Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

Processo n.º 11304/2017, de 3 de abril

 

Assunto
Enquadramento - Embarcação de pesca profissional - Roupa de aquecimento e fatos de proteção para a chuva usados pelos pescadores; botas de água
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 3 de Abril, 2017
Número: 11304
Diploma: CIVA
Artigo: 1º, 2º, 18º, 19º, 20º, 22º.

Síntese Comentada

O vestuário, calçado e outros bens de idêntica natureza utilizados por pessoas afetas à pesca marítima (de alto mar e costeira) estão fora do âmbito de aplicação da isenção do IVA prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, ainda que se considere inquestionável a importância de tais bens,[...]

Conteúdo exclusivo para assinantes

Ver planos e ofertas

Criar conta gratuita Ver planos e ofertas Já sou assinante

Doutrina

Enquadramento - Embarcação de pesca profissional - Roupa de aquecimento e fatos de proteção para a chuva usados pelos pescadores; botas de água

1 - A Requerente solicita informação vinculativa nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (LGT) sobre o âmbito de aplicação da isenção do IVA prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA.

2 - Em concreto, as dúvidas da Requerente são as seguintes:
- No caso de uma embarcação de pesca profissional terão isenção:
• A roupa de aquecimento e os fatos de proteção para a chuva que os pescadores usam, quer esteja bom ou mau tempo?
• As botas de água.

3 - A Requerente entende que apenas estão abrangidos pela isenção os bens que:
• Sejam incorporados na embarcação (os radares, os quartos e cozinhas montadas na embarcação…);
• Sejam obrigatórios por lei (coletes salva-vidas, navalhas…);
• Sejam utilizados para explorar a atividade, ou seja, que com a sua utilização crie retorno financeiro para a empresa (os cestos onde acondicionam o pescado, as redes os cabos, anzóis…).

4 - Adianta, ainda, a Requerente que qualquer um dos equipamentos que lhe suscita dúvidas, embora não sejam de uso obrigatório por lei ou sirvam para a exploração da atividade (exploração da atividade considerada apenas numa ótica económica) são usados sempre por todos os pescadores, pois de outra forma não conseguiriam trabalhar. Assim, se entendermos por exploração da atividade tudo o que é necessário para prosseguir a atividade, estes bens estarão isentos do IVA.

5 - Sobre o assunto, cumpre informar o seguinte:
5.1. Nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA estão isentas do IVA "As transmissões, transformações, reparações, operações de manutenção, construção, frete e aluguer de embarcações afectas às actividades a que se referem as alíneas d) e e), assim como as transmissões, aluguer, reparação e conservação dos objectos, incluindo o equipamento de pesca, incorporados nas referidas embarcações ou que sejam utilizados para a sua exploração;".
5.2. Prevê a alínea d) do n.º 1 do mesmo preceito legal a isenção do IVA para as:
"As transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações afectas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca;
5.3. A alínea e) isenta "As transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações de salvamento, assistência marítima e pesca costeira, com excepção, em relação a estas últimas, das provisões de bordo;"
5.4. De acordo com a alínea j), estão isentas do IVA "As prestações de serviços não mencionadas nas alíneas f) e g) do presente número, efectuadas com vista às necessidades directas das embarcações e aeronaves ali referidas e da respectiva carga;"
5.5. As isenções previstas nas alíneas d), e), f) e j), do artigo 14.º do Código do IVA, são aplicáveis às embarcações afetas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca; e as embarcações de salvamento, assistência marítima e pesca costeira.
5.6. Note-se que em relação às embarcações de pesca costeira, a isenção prevista para os bens de abastecimento não abrange as provisões de bordo, como tal definidas na alínea a) do n.º 3 do artigo 14.º do Código do IVA.
5.7. Entende-se por bens de abastecimento:
- As provisões de bordo, sendo considerados como tais os produtos destinados exclusivamente ao consumo da tripulação e dos passageiros;
- Os combustíveis, carburantes, lubrificantes e outros produtos destinados ao funcionamento das máquinas de propulsão e de outros aparelhos de uso técnico instalados a bordo;
- Os produtos acessórios destinados à preparação, tratamento e conservação das mercadorias transportadas a bordo.

5.8. Esclarece-se que as provisões de bordo são os produtos destinados exclusivamente ao consumo da tripulação e dos passageiros, como por exemplo: combustíveis, carburantes, lubrificantes, revistas, jornais e outros ou produtos acessórios.
5.9. Tais produtos destinam-se ao consumo a bordo:
- da tripulação e passageiros;
- das máquinas de propulsão e de outros aparelhos de uso técnico;
- ser usados na preparação, tratamento e conservação das mercadorias transportadas.

