Doutrina Administrativa
Tributação do património : IS

Processo n.º 2014003373 – IVE n.º 8033

 

Assunto
Cash Pooling; Solidariedade Passiva; Garantia
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 22 de Maio, 2015
Número: 2014003373 - IVE N.º 8033
Diploma: CIS
Artigo: 7.º, n.º 1 alínea g); Verbas 10 e 17.1.4 da TGIS

Doutrina

Cash Pooling; Solidariedade Passiva; Garantia

I – PEDIDO
1 - Nos termos do art.º 68.º da Lei Geral Tributária a sociedade, (…) LDA, (doravante Requerente), solicitou informação vinculativa relativamente ao enquadramento em sede de imposto do selo de operações financeiras a realizar entre a Requerente e a (…) (doravante “A"), no âmbito de um contrato de Gestão Centralizada de Tesouraria - Cash Pooling-, conforme de seguida se expõe.

II - APRECIAÇÃO
2 - No pedido em análise importa conhecer das seguintes questões:
a) Se as operações financeiras a realizar entre a Requerente e a “A", no âmbito do Contrato de Cash Pooling, aproveitam da isenção prevista na alínea g), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS; ou,
b) Caso assim não se entenda, se o enquadramento em sede de imposto do selo e a forma de apuramento do imposto devido, apresentado nos pontos (…) a (…) do requerimento (verba 17.1.4 da TGIS), estão corretos; e
c) No âmbito do Contrato de Cash Pooling não é assumida, quer pela “A", quer pela Requerente, a posição de garante, estabelecendo-se antes uma relação de solidariedade passiva, pelo que não existe facto tributável em sede de imposto do selo.

DAS OPERAÇÕES DE CASH POOLING
3 - Na operação que se analisa confirmamos que estamos perante um sistema de Cash Pooling, na modalidade de Cash Concentration, no qual a “A" funciona como entidade centralizadora e a Requerente como entidade aderente.

4 - Quanto ao enquadramento fiscal desta operação em sede de imposto do selo começaremos por dizer que a verba 17.1 da TGIS, conjugada com o n.º 1, do art.º 1.º do CIS, dispõe que o imposto incide sobre todas as operações de natureza financeira, realizadas por qualquer entidade e a qualquer título, de que resulte a utilização de crédito sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, abrangendo na sua incidência, quer os atos de transferência de fundos excedentários efetuados pela Requerente a favor da “A" (cf. n.º 1, do art.º 4.º do CIS), quer os atos que se realizem em sentido oposto, isto é, fundos disponibilizados pela “A" a favor da Requerente com vista ao reforço da sua tesouraria (cf. al. b), do n.º 2, do art.º 4.º do CIS).

5 - Sendo, em ambos os casos, a Requerente, domiciliada em território português, considerada o sujeito passivo do imposto. Compete-lhe, nessa qualidade, a sua liquidação, cobrança e entrega nos cofres do Estado dentro dos respetivos prazos legais (cf. al. b), do n.º 1, do art.º 2.º; n.º 1, do art.º 9.º; n.º 1, do art.º 23.º; 41.º; 43.º; n.º 1, do art.º 44.º, todos do CIS).

6 - O imposto devido pelas transferências dos excedentes da Requerente para a entidade centralizadora “A", constitui um encargo desta entidade enquanto utilizadora do crédito e titular do interesse económico; ao invés, o imposto devido pelas transferências de fundos realizadas pela “A" a favor da Requerente, é devido por esta (cf. n.º 1, e al. f), do n.º 3, ambos do art.º 3.º do CIS).

7 - Quanto à taxa do imposto a aplicar a estas operações financeiras resulta da leitura do contrato celebrado entre a “A" e o Banco, que o mesmo vigorará por prazo indeterminado. Esta circunstância, aliada ao facto da modalidade escolhida ter sido a de Cash Concentration (Zero Balancing), na qual os saldos das entidades participantes são movimentados numa base diária, determina que estes movimentos financeiros sejam enquadrados, à partida, como operações de crédito utilizado sobre a forma de conta-corrente, descoberto bancário, ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não esteja determinado ou seja determinável, conforme resulta da verba 17.1.4 da TGIS.

