Diploma

Diário da República n.º 216, Série I, de 2019-11-11
Acórdão n.º 546/10.2BECTB, de 30 de setembro

Acórdão do TCA Sul de 30 de setembro – Processo n.º 546/10.2BECTB – IVA – Métodos Indiretos

Tipo: Acórdão
Número: 546/10.2BECTB
Publicação: 18 de Novembro, 2019
Disponibilização: 30 de Setembro, 2019
I. O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia direta ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente-, ou de o não serem e de, então,[...]

Diploma

I. RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A....., LDA, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2005, no montante global de €122.111,48.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

Assim, nos termos do artigo 639° do Código de Processo Civil:
a) A douta sentença ora recorrida enferma dos vícios de erro de julgamento, violação do princípio da verdade material, incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, violação de lei, designadamente, dos artºs 74º, 81º a 83º, 87º b), 88º e 90º da LGT, bem como dos artºs 615º, n.º 1 c) do Cod. Proc. Civil e art.º 125º do CPPT.
b) Pese embora a matéria de facto ter sido dada integralmente provada, todos os factos apurados na acção inspectiva foram considerados factual idade assente, a decisão do tribunal "a quo" incorreu em contradição uma vez que, ao decidir como decidiu, substituiu-se ao impugnante, que não logrou provar ou contrariar a origem das entradas e saídas dos fluxos financeiros das contas tituladas pelos sócios, nem sequer logrou provar ou contrariar que aquelas contas não estavam afectas ao giro comercial da sociedade.
c) Como tal, foi violado o art.º 74° da LGT.
d) O recurso à avaliação indirecta, subsidiária da avaliação directa, deve ser feito apenas em situações específicas, nas quais a existência de um conjunto de omissões e irregularidades verificadas na contabilidade indiciem uma capacidade contributiva superior à declarada. Não existe discricionariedade da AT, na escolha da metodologia para tributação.
e) Não podemos concluir que, sempre que verificados erros e irregularidades na contabilidade, seja garantida a legitimidade do recurso a métodos indirectos.
f) A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real, pelo que a avaliação directa surge como um instrumento útil na descoberta da verdade material.
g) Posto que, a contabilidade, embora formalmente organizada de acordo com as normas contabilísticas e fiscais, pode não evidenciar o rendimento real.
h) Por isso, compete à AT em sede do procedimento inspectivo mostrar que o rendimento real não é o declarado, isto é, que a contabilidade não reflecte todos os rendimentos e gastos, ou seja, a real actividade do contribuinte.
i) As correcções à matéria tributável foram efectuadas numa perspectiva de balanço, ou seja, analisaram-se os recebimentos e pagamentos da sociedade, através de contas bancárias, afectas ao giro comercial da mesma, compararam-se com os valores constantes da contabilidade e apuraram-se as divergências.
j) O resultado tributável pode ser apurado de duas maneiras, ou pela via da demonstração de resultados, que corresponde à diferença entre gastos e rendimentos, ou pela via do balanço, a diferença entre activos e passivos (fluxos de financeiros de entrada e de saída).
k) Nunca se quantificaram litros de leite ou quilos de queijo; quantificaram-se entradas e saídas de fluxos financeiros.
l) Na inspecção, acedeu-se a toda a informação bancária (extractos, cópias de cheques e movimentos), suporte dos fluxos financeiros, quer em nome da sociedade, quer em nome dos sócios e familiares. Acederam-se a todos os elementos da contabilidade, designadamente, facturas e recibos emitidos, destacando-se os emitidos aos produtores de leite, não sujeitos passivos.
m) Destaca-se, ainda, o cruzamento e análise de dados, no procedimento inspectivo, que foi exaustiva. Aliás, a amostra seleccionada foi de 95% (quase a totalidade) dos recibos de aquisição do leite aos produtores não sujeitos passivos, fazendo-se o cruzamento com o valor unitário dos cheques descontados nos extractos bancários das contas tituladas pelos sócios nos bancos B…… n.º500……., B…. n.º121…..e B…. n.º 29….
n) Demonstrou-se que estas contas estavam afectas à actividade da empresa: (i) Foram analisadas as contas bancárias da sociedade, designadamente, os pagamentos e recebimentos registados nessas contas; (ii) Foram analisados os movimentos de saída e detectou-se que se destinavam a compras da actividade, designadamente pela análise dos recibos de aquisição do leite; (iii) Essas mesmas saídas não correspondiam a pagamentos de despesas de carácter pessoal (iv) Quanto às entradas, verificou-se a existência de depósitos de clientes da sociedade, com ou sem factura emitida na contabilidade; (v) Quanto aos depósitos em numerário, pela sua natureza, a origem não é passível de ser conhecida.
o) Os movimentos bancários nunca foram contrariados pela impugnante. Caberia ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade, sob pena de a dúvida sobre esta matéria se revelar desfavorável à sua pretensão. E não tendo feito tal prova e nem tendo mesmo chegado a colocar em dúvida séria, fundada, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para concluir pela existência daquele montante de proveitos, a causa tem de ser decidida contra o impugnante.
p) Ao decidir como decidiu, a douta sentença não teve em conta o iter cognoscitivo do relatório de inspecção, desprezou a prova documental junta e fez tábua rasa da confissão dos valores pela impugnante e assumiu como presunções aquilo que, sobejamente, foi demonstrado por documentos.
q) Deturpou as conclusões do relatório, impondo a demonstração de pressupostos para o recurso a métodos indirectos, pressupostos esses que não existem ou ainda impondo soluções de tributação (por manifestações de fortuna) que se revelariam, no caso concreto, totalmente inverosímeis.
r) Violou o disposto nos artº81º a 83º e 87º a 90º da LGT, abdicando do princípio da subsidiariedade da avaliação indirecta.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo, ainda, manter-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados, só assim se fazendo inteira

JUSTIÇA!»
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, consiste em indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos e ao concluir que a Administração tributária recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correcções técnicas, facto que determina a ilegalidade das correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

«IV.FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:
1) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.ºOI20…., de 31-03-2009, a Administração Tributária levou a cabo uma inspecção externa à aqui impugnante, incidente sobre IRC e IVA, referente ao exercício de 2005 – cfr. resulta de fls. 54 do processo administrativo [Doravante PA] apenso;
2) A acção de inspecção interna teve início em 03-07-2009 e viria a culminar com a elaboração, em 07-12-2009, do Relatório Final constante de fls. 123 a 154 do PA apenso [e respectivos anexos], cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e donde se destaca, além do mais, o seguinte

“(texto integral no original: imagem)"

3) Da acção de inspecção mencionada no ponto anterior resultaram correcções em sede de IVA/2005 conforme o quadro seguinte:

Cfr. fls. 126 do PA apenso;

4) As conclusões propostas e mencionadas nas alíneas antecedentes mereceram parecer e despacho concordantes – cfr. fls. 123 do PA apenso;
5) A impugnante foi notificada para efectuar o pagamento até ao dia 28-02-2010, a quantia global de €122.111,84, referente às liquidações de IVA e juros compensatórios, emitidas em 07-12-2009, atinentes ao exercício de 2005, e que constam de fls. 73 a 96 dos autos;
6) Em 28-06-2010, deu entrada no SF de Seia a reclamação graciosa constante de fls. 369 a 385 do PA apenso, apresentada pela ora impugnante;
7) Em 11-08-2010, sobre a reclamação graciosa mencionado no ponto anterior, recaiu decisão de indeferimento – cfr. fls. 400 do PA apenso;
8) Em 20-08-2010, foi a ora impugnante notificada da decisão aludida na alínea antecedente – cfr. fls. 402 e 402vº do PA apenso [A/R];
9) Em 23-09-2010, deu entrada no SF de Seia a presente impugnação judicial – cfr. carimbo aposto no rosto de fls. 4 dos autos.
10) Por despacho de 02-06-2008, do Procurador Adjunto do Ministério Público de Seia, proferido no âmbito do Inquérito-crime n.º10/08.0IDGRD, para investigação da prática do crime de fraude fiscal qualificada, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 103º e 104º, n.º1, alíneas a), d) e g) do RGIT, foi derrogado o sigilo bancário da impugnante, e de A….., M….., M….., M…., M….. e A…..– cfr. 467 a 473 do PA apenso [designadamente a fls. 471 e 472];

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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

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O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e ao PA apenso, os quais não foram impugnados.
Quanto aos depoimentos das testemunhas arroladas nada de relevante se extraiu para a decisão da presente causa.»

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Com base na matéria de facto supra transcrita o tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial. Para tanto, o tribunal seguiu a fundamentação de sentença proferida no âmbito de processo de impugnação referente ao IRC de 2005 da mesma impugnante resultante da mesma acção de inspecção, sendo a seguinte a sua fundamentação:

“(…) Assim sendo, a apreciação dos fundamentos aduzidos iniciar-se-á pela questão relativa à natureza jurídica das correcções efectuadas ao IVA/2005, por se considerar que esta é a questão que a proceder, melhor defende os interesses da impugnante, nos termos do artigo 124.º, n.º 2, do CPPT.

Vejamos, então.

