Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Processo n.º 3123/22.1T8STS.P2.S1
17 de Janeiro, 2025
Sumário
I – A figura da contradição entre julgados, enquanto requisito legal da admissibilidade da revista nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial e decisivo, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito finais opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.
II – O que releva para a contradição de julgados é a comparação entre a ratio decidendi, essencial e decisiva, que esteve na base do concretamente decidido, constante dos arestos em contraposição e não as diversas considerações jurídicas que tenham sido abordadas e quiçá largamente desenvolvidas, mas que não determinaram directamente o sentido de cada uma das decisões judiciais.
III - Em termos decisórios (independentemente de outras considerações jurídicas expendidas e que acabaram por não influir verdadeiramente na decisão tomada) não se verifica qualquer efectiva contradição de julgados entre os dois acórdãos em análise uma vez que, assentes em versões legislativas diversas do artigo 17º-F do CIRE (o acórdão recorrido com obediência ao regime introduzido pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, e o acórdão fundamento ao regime jurídico antecedente), ambos recusaram igualmente a aprovação do Plano de Recuperação aprovado, negando provimento ao recurso do apelante, o que significa que ambas as decisões em confronto têm exactamente o mesmo sentido quanto ao julgamento final da causa.
IV - Todos os outros cenários que se possam eventualmente tecer ou imaginar com base nas várias considerações desenvolvidas no acórdão fundamento não são, em termos técnico-jurídicos, susceptíveis de configurar contradição de julgados nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, precisamente porque não constituem a (verdadeira) ratio decidendi desse mesmo aresto.
V - A circunstância de existir coincidência entre a solução jurídica por que ambos optaram significa obviamente que qualquer tipo de fundamentação divergente que pudessem conter não foi, no caso concreto, essencial e decisiva para o julgamento (decisão) que cada um dos acórdãos proferiu, tratando-se, por conseguinte, de uma abordagem marginal ou acessória, um mero obter dictum, que não integrou a ratio decidendi do acórdão fundamento e que, por isso mesmo, não releva em termos da oposição de julgados que se encontra consignada no artigo 14º, nº 1, do CIRE.
VI – Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.