8 - Nos termos desta verba, o facto tributário é de formação sucessiva, incidindo o imposto à taxa de 0,04% sobre a matéria coletável resultante da média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30; nascendo a obrigação tributária no último dia de cada mês (cf. 2.ª parte da al. g), do art.º 5.º do CIS).

9 - Assim, face ao expendido, concluímos pela sujeição, nos termos da verba 17.1.4. da TGIS, a imposto do selo dos fluxos financeiros estabelecidos entre a Requerente e a “A" resultantes da execução do contrato de Cash Pooling em apreço.

DA ISENÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA G), DO N.º 1, DO ART.º 7.º DO CIS
10 - De acordo com a atual redação da al. g), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS estão isentas de imposto do selo "As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a (euro) 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo.".

11 - Releva também sobre esta matéria o disposto no n.º 2 do citado artigo, na medida em que concorre para a delimitação do elemento espacial de aplicação daquela norma de isenção, pelo que importa ter presente a sua redação onde se estabelece que " [o] disposto nas alíneas g) e h), do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h), do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional".

12 - Fazendo uma leitura integrada do disposto nos normativos supracitados, conclui-se que o benefício da isenção depende cumulativamente: (i) do prazo da operação financeira, isto é, do prazo de concessão e utilização dos fundos transferidos, que não deve ser superior a um ano; (ii) da finalidade do financiamento, isto é, a operação financeira deve ser exclusivamente destinada à cobertura de carências de tesouraria; e (iii) da relação entre as sociedades intervenientes.

DO PRAZO DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS E DA FINALIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS
13 - Relativamente ao requisito do prazo, há que apurar relativamente a cada operação financeira, tanto a data da utilização do crédito como a data de reembolso do crédito para cujo controlo será útil a análise dos relatórios/extratos periódicos elaborados pelo Banco que devem conter de forma detalhada os movimentos das contas das sociedades participantes no sistema Cash Pooling, de e para a conta centralizadora titulada pela “A". Com efeito, a identificação rigorosa dos fluxos de fundos, ascendentes e descendentes, e da sua natureza são elementos determinantes para se apurarem os saldos mensais e a base de incidência do imposto.

14 - Em termos práticos, por cada influxo financeiro terá de existir o correspondente exfluxo, sendo que este deverá ser realizado no prazo máximo de um ano para que este pressuposto da isenção se mostre verificado.

15 - No que concerne ao preenchimento da finalidade dos financiamentos se reconduzir exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria sublinha-se que, na linha da decisão do CAAD proferida no proc.º n.º 76/2013, de 25.11.2013: "(...) a existência de tal sistema [o cash pooling] no plano jurídico (através de um contrato que o consagre), não basta para demonstrar que os pressupostos da isenção em causa se verificam, efetivamente, na realidade.", e ainda que, por força do n.º 1, do art.º 74.º da Lei Geral Tributária "(...) caberia à Requerente demonstrar, unicamente, os pressupostos da isenção relativamente à parte não aceite. ".

16 - Ou seja, a mera invocação de que as transferências de saldos são efetuadas no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria não constitui prova suficiente para a demonstração de que os créditos concedidos se destinam a suprir carências de tesouraria da beneficiária, já que o "contrato é uma mera forma jurídica que, como é óbvio, pode ter ou não ter adesão na realidade" e, "(...) mesmo que se entendesse (...) que a execução rigorosa do contrato na realidade não geraria operações tributáveis, daí não decorreria, de per si, que essa execução rigorosa tivesse efetivamente ocorrido na realidade, o que sempre haveria que demonstrar,(...).".

