Doutrina Administrativa
Tributação do património : IMT

Processo n.º 2020000909 – IV n.º 18725

 

Assunto
Transformação de SA em Sociedade de Investimento Coletivo
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 15 de Dezembro, 2020
Número: 2020000909 - IV N.º 18725
Diploma: CIMT
Artigo: 2.º

Síntese Comentada

A sujeição a IMT na transformação de uma sociedade detentora de imóveis em sociedade de investimento coletivo (OII – organismo de investimento imobiliário) com a designação de SICAFI ou SICAVI, é a questão em análise nesta informação vinculativa. Nos termos do CSC a transformação de sociedades consiste na modificação do tipo societário, no presente caso,[...]

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Doutrina

Transformação de SA em Sociedade de Investimento Coletivo

I – PEDIDO
Nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), veio “X, S.A" (doravante Requerente), apresentar pedido de informação vinculativa sobre o enquadramento fiscal, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), da conversão de uma sociedade anónima num organismo de investimento coletivo, sob a forma societária (SIIMO, conforme refere), designadamente a confirmação de que esta operação não suscita uma transmissão onerosa do direito de propriedade dos imóveis detidos pela Requerente, passível de preencher os pressupostos de incidência de IMT.

II - FACTOS
1 – Em 11-09-2020, a Requerente foi adquirida pelo Grupo “Y".

2 – A Requerente tem como objeto social a promoção e realização de investimentos e de empreendimentos imobiliários, gestão de imóveis próprios, prestação de serviços nessas áreas de atividade e compra, comercialização e revenda de prédios adquiridos para esse fim, sendo titular de diversos imóveis.

3 – Em face da natureza da atividade por si desenvolvida, encontra-se projetada a conversão da “X, S.A." em sociedade de investimento imobiliário, sob a forma de sociedade anónima, forma jurídica que melhor satisfaz um modelo de gestão mais eficaz.

4 – A gestão do património detido pela Requerente, será efetuada por gestores profissionais, em Portugal, de acordo com as regras do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (RGOIC).

5 – Em face do exposto, a Requerente pretende que lhe seja prestada uma informação vinculativa, nos termos do art.º 68.º da LGT, confirmando que a operação em análise no presente pedido de informação vinculativa não suscita uma transmissão onerosa do direito de propriedade dos imóveis detidos pela Requerente, passível de preencher os pressupostos de incidência de IMT.

III – ANÁLISE DO PEDIDO
Na sequência da menção de normas revogadas na petição, foram solicitados esclarecimentos adicionais à Requerente no sentido de aferir qual o OIC em que a sociedade se pretendia transformar, designadamente se é numa sociedade de investimento coletivo nos termos do art.º 59.º-A e seguintes do RGOIC e qual a denominação que assumiria de acordo com o art.º 6.º do RGOIC.

Em …, a Requerente informou que, não obstante os n.ºs 2 e 3 do art.º 5.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 11, ambos do RGOIC, se encontrarem revogadas pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro, o seu reposicionamento sistemático (nos art.ºs 59.º-A e seguintes do RGOIC) não afeta a análise do pedido, porquanto o enquadramento jurídico-tributário desta operação será determinada pelo CIMT.

Efetivamente, o enquadramento fiscal desta operação será baseado no CIMT.
No entanto, não poderá a AT elaborar uma informação vinculativa baseada em normas já revogadas, invocadas pela Requerente, sem esta confirmar, como o fez, que o OIC em que se pretende transformar consubstancia-se numa sociedade de investimento coletivo, nos termos do art.º 59.º-A e seguintes do RGOIC.

Com efeito, dispõe a al. a) do n.º 1 do art.º 68.º da LGT que as informações vinculativas sobre a situação tributária dos sujeitos passivos devem ser acompanhadas da descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda e, na presente situação, invocando a Requerente a pretensão de se transformar num OIC regulamentado por normas já revogadas, não há uma definição clara dos factos que se pretendem o enquadramento jurídicotributário.

Importa referir que SIIMO era a sigla utilizada para os fundos de investimento imobiliário sob forma societária, no âmbito do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de março. Este regime foi revogado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro, a qual aprovou o RGOIC, e no qual se integrou a matéria dos organismos de investimento imobiliário.

Assim, atualmente, nos termos do ponto 2.º da subalínea ii) da al. aa) do n.º 1 do artigo 2.º do RGOIC, os organismos abertos ou fechados, cujo objeto é o investimento em ativos imobiliários, designam-se de organismos de investimento imobiliário (OII).

Os OII, sob forma societária, podem designar-se de SICAFI ou SICAVI consoante se constituam, respetivamente, com capital fixo ou variável (n.º 3 do art.º 6.º do RGOIC).

