Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

Processo n.º 4988/2013, de 23 de maio

 

Assunto
Isenções - Atividade de prestamista por meio de empréstimos caucionados – Taxa de avaliação do bem dado sob garantia – Recebimento dos juros e a emissão de fatura.
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 23 de Maio, 2013
Número: 4988
Diploma: CIVA
Artigo: 9º; al. b) do n.º 1 e nº 3, ambos do art. 29.º.

Doutrina

Isenções - Atividade de prestamista por meio de empréstimos caucionados – Taxa de avaliação do bem dado sob garantia – Recebimento dos juros e a emissão de fatura.

I - Pedido

A Requerente solicita, nos termos do art. 68.º da Lei Geral Tributária ("LGT"), a emissão de uma informação vinculativa com o propósito de se determinar o enquadramento jurídico-tributário, para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA"), referente à obrigação de emissão de fatura, no que concerne os juros auferidos pelo exercício da atividade de prestamista.

II - Enquadramento jurídico-normativo

1. De conformidade com os dados obtidos junto do cadastro de contribuintes, a Requerente, que se dedica à atividade de prestamista, é um sujeito passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA"), enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, pelo exercício da atividade de comércio a retalho de artigos em segunda mão, em estabelecimentos especializados (CAE 47790).

2. O regime jurídico do acesso, exercício e fiscalização da atividade de prestamista, encontra-se regulamentado no Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de setembro.

3. De acordo com este diploma normativo, a noção de atividade de prestamista reporta-se ao "exercício por pessoa singular ou por pessoa coletiva da atividade de mútuo garantido por penhor" (vide art. 1.º do referido diploma legal).

4. Por seu turno, o contrato de mútuo, garantido por penhor, assume as características intrínsecas dos contratos de mútuo civil, cuja definição se encontra plasmada no art. 1142.º do Código Civil, i.e., "Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade".

5. Não obstante, em virtude de especificidades próprias, que extravasam as do contrato de mútuo simples, o contrato de mútuo, garantido por penhor, acabou por instituir-se enquanto tipo contratual nominativo autónomo, cujos elementos estruturantes/essenciais constam do art. 11.º do supra mencionado Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de setembro.

6. Características, essas, das quais incumbe destacar: (i) concessão de um mútuo; (ii) obrigatoriedade legal de redução, do contrato, a escrito, ficando o mutuante na posse de um original, titulado de "termo de penhor", e o outro, destinado ao mutuário, denominado de "cautela de penhor"; (iii) descrição pormenorizada das coisas dadas em penhor; (vi) valor da avaliação dos bens dados em penhor; (v) descriminação do montante mutuado; (vi) indicação da taxa de avaliação e montante cobrado; que, de acordo com o art. 11.º do supra referido diploma legislativo, não pode exceder 1% do valor da avaliação do bem (esta taxa de avaliação visa determinar o valor do bem dado de penhor, no sentido de se aquilatar o montante a mutuar); (vii) indicação da taxa de juro (cujo montante máximo é estabelecido por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Economia); (viii) menção das regras indemnizatórias, na eventualidade de extravio, furto ou perda das coisas dadas em penhor; (ix) descrição das condições de amortização, (x) descrição das condições de resgate das coisas dadas em garantia.

7. Realce-se, por seu turno, que, em caso de mora, por período superior a 3 meses, a entidade prestamista tem, nos termos do n.º 1 do art. 20.º do referido DL 365/99, de 17 de setembro, a faculdade/prerrogativa de poder alienar o bem dado em penhor. Sendo, essa venda, suscetível de efetivar-se por intermédio de proposta em carta fechada, leilão ou venda direta. Adjudicando-se, dessa forma, o bem, à proposta/licitação de maior valor.

8. Por essa adjudicação, a entidade prestamista tem o direito de receber uma taxa de venda, que, nos termos do art. 25.º, daquele diploma normativo, corresponderá a 11% do preço adjudicado.

9. Face a este acervo de dados/elementos constata-se que a atividade de prestamista pode ser decomposta num conjunto de "itens"/operações, de índole económico, com diferentes enquadramentos jurídico-tributários, em sede de IVA.

10. Falamos, essencialmente de: (i) empréstimo/mútuo; (ii) taxa de juro; (iii) taxa de avaliação; e (iv) taxa de venda/comissão de venda.

11. Quanto ao primeiro destes "itens"/operações, convirá realçar, que, para efeitos de IVA, a concessão de um mútuo configura a prática de uma prestação de serviços.

12. Algo que resulta da natureza residual do conceito de prestação de serviços, que se encontra legalmente instituído pelo n.º 1 do art. 4.º do CIVA. Realce-se que este normativo é consequência da transposição, para a ordem jurídica interna, do conceito de prestação de serviços, providenciado pelo art. 24.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho ("Diretiva IVA").

