Diploma

Diário da República n.º 210, Série I, de 2019-10-31
Acórdão TCA Sul, de 06-04-2017, Processo n.º 500/13.2BEALM

Acórdão do TCA Sul de 6/4/2017- Processo n.º 500/13.2BEALM

Tipo: Acórdão
Número: 500/13.2BEALM
Publicação: 11 de Novembro, 2019
Disponibilização: 6 de Abril, 2017
1) Estando em causa a efectivação de responsabilidade subsidiária resultante da alínea b) do n.º 1, do artigo 24º da LGT, o ónus da prova inverte-se contra o gerente, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. 2) Na aferição da culpa pela falta de pagamento, há que efectuar um juízo de[...]

Síntese Comentada

O recurso jurisdicional em análise resulta de uma sentença de reversão de dívidas fiscais, em que o gerente é responsabilizado subsidiariamente pelas dívidas originais da sociedade em que exercia a gerência. Estando em causa a efetivação de responsabilidade subsidiária resultante da alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, o ónus da prova[...]

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Diploma

I - Relatório

B... interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 208/216, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por si intentada contra o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de..., por dívidas de IRC de 2006, no valor de €25.099,79, da sociedade E... – Limpeza e Manutenção, SA, contra si revertidas.

Nas alegações de recurso de fls. 258/272, o recorrente formula as conclusões seguintes:

I. O Recorrente foi citado no processo de execução fiscal à margem identificado, na qualidade de responsável subsidiário no processo de execução fiscal no qual é Devedora Originária a sociedade E... - Limpeza e Manutenção, S.A..
II. O valor da quantia exequenda dos presentes autos é de €25.099,79.
III. O Tribunal a quo deu como provados:
a. Em 20/01/2007 a sociedade E... - Limpeza e Manutenção, S.A. procedeu à entrega da sua declaração anual para o exercício de 2006;
b. No âmbito do processo de execução fiscal n.º... e do processo de execução fiscal n.º... em que é executada a sociedade E... - Limpeza e Manutenção, S.A. foram efetuadas penhoras de contas bancárias, créditos sobre clientes e imobilizado da executada em 23/02/2008, 10/03/2008, 13/03/2008, 11/06/2008, 18/06/2008, 19/06/2008, 20/06/2008 e 07/07/2008 para pagamento de dívidas no montante de €69. 782,64 referente a IRC de 2006 e €1.674.933,49 referente a IVA;
c. Em 23/06/2008 a sociedade E... - Limpeza e Manutenção S.A. procedeu à entrega da sua declaração Anual para o exercício de 2007;
d. A sociedade E... - Limpeza e Manutenção S.A. apresentou-se à insolvência a qual foi qualificada como furtuita;
e. O Oponente assinou em representação da sociedade Originária devedora contratos de locação financeira e avalizou em nome próprio livranças;
f. Por despacho de 03/04/2013, foram revertidas as dívidas exequendas contra o oponente com fundamento na inexistência de bens da Devedora Originária e a gerência de facto do oponente.
IV. O Tribunal a quo considerou que não ficou provado ter o Recorrente feito diligências, nomeadamente judiciais, no sentido de cobrar os créditos que a Devedora Originária detinha sobre os seus clientes.
V. O Recorrente não concorda com a valoração da prova produzida nos presentes autos, razão pela qual apresentou o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
VI. Pela análise da decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi considerado que não resulta convenientemente provado que "o oponente não provou que não foi por culpa sua que os impostos não foram pagos, sendo certo que os mesmos violaram os seus deveres de um gestor cuidadoso e criterioso. " VII. Acrescenta ainda a este respeito que ''ao não ter provado que tudo fez, como um gestor diligente, para cobrar as dívidas de terceiros para com a sociedade, não logrou provar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade. " VIII. A testemunha C..., conforme reconhece o Tribunal a quo, trabalhou na Devedora Originária desde Fevereiro ou Março de 2006, tendo trabalhado nesta até à data do seu encerramento.
IX. Desde logo a testemunha referiu que a Devedora Originária enfrentava sérios problemas de liquidez financeira.
X. A Sra. C... recorda que esta prestava maioritariamente os seus serviços a entes públicos, acrescentado que era uma empresa que tinha muito trabalho.
XI. A referida testemunha acompanhou os processos de cobrança de dívidas dos clientes, refere que pelo menos dois dias por semana eram integralmente dedicados a fazer telefonemas para os clientes por forma a que estes efetuassem os pagamentos em dívida.
XII. Confirmou ainda a testemunha que os processos estavam ainda a ser acompanhados por advogados, com vista à recuperação dos créditos detidos pela Devedora Originária junto dos seus clientes, tendo referido ainda a existência de processos de injunção com vista à cobrança de faturas não pagas.
XIII. Os valores que estavam em dívida pelos clientes da Devedora Originária eram essenciais para que esta conseguisse proceder aos pagamentos de despesas correntes da atividade, como seja o pagamento a trabalhadores, fornecedores e impostos.
XIV. Afirmou ainda que o Recorrente tentou diligenciar mais clientes de forma a conseguir honrar os compromissos para com os credores da sociedade.
XV. No que respeita a este testemunho resulta provado nos presentes autos, não só as dificuldades de liquidez sentidas na devedora originária, bem como, todas as tentativas realizadas com vista à cobrança dos valores em dívida.
XVI. Salienta-se ainda que resultam provados que haviam processos a serem acompanhados por advogados os quais tinham em vista a cobrança de valores aos clientes da Devedora Originária.
XVII. J... recorda conhecer a Devedora Originária, desde 2003/2004 e que nessa altura esta apresentava uma carteira considerável de clientes.
XVIII. Referiu ainda que as penhoras efetuadas nos saldos bancários "estrangularam" a atividade da Devedora Originária, uma vez que as entradas dos valores que iam sendo recebidos rapidamente eram penhoradas.
XIX. Refere a testemunha que o Recorrente tentou diligenciar financiamentos de forma a cumprir as obrigações que se estavam a vencer, não só junto do B... como das demais instituições de crédito.
XX. Referem ambas as testemunhas que o Recorrente não fazia uma vida luxuosa, da qual se levasse a concluir que utilizasse bens da Devedora Originária em proveito próprio.
XXI. Em face da prova produzida é, pois, m...esto que a decisão recorrida fez uma errada apreciação da prova testemunhal, não considerando as diligências efetuadas pela Testemunha C... para cobrança dos créditos da Devedora Originária.
XXII. Ficou provado que o Recorrente tentou a realização de novos negócios.
XXIII. Resulta alegado e provado nos presentes autos que o Recorrente sempre foi um Administrador criterioso na condução dos destinos da Devedora Originária, tendo sempre tentado que essa cumprisse todos as suas obrigações juntos dos seus credores.
XXIV. Conclui-se que, tendo em conta a prova carreada aos autos, deverá considerar-se que resultou demostrada e conveniente mente provada a falta de culpa do Recorrente no que respeita ao pagamento da quantia exequenda dos presentes autos.

