Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Processo n.º 29303/4YIPRT.L1.S1
23 de Outubro, 2025
Sumário
I - Nos termos do artigo 149º, nº 1, do CIRE um dos efeitos da insolvência consiste na apreensão dos bens do devedor, plenamente justificada por ser imperioso que os créditos de todos os credores da insolvente, no âmbito de uma execução de natureza universal, sejam pagos em condições de necessária igualdade consoante a sua natureza e garantias, abrangendo tais créditos todos os bens na titularidade da insolvente.
II - Constitui obrigação específica de cada um dos credores da insolvente reclamar os seus créditos no processo de insolvência, aí exercendo os correspondentes direitos, sendo certo que o reconhecimento dos privilégios ou garantias sobre bens pertencentes ao devedor insolvente deve imperativamente ter lugar no quadro legal especialmente definido pelo CIRE.
III - Do que resulta que, nada obstando à apreensão a efectuar pelo administrador no âmbito do processo de insolvência, deixa de se justificar, carecendo de base legal, a detenção de quantias retidas por terceiro a título de garantia (caução), sendo que esta deverá reportar-se a créditos objecto de reclamação na insolvência (ainda que condicionalmente, nos termos do artigo 50º do CIRE).
IV – A simples e vaga probabilidade ou a absctracta conjectura acerca da futura (e incerta) actuação da Autoridade Tributária e dos Serviços da Segurança Social contra a ora Ré, respaldada no regime especial de responsabilidade solidária legalmente estabelecido no artigo 60º-B da Lei nº 49/2019, de 8 de Julho, - particularmente exigente (apenas abrangendo as eventuais – e ora desconhecidas – dívidas da insolvente ao Fisco e à Segurança Social que disserem concretamente respeito ao conjunto de trabalhadores identificados no anexo aceite pelos celebrantes do aditamento ao contrato – e não a outros), não constitui fundamento bastante para deixar fora do alcance do exercício dos poderes do administrador da insolvência, actuando em exclusivo benefício do interesse geral dos credores da insolvente, um conjunto de valores pecuniários que se integram de pleno no âmbito patrimonial da massa insolvente e que, por isso mesmo, a esta devem ser entregues.
V – Não há, portanto, base jurídica válida para diminuir na prática a garantia geral dos credores da insolvente quanto a montantes pecuniários a que esta tem indiscutivelmente direito e que se encontram actualmente retidos à espera de um acontecimento futuro e não previsível, não fazendo outrossim sentido que tenham obrigatoriamente de aguardar, a longo e distante prazo, pela verificação de outros imaginados factos extintivos (prescrição ou caducidade) do direito de acção desses hipotéticos credores do detentor.
VI - A tutela dos interesses gerais prosseguidos no processo insolvencial e a devida, atempada e integral satisfação do conjunto de credores reconhecidos da sociedade insolvente, em condições paritárias e em conformidade com os critérios legais fixados, impõem que a massa insolvente seja integrada por todos os valores que a esta são actualmente devidos, não se compreendendo a subsistência e eficácia da garantia invocada pela Ré, a qual não se funda em qualquer tipo de crédito sobre a insolvente de que seja (actualmente) titular, mas unicamente numa mera hipótese de possível exercício de direito de regresso futuro em função do regime especial de solidariedade passiva a que foi sujeita, de concretização completamente incerta e totalmente indefinida.