Diploma

Diário da República n.º 164, Série I de 2015-08-24
Lei n.º 102/2015, de 24 de agosto

Regime jurídico do financiamento colaborativo (crowdfunding)

Emissor
Assembleia da República
Tipo: Lei
Páginas: 0/0
Número: 102/2015
Publicação: 8 de Setembro, 2015
Disponibilização: 24 de Agosto, 2015
Regime jurídico do financiamento colaborativo

Diploma

Regime jurídico do financiamento colaborativo

Lei n.º 102/2015, de 24 de agosto

Regime jurídico do financiamento colaborativo

A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei define o regime jurídico do financiamento colaborativo.

Artigo 2.º
Financiamento colaborativo

O financiamento colaborativo é o tipo de financiamento de entidades, ou das suas atividades e projetos, através do seu registo em plataformas eletrónicas acessíveis através da Internet, a partir das quais procedem à angariação de parcelas de investimento provenientes de um ou vários investidores individuais.

Artigo 3.º
Modalidades de financiamento colaborativo

São modalidades de financiamento colaborativo:

a) O financiamento colaborativo através de donativo, pelo qual a entidade financiada recebe um donativo, com ou sem a entrega de uma contrapartida não pecuniária;
b) O financiamento colaborativo com recompensa, pelo qual a entidade financiada fica obrigada à prestação do produto ou serviço financiado, em contrapartida pelo financiamento obtido;
c) O financiamento colaborativo de capital, pelo qual a entidade financiada remunera o financiamento obtido através de uma participação no respetivo capital social, distribuição de dividendos ou partilha de lucros;
d) O financiamento colaborativo por empréstimo, através do qual a entidade financiada remunera o financiamento obtido através do pagamento de juros fixados no momento da angariação.

CAPÍTULO II
Disposições comuns

Artigo 4.º
Titularidade e registo

1 – Podem ser titulares de plataformas de financiamento colaborativo quaisquer pessoas coletivas ou estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.

2 – As plataformas que prosseguem mais do que uma modalidade de financiamento colaborativo ficam vinculadas aos requisitos específicos aplicáveis a cada modalidade.

Artigo 5.º
Deveres das plataformas de financiamento colaborativo

1 – Constituem deveres das entidades gestoras das plataformas eletrónicas:
a) Assegurar aos investidores o acesso a informação relativa aos produtos colocados através dos respetivos sítios ou portais na Internet;
b) Assegurar a confidencialidade da informação que receberem dos investidores, bem como da informação recebida dos beneficiários do investimento que não seja de divulgação pública no quadro dos deveres de informação decorrentes da presente lei;
c) Assegurar o cumprimento das normas da presente lei e da demais regulamentação aplicável quanto à prevenção de conflitos de interesses, nomeadamente no que respeita à proibição dos seus corpos dirigentes e trabalhadores poderem ter interesses financeiros nas ofertas por si disponibilizadas.

2 – As plataformas de financiamento colaborativo não podem:
a) Fornecer aconselhamento ou recomendações quanto aos investimentos a realizar através dos respetivos sítios ou portais na Internet;
b) Compensar os seus dirigentes ou trabalhadores pela oferta ou volume de vendas de produtos disponibilizados ou referências nos respetivos portais;
c) Gerir fundos de investimento ou deter valores mobiliários.

Artigo 6.º
Adesão a uma plataforma

1 – A adesão de um beneficiário de financiamento a uma determinada plataforma de financiamento colaborativo é realizada por contrato reduzido a escrito e disponível de forma desmaterializada através da plataforma, do qual deve constar a identificação das partes, as modalidades de financiamento colaborativo a utilizar, a identificação do projeto ou atividade a financiar e o montante e prazo da angariação, bem como os instrumentos financeiros a utilizar para proceder à angariação.

2 – O incumprimento das condições estipuladas quanto aos elementos essenciais da oferta, referidas no número anterior, constitui fundamento para a resolução do contrato por qualquer das partes, sem prejuízo da responsabilidade da parte que deu origem à cessação da relação perante terceiros investidores de boa-fé.