No caso versado, subjacente às liquidações impugnadas está a elaboração de correcções técnicas atinentes ao exercício de 2005, que decorrem da acção de fiscalização levada a cabo pela AT, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200….., de 31-03-2009.

Essa acção de fiscalização incidiu sobre o IRC e o IVA, do exercício de 2005.

Sendo que o IVA apurado em falta, que não o proveniente de dedução indevida de IVA, foi calculado tendo em consideração o montante de correcções propostas em sede de IRC.

A impugnante veio, simultaneamente, deduzir uma impugnação judicial contra a liquidação de IRC e outra contra a liquidação de IVA.

Como já dissemos, aqui estamos perante a liquidação de IVA.

Concernente a IRC já este tribunal teve a oportunidade de se pronunciar, afirmando o seguinte [que ora se passa a transcrever]:
«Como resulta dos factos provados e explanou a FP nos seus articulados de forma clara, as correcções efectuadas ao sujeito passivo partem de movimentos a crédito e a débito nas contas bancárias dos sócios da impugnante e seus familiares, sendo que as vendas omitidas correspondem a depósitos identificados naquelas contas, e os custos omitidos relativos à compra de litros de leite, correspondem aos pagamentos por cheque, das mesmas contas, a produtores de leite não sujeitos passivos em sede de IVA e assim que não têm a obrigação legal de emissão de factura, pelo que estas devem, nos termos da lei, ser emitidas pelos adquirentes, o que a AT defende não ter acontecido, mas ao invés terem aquelas compras sido omitas.
Assim sendo a FP defende que não havia lugar à avaliação indirecta porquanto foi alcançada a verdade fiscal do contribuinte, que se alcançou a partir dos depósitos e levantamentos já identificados.
É certo que em momento algum da PI a impugnante vem infirmar a conclusão a que chegou a AT relativamente à proveniência dos depósitos e levantamentos, porém importa recordar que a impugnante defende que na realidade esta operação, este raciocínio, da AT, é já violador da natureza da avaliação directa, porque é ele mesmo uma presunção, reputando assim as correcções de verdadeiramente indiciárias, indirectas, pelo que, entendemos, em face deste argumento não se lhe impunha que viesse negar especificamente este ponto das alegações da FP, expressas no relatório de inspecção que está na base das correcções efectuadas.
Ora, o artigo 83.º da LGT explicita que “[a] avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação" ao passo que a “avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.", sendo que a avaliação indirecta é, nos termos do artigo 85.º do mesmo corpo de normas subsidiária da avaliação directa, e que a AT apenas pode recorrer à avaliação indirecta quando verifique a existência dos pressupostos para a mesma, nos termos definidos nos artigos 87.º e ss. da LGT.
Assim sendo e como decorre do quadro legal supra sumariado, a AT não pode, indistintamente escolher tributar um sujeito passivo com base na avaliação directa ou indirecta, sendo que a avaliação indirecta, a acontecer, tem de resultar da demonstrada verificação dos respectivos pressupostos. É por esta razão que é fundamental apurar a natureza jurídica da avaliação levada a cabo, poi s no caso mais do que um simples equívoco na denominação da mesma, uma avaliação indirecta a que a AT escolha chamar de avaliação directa terá como consequência a falta de demonstração dos pressupostos legitimadores da avaliação de facto e de direito levada a cabo.
E diga-se deste já que a posição da impugnante se afigura correcta, mas mesmo que o não fosse sempre a presente impugnação procederia, pois de duas uma: ou, como defende a impugnante, é uma presunção afirmar que os depósitos das contas bancárias analisadas em sede de derrogação de sigilo bancário dos sócios da impugnante e seus familiares, são na verdade vendas omitidas, o mesmo se passando com os alegados custos omitidos com a matéria-prima leite, ou, ainda que se pudesse considerar tal raciocínio como integrador de uma avaliação directa, sempre se concluiria pelo incumprimento do ónus da prova que impendia sobre a AT no sentido de provar que os depósitos efectuados nas contas referidas e ainda que provenientes de clientes da impugnante, se referiam, todos os que não tiverem sido contabilizados, a vendas omitidas.
Veja-se que no que respeita à compra de leite alegadamente omitida a mesma é concluída pela análise aos valores dos cheques descontados da conta de uma familiar dos sócios da impugnante. Nesta análise a AT conclui que 95% dos valores de compras de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA, contabilizadas, eram coincidentes com valores de cheques descontados da referida conta bancária, pelo que, concluiu que a totalidade dos meios de pagamento de aquisições de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA seriam cheques emitidos daquela conta bancária. Isto é a AT formulou a seguinte conclusão: O pagamento do fornecimento de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA é feito através da conta bancária da referida familiar dos sócios da impugnante.
Em seguida, e observando que da referida conta bancária se efectuaram 2023 pagamentos a compras contabilizadas de leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, concluiu a AT que todos os 3300 movimentos a débito efectuados através da referida conta bancária, se referiam apenas e só a pagamentos efectuados a produtores de leite não sujeitos passivos, no valor de 1.033.008,52€ (ponto 3.1 do relatório de inspecção, 3.º e 4.º).

E no que respeita aos proveitos alegadamente omitidos, a AT partiu da análise de depósitos efectuados nas contas bancários dos sócios da impugnante e seus familiares, concluindo que os depósitos provenientes de cheques emitidos por entidades que figuram como clientes da impugnante teriam de ser vendas omitidas, mas indo mais longe, defendendo que todos os depósitos em numerário também o eram.
Ora, na verdade no relatório da AT não encontramos uma linha que seja relativamente aos esforços empreendidos por esta para provar que cada um dos depósitos se referia a vendas de produtos, tanto no que respeita aos depósitos de cheques, como no que respeita aos depósitos em numerário. O que a AT faz é concluir, a partir de um facto conhecido – os depósitos – um facto desconhecido – a causalidade subjacente aos mesmos. Mas mais, é que para além dos depósitos efectuados por cheque emitidos por pessoas singulares ou colectivas que constam na contabilidade como clientes da impugnante, a AT considera ainda que todos os depósitos efectuados nas contas dos sócios da impugnante, mesmo aqueles efectuados em numerário são também relativos a vendas de produtos da impugnante “na medida em que os titulares das referidas contas bancárias não usufruíam de outros rendimentos", como escreveu no relatório relativo ao exercício de 2005.
Ora, não é possível acompanhar o raciocínio da AT para concluir que a avaliação levada a cabo foi uma avaliação directa, uma vez que esta assenta de forma clara em presunções – a presunção de que os cheques depositados nas contas em causa dos sócios da impugnante e provenientes de clientes da impugnante são vendas omitidas; de que os depósitos em numerário, e portanto cuja origem não é possível seguir, são também vendas da impugnante omitidas; a presunção de que os 3300 pagamentos efectuados por cheques da conta de C...., familiar dos sócios da impugnante, se destinaram a pagar leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, a partir da análise de 95%, ou da verificação em 95% dos casos (o relatório não é claro) de pagamento de leite adquiridos a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, daquela conta, relativamente ao leite contabilizado como custo; a presunção de que os cheques descontados nas contas B…… n.º50….. (…), B…. n.º1…. (…)-0… e B… n.º2…. (…)0…. foram todos para pagamento de leite, concluindo que apenas parte foi declarado; e por fim a presunção de que todos os depósitos efectuados nas contas de banco identificadas, tituladas pelos sócios da impugnante, são provenientes de transações omitidas, porque o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios.
Assim sendo não nos resta alternativa se não concluir nos termos invocados pela impugnante na sua PI no sentido de que as correcções levadas a cabo pela AT, baseadas no encontrar de movimentos bancários nas contas dos sócios da impugnante e seus familiares, que a levaram a concluir pela omissão de proveitos da impugnante, apenas estariam legitimadas em sede de avaliação indirecta, e não dando às mesmas uma configuração de avaliação directa.
Veja-se que com o que atrás afirmámos não nos pronunciamos sobre se in casu estariam verificados os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta, o que dizemos é algo diferente, é que a avaliação levada a cabo nos termos em que o foi, apesar de ser denominada pela AT como avaliação directa, de iure não o é, pois a fundamentação do acto onde se lê por exemplo que os valores depositados nas contas dos sócios em numerário são vendas omitidas porque não se conheciam outros rendimentos àqueles, demonstra de forma inequívoca, que o mesmo se baseia numa presunção, presunção que, refira-se podia integrar até a avaliação indirecta por manifestação de fortuna, mas nunca uma verdadeira forma de proceder à avaliação directa. E o mesmo se diga quanto às demais conclusões do relatório, nos termos já enunciados.
Assim sendo ou a AT procedia como procedeu, mas demonstrava que os elementos encontrados afastavam a verdade fiscal das declarações, assumindo que aquela não era já possível alcançar, dentro de um juízo da razoabilidade, e dos elementos que dispunha presumia a matéria colectável lançando mão da avaliação indirecta, ou perante os elementos que encontrou, continuava a sua actividade instrutória, seguindo aqueles movimentos a crédito e a débito, ouvindo nomeadamente os produtores de leite, alegadamente destinatários dos mesmos, ou os clientes, de onde pelo menos parte dos movimentos provêm, de forma a afirmar, com a certeza que só uma instrução mais alargada podia trazer e já não com base em meras presunções, que aqueles eram provenientes de compra de leite não declarada e de vendas de produtos não declarados.
De todo o exposto e com os fundamentos apresentado procede a presente impugnação, quanto às correcções levadas a cabo nos custos com a matéria-prima leite e quanto às correcções efectuadas nos proveitos, mantendo-se na parte relativa às correcções relativas a encargos não aceites fiscalmente, no valor de 22.565,36€, quanto ao exercício de 2005, e de 9.481,16€, quanto ao exercício de 2006, por nada ter sido alegado contra estas correcções na presente impugnação, apesar de ter sido pedida a declaração de nulidade dos actos de liquidação, ou, subsidiariamente, a sua anulação in totum. Deste modo e sendo a impugnação apenas parcialmente procedente condenam-se ambas as partes no pagamento das custas, na medida do respectivo decaimento, que se calcula em 2% a cargo da impugnante e 98% a cargo da FP.
»