Ultrapassado este ponto e, tendo como assente que a Requerente se pretende transformar numa sociedade de investimento coletivo (sociedade anónima, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 59.º-C do RGOIC), passemos à análise do pedido.

Em primeiro lugar, cumpre-nos analisar se a transformação de sociedades desencadeia algum facto tributário em sede de IMT.

O regime da transformação de sociedades vem previsto nos art.ºs 130.º e seguintes do CSC, o qual, sob a epígrafe "Noção e Modalidades", dispõe o seguinte: "1 - As sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no artigo 1.º, n.º 2, podem adotar posteriormente um outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato. 2 - As sociedades constituídas nos termos dos artigos 980.º e seguintes do Código Civil podem posteriormente adotar algum dos tipos enumerados no artigo 1.º, n.º 2, desta lei. 3 - A transformação de uma sociedade, nos termos dos números anteriores, não importa a dissolução dela, salvo se assim for deliberado pelos sócios. 4 - As disposições deste capítulo são aplicáveis às duas espécies de transformação admitidas pelo número anterior. 5 - No caso de ter sido deliberada a dissolução, aplicam-se os preceitos legais ou contratuais que a regulam, se forem mais exigentes do que os preceitos relativos à transformação. A nova sociedade sucede automática e globalmente à sociedade anterior. 6 - A sociedade formada por transformação, nos termos do n.º 2, sucede automática e globalmente à sociedade anterior".

A transformação de sociedades consiste, assim, na modificação do tipo societário, no presente caso, de uma sociedade anónima para uma sociedade de investimento coletivo, não se verificando a dissolução da sociedade anterior, salvo se assim for deliberado pelos sócios, nem se constituindo uma nova sociedade, apenas se adotando outro tipo legal de sociedade.

Na presente situação, a Requerente (sociedade anónima) transformar-se-á numa sociedade de investimento coletivo e, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 59.º-C do RGOIC, estas sociedades adotam a forma de sociedade anónima.

Não obstante ambas as sociedades serem anónimas, a sociedade de investimento coletivo corresponde a uma sociedade anónima sujeita às regras específicas do RGOIC, não sendo apenas uma típica sociedade anónima à luz do CSC, pelo que sempre se dirá que existe uma transformação de sociedades.

Vejamos então,

Diz-nos o n.º 1 do art.º 59.º-A que “[a]s sociedades de investimento coletivo regem-se pelo presente Regime Geral e ainda pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais, salvo quando as normas deste se mostrem incompatíveis com a natureza e objeto específicos destes organismos ou com o disposto no presente Regime Geral".

A al. e) do n.º 2 do art.º 59.º-A do RGOIC dispõe que, entre outras, as normas respeitantes ao regime de fusão, cisão e transformação de sociedades de investimento coletivo são incompatíveis com o CSC.

Todavia, quererá esta norma referir-se à transformação de qualquer sociedade comercial num OIC ou apenas a transformações operadas entre diferentes tipos de OIC’s?

Analisando o Capítulo III do RGOIC com o título – “Vicissitudes dos organismos de investimento coletivo" –, designadamente a sua Secção I – “Fusão, cisão e transformação" –, deparamo-nos com o n.º 4 do art.º 28.º que, sob a epígrafe “Regime aplicável", dispõe que “[a] transformação e cisão de organismo de investimento coletivo regem-se pelas regras definidas em regulamento da CMVM".

Ora, sobre a matéria em análise, o Regulamento da CMVM n.º 2/2015, republicado pelo Regulamento da CMVM n.º 3/2020 – Atividade de Gestão de Organismos de Investimento Coletivo –, adiante Regulamento, vem desenvolver o regime previsto no RGOIC (cf. n.º 1 do art.º 1.º do Regulamento) e, no seu art.º 102.º, sob a epígrafe “Modalidades da transformação" dispõe que: “1 - É permitido a um organismo de investimento coletivo transformar-se: a) De aberto em fechado e vice-versa; b) De organismo de investimento alternativo em valores mobiliários em organismo de investimento coletivo em valores mobiliários; c) De organismo de investimento em ativos não financeiros em organismo de investimento imobiliário, incluindo especial, ou em organismo de investimento alternativo em valores mobiliários; d) De organismo de investimento imobiliário em organismo especial de investimento imobiliário e vice-versa. 2 - O organismo de investimento coletivo transformado não pode voltar a transformar-se".

A remissão do n.º 4 do art.º 28.º do RGOIC para o Regulamento da CMVM parece, assim, ser aplicável apenas à transformação deste tipo de OIC’s, porquanto o art.º 102.º do Regulamento elenca de forma taxativa as modalidades de transformação de um OIC, não abarcando a transformação das sociedades comerciais previstas no CSC em OIC’s e, portanto, não contemplando a situação em análise no presente pedido de informação vinculativa, ou seja, a transformação de uma sociedade anónima numa sociedade de investimento coletivo, ou seja, num OIC.

