22 de Janeiro, 2024
Processo n.º 2016000219
Aquisição de quota social – sociedade detentora de direito de propriedade sobre imóvel e de direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico, na qual o subconcessionário edificou uma construção no exercício daquele direito
Síntese Comentada
6 de Setembro, 2017
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Aquisição de quota social – sociedade detentora de direito de propriedade sobre imóvel e de direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico, na qual o subconcessionário edificou uma construção no exercício daquele direito
Nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária foi apresentado um pedido de informação vinculativa, pelo sócio X da sociedade “Y, Lda", relativamente ao valor a considerar para efeitos de tributação em sede de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS), no caso de adquirir uma quota numa sociedade por quotas, ficando, assim, a deter mais de 75% do seu capital social e sendo esta sociedade detentora do direito de propriedade sobre um imóvel e, ainda, de um direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico, na qual o subconcessionário edificou uma construção no exercício daquele direito.
I – FACTOS APRESENTADOS
1 – A sociedade “Y, Lda", é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social dividido em duas quotas:
- 40%, pertencente a Z.
2 – O sócio Z pretende dividir a sua quota (40%) em duas quotas, cedendo, pelo respetivo valor nominal, uma quota de 35% a X.
3 – Desta forma, X ficará a deter 95% da totalidade do capital social da sociedade em questão.
4 – Esta sociedade é proprietária de um prédio urbano identificado no pedido, e detém, ainda, na sua esfera jurídica, o direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico.
II - ANÁLISE DO PEDIDO
Importa, desde já, começar por definir a questão que constitui o objeto do presente pedido de informação vinculativa, a qual se resume em saber o valor a considerar para efeitos de tributação em sede de IMT e de IS, no caso de aquisição de uma quota numa sociedade por quotas, ficando, assim, um dos sócios a deter mais de 75% do seu capital social e sendo a mesma detentora do direito de propriedade sobre um imóvel e, ainda, de um direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico, na qual o subconcessionário edificou uma construção no exercício daquele direito.
Diz-nos o n.º 1 do art.º 2.º do CIMT que “o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional", dispondo a al. d) do n.º 2 dessa norma que “(…) 2 - Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis: (…) d) A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto".
Constatamos, assim, que o IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre imóveis e das figuras parcelares desse direito, podendo estes direitos transmitir-se sob diversas formas ou ocorrer na constituição ou extinção de diversos tipos de contratos, qualquer que seja o título por que se operem. Além dos factos que integram a regra geral da incidência objetiva, o CIMT ficciona, como transmissões sujeitas a imposto, determinadas operações que direta ou indiretamente implicam a transmissão de bens imóveis e que se revestem de características económicas que justificam o seu enquadramento no âmbito da sua incidência.
Nesta decorrência, o legislador faz, expressa e intencionalmente, na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 1.º do CIMT alusão à insignificância do título translativo que, mesmo não sendo civilmente eficaz para produzir a transmissão de imóveis, sobretudo face ao artigo 875.º do Código Civil (CC), pode sê-lo para efeitos da incidência de imposto.
No CIMT, o conceito de transmissão não se identifica com o conceito matriz do direito civil, pois o que nele releva não é o ingresso deste ou daquele bem ou direito na esfera jurídico-patrimonial de determinado sujeito, mas sim a transmissão que faz com que a esfera patrimonial deste se veja aumentada ou enriquecida – o que se tributa é a transmissão de riqueza traduzida no incremento do património do contribuinte.
A prevalência da vertente económica ou material da transmissão sobre a forma utilizada é visível em vários preceitos ao longo do CIMT, nomeadamente nos seus n.ºs 2 e 3, do art.º 2.º, nos quais o legislador fiscal - que certamente não ignorava a noção civil de transmissão de bens imóveis, nem quis alterar essa natureza-, criou um conjunto de ficções legais para efeitos de incidência de IMT. Ou seja, em termos fiscais o conceito de transmissão encontra-se modelado, por um lado, para dispensar a validade formal dos títulos translativos e, por outro lado, para acolher a vertente económica dos negócios onerosos sobre bens imóveis.
Com efeito, o CIMT alargou o conceito de transmissão de bens imóveis sujeita a imposto a alguns tipos de aquisições de partes sociais em sociedades, ou seja, não se trata de aquisições de imóveis, mas sim de partes do capital dessas sociedades.
O princípio que está subjacente à al. d) do n.º 2 do art.º 2.º do CIMT é precisamente procurar evitar que através da aquisição de quotas ou partes sociais em sociedades que possuam prédios no seu ativo, possa adquirir-se, de forma indireta, o domínio dos respetivos prédios, sem a respetiva tributação.
Deste modo, para prevenir e evitar que sejam utilizados mecanismos para não pagar imposto, o CIMT alarga e integra no conceito de transmissão onerosa de bens imóveis, tipificando tais aquisições como sujeitas, desde que reunidos os pressupostos seguintes: - a aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, excluindo as sociedades anónimas, quando essas sociedades possuam bens imóveis (rústicos ou urbanos) no seu ativo; - e que por essa aquisição resulte a detenção de, pelo menos, 75% do capital social ou quando o número de sócios se reduza a dois casados ou unidos de facto.
Ora, na presente situação, com a aquisição da quota de 35%, um dos sócios passará a deter 95% da sociedade “Y, Lda", a qual tem o direito de propriedade sobre um imóvel e, ainda, de um direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico, na qual o subconcessionário edificou uma construção no exercício daquele direito, o que, desde logo, determina a incidência de IMT sobre a dita aquisição.
A questão agora a resolver prende-se com o valor a considerar para efeitos de tributação da aquisição desta quota, em sede de IMT.