Por ser totalmente transponível para o caso versado, tendo em conta a identidade da impugnante, dos fundamentos e bem assim como, inclusivamente, do RIT, que é o mesmo, tanto mais que o IVA apurado em falta, que não o proveniente da dedução indevida de IVA, foi calculado tendo em consideração o montante das correcções propostas em sede de IRC, adere-se total e incondicionalmente à fundamentação vertida na sentença proferida em sede de IRC, ora transcrita.

Pelo que, da totalidade das correcções efectuadas, no montante de € 104.930,60, conclui-se pela procedência da presente acção quanto às correcções levadas a cabo nos custos com a matéria-prima leite e quanto às correcções efectuadas nos proveitos, mantendo-se na parte relativa às correcções relativas a encargos não aceites fiscalmente, no valor de € 4.313,41, por nada ter sido alegado contra estas correcções na presente impugnação, apesar de ter sido pedida a declaração de nulidade dos actos de liquidação, ou, subsidiariamente, a sua anulação in totum, quedando prejudicada a apreciação dos demais vícios invocados [cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT]."

Portanto, e em suma, a decisão recorrida, perfilhando o entendimento da Impugnante, entendeu que pese embora constasse do relatório de inspecção que as correcções à matéria tributável assentaram em métodos de avaliação directa, consubstanciando correcções de natureza meramente aritmética, materialmente a Administração Tributária operou com juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma, entendendo, em síntese, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos e ao concluir que a Administração Tributária recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correcções técnicas, facto que determina a ilegalidade das correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

Vejamos.

Acolhe-se aqui, o que a este respeito já foi decidido no acórdão do TCAS de 28/04/2016, proc. n.º 08645/15, em que as partes são as mesmas dos presentes autos, em que estava em causa IRC de 2005 e de 2006 no âmbito da mesma acção de inspecção que está na origem das liquidações de IVA de 2005 impugnadas nos presentes autos, entendendo-se que sobre esta questão há que apelar à autoridade do caso julgado. Com efeito, como se escreveu no acórdão do TCAS de 16/09/2019, proc. n.º 1154/11.6BELRA “(…) nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC:
“1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º".
Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa ([1]). Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo([2]).
As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material([3]),sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social. O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva([4]).
Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão([5]). Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões([6])."

Portanto, in casu, considerando que a questão apreciada no TCAS de 28/04/2016, proc. n.º 08645/15 é exactamente a mesma que aquele acórdão transitou em julgado, formou-se caso julgado material, com os necessários reflexos nos presentes autos, atenta a autoridade do caso julgado. Neste contexto, decidiu-se o seguinte naquele acórdão que aqui se acolhe (destaques nossos):

“Como decorre dos autos e do probatório, a impugnante, ora Recorrida, fabricante de queijo e requeijão, foi objecto de duas acções inspectivas externas referenciadas aos exercícios de 2005 e 2006, abrangendo, nomeadamente, o IRC, de que resultaram correcções à matéria tributável nos valores respectivos de 1.001.900,69€ e 675.982,07€ para aqueles anos.

De acordo com o consignado nos relatórios de inspecção tributária que culminaram as referidas acções inspectivas, as correcções à matéria tributável assentaram em métodos de avaliação directa, consubstanciando correcções de natureza meramente aritmética, não tendo havido recurso a métodos de avaliação indirecta (cf. pontos a), b), i) e j) da matéria assente).

Entendimento contrário, na esteira do sustentado pela impugnante, perfilhou a sentença recorrida, para quem a Administração tributária operou com juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta.

Com esse modo de ver se não conforma a ora Recorrente Fazenda Pública, para quem a AT não operou com juízos presuntivos, como erroneamente se concluiu na sentença recorrida, antes tendo baseado as correcções em elementos e informações de natureza objectiva, nomeadamente, extractos bancários da sociedade inspeccionada, de sócios dela e familiares destes, que no seu conjunto reflectem os fluxos financeiros de saída e entrada referenciados a operações não contabilizadas de compra e de venda de bens.

Que dizer?

Como referimos, a sentença recorrida concluiu que no cálculo da matéria tributável corrigida a AT recorreu a juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta, embora sob a capa de correcções meramente aritméticas.

No essencial, para assim concluir, consta da sentença o seguinte discurso argumentativo:
«Veja-se que no que respeita à compra de leite alegadamente omitida a mesma é concluída pela análise aos valores dos cheques descontados da conta de uma familiar dos sócios da impugnante. Nesta análise a AT conclui que 95% dos valores de compras de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA, contabilizadas, eram coincidentes com valores de cheques descontados da referida conta bancária, pelo que, concluiu que a totalidade dos meios de pagamento de aquisições de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA seriam cheques emitidos daquela conta bancária. Isto é a AT formulou a seguinte conclusão: O pagamento do fornecimento de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA é feito através da conta bancária da referida familiar dos sócios da impugnante.
Em seguida, e observando que da referida conta bancária se efectuaram 2023 pagamentos a compras contabilizadas de leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, concluiu a AT que todos os 3300 movimentos a débito efectuados através da referida conta bancária, se referiam apenas e só a pagamentos efectuados a produtores de leite não sujeitos passivos, no valor de 1.033.008,52€ (ponto 3.1 do relatório de inspecção, 3.º e 4.º).
E no que respeita aos proveitos alegadamente omitidos, a AT partiu da análise de depósitos efectuados nas contas bancários dos sócios da impugnante e seus familiares, concluindo que os depósitos provenientes de cheques emitidos por entidades que figuram como clientes da impugnante teriam de ser vendas omitidas, mas indo mais longe, defendendo que todos os depósitos em numerário também o eram.
Ora, na verdade, no relatório da AT não encontramos uma linha que seja relativamente aos esforços empreendidos por esta para provar que cada um dos depósitos se referia a vendas de produtos, tanto no que respeita aos depósitos de cheques, como no que respeita aos depósitos em numerário. O que a AT faz é concluir, a partir de um facto conhecido – os depósitos – um facto desconhecido – a causalidade subjacente aos mesmos. Mas mais, é que para além dos depósitos efectuados por cheque emitidos por pessoas singulares ou colectivas que constam na contabilidade como clientes da impugnante, a AT considera ainda que todos os depósitos efectuados nas contas dos sócios da impugnante, mesmo aqueles efectuados em numerário são também relativos a vendas de produtos da impugnante “na medida em que os titulares das referidas contas bancárias não u sufruíam de outros rendimentos", como escreveu no relatório relativo ao exercício de 2005.
Ora, não é possível acompanhar o raciocínio da AT para concluir que a avaliação levada a cabo foi uma avaliação directa, uma vez que esta assenta de forma clara em presunções – a presunção de que os cheques depositados nas contas em causa dos sócios da impugnante e provenientes de clientes da impugnante são vendas omitidas; de que os depósitos em numerário, e portanto cuja origem não é possível seguir, são também vendas da impugnante omitidas; a presunção de que os 3300 pagamentos efectuados por cheques da conta de C….., familiar dos sócios da impugnante, se destinaram a pagar leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, a partir da análise de 95%, ou da verificação em 95% dos casos (o relatório não é claro) de pagamento de leite adquiridos a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, daquela conta, relativamente ao leite contabilizado como custo; a presunção de que os cheques descontados nas contas B….. n.º5…. (…), B…. n.º1…. (…)-0… e B… n.º2…. (…)0… foram todos para pagamento de leite, concluindo que apenas parte foi declarado; e por fim a presunção de que todos os depósitos efectuados nas contas de banco identificadas, tituladas pelos sócios da impugnante, são provenientes de transações omitidas, porque o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios.
Assim sendo não nos resta alternativa se não concluir nos termos invocados pela impugnante na sua PI no sentido de que as correcções levadas a cabo pela AT, baseadas no encontrar de movimentos bancários nas contas dos sócios da impugnante e seus familiares, que a levaram a concluir pela omissão de proveitos da impugnante, apenas estariam legitimadas em sede de avaliação indirecta, e não dando às mesmas uma configuração de avaliação directa
».

