28 de Agosto, 2024
Diário da República n.º 166/2024, Série I de 2024-08-28
- Portaria n.º 195/2024/1
6 de Setembro, 2017
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Criar conta gratuita Ver planos e ofertas Já sou assinanteNos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária foi apresentado um pedido de informação vinculativa atinente ao enquadramento em sede de imposto do selo da seguinte questão jurídico-tributária: "Aquando da celebração da escritura pública das hipotecas para garantia dos valores dos créditos (capitais mutuados, respetivos juros e despesas conexas), tal como previsto no Plano de Recuperação homologado da ora Requerente, é ou não devido o Imposto do Selo da verba 10 da TGIS?"
I - DESCRIÇÃO DOS FACTOS CUJA QUALIFICAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA SE PRETENDE
A Requerente apresentou junto do Tribunal (…) um Processo Especial de Revitalização (PER) - artigos 17.º-A e seguintes do CIRE-, que correu termos sob o n.º (…), tendo o respetivo Plano de Recuperação (“Plano") sido objeto de homologação, em (…), com a prolação da sentença, e transitado em julgado, em (…).
Nos termos do “Plano" a Requerente encontra-se obrigada a promover a concretização de específicas (segundas e terceiras) hipotecas destinadas a garantir/assegurar os créditos financeiros dos Bancos que viabilizaram a aprovação do PER.
Em garantia do capital mutuado, dos respetivos juros e despesas conexas a Requerente terá de constituir a favor dos Bancos, na proporção dos respetivos créditos, hipotecas voluntárias sobre imóveis registados em seu nome.
II - ANÁLISE
De acordo com a Requerente as hipotecas a prestar enquadram-se na alínea a) do artigo 269.º do CIRE, estando por isso isentas do pagamento de imposto do selo dado que estão indiscutivelmente ligadas às providências de recuperação financeira aprovadas e homologadas no “Plano".
A hipoteca não constitui, em si mesma, um meio de recuperação da empresa, nem sequer uma providência de reestruturação financeira, é antes uma garantia especial das obrigações a favor dos credores que dela venham a beneficiar, instrumental para o sucesso daquela. Tanto assim é que as garantias convencionadas durante o PER, com a finalidade de proporcionar ao devedor os necessários meios financeiros para o desenvolvimento da sua atividade, mantêm-se a favor dos credores mesmo que, findo o processo, venha a ser declarada, no prazo de dois anos, a insolvência do devedor (Cf. n.º 1, do artigo 17.º - H do CIRE).
A constituição destas garantias traduz-se, assim, no direito de os credores financeiros (credores que disponibilizem meios financeiros ou capital) aderentes ao “Plano" se fazerem pagar preferencialmente pelo produto de certos bens do devedor (ou de 3.os), em caso de incumprimento, alcançando, deste modo, a satisfação dos respetivos créditos, dado que gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores (Cf. n.º 2, do artigo 17.º - H do CIRE).
Este entendimento sai ainda reforçado pela leitura do n.º 6, do artigo 120.º do CIRE onde é dito que os negócios jurídicos celebrados no âmbito do PER, com a finalidade de prover ao devedor os meios de financiamento suficientes para viabilizar a sua recuperação, são insuscetíveis de resolução em benefício da massa insolvente.
Por outro lado, como bem destacam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda referindo-se às garantias: "Em nenhum caso, pois, ela se projeta, em rigor, sobre o passivo do devedor, que continua intocado, o que, precisamente, fundamenta o aparecimento da garantia como forma privilegiada de tutela do credor. É, assim, impróprio incluir a menção de constituição de garantias entre as providências que, no texto expresso do corpo do n.º 1, têm incidência sobre o passivo do devedor. (…) Mas isso, realmente, não se reflete no passivo, visto que não contende com a subsistência nem com o conteúdo das dívidas. De sorte que, mesmo quando, onde se lê «constituição de garantias», no n.º 1, al. d), devesse entender-se a existência de um lapso de escrita e proceder-se à respetiva correção - como pareceria sugerir o n.º 2-, de modo a ter-se por dita a extinção delas, (…) ". (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, anotação ao n.º 1, do artigo 196.º do CIRE, págs. 758 a 761).
Resulta assim que, contrariamente à modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juros dos créditos (alínea c), do n.º 1.º do artigo 196.º do CIRE), a hipoteca não é uma verdadeira providência de recuperação com incidência no passivo.
A isto acresce ainda o facto de o elenco taxativo das isenções relativas ao imposto do selo previstas no artigo 269.º CIRE não fazer nenhuma referência a hipotecas ou a qualquer outro tipo de garantia especial das obrigações. A norma isenta, isso sim, um conjunto de outros factos normalmente sujeitos a imposto do selo, mas dele isentos, conquanto verificados no âmbito dos planos de insolvência, de pagamento, ou de recuperação, ou na liquidação da massa insolvente. (Nesse sentido Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, anotação ao artigo 269.º do CIRE, págs. 968 a 969, ob. citada; Maria José Esteves, Sandra Alves Amorim, Paulo Valério, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Vida Económica; Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, págs. 717 a 719).
Sublinhe-se que, ainda no domínio do CPEREF (artigo 120.º, que corresponde ao atual 269.º do CIRE), o Supremo Tribunal Administrativo decidiu pela inaplicabilidade desta isenção à constituição de hipotecas (Ac. STA n.º 0592/11, de 2011-11-23).
