Jurisprudência

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Processo n.º 21509/19.7T8LSB.L2.S1

 

Número: 21509/19.7T8LSB.L2.S1
Data: 26 de Fevereiro, 2025
Tipo: Tribunais Judiciais
Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça

Sumário

I – O princípio da boa-fé impunha, só por si, à Ré, face a esse desvio funcional mais ao menos constante e duradouro por parte do Autor no sentido do desenvolvimento de atribuições e competências que cabiam dentro da categoria de Realizador, que a mesma lhe pagasse a retribuição correspondente aquelas e não apenas a remuneração relativa à de produtor.
II - Tal juízo sai reforçado pelas normas constantes da alínea b) do número 1 do artigo 127.º, 115.º, números 1 e 2 e 118.º do CT/2009, dado resultar das mesmas que a Recorrente deveria determinar e consentir apenas ao Autor [designadamente, na razão das suas habilitações académicas, que se situam no 12.º ano de escolaridade], a título principal e em termos permanentes, a execução das funções próprias da referida categoria de Produtor [sem prejuízo da concretização acessória de outras afins ou funcionalmente ligadas, que poderiam entroncar, eventualmente, nas previstas para Realizador, desde que o mesmo tivesse a qualificação adequada] e não as que, primordialmente, respeitavam a esta segunda categoria profissional.
III – Se a Ré - como esta própria parece afirmar - celebrou um acordo com o Autor no sentido deste desenvolver, como objeto contratual normal, a atividade profissional de produtor mas permitiu, desde logo, de forma expressa ou tácita, que aquele assegurasse, ainda que temporariamente, as funções de realizador, o que aconteceu por um período de tempo superior a 180 dias seguidos, provocou, dessa forma, o acionamento do regime do número 4 da aludida cláusula 11.ª do AE, com a inerente obrigação de liquidar, a título permanente, a retribuição correspondente a essas outras funções de realizador;
IV – Se a Recorrente assentou consensualmente o vínculo laboral dos autos na assunção inicial e única por parte do Autor das funções de realização, não havendo, assim e nessa medida, qualquer cenário de desvio temporário das funções acordadas que justifique a convocação direta do regime da dita Cláusula, tal revela-se contudo juridicamente indiferente, pois a Ré, ao beneficiar, sem oposição conhecida, do trabalho de realização desenvolvido pelo Autor nessas precisas condições e circunstâncias ao longo da vigência do contrato de trabalho formado com o mesmo, estava contratualmente obrigada a pagar-lhe a respetiva remuneração. V – Há lugar aqui à aplicação do princípio constitucional e legal de a «Trabalho Igual, Salário Igual» [artigos 13.º e 59.º, número1, alínea a) da CRP e 23.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, na parte aplicável], pois não há justificação para o Recorrido, apesar de desenvolver o mesmo quadro funcional dos demais realizadores da RTP, receber salário distinto e inferior ao daqueles, não constituindo obstáculo ou óbice ao funcionamento de tal regra central do Direito do trabalho a circunstância de o Autor não possuir as habilitações académicas necessárias à atribuição da correspondente Categoria Profissional.