Com efeito, apreende-se do relatório de inspecção tributária que a declaração, contabilidade e escrita da impugnante não permitiu à AT a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do IRC (art.º87.º, alínea b), da LGT), tendo sido necessário recorrer a extractos bancários de contas tituladas pelos sócios da impugnante e familiares dos sócios para quantificar valores de compra e de venda não reflectidos nos elementos de contabilidade e escrita da impugnante, não havendo elementos probatórios objectivos e incontroversos que permitam extrair dos movimentos de saída e entrada de fundos reflectidos naqueles extractos bancários das contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as operações económicas supostamente omitidas de compra de matéria-prima (leite) e de venda de produtos fabricados pela empresa impugnante (queijos e requeijões).

Permitimo-nos realçar, por extracto, o que a propósito consta do ponto 3.1. do Capítulo III – “Correcções aritméticas" do RIT:
«…verificamos ainda que foram descontados 1809 cheques de pequeno valor, preenchidos pelo Sr. J……. [antes identificado no RIT como funcionário do escritório da impugnante – fls.53 do PA], cujos recibos foram sonegados pelos responsáveis da sociedade aos registos contabilísticos, pelo que foram solicitados aos bancos o envio dos mesmos (…).
[…]
Ao analisarmos o conteúdo dos cheques facultados pelas instituições bancárias (…), verificamos que eles correspondem às aquisições efectuadas aos produtores de leite não sujeitos passivos, em cujos meses não consta nenhum recibo na contabilidade.
Concluímos, portanto, que os cheques descontados naquelas datas foram todos para pagamento de leite ao produtor não sujeito passivo e observamos que não foi efectuada nenhuma transferência bancária das mencionadas contas, para a firma A....., Lda.
»

Noutro passo do RIT pode ler-se:
«O total dos depósitos efectuados diariamente nas contas bancárias dos sócios destinadas exclusivamente ao movimento de transacções omissas na contabilidade da firma A....., Lda., está apurado no mapa anexo 58 e ascende a 2.446.284,18€.
[…]
Ao analisarmos o conteúdo dos cheques facultados pelas instituições bancárias (…), verificamos que o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios. Além disso, verificamos ainda que alguns desses cheques têm recibo e factura ou venda a dinheiro registada na contabilidade tal como referimos nos pontos anteriores.
Face ao exposto, concluímos portanto que todos os depósitos efectuados nas quatro contas bancárias identificadas anteriormente respeitam a transacções de queijos e requeijões e que os sócios da sociedade ocultaram factos relacionados com a actividade e valores sujeitos a tributação. Assim, os responsáveis pela sociedade depositaram nas suas contas bancárias 2.446.284,18€, proveniente de transacções de queijos e requeijões, sendo, parte desses depósitos, no total de 348.537,36€ referente a vendas com facturas e vendas a dinheiro registadas na contabilidade, pelo que omitiu proveitos no valor total de 2.097.746,82€ (2.446.284,18€ - 348.537,36€), facto contrário ao disposto no n.º1 do artigo 20.º do CIRC
».

Estas passagens do RIT são, per si, elucidativas de que a AT recorreu a critérios próprios da metodologia indirecta, quer para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos, quer para quantificar o valor desses mesmos custos e proveitos omitidos.

Na verdade, concluiu a AT, partindo unicamente da circunstância de haver nas contas tituladas e contituladas pelos sócios e familiares dos sócios, cheques lançados a débito preenchidos por um funcionário do escritório da impugnante e que tinham por beneficiários produtores de leite não sujeitos passivos, que tais cheques se destinaram ao pagamento da aquisição pela impugnante dessa matéria-prima necessária ao seu processo produtivo.

Como concluiu, partindo da circunstância de os emitentes de cheques lançados a crédito nas contas dos sócios e familiares, “geralmente" exercerem a actividade de comercialização de produtos alimentícios, que tais cheques correspondem ao recebimento do valor das transacções omitidas de queijos e requeijões.

Ora, na medida em que não haja elementos objectivos e incontroversos que permitam extrair dos fluxos financeiros nas contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as apontadas omissões à contabilidade da impugnante de custos e de proveitos, pode afirmar-se que o juízo da AT se formou com base em indícios, materializados em factos a partir dos quais inferiu a omissão de transacções e as quantificou.

A avaliação directa, conforme resulta do n.º1 do art.º83º da LGT, tem por fim determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, constituindo, assim, um instrumento útil na busca da verdade material.

Os métodos indirectos, por seu lado, consistem nos meios de avaliação indirecta de lucros tributáveis ou rendimentos líquidos através do recurso a índices que permitam extrair presunções quantitativas (art.º83.º, n.º2 da LGT). Não constituem, portanto, um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, antes possibilitam a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar.

Deste modo, não pode dizer-se que os valores apurados da matéria tributável correspondam, no caso, a valores reais, mas antes a uma quantificação presuntiva decorrente de determinados indicadores factuais.

O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente-, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação – vd. Acórdão deste TCAS, de 13/11/2012, tirado no proc.º04205/10.

Em resumo, de tudo o que vem dito, pode concluir-se, na esteira do Acórdão deste TCAS de 18/06/2015, tirado no proc.º08641/15, que a Administração tributária, no caso em análise, sob a capa de alegadas correcções técnicas, corrigiu e alterou valores declarados com recurso a métodos indirectos, sem que tal recurso tenha sido acompanhado do necessário procedimento, o qual reclamava especiais deveres à Administração (designadamente de fundamentação – artigo 77.º, n.º 4.º da LGT) e consagra especiais direitos e garantias ao contribuinte (designadamente o pedido de revisão, previsto no artigo 91º e ss. da LGT, sendo ainda de assinalar, em certos casos, o encurtamento do prazo de caducidade de direito à liquidação quando esta decorre da aplicação de métodos indirectos, tal como resulta do artigo 45º, n.º2 da LGT). Nem tais deveres foram observados, nem os direitos e garantias de defesa da impugnante foram salvaguardados, no caso.

Ora, de tudo o que vem dito, e sem necessidade de mais amplas considerações, resta concluir que, no caso, como decidido, a Administração tributária, sob a máscara de meras correcções técnicas, mais não fez do que determinar a matéria colectável da impugnante com recurso a métodos indirectos, sem que, para tanto, cumprisse os dispositivos legais impostos e aos quais se fez expressa referência.

A sentença recorrida não enferma do vício de erro de julgamento que lhe vem apontado, merecendo ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso."

Portanto, concluindo, sublinha-se que não se verifica o erro de julgamento de facto invocado pela Recorrente Fazenda Pública (conclusões a. e b.) porquanto não houve errada apreciação da prova produzida nos autos. A valoração que o Meritíssimo Juiz a quo fez dos factos que extraiu do relatório de inspecção encontra-se correcta, não havendo qualquer contradição na sua decisão, na medida em que esta assentou no entendimento de que a Administração tributária (AT) recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, ancorando-se a meras correcções técnicas. Ora, assim sendo, e ao contrário do que parece entender a Recorrente se verifica a violação do disposto no art. 74.º da LGT (conclusão c. das conclusões de recurso), ou seja, a Impugnante não tinha de provar ou contrariar a origem das entradas e saídas dos fluxos financeiros, porquanto a as correcções efectuadas pela AT enfermam, desde logo, de vício de violação de lei ao não respeitar as regras jurídicas da tributação directa e indirecta, afectando os direitos e garantias da Impugnante, ora Recorrida, e nessa medida improcedem as conclusões d) a r) das conclusões de recurso com os fundamentos explanados naquele acórdão que aqui se acolheu.

Realce-se ainda que idêntico entendimento também foi sufragado no acórdão do TCAS de 28/04/2016, proc. n.º 08645/15, referente a liquidações de IVA de 2006 em que as partes e a fundamentação das correcções são as mesmas em causa nos presentes autos.

Em face do supra exposto, a sentença recorrida não enferma dos vícios invocados pelo Recorrente, e, por conseguinte, o presente recurso não merece provimento.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário do acórdão
I. O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos - caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente-, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.
II. Partindo a AT da análise dos movimentos financeiros reflectidos nas contas bancárias dos sócios da impugnante, e familiares dos sócios, para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos e determinar a respectiva quantificação, fez uso de métodos indirectos, ainda que sob a capa de correcções técnicas ou meramente aritméticas.
III. A decisão de tributação por métodos indirectos desacompanhada do especial procedimento a que está sujeita, mostra-se ilegal por violação de direitos e garantias do contribuinte.

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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente.
Após trânsito remeta certidão do presente acórdão à Procuradoria da República da Guarda conforme solicitado a fls. 619 dos autos.


([1]) Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 156.
([2]) A este respeito, v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 285.
([3]) A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705.
([4]) V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. Distinguindo as situações consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior e, nesse seguinte, discernindo entre situações com relação de identidade, situações com relações de prejudicialidade e situações com relações de concurso, v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex. Lisboa, 1997, pp. 574 a 577.
([5]) Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1) e de 27.02.2018 (Processo: 2472/05.8 TBSTR.E1)
([6]) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1) e de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB).

