Doutrina Administrativa
Tributação do rendimento : IRC

Processo n.º 2015 003789

 

Assunto
Extensão da obrigação de imposto
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 30 de Março, 2017
Número: 2015 003789
Diploma: CIRC
Artigo: 4.º

Síntese Comentada

A presunção de existência de um estabelecimento estável em território português de uma entidade não residente, necessita que estejam preenchidos diversos requisitos. No caso em análise trata-se de uma empresa cuja atividade consiste no desenvolvimento e comercialização de diversos produtos que são vendidos para diversos Estados-Membros da União Europeia e países terceiros, e que recorre[...]

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Doutrina

Extensão da obrigação de imposto

A questão em apreço é a de saber se uma entidade não residente, cuja atividade consiste no desenvolvimento e comercialização de diversos produtos, que são vendidos para diversos Estados-Membros da União Europeia, bem como para países terceiros, possui ou não estabelecimento estável em território português.

1 - A entidade não residente recorre a agentes económicos estabelecidos, para efeitos fiscais, em Portugal.
Não possui qualquer presença física em Portugal - em termos de meios técnicos ou humanos, sendo toda a gestão da sua atividade efetuada a partir do país da sua sede.

2 - Os agentes económicos estabelecidos em Portugal com quem a entidade não residente efetuou os contratos, entre outras, desenvolvem as seguintes atividades:
a) Produção de produtos através da contratação de serviços de transformação ("trabalho a feitio")
Neste caso a entidade não residente contrata fornecedores portugueses para desenvolverem e fabricarem os produtos, aos quais entrega os componentes necessários para serem transformados em produtos acabados, não sendo transmitida, portanto, a propriedade dos componentes.
Neste âmbito, é faturado à entidade não residente um serviço de transformação.
Na execução do serviço contratado, os fornecedores portugueses devem cumprir rigorosamente, tanto o cronograma de produção definido pela entidade não residente, bem como os tempos de entrega acordados pelas partes em relação ao produto.
Os produtos produzidos devem ser de qualidade e respeitar as especificações e termos contratuais, como sejam os materiais utilizados, os desenhos dos moldes, as normas de segurança a seguir.
Caso os produtos não satisfaçam todos os requisitos exigidos, a entidade não residente pode, a seu exclusivo critério, exigir aos fornecedores portugueses a respetiva reparação, a expensas daqueles, bem como estes são responsáveis por qualquer prejuízo sofrido.
A entidade não residente pode rescindir os contratos celebrados, com efeitos imediatos, caso os fornecedores não repararem o defeito ou não o façam no prazo estipulado ou ainda seja economicamente inviável ou não razoável.
Os fornecedores portugueses não trabalham exclusivamente para a entidade não residente, com exceção de um que labora em exclusivo para aquela.
b) Prestação de serviços logísticos de armazenamento de stock, tratamento das encomendas e envio dos produtos acabados para os clientes.
Os agentes económicos estabelecidos para efeitos fiscais em Portugal, que prestam estes serviços preparatórios ou auxiliares para a entidade não residente podem ser alterados com alguma frequência, porquanto se procede a uma constante negociação dos termos e condições propostos para a realização daqueles serviços, sendo adjudicado os mesmos em função da melhor proposta.
O fornecedor responsável pela prestação de serviços de armazenamento de stock e tratamento de encomendas labora em exclusivo para a entidade não residente.
A propriedade dos stocks não é transferida para o fornecedor português, permanecendo, a todo o momento, na esfera da entidade não residente.
As operações de armazenagem são registadas através de um sistema de Gestão de Armazém concebido pela entidade não residente, cujo acesso é concedido ao fornecedor português, o que permite àquela entidade exercer a todo o momento pleno controlo sobre o processo de logística.
A entidade não residente é responsável pelo nível de inventário, nível de qualidade dos itens inventariados, pela escolha dos fornecedores dos serviços e prestadores de serviços de frete.
O serviço prestado é faturado numa base mensal.
Na prestação de serviços de transporte, as entidades transportadoras que são contratadas são submetidas a um processo de triagem, passando por várias fases de seleção, sendo selecionada a empresa que apresente os melhores preços e qualidade de serviços.