X

Não há registo de contra-alegações.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 282/283), no sentido da não procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

*

II - Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

1 - Em 10/01/2001 foi matriculada a sociedade comercial por acções sob a firma E... – Limpeza e Manutenção, S.A., tendo o oponente sido nomeado administrador da mesma (cfr. doc. junto a fls. 111 a 114 do processo executivo junto aos autos – Certidão da Conservatória do Registo Comercial do...);

2 - Em 20/06/2007 a sociedade E... – Limpeza e Manutenção, S.A. procedeu à entrega da sua declaração Anual para o exercício de 2006 (cfr. Doc. junto a fls. 105 a 132 dos autos);

3 - Em 27/09/2007 foi autuado o processo de execução fiscal n.º... que corre termos no Serviço de Finanças de..., em que é executada a sociedade comercial por acções sob a firma E... – Limpeza e Manutenção, S.A. por dívidas de IRC no montante de € 70.843,26, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 03/09/2007 (cfr. doc. junto a fls. 1 a 2 do processo executivo junto aos autos);

4 - No âmbito do processo de execução fiscal n.º... e do processo de execução fiscal n.º... em que é executada a sociedade E... – Limpeza e Manutenção, S.A. foram efectuadas penhoras de contas bancárias, créditos sobre clientes e imobilizado da executada em 23/02/2008, 10/03/2008, 13/03/2008, 11/06/2008, 18/06/2008, 19/06/2008, 20/06/2008, e 07/07/2008 para pagamento de dívidas no montante de € 69.782,64 referente a IRC de 2006 e € 1.674.933,49 referente a IVA (fr. Doc. junto a fls. 31 a 60 dos autos);

5 - O oponente cessou a suas funções como administrador em 04/06/2008 (cfr. doc. junto a fls. 111 a 114 do processo executivo junto aos autos – Certidão da Conservatória do Registo Comercial do...);

6 - Em 23/06/2008 a sociedade E... – Limpeza e Manutenção, S.A. procedeu à entrega da sua declaração Anual para o exercício de 2007 (cfr. Doc. junto a fls. 80 a 104 dos autos);

7 - A sociedade E... – Limpeza e Manutenção, S.A. apresentou-se à insolvência (fr. Doc. junto a fls. 10 a 15 dos autos);

8 - Por sentença de 30/04/2010 foi a sociedade E... – Limpeza e Manutenção, S.A. declarada insolvente, constando que o passivo da sociedade é de € 3.253.544,12, activo líquido seria de € 3.801.965,07 sendo € 2.910.619,66 dívidas de terceiros com a sociedade (cfr. doc. junto a fls. 10 a 15 dos autos);

9 - A insolvência da sociedade E... – Limpeza e Manutenção, S.A. foi qualificada como fortuita (cfr. doc. junto a fls. 16 a 18 dos autos);

10 - O oponente assinou, em representação da sociedade originária devedora, contratos de locação financeira e avalizou em nome próprio livranças (cfr. doc. junto a fls. 104 a 109, 125 a 128 do processo de execução fiscal junto aos autos);

11 - Por despacho de 23/01/2013 foi determinado proceder à audição prévia do oponente com fundamento em fundada insuficiência dos bens da devedora originaria e na gerência de facto e de direito do oponente (cfr. doc. junto a fls. 194 a 196 do processo executivo junto aos autos);

12 - Por ofício de 23/01/2013 foi o oponente notificado para se pronunciar sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas exequendas identificadas no ponto 3 deste probatório no montante de € 25.099,79 (cfr. doc. junto a fls. 199 do processo executivo junto aos autos);

13 - O oponente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. doc. junto a fls. 201 a 205 do processo executivo junto aos autos);

14 - Por despacho de 03/04/2013, foram revertidas as dívidas exequendas contra o oponente com fundamento na inexistência de bens da devedora originária e a gerência de facto do oponente (cfr. doc. junto a fls. 220 a 223 do processo executivo junto aos autos)».

