Doutrina Administrativa
Tributação do rendimento : IRC

Processo n.º 2020 005108/PIV 18994

 

Assunto
Operação de entrada de ativos com o destaque de um ramo de atividade para o fundir com uma sociedade já existente. Regime de neutralidade fiscal
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 1 de Abril, 2021
Número: 2020 005108/PIV 18994
Diploma: CIRC
Artigo: 73.º

Síntese Comentada

O regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 73.º e seguintes do CIRC considera elegíveis para a sua aplicação as entradas de ativos, definidas como operações em que a sociedade contribuidora transfere, sem que seja dissolvida, o conjunto ou um ou mais ramos da sua atividade para a sociedade beneficiária, tendo como contrapartida partes de[...]

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Doutrina

Operação de entrada de ativos com o destaque de um ramo de atividade para o fundir com uma sociedade já existente. Regime de neutralidade fiscal

No âmbito de uma operação de entrada de ativos, uma cooperativa mista de ensino superior (sociedade contribuidora) pretende transferir um dos seus ramos de atividade em benefício de uma sociedade (sociedade beneficiária) sua participada, que se dedica à atividade imobiliária.

O ramo de atividade a destacar prende-se com a gestão de imóveis, até porque esta é a atividade principal da sociedade beneficiária, ficando a sociedade contribuidora responsável por continuar a exercer a atividade educativa.

Internamente, a sociedade contribuidora vem exercendo, de forma autónoma, as duas atividades, tendo para o efeito alocado um conjunto de meios materiais e humanos distintos a cada uma delas. Concretamente no que diz respeito à atividade de gestão de imóveis, os recursos utilizados compreendem colaboradores administrativos exclusivamente dedicados à gestão de imóveis, serviços de limpeza, manutenção e segurança e seguros.

No que diz respeito ao exercício da atividade educativa, a sociedade contribuidora vem utilizando, entre outros recursos materiais e humanos, imóveis próprios e alheios, em que estes são objeto de contrato de arrendamento. Com a operação, todos os elementos alocados à atividade de gestão de imóveis serão transferidos para a sociedade beneficiária.

Quanto aos imóveis que atualmente são usados na atividade educativa, as sociedades (contribuidora e beneficiária) irão celebrar contratos de arrendamento.

Relativamente à atividade a transferir, a sociedade contribuidora não tem registado qualquer faturação, uma vez que todos os imóveis são utlizados na atividade educativa. Dai que não existam clientes para essa atividade.

Análise e enquadramento da operação
Segundo o n.º 3 do artigo 73.º do CIRC, do ponto de vista formal, são elegíveis para efeitos do regime de neutralidade fiscal, designadamente, as entradas de ativos, considerando-se como tais as operações em que a sociedade contribuidora transfere, sem que seja dissolvida, o conjunto ou um ou mais ramos da sua atividade para a sociedade beneficiária, tendo como contrapartida partes de capital desta última.

Para além disso, estabelece o n.º 7 do artigo 73.º do CIRC que as sociedades envolvidas na operação devem ser sujeitas e não isentas de IRC.

Regime de neutralidade fiscal aplicável às cooperativas
O facto de uma das entidades envolvidas ter a natureza de cooperativa, não é um obstáculo à elegibilidade da operação para efeitos deste regime, uma vez que o n.º 9 do artigo 73.º do CIRC torna extensível os seus efeitos, com as necessárias adaptações, às operações internas de fusão, cisão, entradas de ativos e permutas de partes sociais a outras entidades que não sejam sociedades, designadamente, cooperativas.

No entanto, é preciso ter presente que, as cooperativas gozam de um regime de isenção, tal como consagrado no artigo 66.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), pelo que a elegibilidade para efeitos do regime de neutralidade fiscal pode ficar comprometida por inobservância do disposto no suprarreferido n.º 7.

Precisamente, tal como estabelece o n.º 2 do artigo 66.º-A do EBF, as cooperativas dos demais ramos de atividade não previstos no n.º 1 do mesmo preceito legal, no qual se incluem as cooperativas de ensino, encontram-se isentas de IRC, embora esta isenção não abranja os resultados provenientes de operações com terceiros e de atividades alheias aos próprios fins.