13. Não obstante, e de acordo, aliás, com a subalínea a) da alínea 27.º do art. 9.º do CIVA (que corresponde, em termos parciais, à transposição, para a ordem jurídica interna, do conteúdo normativo vertido na alínea b) do n.º 1 do art. 135.º da supra mencionada Diretiva IVA), as operações de concessão de crédito são consideradas como operações sujeitas, mas isentas de tributação.

14. Por seu turno, e no que concerne as restantes operações, em que se pode decompor a atividade de prestamista, i.e., (i) taxa de juro; (ii) taxa de avaliação; e (iii) taxa de venda/comissão de venda, haverá que apurar se as mesmas podem ser reconduzidas à noção de prestações conexas com a prestação principal (que, como se referenciou, se reconduz à concessão do mútuo, garantido por penhor).

15. De facto, apenas provando-se essa conexão/acessoriedade, poderão, estas operações, vir a beneficiar da isenção de imposto, atribuída à concessão de mútuos, prevista na supra referida subalínea a) da alínea 27.º do art. 9.º do CIVA.

16. Com o propósito de se proceder a essa aferição, haverá que atender-se a um acervo de decisões jurisprudências, emanadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE"), que estabelecem um conjunto de critérios/requisitos necessários para que uma operação possa considerar-se, sob o ponto de vista fáctico-jurídico, como conexa/acessória de uma outra operação principal.

17. De entre tais acórdãos do TJUE, importará destacar os seguintes: Acórdão 0434/05, de 2007/14/06, Horizon College; Acórdão C-425/06, de 2008/02/21, Part Service SRL; Acórdão C-253/07, de 2008/10/16, Canterbury Hockey Club e Canterbury Ladies Hockey Club; e, mais recentemente, o Acórdão C-174/11, de 2012/11/15, Zimmermann.

18. Num esforço de sistematização das principais conclusões, que se extraem destes acórdãos do TJUE, no sentido de se proceder à conceptualização/definição técnico-jurídica de prestação conexa/acessória, haverá que realçar que apenas se podem considerar, como tais, as prestações de serviços que: (i) sejam disponibilizadas com o escopo, único, de permitir que a atividade principal, exercida, pelo sujeito passivo, seja realizada nas melhores condições (não constituindo, portanto, estas prestações acessórias/conexas, um fim em sim mesmas); (ii) a referida disponibilização dos serviços conexos/acessórios seja de uma natureza ou de uma qualidade tais que, na falta dos mesmos, não poderia ser assegurado que a atividade principal teria valor equivalente; e que (iii) a realização destas prestações conexas não se destine essencialmente a obter receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com outras empresas comerciais sujeitas a IVA.

19. Assim sendo, e face ao exposto, afigura-se linear a subsunção, neste conjunto de requisitos, do "item"/operação referente à taxa de juro.

20. De facto, o pagamento de juros constitui uma operação essencial/inerente (dir-se-ia até consequencial) à operação principal de concessão do empréstimo. Não sendo, portanto, suscetível de ser realizada de forma independente, e nem constitui, para o prestamista, um fim em si mesma.

21. Pelo que, constatando-se a sua acessoriedade, deve-se, naturalmente, entender que tal operação beneficia da isenção de imposto, atribuída à operação principal, de concessão do mútuo.

22. Por seu turno, e no que se refere à taxa de avaliação, importa sublinhar que a operação de avaliação do bem dado penhor é uma condição essencial para a concessão do empréstimo.

23. Não sendo, igualmente, uma operação suscetível de ser realizada de forma independente, ou que constitua, para o prestamista, um fim em si mesma (aliás, o próprio valor a mutuar é determinado com base no justo valor dos objetos dados em penhor).

24. Pelo que, esta operação deve, também, considerar-se conexa/acessória à prestação principal de concessão do mútuo.

25. O que significa que a mesma beneficiará, uma vez mais, da isenção de tributação constante da subalínea a) da alínea 27) do art. 9.º do CIVA.

26. Mas, o mesmo não pode ser dito, no que concerne a supra referenciada taxa de venda.

27. Na realidade, quanto a este último "item"/operação, constata-se, por um lado, que não faz parte dos elementos essenciais/estruturantes do contrato de mútuo, garantido por penhor.

28. Sendo, portanto, uma operação que extravasa a mera concessão do empréstimo.

29. Por outro lado, constitui, para o adquirente/adjudicatário, um fim em si mesma e não meramente um meio para beneficiar das melhores condições do serviço principal de prestamista (trata-se da compra/aquisição do bem, dado em penhor, por alguém que não assume, nessa operação, a natureza/papel de mutuário).

30. Para além disto, trata-se de uma operação que interfere, em termos concorrências, com atividades idênticas/paralelas, praticadas por outros sujeitos passivos de imposto.