A Requerente considera que “(…) o prédio inscrito sob o artigo …… não deve contribuir para a liquidação de IMT, porque tal prédio, que a sociedade ocupa em regime de subconcessão, e sendo tal subconcessão suportada por um contrato que, sendo embora de longa duração, não confere à arrendatária qualquer expetativa de aquisição, quer do terreno, quer das benfeitorias que ela construiu, no momento em que vier a ocorrer a cessação do contrato (2031/MM/DD)".
Vejamos se lhe assiste razão.
A al a) da regra 19.ª do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT dispõe que “quando se verificar a transmissão prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º, o imposto será liquidado nos termos seguintes: a) Pelo valor patrimonial tributário dos imóveis correspondente à quota ou parte social maioritária, ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior".
Desta forma, a base de tributação é o valor patrimonial tributário dos imóveis que, proporcionalmente, corresponder à parte social maioritária ou o valor por que os imóveis constarem do balanço, se este for superior àquele.
A Requerente invoca que não tem qualquer expetativa de aquisição, no termo do contrato de subconcessão, do terreno ou das benfeitorias que construiu, pelo que o valor das mesmas não deve ser considerado para efeitos de cálculo do IMT a pagar.
No entanto, não obstante o facto de a sociedade, no termo do contrato de subconcessão, não ficar com a construção efetuada, não podemos olvidar o regime estipulado no DL n.º 468/71, de 5 de novembro (diploma ao abrigo do qual o contrato de subconcessão foi celebrado), o qual estabelecia, no seu art.º 21.º, o conteúdo do direito de uso privativo de parcelas de terreno do domínio público, dizendo-nos o n.º 2 desta norma que, se a utilização permitida envolvesse a realização de obras, o direito do uso privativo abrangia poderes de construção, entendendo-se que as construções efetuadas se mantinham na propriedade do titular da construção até expirar o respetivo prazo (cfr. o art.º 3.º do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio).
O que releva na presente situação é que no período de vigência do contrato de subconcessão, a sociedade é proprietária daquela construção, a qual é objeto de descrição autónoma tanto no registo predial como na matriz predial como prédio urbano.
Em relação à parcela de terreno, efetivamente não se pode falar de qualquer direito de propriedade por parte da sociedade, dado que tal parcela integra o domínio público hídrico.
E, como é sabido, os terrenos do domínio público não podem ser objeto de contratos de natureza privatística. Eles apenas podem ser objeto de contratos administrativos de concessão, como resulta expressamente do já revogado DL n.º 468/71, de 5 de novembro, que previa o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, regime este atualmente previsto na Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, na Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (os quais revogaram aquele diploma), e no DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio.
A dominialidade pública não obsta a que parcelas determinadas dos terrenos públicos sejam destinadas a usos privativos, de acordo com o regime legal constante dos diplomas mencionados.
De acordo com tal regime, as concessões, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares o direito de utilização exclusiva das parcelas dominiais a que respeitam, para os fins e com os limites consignados no respetivo título constitutivo, e, caso a utilização permitida envolva a realização de obras ou alterações, o direito do uso privativo abrange poderes de construção, transformação ou extração, conforme os casos, entendendo-se que tanto as construções efetuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da concessão até expirar o respetivo prazo.
Ainda que com autorização da entidade que conferiu a concessão, pode haver transmissão para outrem dessas construções e os edifícios construídos no terreno dominial podem ser hipotecados.
Portanto, e independentemente de existência de algumas limitações ao direito de propriedade, a verdade é que a sociedade, enquanto se mantiver titular da subconcessão, é a verdadeira proprietária das construções.
Ou seja, em termos de conteúdo do direito de uso privativo, o direito do subconcessionário sobre os edifícios ou prédios que tenha construído na área afeta ao seu uso privativo é, nos termos da lei, um verdadeiro direito de propriedade.
E, assim sendo, adquirindo o subconcessionário o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do direito de uso privativo do terreno do domínio público, as quais são objeto de descrição autónoma tanto no registo predial como na matriz predial, como prédios urbanos, torna-se inquestionável que o valor deste prédio também deverá ser levado em conta para efeitos do valor tributável, em sede de IMT, da aquisição da quota em questão, devendo o imposto ser liquidado nos termos da al. a) da regra 19.ª do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT, ou seja, “(…) pelo valor patrimonial tributário total dos imóveis correspondente à quota ou parte social maioritária, ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior", aplicando-se, posteriormente, a este valor a taxa de 6,5% - outras aquisições onerosas (al. d) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT).
Já no que diz respeito a IS e, contrariamente ao que acontece com o CIMT, o CIS não estabeleceu quaisquer presunções ou ficções legais por forma a criar, para efeitos deste imposto, um conceito de transmissão diferente do conceito de transmissão jurídica ou civil.
Por isso, ainda que se considere existir transmissão fiscal para efeitos de IMT na situação fáctica ora em análise, a mesma não está sujeita a IS (Verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo).
III – CONCLUSÃO
1 - No caso de aquisição de uma quota numa sociedade por quotas, ficando, assim, um sócio a deter mais de 75% do seu capital social e sendo essa sociedade detentora do direito de propriedade sobre um imóvel e, ainda, de um direito de subconcessão do uso privativo de uma parcela de terreno do domínio público hídrico, na qual o subconcessionário edificou uma construção no exercício daquele direito, para efeitos de IMT, ambos os direitos devem contribuir para a determinação do valor do imposto a pagar, devendo este imposto ser liquidado tendo por base o “valor patrimonial tributário total dos imóveis correspondente à quota ou parte social maioritária, ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior", de acordo com a al. a) da regra 19.ª do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT aplicando-se, posteriormente, a este valor a taxa de 6,5% - outras aquisições onerosas (al. d) do n.º 1 do art.º 17.º do CIMT).
2 - A situação fáctica em análise não está sujeita à verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
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