Acórdão n.º 546/10.2BECTB, de 30 de setembro

I. RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A….., LDA, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2005, no montante global de €122.111,48.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

Assim, nos termos do artigo 639° do Código de Processo Civil:
a) A douta sentença ora recorrida enferma dos vícios de erro de julgamento, violação do princípio da verdade material, incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, violação de lei, designadamente, dos artºs 74º, 81º a 83º, 87º b), 88º e 90º da LGT, bem como dos artºs 615º, n.º 1 c) do Cod. Proc. Civil e art.º 125º do CPPT.
b) Pese embora a matéria de facto ter sido dada integralmente provada, todos os factos apurados na acção inspectiva foram considerados factual idade assente, a decisão do tribunal “a quo" incorreu em contradição uma vez que, ao decidir como decidiu, substituiu-se ao impugnante, que não logrou provar ou contrariar a origem das entradas e saídas dos fluxos financeiros das contas tituladas pelos sócios, nem sequer logrou provar ou contrariar que aquelas contas não estavam afectas ao giro comercial da sociedade.
c) Como tal, foi violado o art.º 74° da LGT.
d) O recurso à avaliação indirecta, subsidiária da avaliação directa, deve ser feito apenas em situações específicas, nas quais a existência de um conjunto de omissões e irregularidades verificadas na contabilidade indiciem uma capacidade contributiva superior à declarada. Não existe discricionariedade da AT, na escolha da metodologia para tributação.
e) Não podemos concluir que, sempre que verificados erros e irregularidades na contabilidade, seja garantida a legitimidade do recurso a métodos indirectos.
f) A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real, pelo que a avaliação directa surge como um instrumento útil na descoberta da verdade material.
g) Posto que, a contabilidade, embora formalmente organizada de acordo com as normas contabilísticas e fiscais, pode não evidenciar o rendimento real.
h) Por isso, compete à AT em sede do procedimento inspectivo mostrar que o rendimento real não é o declarado, isto é, que a contabilidade não reflecte todos os rendimentos e gastos, ou seja, a real actividade do contribuinte.
i) As correcções à matéria tributável foram efectuadas numa perspectiva de balanço, ou seja, analisaram-se os recebimentos e pagamentos da sociedade, através de contas bancárias, afectas ao giro comercial da mesma, compararam-se com os valores constantes da contabilidade e apuraram-se as divergências.
j) O resultado tributável pode ser apurado de duas maneiras, ou pela via da demonstração de resultados, que corresponde à diferença entre gastos e rendimentos, ou pela via do balanço, a diferença entre activos e passivos (fluxos de financeiros de entrada e de saída).
k) Nunca se quantificaram litros de leite ou quilos de queijo; quantificaram-se entradas e saídas de fluxos financeiros.
l) Na inspecção, acedeu-se a toda a informação bancária (extractos, cópias de cheques e movimentos), suporte dos fluxos financeiros, quer em nome da sociedade, quer em nome dos sócios e familiares. Acederam-se a todos os elementos da contabilidade, designadamente, facturas e recibos emitidos, destacando-se os emitidos aos produtores de leite, não sujeitos passivos.
m) Destaca-se, ainda, o cruzamento e análise de dados, no procedimento inspectivo, que foi exaustiva. Aliás, a amostra seleccionada foi de 95% (quase a totalidade) dos recibos de aquisição do leite aos produtores não sujeitos passivos, fazendo-se o cruzamento com o valor unitário dos cheques descontados nos extractos bancários das contas tituladas pelos sócios nos bancos B…… n.º500……., B…. n.º121…..e B…. n.º 29….
n) Demonstrou-se que estas contas estavam afectas à actividade da empresa: (i) Foram analisadas as contas bancárias da sociedade, designadamente, os pagamentos e recebimentos registados nessas contas; (ii) Foram analisados os movimentos de saída e detectou-se que se destinavam a compras da actividade, designadamente pela análise dos recibos de aquisição do leite; (iii) Essas mesmas saídas não correspondiam a pagamentos de despesas de carácter pessoal (iv) Quanto às entradas, verificou-se a existência de depósitos de clientes da sociedade, com ou sem factura emitida na contabilidade; (v) Quanto aos depósitos em numerário, pela sua natureza, a origem não é passível de ser conhecida.
o) Os movimentos bancários nunca foram contrariados pela impugnante. Caberia ao contribuinte demonstrar a falta de aderência à realidade, sob pena de a dúvida sobre esta matéria se revelar desfavorável à sua pretensão. E não tendo feito tal prova e nem tendo mesmo chegado a colocar em dúvida séria, fundada, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para concluir pela existência daquele montante de proveitos, a causa tem de ser decidida contra o impugnante.
p) Ao decidir como decidiu, a douta sentença não teve em conta o iter cognoscitivo do relatório de inspecção, desprezou a prova documental junta e fez tábua rasa da confissão dos valores pela impugnante e assumiu como presunções aquilo que, sobejamente, foi demonstrado por documentos.
q) Deturpou as conclusões do relatório, impondo a demonstração de pressupostos para o recurso a métodos indirectos, pressupostos esses que não existem ou ainda impondo soluções de tributação (por manifestações de fortuna) que se revelariam, no caso concreto, totalmente inverosímeis.
r) Violou o disposto nos artº81º a 83º e 87º a 90º da LGT, abdicando do princípio da subsidiariedade da avaliação indirecta.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo, ainda, manter-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados, só assim se fazendo inteira

JUSTIÇA!»
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, consiste em indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos e ao concluir que a Administração tributária recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correcções técnicas, facto que determina a ilegalidade das correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

«IV.FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:
1) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.ºOI20…., de 31-03-2009, a Administração Tributária levou a cabo uma inspecção externa à aqui impugnante, incidente sobre IRC e IVA, referente ao exercício de 2005 – cfr. resulta de fls. 54 do processo administrativo [Doravante PA] apenso;
2) A acção de inspecção interna teve início em 03-07-2009 e viria a culminar com a elaboração, em 07-12-2009, do Relatório Final constante de fls. 123 a 154 do PA apenso [e respectivos anexos], cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e donde se destaca, além do mais, o seguinte

“(texto integral no original: imagem)"

3) Da acção de inspecção mencionada no ponto anterior resultaram correcções em sede de IVA/2005 conforme o quadro seguinte:

Cfr. fls. 126 do PA apenso;

4) As conclusões propostas e mencionadas nas alíneas antecedentes mereceram parecer e despacho concordantes – cfr. fls. 123 do PA apenso;
5) A impugnante foi notificada para efectuar o pagamento até ao dia 28-02-2010, a quantia global de €122.111,84, referente às liquidações de IVA e juros compensatórios, emitidas em 07-12-2009, atinentes ao exercício de 2005, e que constam de fls. 73 a 96 dos autos;
6) Em 28-06-2010, deu entrada no SF de Seia a reclamação graciosa constante de fls. 369 a 385 do PA apenso, apresentada pela ora impugnante;
7) Em 11-08-2010, sobre a reclamação graciosa mencionado no ponto anterior, recaiu decisão de indeferimento – cfr. fls. 400 do PA apenso;
8) Em 20-08-2010, foi a ora impugnante notificada da decisão aludida na alínea antecedente – cfr. fls. 402 e 402vº do PA apenso [A/R];
9) Em 23-09-2010, deu entrada no SF de Seia a presente impugnação judicial – cfr. carimbo aposto no rosto de fls. 4 dos autos.
10) Por despacho de 02-06-2008, do Procurador Adjunto do Ministério Público de Seia, proferido no âmbito do Inquérito-crime n.º10/08.0IDGRD, para investigação da prática do crime de fraude fiscal qualificada, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 103º e 104º, n.º1, alíneas a), d) e g) do RGIT, foi derrogado o sigilo bancário da impugnante, e de A….., M….., M….., M…., M….. e A…..– cfr. 467 a 473 do PA apenso [designadamente a fls. 471 e 472];

***

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

***

O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e ao PA apenso, os quais não foram impugnados.
Quanto aos depoimentos das testemunhas arroladas nada de relevante se extraiu para a decisão da presente causa.»

****

Com base na matéria de facto supra transcrita o tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial. Para tanto, o tribunal seguiu a fundamentação de sentença proferida no âmbito de processo de impugnação referente ao IRC de 2005 da mesma impugnante resultante da mesma acção de inspecção, sendo a seguinte a sua fundamentação:

“(…) Assim sendo, a apreciação dos fundamentos aduzidos iniciar-se-á pela questão relativa à natureza jurídica das correcções efectuadas ao IVA/2005, por se considerar que esta é a questão que a proceder, melhor defende os interesses da impugnante, nos termos do artigo 124.º, n.º 2, do CPPT.

Vejamos, então.

No caso versado, subjacente às liquidações impugnadas está a elaboração de correcções técnicas atinentes ao exercício de 2005, que decorrem da acção de fiscalização levada a cabo pela AT, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200….., de 31-03-2009.

Essa acção de fiscalização incidiu sobre o IRC e o IVA, do exercício de 2005.

Sendo que o IVA apurado em falta, que não o proveniente de dedução indevida de IVA, foi calculado tendo em consideração o montante de correcções propostas em sede de IRC.

