Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – Processo n.º 01328/17.6BEPRT
28 de Março, 2025
Sumário
I - A norma do artigo 662.º configura-se central na atribuição de poderes decisórios aos TCAs para reapreciação da matéria de facto, consubstanciada numa convicção própria de análise dos meios de prova produzidos ou disponíveis no processo, não apenas quando o julgamento de facto tiver sido impugnado pelas partes, como também, como previsto nos n.ºs 1 e 2, sem dependência dessa impugnação das partes, quando “os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (n.º 1).
II - Além de se consagrarem competências para sanar deficiências, obscuridades, contradições e incompletudes do julgamento de facto realizado pela 1.ª instância, mesmo da sua fundamentação, nos termos das als. c) e d), do n.º 2, do artigo 662.º do CPC.
III - Tais poderes do juiz em 2.ª instância, que não são dependentes da impugnação das partes, podendo ser exercidos oficiosamente, mais não visam senão contribuir para a descoberta da verdade material, habilitando à realização de um verdadeiro novo julgamento da matéria de facto, em ordem à formação da sua própria convicção, designadamente, para verificação se a convicção expressa pelo tribunal a quo possui tradução e suporte no material fáctico emergente da gravação da prova, em conjugação com os mais elementos probatórios constantes do processo.
IV - O direito ao arrendamento configurava-se na esfera jurídica da avó da Autora, possuindo a Autora direitos habitacionais apenas e na medida em que integrasse o seu respetivo agregado familiar e utilizasse a habitação em permanência, não se ausentando por um período superior a seis meses, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1, do artigo 24.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, diploma que se aplica ao contrato de arrendamento em causa, por força do disposto no n.º 2, do seu artigo 39.º.
V - A Autora apenas poderia beneficiar do direito à transmissão do arrendamento no caso de se encontrar na situação de habitar a casa à data do óbito há mais de um ano, nos termos da al. c), do n.º 1 do artigo 1106.º do CC, não sendo titular de qualquer direito próprio ao locado pela razão de, anteriormente, nele ter habitado.
VI - Não se verifica o pressuposto legal da transmissão por morte em relação à Autora, por a mesma não se encontrar a residir com a sua avó, em situação de economia comum, há mais de um ano, antes se verificando a situação prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 24.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, por não utilizar a habitação em permanência, estando ausente há mais de seis meses antes da ocorrência do óbito.
VII - Estabelece a al. a), do n.º 1, do artigo 25.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, que constitui causa de resolução do contrato pelo senhorio, além das previstas nos artigos 1083.º e 1084.º do CC, a situação de incumprimento de qualquer das obrigações previstas no artigo 24.º da Lei n.º 81/2024.
VIII - Sem que a factualidade apurada permita subsumir a ausência da residência do locado por parte da Autora a um caso de força maior, nos termos do disposto na al. a), do n.º 2 do artigo 1072.º do CC, desde logo, por não terem sido terceiros a impedir a residência, mas a própria titular do arrendamento.
IX - Constitui um direito de a titular do arrendamento determinar ou decidir com quem vive em situação de economia comum, nos termos do disposto no artigo 1093.º do CC.
X - Não está em causa uma situação de comunicabilidade do arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1068.º do CC, o que conduz a que não se verifique a exigência prevista na al. c), do n.º 1, do artigo 1106.º do CC, segundo o qual a transmissão por morte do arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva pessoa que com ele vivesse em economia comum há mais de um ano, por a Autora, à data do óbito da sua avó, não viver em economia comum, não se encontrando a habitar o locado com a sua avó, por vontade expressa da mesma.