17 - E bem se compreende que assim seja pois um contrato de cash pooling não se esgota, em exclusivo, na supressão das carências de tesouraria da sociedade beneficiária. De facto, com ele, as sociedades envolvidas poderão alcançar outros objetivos, tais como: " (…) a redução de juros associados a contas devedoras e comissões de descoberto e similares, a maximização dos proveitos na colocação de excedentes e a minimização dos custos financeiros e dos riscos associados (riscos cambiais e de taxa), (…) o reforço das demonstrações financeiras da empresa, pela redução do nível de empréstimos bancários, reforço da capacidade negocial junto da instituição financeira e reforço do atrativo da empresa e do grupo junto do mercado de capitais. (…) A gestão de tesouraria constitui ainda um privilegiado meio de monitorização da atividade desenvolvida por cada estrutura, empresa ou grupo de empresas.
Por fim, a retenção de impostos sobre juros pode também ser minimizada/otimizada
" (Rebouta, José Fernando Abreu, Contextualização fiscal da gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) em ambiente internacional).

18 - Deste modo, afigura-se-nos não ser legalmente correto dar como cumpridos, nos termos do Contrato que se aprecia, estes dois pressupostos de que também depende a aplicabilidade da isenção como faz a Requerente, por antecipação, no ponto (…) do requerimento, onde conclui: (i) que em virtude do mecanismo de "zero balancing", não é expectável que nenhuma posição credora ou devedora da Requerente se mantenha por prazo superior a um ano; e, (ii) que se destinam exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria.

19 - Note-se, que não se quer com isto dizer que não possa haver num determinado momento carência de tesouraria. Nestes casos importa ter presente que, em cada situação em concreto, se deve delimitar as insuficiências de tesouraria em face dos compromissos ou obrigações a satisfazer num horizonte temporal de curto prazo, devendo a carência reportar-se ao início da utilização do crédito e aparecer relevada nos registos contabilísticos da sociedade beneficiária do crédito.

DAS RELAÇÕES ENTRE AS SOCIEDADES INTERVENIENTES NAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS
20 - O legislador fiscal, quando utiliza as noções "relação de domínio ou de grupo", ou constrói um conceito próprio, como sucede no CIRC - n.º 2 do art.º 69.º-, ou remete expressamente para outro instrumento legal, como é o caso da al. c), do n.º 2 e al. b), do n.º 3, do art.º 27.º do EBF, em que recorre ao art.º 13.º (atual art.º 2.º-A) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de dezembro, ou, ainda, como se verifica no art.º 7.º do CIS e no n.º 10 do art.º 2.º do CIRS, deixa em aberto a definição desses termos. Cabe ressalvar, em todo o caso, que na disposição do CIRS, o legislador teve o cuidado de precisar que pretendeu abranger "qualquer outra entidade que com ela se encontre em relação de domínio ou de grupo, independentemente da respetiva localização geográfica.".

21 - Assim, tendo em conta que, na legislação fiscal - CIRC e EBF-, de algum modo, já são fornecidas indicações para a delimitação dos conceitos "relação de domínio" e "relação de grupo", poderia o intérprete, valorando o elemento de ordem sistemática, servir-se desses elementos para traçar os contornos do âmbito subjetivo da norma da alínea g), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS.

22 - No entanto, não se afigura ser essa a opção mais adequada, à luz do ratio da norma e da sua evolução histórica, porquanto na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, existia uma remissão indireta ou implícita para o Código das Sociedades Comerciais (CSC).

23 - Contudo, a importação, para o CIS, daqueles conceitos, suscita desde logo, a questão de saber se a designada regra de autolimitação espacial do n.º 2, do art.º 481.º do CSC também se projeta na al. g), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS, isto é, se o âmbito subjetivo da isenção do imposto do selo cobre apenas as operações financeiras efetuadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo em que as intervenientes (dominante ou dominada) sejam sociedades com sede em Portugal.

24 - Atendendo ao conteúdo da isenção, em cuja previsão se pressupõe a existência de sociedades em conceito de relação de domínio ou relação de grupo, forçoso é concluir que embora se deva atribuir a essas noções o conteúdo que lhes é dado pelo art.º 486. º ou 488.º do CSC, tal como é admitido pelo n.º 2, do art.º 11.º da LGT, isso não implica que se fique condicionado pelo âmbito espacial do n.º 2, do art.º 481.º do mesmo Código.

25 - Semelhante entendimento conduziria até a que se não retirasse quaisquer consequências do estatuído no n.º 2, do art.º 7.º do CIS, que ficaria assim sem um sentido útil.