A impugnante veio, simultaneamente, deduzir uma impugnação judicial contra a liquidação de IRC e outra contra a liquidação de IVA.

Como já dissemos, aqui estamos perante a liquidação de IVA.

Concernente a IRC já este tribunal teve a oportunidade de se pronunciar, afirmando o seguinte [que ora se passa a transcrever]:
«Como resulta dos factos provados e explanou a FP nos seus articulados de forma clara, as correcções efectuadas ao sujeito passivo partem de movimentos a crédito e a débito nas contas bancárias dos sócios da impugnante e seus familiares, sendo que as vendas omitidas correspondem a depósitos identificados naquelas contas, e os custos omitidos relativos à compra de litros de leite, correspondem aos pagamentos por cheque, das mesmas contas, a produtores de leite não sujeitos passivos em sede de IVA e assim que não têm a obrigação legal de emissão de factura, pelo que estas devem, nos termos da lei, ser emitidas pelos adquirentes, o que a AT defende não ter acontecido, mas ao invés terem aquelas compras sido omitas.
Assim sendo a FP defende que não havia lugar à avaliação indirecta porquanto foi alcançada a verdade fiscal do contribuinte, que se alcançou a partir dos depósitos e levantamentos já identificados.
É certo que em momento algum da PI a impugnante vem infirmar a conclusão a que chegou a AT relativamente à proveniência dos depósitos e levantamentos, porém importa recordar que a impugnante defende que na realidade esta operação, este raciocínio, da AT, é já violador da natureza da avaliação directa, porque é ele mesmo uma presunção, reputando assim as correcções de verdadeiramente indiciárias, indirectas, pelo que, entendemos, em face deste argumento não se lhe impunha que viesse negar especificamente este ponto das alegações da FP, expressas no relatório de inspecção que está na base das correcções efectuadas.
Ora, o artigo 83.º da LGT explicita que “[a] avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação" ao passo que a “avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.", sendo que a avaliação indirecta é, nos termos do artigo 85.º do mesmo corpo de normas subsidiária da avaliação directa, e que a AT apenas pode recorrer à avaliação indirecta quando verifique a existência dos pressupostos para a mesma, nos termos definidos nos artigos 87.º e ss. da LGT.
Assim sendo e como decorre do quadro legal supra sumariado, a AT não pode, indistintamente escolher tributar um sujeito passivo com base na avaliação directa ou indirecta, sendo que a avaliação indirecta, a acontecer, tem de resultar da demonstrada verificação dos respectivos pressupostos. É por esta razão que é fundamental apurar a natureza jurídica da avaliação levada a cabo, poi s no caso mais do que um simples equívoco na denominação da mesma, uma avaliação indirecta a que a AT escolha chamar de avaliação directa terá como consequência a falta de demonstração dos pressupostos legitimadores da avaliação de facto e de direito levada a cabo.
E diga-se deste já que a posição da impugnante se afigura correcta, mas mesmo que o não fosse sempre a presente impugnação procederia, pois de duas uma: ou, como defende a impugnante, é uma presunção afirmar que os depósitos das contas bancárias analisadas em sede de derrogação de sigilo bancário dos sócios da impugnante e seus familiares, são na verdade vendas omitidas, o mesmo se passando com os alegados custos omitidos com a matéria-prima leite, ou, ainda que se pudesse considerar tal raciocínio como integrador de uma avaliação directa, sempre se concluiria pelo incumprimento do ónus da prova que impendia sobre a AT no sentido de provar que os depósitos efectuados nas contas referidas e ainda que provenientes de clientes da impugnante, se referiam, todos os que não tiverem sido contabilizados, a vendas omitidas.
Veja-se que no que respeita à compra de leite alegadamente omitida a mesma é concluída pela análise aos valores dos cheques descontados da conta de uma familiar dos sócios da impugnante. Nesta análise a AT conclui que 95% dos valores de compras de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA, contabilizadas, eram coincidentes com valores de cheques descontados da referida conta bancária, pelo que, concluiu que a totalidade dos meios de pagamento de aquisições de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA seriam cheques emitidos daquela conta bancária. Isto é a AT formulou a seguinte conclusão: O pagamento do fornecimento de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA é feito através da conta bancária da referida familiar dos sócios da impugnante.
Em seguida, e observando que da referida conta bancária se efectuaram 2023 pagamentos a compras contabilizadas de leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, concluiu a AT que todos os 3300 movimentos a débito efectuados através da referida conta bancária, se referiam apenas e só a pagamentos efectuados a produtores de leite não sujeitos passivos, no valor de 1.033.008,52€ (ponto 3.1 do relatório de inspecção, 3.º e 4.º).

E no que respeita aos proveitos alegadamente omitidos, a AT partiu da análise de depósitos efectuados nas contas bancários dos sócios da impugnante e seus familiares, concluindo que os depósitos provenientes de cheques emitidos por entidades que figuram como clientes da impugnante teriam de ser vendas omitidas, mas indo mais longe, defendendo que todos os depósitos em numerário também o eram.
Ora, na verdade no relatório da AT não encontramos uma linha que seja relativamente aos esforços empreendidos por esta para provar que cada um dos depósitos se referia a vendas de produtos, tanto no que respeita aos depósitos de cheques, como no que respeita aos depósitos em numerário. O que a AT faz é concluir, a partir de um facto conhecido – os depósitos – um facto desconhecido – a causalidade subjacente aos mesmos. Mas mais, é que para além dos depósitos efectuados por cheque emitidos por pessoas singulares ou colectivas que constam na contabilidade como clientes da impugnante, a AT considera ainda que todos os depósitos efectuados nas contas dos sócios da impugnante, mesmo aqueles efectuados em numerário são também relativos a vendas de produtos da impugnante “na medida em que os titulares das referidas contas bancárias não usufruíam de outros rendimentos", como escreveu no relatório relativo ao exercício de 2005.
Ora, não é possível acompanhar o raciocínio da AT para concluir que a avaliação levada a cabo foi uma avaliação directa, uma vez que esta assenta de forma clara em presunções – a presunção de que os cheques depositados nas contas em causa dos sócios da impugnante e provenientes de clientes da impugnante são vendas omitidas; de que os depósitos em numerário, e portanto cuja origem não é possível seguir, são também vendas da impugnante omitidas; a presunção de que os 3300 pagamentos efectuados por cheques da conta de C…., familiar dos sócios da impugnante, se destinaram a pagar leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, a partir da análise de 95%, ou da verificação em 95% dos casos (o relatório não é claro) de pagamento de leite adquiridos a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, daquela conta, relativamente ao leite contabilizado como custo; a presunção de que os cheques descontados nas contas B…… n.º50….. (…), B…. n.º1…. (…)-0… e B… n.º2…. (…)0…. foram todos para pagamento de leite, concluindo que apenas parte foi declarado; e por fim a presunção de que todos os depósitos efectuados nas contas de banco identificadas, tituladas pelos sócios da impugnante, são provenientes de transações omitidas, porque o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios.
Assim sendo não nos resta alternativa se não concluir nos termos invocados pela impugnante na sua PI no sentido de que as correcções levadas a cabo pela AT, baseadas no encontrar de movimentos bancários nas contas dos sócios da impugnante e seus familiares, que a levaram a concluir pela omissão de proveitos da impugnante, apenas estariam legitimadas em sede de avaliação indirecta, e não dando às mesmas uma configuração de avaliação directa.
Veja-se que com o que atrás afirmámos não nos pronunciamos sobre se in casu estariam verificados os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta, o que dizemos é algo diferente, é que a avaliação levada a cabo nos termos em que o foi, apesar de ser denominada pela AT como avaliação directa, de iure não o é, pois a fundamentação do acto onde se lê por exemplo que os valores depositados nas contas dos sócios em numerário são vendas omitidas porque não se conheciam outros rendimentos àqueles, demonstra de forma inequívoca, que o mesmo se baseia numa presunção, presunção que, refira-se podia integrar até a avaliação indirecta por manifestação de fortuna, mas nunca uma verdadeira forma de proceder à avaliação directa. E o mesmo se diga quanto às demais conclusões do relatório, nos termos já enunciados.
Assim sendo ou a AT procedia como procedeu, mas demonstrava que os elementos encontrados afastavam a verdade fiscal das declarações, assumindo que aquela não era já possível alcançar, dentro de um juízo da razoabilidade, e dos elementos que dispunha presumia a matéria colectável lançando mão da avaliação indirecta, ou perante os elementos que encontrou, continuava a sua actividade instrutória, seguindo aqueles movimentos a crédito e a débito, ouvindo nomeadamente os produtores de leite, alegadamente destinatários dos mesmos, ou os clientes, de onde pelo menos parte dos movimentos provêm, de forma a afirmar, com a certeza que só uma instrução mais alargada podia trazer e já não com base em meras presunções, que aqueles eram provenientes de compra de leite não declarada e de vendas de produtos não declarados.
De todo o exposto e com os fundamentos apresentado procede a presente impugnação, quanto às correcções levadas a cabo nos custos com a matéria-prima leite e quanto às correcções efectuadas nos proveitos, mantendo-se na parte relativa às correcções relativas a encargos não aceites fiscalmente, no valor de 22.565,36€, quanto ao exercício de 2005, e de 9.481,16€, quanto ao exercício de 2006, por nada ter sido alegado contra estas correcções na presente impugnação, apesar de ter sido pedida a declaração de nulidade dos actos de liquidação, ou, subsidiariamente, a sua anulação in totum. Deste modo e sendo a impugnação apenas parcialmente procedente condenam-se ambas as partes no pagamento das custas, na medida do respectivo decaimento, que se calcula em 2% a cargo da impugnante e 98% a cargo da FP.
»

Por ser totalmente transponível para o caso versado, tendo em conta a identidade da impugnante, dos fundamentos e bem assim como, inclusivamente, do RIT, que é o mesmo, tanto mais que o IVA apurado em falta, que não o proveniente da dedução indevida de IVA, foi calculado tendo em consideração o montante das correcções propostas em sede de IRC, adere-se total e incondicionalmente à fundamentação vertida na sentença proferida em sede de IRC, ora transcrita.