3 - Em termos de incidência pessoal ou subjetiva, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, consideram-se sujeitos passivos de IRC as sociedades comerciais e civis sob a forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português, incluindo as entidades desprovidas de personalidade jurídica (alíneas a) e b)), bem como as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede ou direção efetiva em território português e cujos rendimentos aqui obtidos não estejam sujeitos a IRS (alínea c)).
Por outro lado, em termos de incidência real ou objetiva, relativamente às pessoas coletivas que não tenham sede nem direção efetiva em território português, aquelas apenas serão tributadas em Portugal pelo lucro imputável a estabelecimento estável situado em território nacional (alínea c), do n.º 1 do art.º 3º, do CIRC) e, bem assim, quando os rendimentos não sejam imputáveis a estabelecimento estável, pelos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e pelos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito (alínea d), do n.º 1 do art.º 3º, do CIRC).

4 - Ora, o conceito de estabelecimento estável encontra-se definido no art.º 5.º do CIRC, através do qual se adota um conceito idêntico ao consagrado no art.º 5.º da Convenção Modelo da OCDE, que igualmente foi o seguido na Convenção entre Portugal e o país de origem da entidade não residente para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital e no seu Protocolo Adicional, doravante designada por CDT.
Pelo que, na interpretação das normas relativas à existência em território nacional de um estabelecimento estável se recorrerá aos Comentários ao Modelo de Convenção OCDE.

5 - A entidade não residente não possui em território nacional, qualquer presença física que determine a existência de uma instalação fixa através da qual exerça a sua atividade.

6 - Na falta de uma instalação fixa e quanto à existência de um estabelecimento estável em Portugal da entidade não residente, no que concerne às relações estabelecidas entre aquela e os fornecedores portugueses com que contrata nos termos expostos, importa determinar o grau de dependência – jurídica e económica – entre o agente e a empresa por conta de quem aquele atua, bem como se o agente tem e habitualmente exerce poderes para celebrar contratos em nome da entidade não residente.

7 - Assim, verifica-se que:
i) As sociedades portuguesas que produzem os produtos e prestam serviços de armazenagem e de transporte para a entidade não residente desenvolvem a respetiva atividade tendo que cumprir escrupulosamente todo o plano e cronograma de produção dos produtos definido por aquela entidade. Donde, estão sujeitas a instruções detalhadas bem como a um controlo significativo quanto ao modo como realizam esse trabalho o que evidencia uma forte dependência jurídica dos fornecedores portugueses.
Contudo, não se pode afirmar que se trata de uma dependência absoluta, pois que os fornecedores portugueses não estão sujeitos a um controlo geral, praticam atos jurídicos em nome próprio e são livres quanto ao modo de organizar o seu trabalho e escolher os seus empregados.
ii) É relevante, para o efeito de averiguar a dependência económica do agente, apurar qual o valor de compra dos produtos acabados pela entidade não residente às sociedades portuguesas com quem contrata, no sentido de se apurar se aquelas transações se processaram nas condições normais de mercado.
Ora, in casu, não se dispunha de elementos que permitissem verificar se estão a ser respeitadas as regras dos preços de plena concorrência ou se, pelo contrário, estão a ser praticados preços inferiores aos praticados nas condições normais de mercado.
Quanto à sociedade portuguesa, não presta, atualmente, serviços para outras entidades para além da entidade não residente, pelo que fica substancialmente dependente economicamente desta.
iii) Quanto ao requisito dos poderes para «celebrar contratos», atentos os dados fornecidos, não parecia que as sociedades portuguesas tivessem poderes para celebrar contratos em nome da entidade não residente.

Os agentes portugueses não têm poderes para alterar os produtos ou o material a utilizar na sua produção, nem afastar o cumprimento de nenhum termo que diga respeito à carteira de clientes da entidade não residente. Bem como os contactos e definição dos termos dos contratos celebrados entre aquela e os seus clientes pareciam ser estabelecidos pela própria entidade não residente.

8 - Destarte, pese embora as entidades com quem a entidade não residente contrata em Portugal revelem alguma dependência jurídica e, no caso de um dos fornecedores portugueses também económica, não pareciam estar reunidos todos os requisitos para aquelas serem qualificadas como agentes dependentes, nos termos do artigo 5.º Convenção celebrada.
Parece-nos assim que, quanto às atividades descritas e tendo em conta os precisos termos em que foram enunciadas, a entidade não residente não possui em Portugal um estabelecimento estável.