26 - Assim sendo, sempre que o sujeito passivo (Requerente) invoque a isenção destas operações, por considerar que estão reunidas as respetivas condições deve demonstrar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), de acordo com o estatuído no n.º 2, do art.º 14.º e no art.º 74.º, ambos da LGT, o prazo das operações; a existência de carências de tesouraria na esfera da beneficiária; e a relação societária com a beneficiária da operação.

LIMITAÇÕES À ISENÇÃO DA AL. G), DO N.º 1, DO ART.º 7.º DO CIS
27 - Se na primeira parte do n.º 2, do art.º 7.º do CIS, o legislador parece ter pretendido circunscrever o âmbito da isenção da al. g), do n.º 1 às operações financeiras efetuadas com intervenção de sociedades residentes, ao afastar as operações financeiras em que qualquer dos intervenientes - participante ou participada - não tenha a sede ou direção efetiva em território português, essa intenção acaba, a final, por não se concretizar integralmente.

28 - Como essa opção conduziria a um tratamento discriminatório das sociedades não residentes, suscetível de ser posto em causa, quer pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), quer pelas convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal, o legislador abriu a possibilidade de a isenção subsistir quando o credor tenha a sede ou direção efetiva noutro Estado membro da UE ou num Estado em relação ao qual esteja em vigor uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital, exceto se as operações financeiras forem realizadas com intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

29 - Deste modo, serão afastadas do benefício da isenção da al. g), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS as operações financeiras que se consubstanciem na transferência de saldos excedentários da conta bancária da Requerente para a conta centralizadora titulada pela “A".

30 - Mas, podem aproveitar da referida isenção, verificados que sejam os pressupostos do prazo e finalidade estabelecidos naquele normativo, as operações que se traduzam em utilizações de fundos transferidos da conta centralizadora titulada pela “A" para a conta bancária individual da Requerente.

DA INEXISTÊNCIA DE GARANTIA
31 - Diz a Requerente que no âmbito da cláusula (n) do Contrato de Cash Pooling não é assumida, quer pela “A", quer por ela, a posição de garante, estabelecendo-se antes uma relação de solidariedade passiva, pelo que não existe facto tributável em sede de imposto do selo.

32 - Dispõe a verba 10 da TGIS que estão sujeitas a imposto do selo as "Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente - sobre o respetivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato".

33 - Conforme resulta da norma a verba 10 ao sujeitar a imposto todas as garantias "qualquer que seja a sua natureza ou forma", dá prevalência à substância sobre a forma dispensando uma enumeração exaustiva das realidades jurídicas que possam revelar o efeito económico de uma garantia.
O que importa não é a fonte da garantia, mas sim, os efeitos que com a mesma o garantido deseja alcançar.

34 - O fim do preceito é claro. Visa chamar à tributação quaisquer instrumentos jurídicos que permitam ao credor que deles beneficie obter, em caso de incumprimento, uma proteção acrescida em relação aos restantes credores comuns que continuarão a ser satisfeitos à conta do património geral do devedor.

35 - Aliás, este também tem sido o entendimento da AT sobre esta matéria.
Conforme vertido na Circular 15/2000, de 05 de julho, da Direção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património "...é o de que será havido como garantia qualquer instrumento jurídico destinado ao cumprimento da obrigação e que implique diminuição do património do garante".

36 - Ou seja, as garantias não têm que assumir as formas tipificadas na lei para valerem como tal. Mesmo sendo atípicas o que releva é a sua finalidade, isto é, assegurar o cumprimento da obrigação garantida. As partes são livres, no âmbito da autonomia privada, de criar figuras jurídicas mediante as quais se pode garantir o cumprimento dos seus deveres obrigacionais.

37 - Ou, como conclui Menezes Leitão, enunciando Roy Goode, " todos os contratos que visem a atribuição de garantia devem ser considerados como contratos de garantia (secured transactions), independentemente de qual a forma jurídica que apresentam." (Garantias das Obrigações, Almedina, 2.ª Edição, págs. 321 e 322).