*

Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como no depoimento das testemunhas arroladas. A primeira testemunha C..., trabalhou na devedora originária e afirmou que o oponente era o seu patrão. Afirmou que trabalhou na empresa em Fevereiro ou Março de 2006 até 2010, altura em que a sociedade fechou. Desempenhava funções de secretariado num polo industrial onde existiam várias empresas, entre as quais estava a E.... A testemunha trabalhava para todas. A sociedade efectuava limpezas de rua. Afirmou que a empresa tinha trabalho. Afirmou que eram feitos vários telefonemas para as entidades que tinham facturas em atraso. Afirmou que ocorreu uma inspecção das finanças e daí decorreram penhoras e coimas.
O depoimento desta testemunha foi credível e seguro e demonstrou conhecer os factos a que depôs pessoal e directamente.
A segunda testemunha foi M..., era gerente bancário no B... e conhecia a empresa que fazia parte da sua carteira de clientes. Era gerente do balcão. Sobre o caso concreto pouco disse. Apenas sabia que a sociedade beneficiava de crédito para apoio de tesouraria porque os clientes não pagavam as facturas nas alturas devidas. A sociedade passou a ter dificuldades financeiras a partir do momento em que foram efectuadas as penhoras de saldos. O seu depoimento foi seguro, coerente e demonstrou ter conhecimento directo dos factos, no entanto, este depoimento apenas confirma a existência de penhoras e as dificuldades daí decorrentes.
A terceira testemunha N.... Não era o TOC da sociedade. Não acompanhou o processo de fiscalização. O seu depoimento foi indirecto porque o TOC da sociedade era um amigo seu que trabalhava directamente com a sociedade. O depoimento não foi considerado com o tribunal porque não teve contacto directo dos factos a que depôs.»

*

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

15 - O contrato de sociedade da Sociedade Devedora Originária/SDO foi outorgado em 24.09.2001 – fls. 176/179, do pef.

16 - No contrato referido na alínea anterior o oponente foi nomeado gerente, bastando a sua assinatura para obrigar a sociedade – fls. 111/112, e fls.176/179, do pef.

17 - Desde 10.10.2001 até 04.06.2008, o oponente foi o único gerente da sociedade – fls. 111/112, do pef.

18 - No âmbito do processo de execução fiscal n.º..., instaurado contra a SDO, por dívidas de IVA (01-2004 a 03-2004), prazo limite de pagamento: 01.09.2007, no montante de €1.687.670,32, foram realizadas penhoras de contas bancárias – fls. 59.

19 - Da sentença referida em 8. consta, designadamente, o seguinte:
«Dos documentos juntos aos autos pelo requerente/devedor resulta evidente que o mesmo se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas e que, de facto, não as vem cumprindo há já algum tempo.
Daqui se conclui que a situação económica da empresa se encontra debilitada, não só dados os montantes em dívida como dadas as respectivas datas de vencimento, sendo ainda de considerar o facto de o seu activo ser muito inferior ao seu passivo.
Assim, resulta claro o estado de precaridade da situação económico-financeira da requerente, estado esse que demonstra estar a mesma impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas e não ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo conhecido».

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2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 208/216, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por si intentada contra o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de..., por dívidas de IRC de 2006, no valor de €25.099,79, da sociedade E... – Limpeza e Manutenção, SA, contra si revertidas.

2.2.2. Para julgar improcedente a presente oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«[O] oponente não provou que não foi por culpa sua que os impostos não foram pagos, sendo certo que pelo menos violou os seus deveres de um gestor cuidadoso e criterioso. De facto, enquanto gerente da sociedade deveria assegurar que os orçamentos que faziam eram suficientes para pagar aos seus credores, sejam eles trabalhadores ou Estado. // A circunstância de ter ocorrido uma acção inspectiva que determinou existirem dívidas ao Estado de IVA, a consequente instauração de processos executivos por falta de pagamento desses impostos e as penhoras quer de créditos quer de contas bancárias quer ainda de bens, não constituem motivo capaz de afastar a culpa do oponente. // (…) // Por outro lado, havendo dívidas de terceiros para com a devedora originária, na casa do três milhões de euros (vide ponto 8 do probatório supra), não ficou provada qualquer tentativa por parte do oponente no sentido de tentar receber as quantias em causa, violando assim o seu dever de cuidado na gestão da sociedade originariamente devedora. // O facto de ter conta bancárias penhoradas não impedia o recebimento das dívidas de terceiros para com a sociedade, como parece pretender o oponente. Se os montantes em dívida pelos devedores da sociedade ficassem penhorados para efectuar o pagamento das dívidas que a própria sociedade detinha, seriam menos essas dívidas que seriam exigidas em sede de insolvência ou no processo de execução fiscal que foi instaurado à devedora originária. // Ao não ter provado que tudo fez, como um gestor diligente, para cobrar as dívidas de terceiros para com a sociedade, não logrou provar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade».
2.2.3. Contra o veredicto que fez vencimento na instância, o recorrente invoca que do depoimento das testemunhas resultam elementos comprovativos da diligência e zelo com que actuou no cumprimento das suas funções de gerente da sociedade devedora originária/SDO, pelo que deve ser julgado procedente o juízo de ilisão da presunção culpa na falta de pagamento dos créditos tributários vencidos no decurso do exercício da gerência (artigo 24.º/1/b), da LGT).
Está em causa a reversão da execução contra o recorrente, por dívidas da SDO, IRC de 2006, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou em 03/09/2007; o recorrente foi gerente único da SDO, desde a sua constituição (24.09.2001) até 04.06.2008.
Na petição inicial de oposição, o recorrente invoca a situação de asfixia económica da SDO, advinda das sucessivas penhoras impostas em virtude das dívidas fiscais não liquidadas, o que terá determinado a sua apresentação à insolvência, decretada pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, em 30.04.2010.