Artigo 7.º
Beneficiários das plataformas de financiamento colaborativo

1 – Podem recorrer às plataformas de financiamento colaborativo quaisquer pessoas singulares ou coletivas, nacionais ou estrangeiras, interessadas na angariação de fundos para as suas atividades ou projetos através desta modalidade de financiamento.

2 – Os beneficiários do financiamento colaborativo devem comunicar e manter atualizada junto das plataformas com as quais estabelecem uma relação contratual, para efeitos de transmissão de informação aos potenciais investidores, a sua identificação, natureza jurídica, contactos, sede ou domicílio, bem como a identidade dos seus titulares de órgãos de gestão, quando aplicável.

Artigo 8.º
Conhecimento das condições

Os investidores devem declarar, no ato de subscrição, que compreendem as condições do negócio, nomeadamente quanto ao risco associado ao investimento e as relações que estabelecem com a plataforma de financiamento colaborativo e com os beneficiários do investimento.

Artigo 9.º
Alteração das condições de oferta

1 – Caso os montantes indicados não sejam angariados nos prazos definidos, consideram-se sem efeito os negócios entretanto celebrados, devendo os beneficiários do investimento proceder à devolução dos montantes que tiverem recebido nos casos em que essa transferência já tenha ocorrido, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 – Se a oferta previr expressamente a possibilidade de alteração dos montantes e dos prazos, e esse facto tiver sido comunicado inicialmente aos investidores, as plataformas devem notificar todos os investidores da alteração superveniente das condições de subscrição, identificando, consoante os casos, qual o novo prazo de subscrição ou qual o novo montante máximo a angariar.

3 – Apenas é permitida uma prorrogação de prazo ou alteração de montante por cada oferta.

4 – Em caso de alterações à oferta deve ser determinado um prazo para o cancelamento das subscrições já efetuadas.

Artigo 10.º
Direito aplicável à relação jurídica subjacente

1 – Aplicam-se plenamente às relações jurídicas subjacentes ao financiamento colaborativo, em particular na relação estabelecida entre os beneficiários do financiamento e os investidores, os regimes correspondentes aos tipos contratuais celebrados com recurso às plataformas de financiamento colaborativo, nomeadamente a doação, compra e venda, prestação de serviços, emissão e transação de valores mobiliários e mútuo, bem como as disposições sobre proteção da propriedade intelectual, quando relevantes.

2 – O financiamento colaborativo por empréstimo apenas pode implicar a emissão de instrumentos financeiros se exercido por intermediário financeiro, nos termos da legislação aplicável ao mercado de instrumentos financeiros.

3 – O disposto no presente artigo não prejudica o exercício da atividade de supervisão própria do Banco de Portugal e de outros reguladores, sempre que a atividade desenvolvida pelas partes determinar a aplicação dos regimes jurídicos de supervisão e regulação respetivos.

Artigo 11.º
Prevenção de conflitos de interesses

1 – As plataformas devem organizar-se por forma a identificar possíveis conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência, não podendo os seus titulares, dirigentes, trabalhadores ou outros prestadores de serviços com intervenção direta na atividade de financiamento colaborativo possuir interesses contrapostos aos beneficiários ou investidores.

2 – Em situação de conflito de interesses, as plataformas devem atuar por forma a assegurar aos investidores e aos beneficiários um tratamento transparente e equitativo.

CAPÍTULO III
Condições do financiamento colaborativo

SECÇÃO I
Financiamento colaborativo de donativo ou recompensa

Artigo 12.º
Titularidade e registo

1 – As plataformas de financiamento colaborativo através de donativo ou recompensa devem comunicar previamente o início da sua atividade à Direção-Geral do Consumidor.

2 – O procedimento de comunicação prévia realiza-se por via desmaterializada, não importando o pagamento de taxas administrativas, e é definido em portaria do membro do Governo responsável pela área da defesa do consumidor, que deve identificar os elementos a comunicar e aprovar os modelos simplificados de transmissão pela Internet.