38 - Chegados aqui importa voltar a olhar, à luz dos considerandos anteriores, para o Cash Pooling em apreço de forma a perceber se estamos perante uma singela relação de solidariedade passiva, como defende a Requerente, ou perante uma relação de garantia.

39 - No contrato que se analisa resulta da cláusula (n) que todas as sociedades participantes no Cash Pooling são responsáveis pelo cumprimento das suas próprias obrigações, nos termos previstos no Contrato, tendo de indemnizar o banco por quaisquer perdas, custos, danos ou responsabilidades decorrentes do incumprimento voluntário ou involuntário das mesmas.

40 - Nos termos da Cláusula (n) do Contrato, a “A" é, com cada uma das sociedades afiliadas participantes, individualmente consideradas, solidariamente responsável pelo pagamento de qualquer responsabilidade ou penalidade resultante do disposto na Cláusula (n) anteriormente referida, bem como pelo pagamento dos honorários relativos aos serviços financeiros prestados pelo Banco nos termos da Cláusula (n) do Contrato.

41 - Deste modo, a “A" e as afiliadas são assim responsáveis pelo cumprimento das suas próprias obrigações perante o Banco. Adicionalmente, a “A", é responsável solidariamente pelo cumprimento das obrigações de cada uma das afiliadas sendo que, estas últimas, não são responsáveis pelo cumprimento das obrigações quer da “A", quer das restantes sociedades afiliadas participantes.

42 - Ora, do confronto entre o Contrato e o anteriormente explanado afigurase-nos que a cláusula (n) contempla uma verdadeira garantia na medida em que o cumprimento a título solidário assumido pela “A" propícia, em concreto, um reforço das possibilidades de o Banco não ver o seu direito frustrado por incumprimento do devedor titular da relação faltosa (Requerente), pois existe mais um património a responder por esse eventual incumprimento, o qual, por via de regra, deterá maior solvabilidade do que aquele que a afiliada poderá revelar.

43 - Aliás, se conjugarmos o teor da cláusula (n1) com a (n2) somos de parecer que estas desempenham um papel análogo a uma fiança, sem o benefício da excussão - neste caso, de uma fiança omnibus ou genérica, meio garantístico bastante vulgar na prática comercial bancária, pelo qual o garante afiança com o seu património um conjunto de dívidas do devedor presentes ou futuras que ainda não se encontram fixadas-, pois a “A" assume uma obrigação própria através da qual fica solidariamente responsável perante o Banco pelo cumprimento das obrigações principais de qualquer afiliada, incluindo as da Requerente.

44 - Concorre ainda para este entendimento o facto de haver um justificado interesse próprio da sociedade garante – “A", enquanto entidade impulsionadora e centralizadora do acordo de tesouraria-, na boa execução do Cash Pooling, o que a coloca perante o Banco com um nível acrescido de responsabilidade mediante uma eventual situação de incumprimento dos deveres contratuais das afiliadas aderentes ao acordo (Vide n.º 3, do art.º 6.º do CSC).

45 - A cláusula (n) do Contrato é ainda uma verdadeira garantia atendendo ao facto de nos seus termos só a “A" ficar obrigada ao cumprimento solidário das obrigações emergentes do Cash Pooling em caso de incumprimento da afiliada relapsa, não se passando o mesmo na situação inversa.

46 - Esta falta de reciprocidade no cumprimento de uma obrigação dita solidária colide com a própria natureza do regime de solidariedade passiva segundo o qual havendo vários sujeitos passivos, mesmo que obrigados em termos diversos ou sendo diferente o conteúdo das prestações de cada um deles, qualquer destes responde perante o credor comum pela prestação integral, cujo cumprimento a todos exonera (art.º 512.º do CC).

47 - Ora, no contrato que se analisa só a “A" responde pessoal e solidariamente diante de uma eventual violação das obrigações da Requerente perante o Banco, circunstância que claramente evidencia a posição de garante da “A" perante o Banco.

48 - Assim, atendendo ao enquadramento fiscal aplicável, comprova-se que a cláusula (n) do Contrato de Cash Pooling traduz uma garantia pessoal das obrigações - uma espécie de fiança " encapotada"-, na medida em que o Banco acaba por ter dois patrimónios distintos à sua disposição que se responsabilizam pelo seu bom cumprimento.