«[A] efectivação da responsabilidade tributária subsidiária por meio de reversão do processo de execução fiscal tem os seguintes [pressupostos]: a) Fundada insuficiência patrimonial dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários ou dos seus respectivos sucessores (…). // b) Exercício, ainda que somente de facto, de funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados; e // c) A culpa, seja na insuficiência do património (situações recondutíveis à alínea a) do artigo 24.º/1, da LGT), seja no não pagamento da prestação tributária (situações recondutíveis à alínea b) do artigo 24.º/1, da Lei Geral Tributária)»[[1]].O regime estabelecido no artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LGT é o seguinte:

a) Nas hipóteses da alínea a), «[t]tratam-se das dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois, respondem patrimonialmente os administradores ou gerentes quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação»[[2]].

b) Nas hipóteses da alínea b), «[o]s administradores ou gerentes das empresas respondem pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não prove, que não lhes foi imputável a falta de pagamento»[[3]].

A distinção entre a alínea a) e a alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, no que respeita à repartição do ónus da prova, «parte da distinção fundamental entre “dívidas tributárias vencidas" no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas" posteriormente»[[4]]. Assim, o ónus da prova da culpa da insuficiência patrimonial recai sobre a AT (alínea a), enquanto que o ónus da prova da ausência de culpa no não pagamento atempado da obrigação tributária recai sobre o revertido (alínea b).

No caso em exame, a reversão é imposta ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT.

O dissídio das partes reside sobre a questão de saber se o recorrente logrou demonstrar a falta de culpa no incumprimento da dívida exequenda. O recorrente considera que não foi devidamente valorada a prova, no que respeita às diligências feitas no sentido da cobrança de dívidas de terceiros em face da SDO, no que se reporta às diligências efectuadas no sentido de obter mais clientes para a SDO, no que respeita à asfixia económica da SDO resultante das penhoras de saldos bancários impostas pela AT, no que se refere às diligências no sentido de obter financiamento junto dos Bancos.

A este propósito, é ponto assente o de que «[a] culpa em causa (…) deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, n.º.2, e 799, n.º.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante". É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto»[[5]].

Mais se refere que, «[n]este caso [no caso da responsabilidade subsidiária resultante da alínea b) do n.º 1, do artigo 24º da LGT], o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera-se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar»[[6]].

Do probatório, sem impugnação eficaz por parte do recorrente, resultam os elementos seguintes:
1) De 24.09.2001 até 04.06.2008, o oponente foi o único gerente da sociedade.
2) A forma de obrigar da sociedade era através da assinatura do gerente.
3) O recorrente exerceu a gerência de facto.
4) A SDO tinha dívidas de IVA (01-2004 a 03-2004), prazo limite de pagamento: 01.09.2007, no montante de €1.687.670,32, 5) Na data do decretamento da insolvência da SDO, o passivo da sociedade é de €3.253.544,12, activo líquido seria de € 3.801.965,07 sendo € 2.910.619,66 dívidas de terceiros com a sociedade.
6) Está em causa nos autos dívida de IRC, 2006, no montante de € 70.843,26, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 03/09/2007.
7) O recorrente cessou as funções de gerente em 04.06.2008.
8) A insolvência da SDO foi decretada pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, em 30.04.2010.

Da matéria de facto assente resulta que o recorrente, enquanto gestor único da SDO, não actuou no sentido de evitar os nexos causais que determinaram a insuficiência patrimonial da mesma e o consequente incumprimento da dívida exequenda.

Perante uma situação de precariedade financeira, impunha-se uma actuação diligente e criteriosa, no sentido de garantir os credores da sociedade e a sustentabilidade financeira da mesma, o que passaria, seja por um acordo de pagamento das obrigações vencidas, seja pelo requerimento atempado da insolvência da mesma. Ao ter permitido que dívidas fiscais no montante de €1.687.670,32, com prazo limite de pagamento a 2007, se vencessem sem serem liquidadas, bem como ao permitir que a dívida exequenda de IRC, 2006, no montante de € 70.843,26, cujo prazo de pagamento terminou em 03/09/2007, se vencesse, sem ser liquidada, numa situação em que o passivo da SDO supera o activo, sem requerer a sujeição da SDO a processo falimentar, o recorrente não garantiu a solvabilidade da empresa, nem assegurou a garantia patrimonial dos credores da mesma. Em vez disso, o recorrente afastou-se da sociedade; recorde-se que a cessação de gerência data de 04.06.2008 e apenas em 30.04.2010, veio a obter o decretamento da insolvência, numa altura em que «a situação económica da empresa se encontra debilitada, não só dados os montantes em dívida como também dadas as respectivas datas de vencimento, sendo ainda de considerar o facto de o seu activo ser muito inferior ao seu passivo»; ou seja, quando «o estado de precaridade da situação económico-financeira da [SDO], estado esse que demonstra estar a mesma impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas e não ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo conhecido»; pelo que se impõe concluir que o decretamento da insolvência ocorre após a consumação da situação de insuficiência patrimonial, o que comprova a falta de exercício diligente dos deveres estatutários do gerente por parte do oponente.
Pelo que a actuação do recorrente não observou o padrão do gerente criterioso e diligente, constituindo-se como causa do dano da exequente consubstanciado no incumprimento da dívida fiscal exequenda.
Das alegações do recorrente não resulta a invocação de factos interruptivos do mencionado nexo de casualidade; assim sucede com as alegadas diligências para o cumprimento das dívidas de terceiros, com as penhoras bancárias, com as tentativas de obter novos financiamentos ou novos clientes.