Num percurso histórico/normativo pelo direito da insolvência e da recuperação de empresas português (Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de julho; Lei 3/92, de 4 de abril, que autorizava o Governo a legislar em matéria fiscal no sentido de isentar de imposto municipal de sisa e de imposto do selo algumas providências adotadas no processo especial de recuperação de empresas regulado pelo Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de julho; Lei 16/92, de 6 de agosto, que autorizava o Governo a legislar relativamente aos processos especiais de recuperação das empresas e de falência; Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF); Lei 39/2003, de 22 de agosto, que autorizava o Governo a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e coletivas; Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de março, que aprovou o CIRE; proposta de Lei n.º 39/XII e a consequente Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, que procedeu à sexta alteração ao CIRE, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização) forçoso é concluir que em nenhum destes diplomas o legislador previu que as hipotecas (ou quaisquer outras garantias) pudessem beneficiar da isenção de imposto do selo quando constituídas no âmbito de um processo de insolvência, ou de reestruturação, ou de recuperação.
Por outro lado, o preâmbulo do CIRE limita-se a dizer no seu ponto 49 que: " Mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação da infração penal".
Por sua vez, no n.º 10, do preâmbulo do CPEREF podia ler-se: "Além de um tratamento bastante favorecido dos dois processos abrangidos pelo diploma no domínio das custas judiciais, adota-se ainda neste decreto-lei um conjunto de incentivos de natureza fiscal, através dos quais se procura especialmente evitar penalizações indevidas ou graves inconvenientes para as operações jurídicas, económicas ou financeiras em que pode desdobrar-se o processo de recuperação. Afastaram-se com essa intenção alguns encargos de caráter fiscal ou parafiscal relacionados com os negócios jurídicos suscetíveis de constituírem o meio de recuperação aprovado pelos credores, tendo nomeadamente em vista o imposto do selo, a contribuição autárquica, o imposto municipal da sisa e os próprios emolumentos devidos pelos atos (…)." Estes incentivos encontravam previsão expressa no artigo 120.º deste normativo e seriam acolhidos, com poucas modificações, pelo atual artigo 269.º do CIRE.
O que leva a concluir que a interpretação feita pela Requerente, no sentido de querer incluir as hipotecas no âmbito das isenções previstas do artigo 269.º do CIRE, não se encontra correta. E nem o facto do conteúdo do PER ser em traços gerais livremente fixado pelo devedor e, pelo menos, por um dos seus credores, podendo nele incluir todas as medidas que viabilizem a sua concretização, cabendo ao juiz o controlo da sua legalidade com vista à sua homologação, permite extrair diferente conclusão.
Observa-se, pelo contrário, que no benefício relativo ao imposto do selo previsto no CIRE, e nas leis que o antecederam, o legislador nunca quis incluir a constituição de hipotecas, nem qualquer outra garantia das obrigações, no elenco das isenções a conceder.
Se aceitássemos como válida a argumentação da Requerente estaríamos a integrar uma lacuna, onde como se viu ela não existe, por interpretação analógica do artigo 269.º do CIRE, violando a lei fiscal em matéria de benefícios fiscais e fazendo tábua rasa das regras de interpretação da lei, sobretudo da fiscal.
Desde logo, estaríamos a ignorar as regras gerais de interpretação consagradas no artigo 9.º do Código Civil, em particular o seu n.º 3, onde se dispõe, por apelo a critérios de objetividade, que o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 58 e 59).
Estaríamos ainda a violar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que veda a integração analógica de normas de isenção de imposto, embora consinta na sua interpretação extensiva, como, aliás, reconhece o legislador ordinário (Cf. artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
De natureza excecional, visto que afastam alguns dos princípios fundamentais do direito tributário - da capacidade contributiva, da igualdade e da generalidade-, as isenções, enquanto benefícios fiscais, são insuscetíveis de integração analógica, estando incluídas na reserva de lei relativa da Assembleia da República e sujeitas ao princípio da legalidade tributária, isto é, a sua criação, alteração ou extinção resultam diretamente da Constituição e da lei (Cf. artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa; artigos 8.º, n.º 1 e 11.º,n.º 4 da LGT).
Não é, portanto, constitucionalmente nem legalmente admitido ao intérprete ou à Administração integrar uma aparente lacuna numa norma tributária de isenção, como pretende a Requerente.
Não há igualmente de proceder à interpretação extensiva do artigo 269.º do CIRE de forma a abranger as garantias, pois, o legislador manteve desde sempre a mesma coerência sistemática sobre esta matéria, nunca dando sinais evidentes que tenha estado no seu espírito abranger pela isenção a constituição de hipotecas, ou de quaisquer outras garantias, mesmo quando previstas em planos de insolvência, de pagamentos, ou de recuperação aprovados e homologados no âmbito do PER, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
III - CONCLUSÃO
Por tudo o que vem exposto, e atendendo ao enquadramento legal vigente, somos de parecer pela inaplicabilidade das isenções previstas no artigo 269.º do CIRE às hipotecas voluntárias a constituir pela Requerente no âmbito do Plano Especial de Revitalização que serviu de base à presente informação, estando por isso as mesmas sujeitas a imposto do selo, nos termos conjugados do n.º 1, do artigo 1.º do CIS e da Verba 10 da respetiva Tabela Geral.
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