49 - Ficando por esse motivo sujeita a imposto do selo nos termos da verba 10 da TGIS e do n.º 1, do art.º 1.º do CIS.

50 - Demonstrada a existência da garantia e a sua consequente sujeição a imposto do selo apresenta a Requerente duas situações que podem obstar à concretização da sua tributação.

51 - Na primeira, considera a Requerente que na parte eventualmente quantificável no momento da sua prestação (i.e., eventual garantia dos honorários a serem pagos pelos serviços financeiros prestados pelo Banco - cláusula (n) do Contrato), esta seria materialmente acessória de uma realidade especialmente tributada nos termos previstos na TGIS (Verba 17.3.4), sendo constituída simultaneamente com a obrigação garantida já que, quer a eventual garantia, quer a obrigatoriedade de pagamento dos referidos honorários, seriam constituídas, em simultâneo, com a celebração do Contrato de Cash Pooling;

52 - Na segunda, no que respeita às outras obrigações eventualmente garantidas (i.e. eventual garantia da indemnização a ser paga por eventuais perdas ou danos em caso de incumprimento, por parte da Requerente, das obrigações gerais previstas no Contrato), a eventual garantia não seria quantificável no momento da sua prestação, pelo que a incidência a imposto do selo seria meramente teórica dada a impossibilidade de quantificar a respetiva base tributável.

53 - Quanto à primeira questão discordamos da Requerente na medida em que, como de seguida se demonstrará, não se encontra preenchido o requisito da acessoriedade material necessário para que a não sujeição opere.

54 - A verba 10 da TGIS é clara ao sujeitar as garantias a tributação, salvo quando forem materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente.

55 - A verba estabelece, assim, três requisitos cumulativos para que as garantias não sejam tributadas em sede de imposto do selo. São eles: (i) a existência de acessoriedade material entre a garantia e a obrigação; (ii) que a obrigação garantida seja especialmente tributada pela TGIS; e, (iii) haja simultaneidade entre o nascimento da obrigação garantida e a constituição da respetiva garantia.

56 - Sobre os requisitos da simultaneidade e da acessoriedade material das garantias já se pronunciou a DSIMT através do Ofício-circulado n.º 40091, de 17 de setembro de 2007 - entendimento que embora proferido a propósito das hipotecas é, com as devidas adaptações, aplicável a todo o tipo de garantias-, referindo que: a) A simultaneidade "…. Opera quando forem comuns as datas do contrato principal e do contrato de prestação de garantia". b) A acessoridade material verifica-se: "… quando existe um direito de crédito associado à sua sorte: a noção de acessoriedade exprime então a conexão temporal entre a garantia e o crédito garantido. Assim, quando exista acessoriedade e caso o crédito se extinga ou reduza, a garantia termina ou diminui. Não existe acessoriedade quando a hipoteca vise garantir não só as responsabilidades emergentes de um contrato de empréstimo, mas também as responsabilidades assumidas ou que venham a ser assumidas pelo mutuado [mutuário] junto da instituição de crédito e emergentes de quaisquer outras operações bancárias."

57 - O requisito da simultaneidade é de fácil averiguação uma vez que é pacificamente aceite que ele se verifica quando a garantia e a obrigação garantida nascem no mesmo dia, ainda que sejam constituídas ou formalizadas em documentos distintos.

58 - Quanto ao requisito da acessoriedade material só estará preenchido se existir uma conexão funcional entre a garantia e o crédito garantido. Ou seja, a garantia esgota-se e tem os seus limites na obrigação garantida.

59 - Ora, em relação ao cumprimento deste requisito entendemos que o mesmo não se verifica. Como resulta do disposto na cláusula (n), a garantia dada ao Banco não se resume apenas ao objeto do contrato de Cash Pooling que se tributa, indo muito para além das responsabilidades emergentes da cláusula (n) do contrato, que a Requerente conecta com a verba 17.3.4 da TGIS.