Em síntese, a culpa do oponente no não pagamento mostra-se substantivada nos autos, pois que, perante a situação de manifesta insuficiência económica da SDO, o mesmo não diligenciou atempadamente no sentido de garantir o cumprimento dos créditos que sobre aquela pendiam, aceitando o resultado da falta de pagamento dos mesmos.

Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso, não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.


[[1]] José Pedro Carvalho, Reversão – Notas práticas, in I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, 2011, pp. 209/231, maxime, p. 209.
[[2]] Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, A reversão do processo de execução fiscal, Coimbra Editora, 2011, pp. 154/155.
[[3]] Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores…, cit., pp. 167/168.
[[4]] Ac. do STA, de 23.06.2010, P. 0304/10
[[5]] Acórdão do TCA Sul, de 08.05.2012, P. 5392/12.
[[6]] Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.

Acórdão TCA Sul, de 06-04-2017, Processo n.º 500/13.2BEALM

I – Relatório

B… interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 208/216, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por si intentada contra o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de…, por dívidas de IRC de 2006, no valor de €25.099,79, da sociedade E… – Limpeza e Manutenção, SA, contra si revertidas.

Nas alegações de recurso de fls. 258/272, o recorrente formula as conclusões seguintes:

I. O Recorrente foi citado no processo de execução fiscal à margem identificado, na qualidade de responsável subsidiário no processo de execução fiscal no qual é Devedora Originária a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A..
II. O valor da quantia exequenda dos presentes autos é de €25.099,79.
III. O Tribunal a quo deu como provados:
a. Em 20/01/2007 a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. procedeu à entrega da sua declaração anual para o exercício de 2006;
b. No âmbito do processo de execução fiscal n.º… e do processo de execução fiscal n.º… em que é executada a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. foram efetuadas penhoras de contas bancárias, créditos sobre clientes e imobilizado da executada em 23/02/2008, 10/03/2008, 13/03/2008, 11/06/2008, 18/06/2008, 19/06/2008, 20/06/2008 e 07/07/2008 para pagamento de dívidas no montante de €69. 782,64 referente a IRC de 2006 e €1.674.933,49 referente a IVA;
c. Em 23/06/2008 a sociedade E… – Limpeza e Manutenção S.A. procedeu à entrega da sua declaração Anual para o exercício de 2007;
d. A sociedade E… – Limpeza e Manutenção S.A. apresentou-se à insolvência a qual foi qualificada como furtuita;
e. O Oponente assinou em representação da sociedade Originária devedora contratos de locação financeira e avalizou em nome próprio livranças;
f. Por despacho de 03/04/2013, foram revertidas as dívidas exequendas contra o oponente com fundamento na inexistência de bens da Devedora Originária e a gerência de facto do oponente.
IV. O Tribunal a quo considerou que não ficou provado ter o Recorrente feito diligências, nomeadamente judiciais, no sentido de cobrar os créditos que a Devedora Originária detinha sobre os seus clientes.
V. O Recorrente não concorda com a valoração da prova produzida nos presentes autos, razão pela qual apresentou o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
VI. Pela análise da decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi considerado que não resulta convenientemente provado que “o oponente não provou que não foi por culpa sua que os impostos não foram pagos, sendo certo que os mesmos violaram os seus deveres de um gestor cuidadoso e criterioso. " VII. Acrescenta ainda a este respeito que "ao não ter provado que tudo fez, como um gestor diligente, para cobrar as dívidas de terceiros para com a sociedade, não logrou provar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade. " VIII. A testemunha C…, conforme reconhece o Tribunal a quo, trabalhou na Devedora Originária desde Fevereiro ou Março de 2006, tendo trabalhado nesta até à data do seu encerramento.
IX. Desde logo a testemunha referiu que a Devedora Originária enfrentava sérios problemas de liquidez financeira.
X. A Sra. C… recorda que esta prestava maioritariamente os seus serviços a entes públicos, acrescentado que era uma empresa que tinha muito trabalho.
XI. A referida testemunha acompanhou os processos de cobrança de dívidas dos clientes, refere que pelo menos dois dias por semana eram integralmente dedicados a fazer telefonemas para os clientes por forma a que estes efetuassem os pagamentos em dívida.
XII. Confirmou ainda a testemunha que os processos estavam ainda a ser acompanhados por advogados, com vista à recuperação dos créditos detidos pela Devedora Originária junto dos seus clientes, tendo referido ainda a existência de processos de injunção com vista à cobrança de faturas não pagas.
XIII. Os valores que estavam em dívida pelos clientes da Devedora Originária eram essenciais para que esta conseguisse proceder aos pagamentos de despesas correntes da atividade, como seja o pagamento a trabalhadores, fornecedores e impostos.
XIV. Afirmou ainda que o Recorrente tentou diligenciar mais clientes de forma a conseguir honrar os compromissos para com os credores da sociedade.
XV. No que respeita a este testemunho resulta provado nos presentes autos, não só as dificuldades de liquidez sentidas na devedora originária, bem como, todas as tentativas realizadas com vista à cobrança dos valores em dívida.
XVI. Salienta-se ainda que resultam provados que haviam processos a serem acompanhados por advogados os quais tinham em vista a cobrança de valores aos clientes da Devedora Originária.
XVII. J… recorda conhecer a Devedora Originária, desde 2003/2004 e que nessa altura esta apresentava uma carteira considerável de clientes.
XVIII. Referiu ainda que as penhoras efetuadas nos saldos bancários “estrangularam" a atividade da Devedora Originária, uma vez que as entradas dos valores que iam sendo recebidos rapidamente eram penhoradas.
XIX. Refere a testemunha que o Recorrente tentou diligenciar financiamentos de forma a cumprir as obrigações que se estavam a vencer, não só junto do B… como das demais instituições de crédito.
XX. Referem ambas as testemunhas que o Recorrente não fazia uma vida luxuosa, da qual se levasse a concluir que utilizasse bens da Devedora Originária em proveito próprio.
XXI. Em face da prova produzida é, pois, m…esto que a decisão recorrida fez uma errada apreciação da prova testemunhal, não considerando as diligências efetuadas pela Testemunha C… para cobrança dos créditos da Devedora Originária.
XXII. Ficou provado que o Recorrente tentou a realização de novos negócios.
XXIII. Resulta alegado e provado nos presentes autos que o Recorrente sempre foi um Administrador criterioso na condução dos destinos da Devedora Originária, tendo sempre tentado que essa cumprisse todos as suas obrigações juntos dos seus credores.
XXIV. Conclui-se que, tendo em conta a prova carreada aos autos, deverá considerar-se que resultou demostrada e conveniente mente provada a falta de culpa do Recorrente no que respeita ao pagamento da quantia exequenda dos presentes autos.