Adicionalmente, importa referir que a isenção encontra-se dependente da verificação cumulativa de duas condições. Ou seja: a) Que 75% das pessoas que nelas aufiram rendimentos do trabalho dependente sejam membros da cooperativa, e; b) Que 75% dos membros da cooperativa nela prestem serviço efetivo, sem contar com os alunos e respetivos encarregados de educação

No presente caso, deu-se como provado que a sociedade contribuidora não se encontra a usufruir do referido benefício fiscal, dado que todos os rendimentos que aufere se encontram sujeitos a IRC e dele não isentos, pelo que se encontra observado o n.º 7 do artigo 73.º do CIRC.

Do conceito de ramo de atividade
O conceito de “ramo de atividade" está definido no n.º 4 do artigo 73.º do CIRC como sendo o “conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento".

Trata-se de um conceito próprio e autónomo de ramo de atividade, pelo que não haverá que recorrer ao conceito de ramo de atividade existente no direito societário para a sua interpretação.

Nesse sentido, tem sido entendido que, a referência a uma unidade económica autónoma aponta para a existência de uma pluralidade de elementos patrimoniais que estejam unidos por um vínculo económico, pelo que a transmissão de uma pluralidade de elementos sem qualquer coerência entre si ou a sua transmissão isolada não deve ser considerada como constituindo um ramo de atividade.

Por outro lado, também não deve ser considerado como constituindo um ramo de atividade um conjunto de elementos patrimoniais transmitidos para outra sociedade se esses elementos, na sociedade cindida, não tinham qualquer autonomia face a outras unidades económicas autónomas existentes, ainda que o venham a ter na sociedade beneficiária, até porque, de harmonia com o principio da continuidade que caracteriza este regime especial, os efeitos da operação não se devem fazer sentir, tudo se passando como se a operação não tivesse existido.

Quanto ao critério de autonomia, trata-se de um critério que deve ser determinado, em primeiro lugar, de um ponto de vista funcional, o que é dado pela capacidade de os ativos transmitidos serem capazes de funcionar como uma empresa independente, sem necessidade de recurso a investimentos adicionais e, depois, de um ponto de vista financeiro, que visa apurar se essa “empresa independente" é capaz de sobreviver financeiramente pelos seus próprios meios.

Neste caso, a análise deve incidir na perspetiva funcional, segundo a qual os ativos transmitidos pela sociedade contribuidora devem ser suscetíveis de funcionar como uma empresa independente, se estivermos na presença de um conjunto coeso de bens necessário ao exercício de uma determinada atividade.

Mas, no caso, não estava suficientemente claro que a atividade imobiliária de gestão de imóveis já vinha sendo exercida, de forma completamente autónoma, na sociedade contribuidora, tal como acontece na sociedade beneficiária.

Com efeito, embora tendo a sociedade contribuidora afeto um conjunto de ativos à atividade de gestão de imóveis, a qual não consta do seu objeto social, esses imóveis, próprios e arrendados encontravam-se afetos à atividade educativa. Daí a inexistência de clientes e, consequentemente, de faturação.

Deve, portanto, entender-se que os imóveis a transferir pela sociedade contribuidora, que são os imóveis onde exerce a atividade de ensino, devem continuar alocados a essa mesma atividade.

Nessa circunstância, deve entender-se que não existe outro ramo de atividade relativamente a esses imóveis e a sua desafetação não pode ser compensada através de um contrato de arrendamento, sob pena de se concluir que a atividade passará a ser exercida de forma diversa daquela que existia antes da operação de entrada de ativos.

Portanto, no caso em apreço, muito embora a operação tenha sido idealizada por forma a observar todos os requisitos de natureza formal e material de que depende a aplicação do regime de neutralidade fiscal, não ficou provado que os imóveis a transferir para a sociedade beneficiária configurassem, juntamente com outros elementos patrimoniais, um ramo de atividade, tal como se encontra definido no n.º 4 do artigo 73.º do CIRC, pelo que a operação não é elegível para efeitos daquele regime especial.