Pelo que, da totalidade das correcções efectuadas, no montante de € 104.930,60, conclui-se pela procedência da presente acção quanto às correcções levadas a cabo nos custos com a matéria-prima leite e quanto às correcções efectuadas nos proveitos, mantendo-se na parte relativa às correcções relativas a encargos não aceites fiscalmente, no valor de € 4.313,41, por nada ter sido alegado contra estas correcções na presente impugnação, apesar de ter sido pedida a declaração de nulidade dos actos de liquidação, ou, subsidiariamente, a sua anulação in totum, quedando prejudicada a apreciação dos demais vícios invocados [cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT]."

Portanto, e em suma, a decisão recorrida, perfilhando o entendimento da Impugnante, entendeu que pese embora constasse do relatório de inspecção que as correcções à matéria tributável assentaram em métodos de avaliação directa, consubstanciando correcções de natureza meramente aritmética, materialmente a Administração Tributária operou com juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma, entendendo, em síntese, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por incorrecta apreciação da prova produzida nos autos e ao concluir que a Administração Tributária recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, uma vez que se ancorou a meras correcções técnicas, facto que determina a ilegalidade das correcções subjacentes às liquidações impugnadas.

Vejamos.

Acolhe-se aqui, o que a este respeito já foi decidido no acórdão do TCAS de 28/04/2016, proc. n.º 08645/15, em que as partes são as mesmas dos presentes autos, em que estava em causa IRC de 2005 e de 2006 no âmbito da mesma acção de inspecção que está na origem das liquidações de IVA de 2005 impugnadas nos presentes autos, entendendo-se que sobre esta questão há que apelar à autoridade do caso julgado. Com efeito, como se escreveu no acórdão do TCAS de 16/09/2019, proc. n.º 1154/11.6BELRA “(…) nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC:
“1 – Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º".
Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa ([1]). Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo([2]).
As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material([3]),sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social. O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva([4]).
Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão([5]). Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões([6])."

Portanto, in casu, considerando que a questão apreciada no TCAS de 28/04/2016, proc. n.º 08645/15 é exactamente a mesma que aquele acórdão transitou em julgado, formou-se caso julgado material, com os necessários reflexos nos presentes autos, atenta a autoridade do caso julgado. Neste contexto, decidiu-se o seguinte naquele acórdão que aqui se acolhe (destaques nossos):

“Como decorre dos autos e do probatório, a impugnante, ora Recorrida, fabricante de queijo e requeijão, foi objecto de duas acções inspectivas externas referenciadas aos exercícios de 2005 e 2006, abrangendo, nomeadamente, o IRC, de que resultaram correcções à matéria tributável nos valores respectivos de 1.001.900,69€ e 675.982,07€ para aqueles anos.

De acordo com o consignado nos relatórios de inspecção tributária que culminaram as referidas acções inspectivas, as correcções à matéria tributável assentaram em métodos de avaliação directa, consubstanciando correcções de natureza meramente aritmética, não tendo havido recurso a métodos de avaliação indirecta (cf. pontos a), b), i) e j) da matéria assente).

Entendimento contrário, na esteira do sustentado pela impugnante, perfilhou a sentença recorrida, para quem a Administração tributária operou com juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta.

Com esse modo de ver se não conforma a ora Recorrente Fazenda Pública, para quem a AT não operou com juízos presuntivos, como erroneamente se concluiu na sentença recorrida, antes tendo baseado as correcções em elementos e informações de natureza objectiva, nomeadamente, extractos bancários da sociedade inspeccionada, de sócios dela e familiares destes, que no seu conjunto reflectem os fluxos financeiros de saída e entrada referenciados a operações não contabilizadas de compra e de venda de bens.

Que dizer?

Como referimos, a sentença recorrida concluiu que no cálculo da matéria tributável corrigida a AT recorreu a juízos presuntivos próprios da metodologia de avaliação indirecta, embora sob a capa de correcções meramente aritméticas.

No essencial, para assim concluir, consta da sentença o seguinte discurso argumentativo:
«Veja-se que no que respeita à compra de leite alegadamente omitida a mesma é concluída pela análise aos valores dos cheques descontados da conta de uma familiar dos sócios da impugnante. Nesta análise a AT conclui que 95% dos valores de compras de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA, contabilizadas, eram coincidentes com valores de cheques descontados da referida conta bancária, pelo que, concluiu que a totalidade dos meios de pagamento de aquisições de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA seriam cheques emitidos daquela conta bancária. Isto é a AT formulou a seguinte conclusão: O pagamento do fornecimento de leite a produtores não sujeitos passivos de IVA é feito através da conta bancária da referida familiar dos sócios da impugnante.
Em seguida, e observando que da referida conta bancária se efectuaram 2023 pagamentos a compras contabilizadas de leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, concluiu a AT que todos os 3300 movimentos a débito efectuados através da referida conta bancária, se referiam apenas e só a pagamentos efectuados a produtores de leite não sujeitos passivos, no valor de 1.033.008,52€ (ponto 3.1 do relatório de inspecção, 3.º e 4.º).
E no que respeita aos proveitos alegadamente omitidos, a AT partiu da análise de depósitos efectuados nas contas bancários dos sócios da impugnante e seus familiares, concluindo que os depósitos provenientes de cheques emitidos por entidades que figuram como clientes da impugnante teriam de ser vendas omitidas, mas indo mais longe, defendendo que todos os depósitos em numerário também o eram.
Ora, na verdade, no relatório da AT não encontramos uma linha que seja relativamente aos esforços empreendidos por esta para provar que cada um dos depósitos se referia a vendas de produtos, tanto no que respeita aos depósitos de cheques, como no que respeita aos depósitos em numerário. O que a AT faz é concluir, a partir de um facto conhecido – os depósitos – um facto desconhecido – a causalidade subjacente aos mesmos. Mas mais, é que para além dos depósitos efectuados por cheque emitidos por pessoas singulares ou colectivas que constam na contabilidade como clientes da impugnante, a AT considera ainda que todos os depósitos efectuados nas contas dos sócios da impugnante, mesmo aqueles efectuados em numerário são também relativos a vendas de produtos da impugnante “na medida em que os titulares das referidas contas bancárias não u sufruíam de outros rendimentos", como escreveu no relatório relativo ao exercício de 2005.
Ora, não é possível acompanhar o raciocínio da AT para concluir que a avaliação levada a cabo foi uma avaliação directa, uma vez que esta assenta de forma clara em presunções – a presunção de que os cheques depositados nas contas em causa dos sócios da impugnante e provenientes de clientes da impugnante são vendas omitidas; de que os depósitos em numerário, e portanto cuja origem não é possível seguir, são também vendas da impugnante omitidas; a presunção de que os 3300 pagamentos efectuados por cheques da conta de C….., familiar dos sócios da impugnante, se destinaram a pagar leite a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, a partir da análise de 95%, ou da verificação em 95% dos casos (o relatório não é claro) de pagamento de leite adquiridos a produtores não sujeitos passivos em sede de IVA, daquela conta, relativamente ao leite contabilizado como custo; a presunção de que os cheques descontados nas contas B….. n.º5…. (…), B…. n.º1…. (…)-0… e B… n.º2…. (…)0… foram todos para pagamento de leite, concluindo que apenas parte foi declarado; e por fim a presunção de que todos os depósitos efectuados nas contas de banco identificadas, tituladas pelos sócios da impugnante, são provenientes de transações omitidas, porque o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios.
Assim sendo não nos resta alternativa se não concluir nos termos invocados pela impugnante na sua PI no sentido de que as correcções levadas a cabo pela AT, baseadas no encontrar de movimentos bancários nas contas dos sócios da impugnante e seus familiares, que a levaram a concluir pela omissão de proveitos da impugnante, apenas estariam legitimadas em sede de avaliação indirecta, e não dando às mesmas uma configuração de avaliação directa
».