X

Não há registo de contra-alegações.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 282/283), no sentido da não procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

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II – Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

1 – Em 10/01/2001 foi matriculada a sociedade comercial por acções sob a firma E… – Limpeza e Manutenção, S.A., tendo o oponente sido nomeado administrador da mesma (cfr. doc. junto a fls. 111 a 114 do processo executivo junto aos autos – Certidão da Conservatória do Registo Comercial do…);

2 – Em 20/06/2007 a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. procedeu à entrega da sua declaração Anual para o exercício de 2006 (cfr. Doc. junto a fls. 105 a 132 dos autos);

3 – Em 27/09/2007 foi autuado o processo de execução fiscal n.º… que corre termos no Serviço de Finanças de…, em que é executada a sociedade comercial por acções sob a firma E… – Limpeza e Manutenção, S.A. por dívidas de IRC no montante de € 70.843,26, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 03/09/2007 (cfr. doc. junto a fls. 1 a 2 do processo executivo junto aos autos);

4 – No âmbito do processo de execução fiscal n.º… e do processo de execução fiscal n.º… em que é executada a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. foram efectuadas penhoras de contas bancárias, créditos sobre clientes e imobilizado da executada em 23/02/2008, 10/03/2008, 13/03/2008, 11/06/2008, 18/06/2008, 19/06/2008, 20/06/2008, e 07/07/2008 para pagamento de dívidas no montante de € 69.782,64 referente a IRC de 2006 e € 1.674.933,49 referente a IVA (fr. Doc. junto a fls. 31 a 60 dos autos);

5 – O oponente cessou a suas funções como administrador em 04/06/2008 (cfr. doc. junto a fls. 111 a 114 do processo executivo junto aos autos – Certidão da Conservatória do Registo Comercial do…);

6 – Em 23/06/2008 a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. procedeu à entrega da sua declaração Anual para o exercício de 2007 (cfr. Doc. junto a fls. 80 a 104 dos autos);

7 – A sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. apresentou-se à insolvência (fr. Doc. junto a fls. 10 a 15 dos autos);

8 – Por sentença de 30/04/2010 foi a sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. declarada insolvente, constando que o passivo da sociedade é de € 3.253.544,12, activo líquido seria de € 3.801.965,07 sendo € 2.910.619,66 dívidas de terceiros com a sociedade (cfr. doc. junto a fls. 10 a 15 dos autos);

9 – A insolvência da sociedade E… – Limpeza e Manutenção, S.A. foi qualificada como fortuita (cfr. doc. junto a fls. 16 a 18 dos autos);

10 – O oponente assinou, em representação da sociedade originária devedora, contratos de locação financeira e avalizou em nome próprio livranças (cfr. doc. junto a fls. 104 a 109, 125 a 128 do processo de execução fiscal junto aos autos);

11 – Por despacho de 23/01/2013 foi determinado proceder à audição prévia do oponente com fundamento em fundada insuficiência dos bens da devedora originaria e na gerência de facto e de direito do oponente (cfr. doc. junto a fls. 194 a 196 do processo executivo junto aos autos);

12 – Por ofício de 23/01/2013 foi o oponente notificado para se pronunciar sobre a intenção de contra si reverterem as dívidas exequendas identificadas no ponto 3 deste probatório no montante de € 25.099,79 (cfr. doc. junto a fls. 199 do processo executivo junto aos autos);

13 – O oponente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. doc. junto a fls. 201 a 205 do processo executivo junto aos autos);

14 – Por despacho de 03/04/2013, foram revertidas as dívidas exequendas contra o oponente com fundamento na inexistência de bens da devedora originária e a gerência de facto do oponente (cfr. doc. junto a fls. 220 a 223 do processo executivo junto aos autos)».