31. O que, significa, em termos que se afiguram lapidares, que a mesma não pode reconduzir-se à noção de prestação conexa/acessória à prestação principal de concessão do mútuo, garantido por penhor.

32. Devendo, em concomitância, ser considerada como uma operação que não beneficia da isenção de imposto, constante da subalínea a) da alínea 27 do art. 9.º do CIVA.

33. Ou seja, trata-se de uma operação sujeita e não isenta de tributação.

34. Daqui resulta que, para efeitos de IVA, os prestamistas, devem ser considerados como sujeitos passivos mistos. Isto é, como sujeitos passivos que exercem atividades sujeitas, e, em simultâneo, atividades isentas de tributação.

35. Mais acresce que, em concomitância com o ponto 2.2 do Ofício Circulado n.º 30136, de 2012/11/19, emanado pela Direção de Serviços de IVA, apenas não existe a obrigação de emissão de fatura, nos termos do consignado no n.º 3 do art. 29.º do CIVA, quando se trate de sujeitos passivos que exerçam, em exclusivo, operações isentas de imposto, nos termos e para efeitos do art. 9.º deste mesmo diploma legal.

36. No entanto, e dado que, como vimos, a atividade de prestamista implica a prática de operações sujeitas, e, simultaneamente, a prática de operações isentas de IVA, não podem, concomitantemente, os respetivos sujeitos passivos beneficiar desta derrogação de obrigação de faturação.

37. O que significa que os mesmos terão, necessariamente, de emitir faturas por toda e qualquer prestação de serviços/transmissões de bens que venham a efetuar, nos termos e para efeitos do consignado na alínea b) do n.º 1 do art. 29.º do CIVA.

38. Com inclusão, necessariamente, das operações relativas à perceção dos juros devidos pela concessão de mútuos.

39. Ou seja, a Requerente deve, obrigatoriamente, emitir uma fatura, por cada pagamento de juros que seja efetuado pelo mutuário.

40. Dado ser este o momento em que se deve considerar, para efeitos do consignado no n.º 3 do art. 7.º do CIVA, que a prestação de serviços se realizou (vide igualmente, o n.º 1 do art. 64.º da Diretiva IVA).

41. De facto, a concessão de um empréstimo deve ser perspetivada como uma prestação de serviços de caráter continuado, dado que as contrapartidas, a ele atinentes, e que se objetivam no pagamento de juros, têm uma natureza sucessiva/fracionada, com períodos de vencimento que se vão concretizando/repercutindo ao longo do tempo. Não se esgotando, apenas, num único momento.

42. Não obstante, e como quedou supra exposto, inexiste, quanto a estas operações, qualquer obrigação de liquidação de imposto, visto tratarem-se de prestações de serviços conexas com a concessão do mútuo, e que beneficiam, assim, da isenção de tributação, constante da subalínea a) da alínea 27.º do art. 9.º do CIVA.

43. Realce-se, ainda, que a emissão destas faturas se deve conformar, na íntegra, com os requisitos formais, impostos por lei, e constantes, nomeadamente, dos n.ºs 5, 15 e 16 do CIVA.

44. Entre os quais se destacam: (i) as faturas devem ser datadas e numeradas sequencialmente. Nelas devendo-se incluir-se/discriminar-se: (ii) os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; (iii) a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; (iv) o valor do mútuo, (v) o motivo justificativo da não aplicação do imposto, i.e., menção à subalínea a) da alínea 27) do art. 9.º do CIVA); (vi) a data em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

45. Por seu turno, a indicação, na fatura, da identificação e do domicílio do adquirente ou destinatário que não seja sujeito passivo não é obrigatória nas faturas de valor inferior a €1.000, salvo quando o adquirente ou destinatário solicite que a fatura contenha esses elementos. Contudo, a indicação na fatura do número de identificação fiscal do adquirente ou destinatário não sujeito passivo é sempre obrigatória quando este o solicite.

III - Conclusões

46. Sendo a atividade de prestamista, uma atividade que envolve operações sujeitas a IVA, e, simultaneamente, operações isentas de imposto, não beneficiam, os respetivos sujeitos passivos, da derrogação de obrigação de emissão de faturas, que é concedida nos termos do n.º 3 do art. 29.º do CIVA.

47. Assim sendo, a perceção de juros implica a emissão de uma fatura, que deve obedecer aos requisitos formais/gerais constantes do art. 36.º do CIVA.

48. Não se liquidando, contudo, sobre estas operações, qualquer imposto. Visto tratar-se de uma operação conexa/acessória à prestação principal de concessão do mútuo, garantido por penhor, que beneficia, assim, da isenção de tributação, constante da subalínea a) da alínea 27) do art. 9.º do CIVA.