Neste pressuposto, afigura-se-nos que as incompatibilidades com o CSC previstas no n.º 2 do art.º 59.º-A.º do RGOIC, designadamente a constante da sua al. e), não se aplicam à situação descrita, pelo que serão de aplicar as regras do CSC, salvo quando as normas deste se mostrem incompatíveis com a natureza e objeto específicos destes organismos (o que desde logo é aferido pela CMVM aquando da constituição destes organismos, nos termos dos art.ºs 19.º a 26.º do RGOIC – Capítulo II – “Condições de acesso e de exercício da atividade") e com o RGOIC.

Desta forma, as disposições legais constantes do CSC (nomeadamente no art.º 130.º) não se mostram incompatíveis com a natureza e objeto específicos destes organismos e com o RGOIC, pelo que, salvo deliberação em contrário pelos sócios (que não é referido no pedido, logo não se partirá desse pressuposto), a transformação da Requerente não importa a sua dissolução nos termos do n.º 3 do art.º 130.º do CSC e, assim sendo, não haverá outra sociedade.

Pergunta-se então: Sendo a Requerente proprietária de vários imóveis e pretendendo, por razões várias, transformar-se numa sociedade de investimento coletivo, cujo regime se encontra previsto nos art.ºs 59.º-A a 59.º-E do RGOIC, esta transformação terá implicações em sede de IMT?

Para o efeito, torna-se necessário verificar se das disposições normativas relativas aos factos tributários sujeitos a IMT, existe alguma, na qual o caso sub judice se possa subsumir.

Veja-se, por isso, o art.º 2.º do CIMT, referente à incidência objetiva e territorial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido.

Deambulando pelos vários números e alíneas desta norma, conclui-se que a transformação, tal qual vem referida no pedido, não se subsume em nenhum deles.

Isto porque:

A transformação desta sociedade não pressupõe qualquer transmissão com carácter de onerosidade, um dos pressupostos de tributação de IMT, ínsita na norma dos art.ºs 1.º e 2.º do CIMT.

Para melhor compreensão do que ficou dito, chama-se à colação o parecer do Centro de Estudos Fiscais n.º 59/2011 que, embora incidente em matéria relativa à transformação de uma sociedade anónima em sociedade unipessoal por quotas, se pode aplicar certas referências ao caso aqui em análise.
"[o] CIMT tipifica quais as situações que dão origem a tributação por via do alargamento da noção de transmissão. A transformação das sociedades não é uma das situações tipificadas no alagamento da incidência. E percebe-se que assim seja porquanto estamos perante uma mesma pessoa coletiva que adotou um outro tipo social ou seja assumiu um conjunto de características diferentes mas com a mesma personalidade jurídica ou seja, é o mesmo ente detentor dos mesmos direitos e deveres anteriores. Sabemos que a noção de pessoa coletiva corresponde a uma ficção jurídica criada pela ciência do direito para permitir que substratos de pessoas e bens possam atuar na ordem jurídica facultando e facilitando a organização da vida social e económica. (…) No direito tributário é relevante a interpretação e abordagem económica da situação de facto ou seja a vantagem económica ou o efeito útil que se retira da situação factual. É com base nestes critérios que se construiu um conceito de transmissão em IMT diferente do comum, enquadrando todas as situações detetáveis em que o efeito económico do ato é equivalente à aquisição da propriedade. De entre estas destaca-se a detenção por um sócio de uma participação maioritária numa sociedade detentora de um bem imobiliário.
Neste contexto a detenção de uma participação maioritária é equivalente à detenção do bem porquanto o sócio maioritário poderá fazer dele o que bem entende. A transformação da sociedade em si mesma considerada não dá qualquer vantagem aos sócios ou à sociedade e não está na norma de incidência do IMT. Parece resultar claro que aquilo que determina a incidência em IMT não é a constituição de uma sociedade ou a sua transformação mas "uma participação dominante em determinadas sociedades se o seu ativo for constituído por bens imóveis
".

Diremos, portanto, que a modalidade de transformação de sociedade reconduzida ao caso descrito no presente pedido de informação vinculativa não está sujeita a IMT.

IV – CONCLUSÃO
Em face ao exposto, conclui-se que a alteração de uma sociedade anónima para uma sociedade de investimento coletivo (ainda que também esta assuma a forma legal de sociedade anónima), não está sujeita a IMT, porquanto não se enquadra em nenhuma norma de incidência de IMT (art.º 2.º CIMT).