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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como no depoimento das testemunhas arroladas. A primeira testemunha C…, trabalhou na devedora originária e afirmou que o oponente era o seu patrão. Afirmou que trabalhou na empresa em Fevereiro ou Março de 2006 até 2010, altura em que a sociedade fechou. Desempenhava funções de secretariado num polo industrial onde existiam várias empresas, entre as quais estava a E…. A testemunha trabalhava para todas. A sociedade efectuava limpezas de rua. Afirmou que a empresa tinha trabalho. Afirmou que eram feitos vários telefonemas para as entidades que tinham facturas em atraso. Afirmou que ocorreu uma inspecção das finanças e daí decorreram penhoras e coimas.
O depoimento desta testemunha foi credível e seguro e demonstrou conhecer os factos a que depôs pessoal e directamente.
A segunda testemunha foi M…, era gerente bancário no B… e conhecia a empresa que fazia parte da sua carteira de clientes. Era gerente do balcão. Sobre o caso concreto pouco disse. Apenas sabia que a sociedade beneficiava de crédito para apoio de tesouraria porque os clientes não pagavam as facturas nas alturas devidas. A sociedade passou a ter dificuldades financeiras a partir do momento em que foram efectuadas as penhoras de saldos. O seu depoimento foi seguro, coerente e demonstrou ter conhecimento directo dos factos, no entanto, este depoimento apenas confirma a existência de penhoras e as dificuldades daí decorrentes.
A terceira testemunha N…. Não era o TOC da sociedade. Não acompanhou o processo de fiscalização. O seu depoimento foi indirecto porque o TOC da sociedade era um amigo seu que trabalhava directamente com a sociedade. O depoimento não foi considerado com o tribunal porque não teve contacto directo dos factos a que depôs.»

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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

15 – O contrato de sociedade da Sociedade Devedora Originária/SDO foi outorgado em 24.09.2001 – fls. 176/179, do pef.

16 – No contrato referido na alínea anterior o oponente foi nomeado gerente, bastando a sua assinatura para obrigar a sociedade – fls. 111/112, e fls.176/179, do pef.

17 – Desde 10.10.2001 até 04.06.2008, o oponente foi o único gerente da sociedade – fls. 111/112, do pef.

18 – No âmbito do processo de execução fiscal n.º…, instaurado contra a SDO, por dívidas de IVA (01-2004 a 03-2004), prazo limite de pagamento: 01.09.2007, no montante de €1.687.670,32, foram realizadas penhoras de contas bancárias – fls. 59.

19 – Da sentença referida em 8. consta, designadamente, o seguinte:
«Dos documentos juntos aos autos pelo requerente/devedor resulta evidente que o mesmo se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas e que, de facto, não as vem cumprindo há já algum tempo.
Daqui se conclui que a situação económica da empresa se encontra debilitada, não só dados os montantes em dívida como dadas as respectivas datas de vencimento, sendo ainda de considerar o facto de o seu activo ser muito inferior ao seu passivo.
Assim, resulta claro o estado de precaridade da situação económico-financeira da requerente, estado esse que demonstra estar a mesma impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas e não ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo conhecido».

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2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 208/216, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal por si intentada contra o processo de execução fiscal instaurado pelo Serviço de Finanças de…, por dívidas de IRC de 2006, no valor de €25.099,79, da sociedade E… – Limpeza e Manutenção, SA, contra si revertidas.

2.2.2. Para julgar improcedente a presente oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«[O] oponente não provou que não foi por culpa sua que os impostos não foram pagos, sendo certo que pelo menos violou os seus deveres de um gestor cuidadoso e criterioso. De facto, enquanto gerente da sociedade deveria assegurar que os orçamentos que faziam eram suficientes para pagar aos seus credores, sejam eles trabalhadores ou Estado. // A circunstância de ter ocorrido uma acção inspectiva que determinou existirem dívidas ao Estado de IVA, a consequente instauração de processos executivos por falta de pagamento desses impostos e as penhoras quer de créditos quer de contas bancárias quer ainda de bens, não constituem motivo capaz de afastar a culpa do oponente. // (…) // Por outro lado, havendo dívidas de terceiros para com a devedora originária, na casa do três milhões de euros (vide ponto 8 do probatório supra), não ficou provada qualquer tentativa por parte do oponente no sentido de tentar receber as quantias em causa, violando assim o seu dever de cuidado na gestão da sociedade originariamente devedora. // O facto de ter conta bancárias penhoradas não impedia o recebimento das dívidas de terceiros para com a sociedade, como parece pretender o oponente. Se os montantes em dívida pelos devedores da sociedade ficassem penhorados para efectuar o pagamento das dívidas que a própria sociedade detinha, seriam menos essas dívidas que seriam exigidas em sede de insolvência ou no processo de execução fiscal que foi instaurado à devedora originária. // Ao não ter provado que tudo fez, como um gestor diligente, para cobrar as dívidas de terceiros para com a sociedade, não logrou provar que não teve culpa na insuficiência do património da sociedade».
2.2.3. Contra o veredicto que fez vencimento na instância, o recorrente invoca que do depoimento das testemunhas resultam elementos comprovativos da diligência e zelo com que actuou no cumprimento das suas funções de gerente da sociedade devedora originária/SDO, pelo que deve ser julgado procedente o juízo de ilisão da presunção culpa na falta de pagamento dos créditos tributários vencidos no decurso do exercício da gerência (artigo 24.º/1/b), da LGT).
Está em causa a reversão da execução contra o recorrente, por dívidas da SDO, IRC de 2006, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou em 03/09/2007; o recorrente foi gerente único da SDO, desde a sua constituição (24.09.2001) até 04.06.2008.
Na petição inicial de oposição, o recorrente invoca a situação de asfixia económica da SDO, advinda das sucessivas penhoras impostas em virtude das dívidas fiscais não liquidadas, o que terá determinado a sua apresentação à insolvência, decretada pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, em 30.04.2010.