60 - De facto, o escopo da cláusula que se analisa é tão amplo que inclui responsabilidades de indemnização contra quaisquer perdas, custos ou danos, incluindo as resultantes da violação de deveres regulamentares ou legais;
cobertura de responsabilidades decorrentes de saldos devedores, descobertos, créditos vencidos, intencionais ou não; etc.

61 - Deste modo, inexistindo acessoriedade material da garantia em relação às contraprestações devidas ao Banco pela prestação de serviços de gestão de tesouraria estamos perante dois contratos distintos - um contrato de garantia e um contrato de prestação de serviços bancários-, como tal autonomamente tributáveis em sede de imposto do selo.

62 - Quanto à segunda questão também divergimos da Requerente porquanto o facto de se dizer que a garantia não será quantificável no momento da sua prestação não inviabiliza a sua tributação em sede de imposto do selo.

63 - Dispõe o n.º 3, do art.º 9.º do CIS que nos casos em que o valor dos contratos seja indeterminado, "a sua determinação é efetuada pelas partes, de acordo com os critérios neles estipulados ou, na sua falta, segundo juízos de equidade". Ou seja, nos termos da lei, a Requerente fica obrigada a atribuirlhe um valor no momento da sua prestação.

64 - Todavia, importa salientar que se estas regras não forem respeitadas pode a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, através de decisão fundamentada, proceder à alteração do valor tributável declarado que serviu de base à liquidação do imposto (cf. art.º 12.º do CIS).

65 - Do exposto, resulta claro que não existe nenhum obstáculo à tributação da garantia que dê cobertura às situações resultantes do incumprimento do Contrato de Cash Pooling por parte da Requerente, devendo a base tributável ser determinada de acordo com o estipulado no art.º 9.º do CIS.

III – CONCLUSÕES
66 - Face ao exposto, adotam-se as seguintes conclusões:

a) Das operações de Cash Pooling:
i. A execução das operações financeiras resultantes do Contrato de Cash Pooling que se apreciou estão sujeitas a imposto do selo;
ii. Enquadradas, à partida, como operações de crédito utilizado sobre a forma de conta-corrente, a sujeição a imposto faz-se nos termos da verba 17.1.4 da TGIS, e do n.º 1, do art.º 1.º do CIS;
iii. Tais operações podem beneficiar da isenção consagrada na al. g), do n.º 1, do art.º 7.º do CIS, desde que verificados os requisitos cumulativos aí previstos;
iv. Às noções de relação de domínio ou de grupo deve atribuir-se o conteúdo que lhes é dado no CSC, com as adaptações impostas pelo n.º 2, do art.º 7.º do CIS. Assim:
1 - As operações que se traduzam em utilizações de fundos transferidos da conta centralizadora para a conta bancária da Requerente estarão isentas desde que se verifiquem os demais requisitos legais;
2 - Já no que respeita às operações financeiras que se consubstanciem na transferência de saldos excedentários da conta bancária da Requerente para a conta centralizadora a referida isenção não se aplica;
v. Assim sendo, sempre que o sujeito passivo (Requerente) invoque a aplicação da isenção a estas operações, por considerar que estão reunidos os respetivos pressupostos deve estar em condições de demonstrar à AT, de acordo com o estatuído no n.º 2, do art.º 14.º e no art.º 74.º, ambos da LGT, o prazo das operações, a existência de carências de tesouraria na esfera da beneficiária e a relação societária com a beneficiária da operação.

b) Da Garantia:
i. Atendendo ao enquadramento fiscal aplicável conclui-se que a cláusula (n), aposta no Contrato de Cash Pooling, configura uma garantia das obrigações;
ii. Daí a sua sujeição a imposto do selo nos termos conjugados da verba 10 da TGIS e do n.º 1, do art.º 1.º do CIS;
iii. Inexistindo acessoriedade material da garantia em relação às contraprestações devidas ao Banco pela prestação de serviços de gestão de tesouraria estamos perante dois contratos distintos, como tal autonomamente tributáveis em sede de imposto do selo;
iv. O facto de o valor da garantia não ser quantificável no momento da sua prestação não inviabiliza a sua tributação em sede de imposto do selo;
v. Nesses casos cabe às partes fazê-lo, segundo os critérios previstos no art.º 9.º do CIS.