5.10. Centrando-se a questão no âmbito de aplicação da alínea f), importa analisar as normas de direito comunitário que lhe servem de base para se apurar a correta interpretação das disposições de direito interno correspondentes.
5.11. Nos termos da alínea a) do artigo 148.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 11 de dezembro, com a epígrafe "Isenções aplicáveis aos transportes internacionais", os Estados Membros isentam as seguintes operações:
"As entregas de bens destinados ao abastecimento das embarcações afectas à navegação no alto mar que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou ao exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca, bem como das embarcações de salvamento e de assistência no mar e das embarcações afectas à pesca costeira com excepção, relativamente a estas últimas, das provisões de bordo;".
5.12. De acordo com a alínea c) do mesmo preceito legal, são isentas do IVA:
"A entrega, transformação, reparação, manutenção, fretamento e locação das embarcações referidas na alínea a), e bem assim a entrega, locação, reparação e manutenção dos objectos, incluindo o equipamento de pesca, incorporados nas referidas embarcações ou utilizados na sua exploração;".
5.13. A alínea d) isenta do IVA:
"As prestações de serviços, que não sejam as referidas na alínea c), destinadas a satisfazer as necessidades directas das embarcações referidas na alínea a) e da respectiva carga;".
5.14. Importa ter presente que a jurisprudência comunitária do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é unânime no dever de interpretação restrita na aplicação das isenções em sede de IVA, para além do dever de interpretação e aplicação uniformes em todo o território da União, considerando que as isenções previstas no artigo 148.º da Diretiva constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA incide em todas as transmissões de bens e prestações de serviços realizadas a título oneroso por um sujeito passivo.
5.15. Refere-se, ainda, que para se apurar o âmbito de aplicação de uma norma de isenção não podemos cingir-nos apenas à letra da norma, mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada.
5.16. Assim, as embarcações a que se refere a alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA são, respetivamente, as afetas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca; e as embarcações de salvamento, assistência marítima e pesca costeira (alíneas d) e e)).
5.17. Nesse sentido, deve entender-se que a aplicação das isenções previstas nas alíneas d) a f) e j) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA dependem da constituição de requisitos de natureza objetiva, ao abranger certo tipo de operações, que se reportem a determinado tipo de embarcações, e de natureza subjetiva, ao compreender apenas as transmissões de bens e serviços para quem os incorpore diretamente nas embarcações afetas as atividades a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA.
5.18. Ou seja, a isenção do IVA é aplicável aos objetos incorporados nas ditas embarcações ou que sejam utilizados para a sua exploração, pressupondo o cumprimento cumulativo de duas condições essenciais pelo seu:
- elemento objetivo, as embarcações que efetuem navegação marítima de alto mar e assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca e, ainda, embarcações de salvamento, assistência marítima e pesca costeira;
e
- elemento subjetivo, os serviços e os bens nele previstos devem ser fornecidos diretamente pelo construtor, reparador ou transmitente ao armador ou proprietário da embarcação.

5.19. Face ao exposto, afigura-se concluir que a isenção do IVA abrange as embarcações que sejam utilizadas pelas tais companhias de navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma atividade comercial, industrial ou de pesca; e as embarcações de salvamento, assistência marítima e pesca costeira, bem como os bens que visem satisfazer as necessidades diretas das referidas embarcações ou que sejam utilizados para a sua exploração.
5.20. Nesse sentido, parece enquadrar-se no âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, as transmissões de:
- radares, quartos e cozinhas por incorporarem a embarcação, satisfazendo, assim, as necessidades diretas da embarcação;
- coletes salva-vidas, navalhas, cestos onde acondicionam o pescado, as redes os cabos, anzóis, por serem bens essenciais ao exercício da atividade, desde que efetuadas diretamente ao armador ou ao proprietário para utilização na sua atividade económica, no caso em apreço, pesca marítima.

5.21. O mesmo não se entende para as transmissões de vestuário e calçado (roupas de aquecimento, botas de água, óculos, chapéu e outros), uma vez que o exercício da atividade da pesca não depende na utilização deste tipo de bens; não alteram em nada a situação das embarcações como também não se enquadram no conceito de bens de abastecimento.
5.22. Face ao exposto, afigura-se concluir que o vestuário, calçado e outros bens de idêntica natureza utilizados por pessoas afetas à pesca marítima (de alto mar e costeira), a única abrangida pela exceção ao princípio geral de tributação, estão fora do âmbito de aplicação da isenção do IVA prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, ainda que se considere inquestionável a importância de tais bens, especialmente concebidos para as atividades de mar (para proteção do frio, do vento e de acidentes).
5.23. Contudo, o armador ou o proprietário podem deduzir o imposto pago pela aquisição de bens (incluindo vestuário, calçado e outros de idêntica natureza), ou serviços, na qualidade de adquirente, desde que o seu enquadramento em sede de IVA o permita (regime normal) e se verifiquem as demais condições, formais e temporais, nos termos previstos no Código do IVA (artigos 19.º ao 22.º).