Artigo 13.º
Características da oferta

1 – Cada oferta disponibilizada através das plataformas de financiamento colaborativo de donativo ou recompensa está sujeita a um limite máximo de angariação que não pode exceder 10 (dez) vezes o valor global da atividade a financiar.

2 – Cada oferta apenas pode ser disponibilizada numa única plataforma de financiamento colaborativo.

Artigo 14.º
Informações quanto à oferta

1 – Os beneficiários do financiamento colaborativo devem comunicar às plataformas, para informação aos investidores, em relação a cada oferta:
a) A descrição da atividade ou produto a financiar, e os fins do financiamento a angariar;
b) O montante e o prazo para a angariação;
c) O preço dos valores de cada unidade a subscrever ou a forma de determinação desse preço.

2 – A informação prestada aos investidores deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, permitindo aos seus destinatários formar juízos fundados sobre a oferta e sobre o beneficiário do investimento.

SECÇÃO II
Financiamento colaborativo de capital ou empréstimo

Artigo 15.º
Titularidade e registo

1 – O acesso à atividade de intermediação de financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo é realizado mediante registo prévio das entidades gestoras das plataformas eletrónicas junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), sendo esta entidade responsável pela regulação e supervisão da sua atividade.

2 – O registo na CMVM tem como função assegurar o controlo dos requisitos para o exercício da atividade pelas plataformas de financiamento colaborativo e permitir a organização da supervisão, bem como assegurar o controlo da idoneidade da gestão dos operadores da plataforma.

3 – O procedimento de registo é definido em regulamento pela CMVM, que deve identificar os requisitos de acesso e causas de indeferimento, assentes, nomeadamente, na demonstração da idoneidade dos titulares das plataformas, prazos, regime de suspensão e cancelamento do registo e demais formalidades, devendo privilegiar a transmissão eletrónica de dados.

Artigo 16.º
Deveres das plataformas

Constituem deveres das entidades gestoras das plataformas eletrónicas:

a) Adotar as medidas necessárias à prevenção de situações de fraude, nos termos previstos na presente lei e definidos pela regulamentação aprovada pela CMVM;
b) Cumprir os demais deveres de informação, organização e conduta decorrentes da regulamentação aprovada pela CMVM.

Artigo 17.º
Obrigações de informação

1 – Os beneficiários do financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo devem ainda comunicar às plataformas, para efeitos de informação aos investidores e à CMVM:
a) Toda a informação financeira relevante sobre a entidade beneficiária, sobre o cumprimento das respetivas obrigações fiscais e contributivas e sobre a respetiva estrutura de capital;
b) Toda a informação relevante sobre os projetos a financiar, incluindo os riscos associados, adequada e proporcional ao montante de financiamento a angariar, de forma a assegurar o caráter informado da opção de investimento.

2 – Os beneficiários do financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo devem ainda remeter anualmente à CMVM e às plataformas com as quais mantêm uma relação no quadro da presente lei, de forma a estarem disponíveis para consulta junto dos investidores, os respetivos relatórios de atividade.

3 – A CMVM pode determinar por regulamento outros elementos a transmitir para os efeitos previstos nos números anteriores.

Artigo 18.º
Características da oferta

1 – Cada oferta disponibilizada através das plataformas de financiamento colaborativo está sujeita a um limite máximo de angariação, que não tem de corresponder ao valor global da atividade a financiar.

2 – A CMVM define, por regulamento, o limite máximo referido no número anterior em relação ao financiamento colaborativo de capital e por empréstimo.

3 – Cada oferta apenas pode ser disponibilizada numa única plataforma de financiamento colaborativo.

Artigo 19.º
Informações quanto à oferta

1 – Os beneficiários do financiamento colaborativo devem comunicar às plataformas, para informação aos investidores, em relação a cada oferta, em termos padronizados a definir por regulamento da CMVM:
a) A descrição da atividade ou produto a financiar, e os fins do financiamento a angariar;
b) O montante e o prazo para a angariação;
c) O preço dos valores de cada unidade a subscrever ou a forma de determinação desse preço;
d) Outros elementos definidos em regulamento da CMVM em relação ao financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo.