Com efeito, apreende-se do relatório de inspecção tributária que a declaração, contabilidade e escrita da impugnante não permitiu à AT a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do IRC (art.º87.º, alínea b), da LGT), tendo sido necessário recorrer a extractos bancários de contas tituladas pelos sócios da impugnante e familiares dos sócios para quantificar valores de compra e de venda não reflectidos nos elementos de contabilidade e escrita da impugnante, não havendo elementos probatórios objectivos e incontroversos que permitam extrair dos movimentos de saída e entrada de fundos reflectidos naqueles extractos bancários das contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as operações económicas supostamente omitidas de compra de matéria-prima (leite) e de venda de produtos fabricados pela empresa impugnante (queijos e requeijões).

Permitimo-nos realçar, por extracto, o que a propósito consta do ponto 3.1. do Capítulo III – “Correcções aritméticas" do RIT:
«…verificamos ainda que foram descontados 1809 cheques de pequeno valor, preenchidos pelo Sr. J……. [antes identificado no RIT como funcionário do escritório da impugnante – fls.53 do PA], cujos recibos foram sonegados pelos responsáveis da sociedade aos registos contabilísticos, pelo que foram solicitados aos bancos o envio dos mesmos (…).
[…]
Ao analisarmos o conteúdo dos cheques facultados pelas instituições bancárias (…), verificamos que eles correspondem às aquisições efectuadas aos produtores de leite não sujeitos passivos, em cujos meses não consta nenhum recibo na contabilidade.
Concluímos, portanto, que os cheques descontados naquelas datas foram todos para pagamento de leite ao produtor não sujeito passivo e observamos que não foi efectuada nenhuma transferência bancária das mencionadas contas, para a firma A….., Lda.
»

Noutro passo do RIT pode ler-se:
«O total dos depósitos efectuados diariamente nas contas bancárias dos sócios destinadas exclusivamente ao movimento de transacções omissas na contabilidade da firma A….., Lda., está apurado no mapa anexo 58 e ascende a 2.446.284,18€.
[…]
Ao analisarmos o conteúdo dos cheques facultados pelas instituições bancárias (…), verificamos que o emitente dos cheques, geralmente exerce a actividade de comercialização de produtos alimentícios. Além disso, verificamos ainda que alguns desses cheques têm recibo e factura ou venda a dinheiro registada na contabilidade tal como referimos nos pontos anteriores.
Face ao exposto, concluímos portanto que todos os depósitos efectuados nas quatro contas bancárias identificadas anteriormente respeitam a transacções de queijos e requeijões e que os sócios da sociedade ocultaram factos relacionados com a actividade e valores sujeitos a tributação. Assim, os responsáveis pela sociedade depositaram nas suas contas bancárias 2.446.284,18€, proveniente de transacções de queijos e requeijões, sendo, parte desses depósitos, no total de 348.537,36€ referente a vendas com facturas e vendas a dinheiro registadas na contabilidade, pelo que omitiu proveitos no valor total de 2.097.746,82€ (2.446.284,18€ – 348.537,36€), facto contrário ao disposto no n.º1 do artigo 20.º do CIRC
».

Estas passagens do RIT são, per si, elucidativas de que a AT recorreu a critérios próprios da metodologia indirecta, quer para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos, quer para quantificar o valor desses mesmos custos e proveitos omitidos.

Na verdade, concluiu a AT, partindo unicamente da circunstância de haver nas contas tituladas e contituladas pelos sócios e familiares dos sócios, cheques lançados a débito preenchidos por um funcionário do escritório da impugnante e que tinham por beneficiários produtores de leite não sujeitos passivos, que tais cheques se destinaram ao pagamento da aquisição pela impugnante dessa matéria-prima necessária ao seu processo produtivo.

Como concluiu, partindo da circunstância de os emitentes de cheques lançados a crédito nas contas dos sócios e familiares, “geralmente" exercerem a actividade de comercialização de produtos alimentícios, que tais cheques correspondem ao recebimento do valor das transacções omitidas de queijos e requeijões.

Ora, na medida em que não haja elementos objectivos e incontroversos que permitam extrair dos fluxos financeiros nas contas dos sócios, e de familiares dos sócios, as apontadas omissões à contabilidade da impugnante de custos e de proveitos, pode afirmar-se que o juízo da AT se formou com base em indícios, materializados em factos a partir dos quais inferiu a omissão de transacções e as quantificou.

A avaliação directa, conforme resulta do n.º1 do art.º83º da LGT, tem por fim determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, constituindo, assim, um instrumento útil na busca da verdade material.

Os métodos indirectos, por seu lado, consistem nos meios de avaliação indirecta de lucros tributáveis ou rendimentos líquidos através do recurso a índices que permitam extrair presunções quantitativas (art.º83.º, n.º2 da LGT). Não constituem, portanto, um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, antes possibilitam a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar.

Deste modo, não pode dizer-se que os valores apurados da matéria tributável correspondam, no caso, a valores reais, mas antes a uma quantificação presuntiva decorrente de determinados indicadores factuais.

O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos – caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente-, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação – vd. Acórdão deste TCAS, de 13/11/2012, tirado no proc.º04205/10.

Em resumo, de tudo o que vem dito, pode concluir-se, na esteira do Acórdão deste TCAS de 18/06/2015, tirado no proc.º08641/15, que a Administração tributária, no caso em análise, sob a capa de alegadas correcções técnicas, corrigiu e alterou valores declarados com recurso a métodos indirectos, sem que tal recurso tenha sido acompanhado do necessário procedimento, o qual reclamava especiais deveres à Administração (designadamente de fundamentação – artigo 77.º, n.º 4.º da LGT) e consagra especiais direitos e garantias ao contribuinte (designadamente o pedido de revisão, previsto no artigo 91º e ss. da LGT, sendo ainda de assinalar, em certos casos, o encurtamento do prazo de caducidade de direito à liquidação quando esta decorre da aplicação de métodos indirectos, tal como resulta do artigo 45º, n.º2 da LGT). Nem tais deveres foram observados, nem os direitos e garantias de defesa da impugnante foram salvaguardados, no caso.

Ora, de tudo o que vem dito, e sem necessidade de mais amplas considerações, resta concluir que, no caso, como decidido, a Administração tributária, sob a máscara de meras correcções técnicas, mais não fez do que determinar a matéria colectável da impugnante com recurso a métodos indirectos, sem que, para tanto, cumprisse os dispositivos legais impostos e aos quais se fez expressa referência.

A sentença recorrida não enferma do vício de erro de julgamento que lhe vem apontado, merecendo ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso."

Portanto, concluindo, sublinha-se que não se verifica o erro de julgamento de facto invocado pela Recorrente Fazenda Pública (conclusões a. e b.) porquanto não houve errada apreciação da prova produzida nos autos. A valoração que o Meritíssimo Juiz a quo fez dos factos que extraiu do relatório de inspecção encontra-se correcta, não havendo qualquer contradição na sua decisão, na medida em que esta assentou no entendimento de que a Administração tributária (AT) recorreu a juízos presuntivos sem, contudo, lançar mão da metodologia indirecta, ancorando-se a meras correcções técnicas. Ora, assim sendo, e ao contrário do que parece entender a Recorrente se verifica a violação do disposto no art. 74.º da LGT (conclusão c. das conclusões de recurso), ou seja, a Impugnante não tinha de provar ou contrariar a origem das entradas e saídas dos fluxos financeiros, porquanto a as correcções efectuadas pela AT enfermam, desde logo, de vício de violação de lei ao não respeitar as regras jurídicas da tributação directa e indirecta, afectando os direitos e garantias da Impugnante, ora Recorrida, e nessa medida improcedem as conclusões d) a r) das conclusões de recurso com os fundamentos explanados naquele acórdão que aqui se acolheu.

Realce-se ainda que idêntico entendimento também foi sufragado no acórdão do TCAS de 28/04/2016, proc. n.º 08645/15, referente a liquidações de IVA de 2006 em que as partes e a fundamentação das correcções são as mesmas em causa nos presentes autos.

Em face do supra exposto, a sentença recorrida não enferma dos vícios invocados pelo Recorrente, e, por conseguinte, o presente recurso não merece provimento.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário do acórdão
I. O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia directa ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos – caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente-, ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação.
II. Partindo a AT da análise dos movimentos financeiros reflectidos nas contas bancárias dos sócios da impugnante, e familiares dos sócios, para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos e determinar a respectiva quantificação, fez uso de métodos indirectos, ainda que sob a capa de correcções técnicas ou meramente aritméticas.
III. A decisão de tributação por métodos indirectos desacompanhada do especial procedimento a que está sujeita, mostra-se ilegal por violação de direitos e garantias do contribuinte.

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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente.
Após trânsito remeta certidão do presente acórdão à Procuradoria da República da Guarda conforme solicitado a fls. 619 dos autos.


([1]) Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 156.
([2]) A este respeito, v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 285.
([3]) A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705.
([4]) V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. Distinguindo as situações consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior e, nesse seguinte, discernindo entre situações com relação de identidade, situações com relações de prejudicialidade e situações com relações de concurso, v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex. Lisboa, 1997, pp. 574 a 577.
([5]) Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1) e de 27.02.2018 (Processo: 2472/05.8 TBSTR.E1)
([6]) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1) e de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB).