19 de Abril, 2024
Ofício-Circulado n.º 30239/2021, de 25 de junho
IVA – Novas regras em matéria de tratamento em IVA do comércio eletrónico através de interfaces eletrónicas
Síntese Comentada
25 de Junho, 2021
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IVA – Novas regras em matéria de tratamento em IVA do comércio eletrónico através de interfaces eletrónicas
A Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, transpõe para a ordem jurídica interna o disposto nos artigos 2.º e 3.º da Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017, e a Diretiva (UE) 2019/1995 do Conselho, de 21 de novembro de 2019.
Entre as alterações introduzidas assumem relevância as referentes à definição do papel das interfaces eletrónicas na liquidação do IVA e na comunicação de informações às autoridades fiscais. Assim, com efeitos a partir de 1 de julho de 2021:
- São também introduzidas novas obrigações em matéria de manutenção de registos para os sujeitos passivos que facilitam a transmissão de bens e a prestação de serviços mediante a utilização de uma interface eletrónica.
- Finalmente, são introduzidas regras de responsabilidade solidária das interfaces eletrónicas com os fornecedores de bens e prestadores de serviços.
As presentes instruções pretendem esclarecer o âmbito de aplicação das novas regras, introduzidas pela Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, em conjugação com o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011[1], relativamente às obrigações que recaem sobre as interfaces eletrónicas no contexto do comércio eletrónico[2].
I - Interfaces eletrónicas como sujeitos passivos de IVA pelas transmissões de bens que facilitam
Condições
1 - O artigo 1.º, n.º 2, alínea o) do Código do IVA (CIVA) define “interface eletrónica" como sendo um mercado, uma plataforma, um portal ou outro meio similar. Nesse sentido, deve entender-se como um conceito abrangente que permite a comunicação entre dois sistemas independentes, ou entre um sistema e o utilizador final, com o auxílio de um dispositivo ou programa. O conceito de interface eletrónica é também utilizado para designar o sujeito passivo que opera um sítio Web, um portal, uma porta de ligação, um mercado, uma interface de programação de aplicações (IPA), ou outros meios similares.
2 - Por forma a assegurar a efetiva liquidação do imposto devido nas operações efetuadas por intermédio de interfaces eletrónicas, os n.ºs 9 e 10 aditados ao artigo 3.º do CIVA estabelecem uma ficção jurídica de acordo com a qual se considera que o sujeito passivo que facilita a transmissão de bens mediante a utilização de uma interface eletrónica adquiriu e forneceu pessoalmente esses bens. Tal ocorre quando a interface eletrónica facilita:
ou
- Transmissão de bens dentro da Comunidade por um sujeito passivo aí não estabelecido a uma pessoa que não seja sujeito passivo, abrangendo tanto as transmissões internas de bens como as vendas à distância intracomunitárias de bens.
3 - Da ficção jurídica introduzida nos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º resulta a transformação de uma única operação (B2C) em duas operações distintas: uma operação B2B entre o fornecedor e a interface eletrónica e uma operação B2C entre esta e um consumidor final. A interface eletrónica fica sujeita às obrigações do imposto que decorram da realização das referidas operações.
4 - Por forma a simplificar o cumprimento dessas obrigações, as interfaces eletrónicas podem utilizar o regime de balcão único, podendo declarar e pagar o IVA devido pelas vendas à distância de bens importados de valor intrínseco não superior a 150 €, que não sejam bens sujeitos a impostos especiais de consumo, através do regime de importação (IOSS), e as transmissões de bens dentro da Comunidade efetuadas a um não sujeito passivo, por um fornecedor que aí não esteja estabelecido, através do OSS – regime da União.
5 - As novas regras aplicáveis às interfaces eletrónicas são acompanhadas de diversas alterações ao CIVA.
6 - Uma vez que, para efeitos da aplicação das regras de localização, é necessário determinar a qual destas operações devem ser imputados a expedição ou o transporte dos bens, é aditado o n.º 11 ao artigo 3.º do CIVA, que prevê que a transmissão efetuada à interface eletrónica (B2B) é considerada uma transmissão de bens sem expedição ou transporte, sendo este atribuído apenas à operação B2C.
7 - É introduzida na alínea x), aditada ao n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, uma isenção aplicável às transmissões de bens efetuadas por fornecedores não estabelecidos na Comunidade às interfaces eletrónicas, nos termos do n.º 10 do artigo 3.º do CIVA. Tratando-se de uma isenção completa, a mesma confere direito a dedução do imposto pago a montante na compra ou importação dos bens, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea b) subalínea i), do CIVA.
8 - São também introduzidas regras especiais no que respeita ao facto gerador e exigibilidade do imposto nas situações previstas nos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA, que passam a ser determinados nos termos do n.º 16 do artigo 7.º, relevando assim o momento em que o pagamento tenha sido aceite, quer nas transmissões efetuadas à interface eletrónica, quer nas transmissões efetuadas por estas aos respetivos adquirentes.
9 - Para este efeito, o artigo 41.º-A do Regulamento de Execução determina que se entende por momento em que o pagamento tenha sido aceite “a data em que a confirmação do pagamento, a mensagem de autorização de pagamento ou um compromisso de pagamento do adquirente que tenha sido recebido pelo fornecedor que vende bens através da interface eletrónica ou por sua conta, independentemente do momento em que é efetuado o pagamento efetivo do montante, consoante a data que ocorrer primeiro".
O termo “facilitar" – situações incluídas e excluídas
10 - Para efeitos da aplicação dos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA, entende-se por “facilitar" a utilização de uma interface eletrónica para permitir, a um adquirente e a um fornecedor que coloque bens à venda através dessa interface eletrónica, estabelecerem contactos que resultem numa transmissão de bens através da referida interface eletrónica[4].
11 - O termo “facilitar" engloba situações em que os adquirentes iniciam o processo de compra ou apresentam uma proposta de compra de bens e os respetivos fornecedores aceitam a proposta através da interface eletrónica. Em regra, nas operações de comércio eletrónico, isso reflete-se no processo efetivo de encomenda e de pagamento executado ou auxiliado pela interface eletrónica.
12 - Contudo, ainda para efeitos dos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA, não se considera que uma interface eletrónica facilita a transmissão de bens se[5]:
- Não participar, direta ou indiretamente, na aprovação da cobrança ao adquirente do pagamento efetuado; e
- Não estiver direta ou indiretamente, envolvida na encomenda ou na entrega dos bens.
13 - Estas condições têm de se verificar cumulativamente para que se considere que a interface eletrónica não facilita a transmissão. Consequentemente, se esta realizar uma ou algumas das atividades atrás indicadas, considera-se que facilita a transmissão de bens.
14 - Por outro lado, a ficção contida nos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA não é aplicável quando a interface eletrónica realiza exclusivamente alguns dos seguintes serviços[6]:
- A promoção ou a publicidade dos bens; e/ou
- O reencaminhamento ou a transferência de adquirentes para outras interfaces eletrónicas onde os bens são colocados à venda, sem qualquer intervenção adicional na entrega.
15 - Assim, o reconhecimento de que uma interface eletrónica facilita uma transmissão de bens, sendo, por conseguinte, considerada um sujeito passivo de IVA por essas operações, deve ser aferido operação a operação, uma vez que uma interface eletrónica pode ser considerada sujeito passivo de IVA em relação a algumas transmissões de bens efetuadas por seu intermédio e não o ser quanto a outras.
Envolvimento de várias interfaces eletrónicas
16 - Conforme se infere do artigo 5.º-B do Regulamento de Execução apenas uma interface eletrónica pode ser considerada o sujeito passivo pela transmissão de bens ao consumidor final: a interface eletrónica em que é recebida a encomenda e através da qual é concluída a transmissão de bens.
Qualquer outro intermediário na cadeia de fornecimentos efetua uma transmissão de bens B2B ao fornecedor, à interface eletrónica que é o sujeito passivo pela transmissão de bens ao consumidor final ou potencialmente a qualquer outra interface eletrónica.
Exemplo:
- Um adquirente pretende encomendar bens que estão à venda numa interface eletrónica (IE 1);
- Quando avança para a encomenda, é redirecionado para outra interface eletrónica (IE 2) - na qual os bens são colocados à venda por um fornecedor estabelecido em país terceiro.
- Por fim, a venda é concluída através da interface eletrónica 2.
Embora o contacto inicial tenha sido com a interface eletrónica 1, a venda é concluída com a interface eletrónica 2, pelo que será esta o sujeito passivo dessa transmissão de bens.
Presunções relativas ao estatuto do fornecedor e adquirente dos bens para efeitos da aplicação dos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA
17 - Nos termos do artigo 5.º-D do Regulamento de Execução, a interface eletrónica deve considerar a pessoa que vende os bens por seu intermédio como sendo um sujeito passivo e a pessoa que adquire os bens como sendo uma pessoa que não é sujeito passivo, salvo quando disponha de informação em contrário.
Esta disposição visa libertar as interfaces eletrónicas do ónus desproporcionado de verificar o estatuto do vendedor e do adquirente em todas as transações em que intervêm, tendo por objetivo reforçar a segurança jurídica para as interfaces eletrónicas.
Presunção do estatuto do vendedor
Para efeitos desta presunção, a mera ausência do número de identificação IVA não significa automaticamente que o fornecedor dos bens não seja um sujeito passivo.
Por outro lado, se este indicar à interface eletrónica que está a atuar na qualidade de uma pessoa que não é sujeito passivo, a interface eletrónica deve considerá-lo como tal. No entanto, a interface eletrónica deve dispor de um processo de verificação para avaliar se as transmissões de bens efetuadas por seu intermédio não atribuem ao fornecedor a qualidade de sujeito passivo.
Presunção do estatuto do adquirente
Embora o número de identificação IVA não seja uma condição prévia indispensável para se ser um sujeito passivo, constitui um elemento de prova importante do estatuto de um sujeito passivo.
Por conseguinte, salvo se a interface eletrónica for detentora de informação em contrário, se durante o processo de registo/subscrição na interface eletrónica o adquirente não fornecer o número de identificação IVA, a interface eletrónica deve tratá-lo como uma pessoa que não é sujeito passivo.
Responsabilidade limitada da interface eletrónica
18 - Quando a interface eletrónica é considerada sujeito passivo de IVA pelas operações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA, pode ficar dependente do fornecedor ou de terceiros para obter informação detalhada sobre aquelas transmissões de bens, de forma a poder cumprir as suas obrigações em sede de IVA.
Por isso, o artigo 5.º-C do Regulamento de Execução prevê um limite para a responsabilidade da interface eletrónica pelo pagamento do IVA que exceda o valor por si declarado e pago, sempre que se verifique que esta estava dependente de informações prestadas pelos fornecedores que venderam esses bens por seu intermédio, ou de informações de terceiros, para declarar e pagar corretamente o IVA sobre esses bens e que essas informações são incorretas.
Para não ser considerada devedora do imposto em falta, a interface eletrónica deve estar apta a demonstrar que não sabia nem podia razoavelmente saber que as informações por si utilizadas não eram corretas.
Nessa conformidade, o artigo 80.º - B, aditado ao CIVA, visa assegurar que o imposto em falta, pelo qual a interface eletrónica não é devedora nos termos do artigo 5.º-C do Regulamento de Execução, é liquidado adicionalmente ao fornecedor que vendeu os bens por intermédio da interface eletrónica, recaindo sobre aquele eventuais penalidades e juros compensatórios que se mostrem devidos.
II - Obrigação de manutenção de registos pelas interfaces eletrónicas
Quando são consideradas sujeitos passivos pelas operações que realizam
19 - Pelas transmissões de bens e prestações de serviços que efetuam no território nacional, as interfaces eletrónicas estão sujeitas à obrigação de manutenção de registos nos termos gerais previstos no artigo 52.º do CIVA.
20 - Essa obrigação respeita não só às operações efetuadas pelas interfaces eletrónicas em nome próprio, mas igualmente às operações pelas quais aquelas sejam consideradas sujeitos passivos nos termos dos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º ou do n.º 4 do artigo 4.º, ambos do CIVA e nas que, de acordo com o disposto no artigo 9.º-A do Regulamento de Execução, se presuma que atuam em nome próprio, por conta dos prestadores de serviços eletrónicos.
21 - Por seu turno, quando utilizem um dos Regimes de balcão único (OSS) para cumprimento das obrigações de IVA, as interfaces eletrónicas ficam obrigadas à manutenção dos registos referidos no artigo 63.º-C do Regulamento de Execução do IVA.
Quando as interfaces eletrónicas facilitam transmissões de bens ou prestações de serviços, mas não são consideradas sujeitos passivos de IVA por essas operações
22 - O artigo 51.º-A, aditado ao CIVA, que transpõe o artigo 242.º-A da Diretiva IVA, cria uma nova obrigação de conservação de registos a cumprir pelas interfaces eletrónicas que intervenham em transmissões de bens e prestações de serviços a não sujeitos passivos de IVA na Comunidade, quando não se considere[7] que estas receberam e forneceram pessoalmente os bens transmitidos ou os serviços prestados.
Os registos a que se refere o artigo 51.º-A do CIVA devem ser mantidos durante 10 anos, devendo as interfaces eletrónicas disponibilizar à AT, sempre que solicitados, os elementos necessários à verificação da correta contabilização do IVA respeitante a operações efetuadas por seu intermédio.
23 - Por sua vez, o artigo 54.º-C, n.º 2, do Regulamento de Execução esclarece quais as informações que devem ser conservadas pelas interfaces eletrónicas nestas situações.
III - Responsabilidade solidária da interface eletrónica quando não seja sujeito passivo pelas transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas por seu intermédio
24 - O artigo 80.º-A, aditado ao CIVA, prevê a responsabilidade solidária pelo pagamento do IVA, com o fornecedor dos bens ou o prestador dos serviços, das interfaces eletrónicas que permitem àqueles colocar bens à venda ou disponibilizar serviços.
25 - A responsabilidade solidária é acionada nos casos em que a interface eletrónica tenha ou deva ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não entrega o imposto devido ao Estado, exigindo-se, para o efeito, a prévia notificação pela AT do sujeito passivo que disponibiliza a interface eletrónica.
26 - A responsabilidade solidária aqui prevista só produz efeitos relativamente a operações realizadas após essa notificação e extingue-se caso a interface eletrónica assegure, no prazo de 30 dias contados a partir da notificação, que o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços que se encontre em incumprimento deixa de realizar operações por seu intermédio ou regulariza a situação em falta.
Esta medida visa incentivar os sujeitos passivos que disponibilizem interfaces eletrónicas através das quais sejam fornecidos bens ou serviços tributáveis em território nacional, a assegurar que os fornecedores ou prestadores de serviços cumprem as obrigações em sede de IVA que decorrem dessas operações.
27 - Adicionalmente, nos termos do n.º 4 do artigo 80.º-A, os sujeitos passivos que disponibilizem interfaces eletrónicas sujeitas à obrigação prevista no artigo 51.º-A são ainda solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto com os transmitentes dos bens ou os prestadores de serviços que efetuam operações por seu intermédio, quando não observem a obrigação de disponibilização dos registos, prevista no n.º 2 do artigo 51.º-A.
IV - Alteração à Lei Geral Tributária
É aditada a alínea c) ao n.º 5 do artigo 64.º da LGT no sentido de prever que a notificação de uma interface eletrónica para, nos termos do artigo 80.º-A do CIVA, acionar a responsabilidade solidária desta pelo pagamento do imposto com os transmitentes dos bens ou com os prestadores dos serviços, não contende com o dever de confidencialidade aí previsto.
V - Aplicação das regras do Regulamento de Execução n.º 282/2011
As presentes instruções não dispensam a consulta das disposições do Regulamento de Execução, com a redação dada pelo Regulamento de Execução (UE) 2019/2026 do Conselho, de 21 de novembro de 2019.
VI – Produção de efeitos e entrada em vigor
As presentes instruções aplicam-se às operações realizadas pelas interfaces eletrónicas a partir de 1 de julho de 2021.
[2] Artigos relevantes: 5.º-B, 5.º-C, 5.º-D, 41.º-A, 54.º-B, 54.º-C e 63.º-C.
[3] Corresponde ao valor comercial dos bens, ou seja, o preço pelo qual são vendidos para exportação, excluindo os custos de transporte e seguro, a não ser que os mesmos estejam já incluídos no preço e não sejam faturados separadamente. Não inclui, ainda, impostos e taxas aduaneiras (cf. Artigo 1.º, n.º 48 do Regulamento Delegado (UE)
2015/2446 da Comissão, na redação dada pelo Regulamento Delegado (UE) 2020/877 da Comissão).
[4] Cf. artigo 5.º-B do Regulamento de Execução do IVA.
[5] Cf. o segundo parágrafo do artigo 5.º-B do Regulamento de Execução.
[6] Cf. o terceiro parágrafo do artigo 5.º-B do Regulamento de Execução.
[7] Para efeitos do cumprimento desta obrigação, o artigo 54.º-B do Regulamento de Execução define o significado do termo “facilitar", cujo contexto difere daquele que vem definido no artigo 5.º-B do mesmo Regulamento e que é aplicável às situações previstas nos n.ºs 9 e 10 do artigo 3.º do CIVA.
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