurídicas irão recair, inexoravelmente, sobre o património dos associados.

E, o que se mostra decisivo para a resposta à questão sub juditio, tais consequências de índole patrimonial prescindem de uma qualquer culpa em matéria de gestão da sociedade, pois as realidades postas em relevo pelo Ministério Público não acrescentam qualquer requisito adicional que possa subjazer à responsabilização dos associados para além da simples assunção de tal qualidade. Não se perfila, como emana do n.º 1 do artigo 8.º do RGIT uma complementar responsabilidade subsidiária daqueles que exerçam funções de gestão ou administração da entidade sem personalidade jurídica, conquanto lhes seja subjetivamente imputável a falta de pagamento da pena de multa.

Por assim ser, temos que o regime de responsabilização inscrito na dimensão normativa aproveita essa mesma qualidade de sócio para impor a terceiro a responsabilidade penal exigida à pessoa coletiva. O que envolve, necessariamente, uma transmissão da responsabilidade penal, em infração do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição.

Cumpre, pois, proferir juízo positivo de inconstitucionalidade e, em consequência, negar provimento ao recurso.

III. DECISÃO

13 – Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, a interpretação normativa do n.º 5 do artigo 7.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, no sentido de que impõe o prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta pelo encerramento da respetiva liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais, fazendo correr sobre o património de cada associado a responsabilidade pelo cumprimento da pena de multa que vier a ser aplicada;
e, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Notifique.