2 – A CMVM define por regulamento a extensão da informação a prestar ao abrigo da alínea b) do n.º 1, devendo atender ao montante a angariar na definição dos elementos a solicitar aos beneficiários do financiamento colaborativo.

3 – A informação prestada aos investidores, pelo beneficiário do financiamento colaborativo, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, permitindo aos seus destinatários formar juízos fundados sobre a oferta e sobre o beneficiário do investimento.

Artigo 20.º
Limites ao investimento

1 – Os investidores estão sujeitos a um limite máximo de investimento anual em produtos adquiridos no quadro do financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo.

2 – A CMVM define, por regulamento, quais os limites máximos de investimento referidos no número anterior, de forma a assegurar:
a) A existência de um limite máximo anual por investidor, em relação a cada oferta;
b) A existência de um limite máximo global anual por investidor, em relação ao total de ofertas subscritas.

3 – A definição dos limites pela CMVM assenta na fixação de valores limite diferenciados em função do rendimento anual dos investidores, podendo ainda definir limites de investimento diferenciados em função do perfil dos investidores, atendendo, nomeadamente, à sua experiência e qualificação.

4 – Para efeitos do cumprimento do limite referido no n.º 3, cada investidor deve declarar, no ato de subscrição, qual o montante global já investido na aquisição de produtos financeiros através da oferta em plataformas de financiamento colaborativo, bem como do seu escalão de rendimento.

5 – Os termos da realização do investimento, nomeadamente no que respeita ao registo das transferências e às relações com instituições bancárias, são objeto de regulamentação pela CMVM.

Artigo 21.º
Regime para o financiamento de capital ou por empréstimo

1 – As plataformas de financiamento colaborativo que pratiquem as modalidades de financiamento de capital ou por empréstimo devem adotar uma política e matéria de conflito de interesses reduzida a escrito e adequada à sua dimensão, organização, e à natureza, à dimensão e à complexidade das suas atividades.

2 – A política em matéria de conflito de interesses deve permitir, designadamente:
a) Identificar as circunstâncias que constituem ou podem dar origem a um conflito de interesses;
b) Especificar os procedimentos a seguir e as medidas a tomar, a fim de gerir esses conflitos;
c) Manter e atualizar regularmente registos das atividades que geraram conflitos de interesses com risco de afetação dos interesses de um ou mais entidades que mantenham relações de financiamento colaborativo com a plataforma.

3 – As plataformas referidas no n.º 1 não podem deter fundos ou instrumentos financeiros dos clientes e estão sujeitas aos demais deveres de prevenção de conflito de interesses definido em regulamento da CMVM.

CAPÍTULO IV
Disposições finais e transitórias

Artigo 22.º
Regime sancionatório

1 – Os regimes contraordenacional e penal aplicáveis à violação do disposto na presente lei, nomeadamente no que respeita ao desenvolvimento da atividade de financiamento colaborativo sem registo na CMVM, ao incumprimento de obrigações de informação, à violação de segredo profissional e à violação de regras sobre conflitos de interesses são definidos em diploma próprio.

2 – O disposto no número anterior não prejudica a aplicabilidade dos regimes sancionatórios aplicáveis nos termos gerais, nomeadamente daqueles previstos no Código dos Valores Mobiliários.

Artigo 23.º
Regulamentação

1 – São aplicáveis aos regulamentos a emitir pela CMVM o disposto nos artigos 369.º e seguintes do Código dos Valores Mobiliários.

2 – Compete à CMVM, no prazo de 90 dias contados da publicação da presente lei, aprovar as normas regulamentares necessárias à sua entrada em vigor.

Artigo 24.º
Salvaguarda de situações constituídas

A entrada em vigor da presente lei não prejudica as relações jurídicas de financiamento colaborativo validamente constituídas em momento anterior à sua entrada em vigor.

Artigo 25.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação, com exceção das disposições relativas ao financiamento colaborativo de capital ou por empréstimo, que entram em vigor no momento da entrada em vigor das normas regulamentares referidas no artigo 23.º