«[A] efectivação da responsabilidade tributária subsidiária por meio de reversão do processo de execução fiscal tem os seguintes [pressupostos]: a) Fundada insuficiência patrimonial dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários ou dos seus respectivos sucessores (…). // b) Exercício, ainda que somente de facto, de funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados; e // c) A culpa, seja na insuficiência do património (situações recondutíveis à alínea a) do artigo 24.º/1, da LGT), seja no não pagamento da prestação tributária (situações recondutíveis à alínea b) do artigo 24.º/1, da Lei Geral Tributária)»[[1]].O regime estabelecido no artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e b), da LGT é o seguinte:

a) Nas hipóteses da alínea a), «[t]tratam-se das dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois, respondem patrimonialmente os administradores ou gerentes quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação»[[2]].

b) Nas hipóteses da alínea b), «[o]s administradores ou gerentes das empresas respondem pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não prove, que não lhes foi imputável a falta de pagamento»[[3]].

A distinção entre a alínea a) e a alínea b) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, no que respeita à repartição do ónus da prova, «parte da distinção fundamental entre “dívidas tributárias vencidas" no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas" posteriormente»[[4]]. Assim, o ónus da prova da culpa da insuficiência patrimonial recai sobre a AT (alínea a), enquanto que o ónus da prova da ausência de culpa no não pagamento atempado da obrigação tributária recai sobre o revertido (alínea b).

No caso em exame, a reversão é imposta ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT.

O dissídio das partes reside sobre a questão de saber se o recorrente logrou demonstrar a falta de culpa no incumprimento da dívida exequenda. O recorrente considera que não foi devidamente valorada a prova, no que respeita às diligências feitas no sentido da cobrança de dívidas de terceiros em face da SDO, no que se reporta às diligências efectuadas no sentido de obter mais clientes para a SDO, no que respeita à asfixia económica da SDO resultante das penhoras de saldos bancários impostas pela AT, no que se refere às diligências no sentido de obter financiamento junto dos Bancos.

A este propósito, é ponto assente o de que «[a] culpa em causa (…) deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, n.º.2, e 799, n.º.2, do C.Civil) – e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante". É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto»[[5]].

Mais se refere que, «[n]este caso [no caso da responsabilidade subsidiária resultante da alínea b) do n.º 1, do artigo 24º da LGT], o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera-se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar»[[6]].

Do probatório, sem impugnação eficaz por parte do recorrente, resultam os elementos seguintes:
1) De 24.09.2001 até 04.06.2008, o oponente foi o único gerente da sociedade.
2) A forma de obrigar da sociedade era através da assinatura do gerente.
3) O recorrente exerceu a gerência de facto.
4) A SDO tinha dívidas de IVA (01-2004 a 03-2004), prazo limite de pagamento: 01.09.2007, no montante de €1.687.670,32, 5) Na data do decretamento da insolvência da SDO, o passivo da sociedade é de €3.253.544,12, activo líquido seria de € 3.801.965,07 sendo € 2.910.619,66 dívidas de terceiros com a sociedade.
6) Está em causa nos autos dívida de IRC, 2006, no montante de € 70.843,26, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 03/09/2007.
7) O recorrente cessou as funções de gerente em 04.06.2008.
8) A insolvência da SDO foi decretada pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, em 30.04.2010.

Da matéria de facto assente resulta que o recorrente, enquanto gestor único da SDO, não actuou no sentido de evitar os nexos causais que determinaram a insuficiência patrimonial da mesma e o consequente incumprimento da dívida exequenda.

Perante uma situação de precariedade financeira, impunha-se uma actuação diligente e criteriosa, no sentido de garantir os credores da sociedade e a sustentabilidade financeira da mesma, o que passaria, seja por um acordo de pagamento das obrigações vencidas, seja pelo requerimento atempado da insolvência da mesma. Ao ter permitido que dívidas fiscais no montante de €1.687.670,32, com prazo limite de pagamento a 2007, se vencessem sem serem liquidadas, bem como ao permitir que a dívida exequenda de IRC, 2006, no montante de € 70.843,26, cujo prazo de pagamento terminou em 03/09/2007, se vencesse, sem ser liquidada, numa situação em que o passivo da SDO supera o activo, sem requerer a sujeição da SDO a processo falimentar, o recorrente não garantiu a solvabilidade da empresa, nem assegurou a garantia patrimonial dos credores da mesma. Em vez disso, o recorrente afastou-se da sociedade; recorde-se que a cessação de gerência data de 04.06.2008 e apenas em 30.04.2010, veio a obter o decretamento da insolvência, numa altura em que «a situação económica da empresa se encontra debilitada, não só dados os montantes em dívida como também dadas as respectivas datas de vencimento, sendo ainda de considerar o facto de o seu activo ser muito inferior ao seu passivo»; ou seja, quando «o estado de precaridade da situação económico-financeira da [SDO], estado esse que demonstra estar a mesma impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas e não ter activo disponível que lhe permita liquidar o seu passivo conhecido»; pelo que se impõe concluir que o decretamento da insolvência ocorre após a consumação da situação de insuficiência patrimonial, o que comprova a falta de exercício diligente dos deveres estatutários do gerente por parte do oponente.
Pelo que a actuação do recorrente não observou o padrão do gerente criterioso e diligente, constituindo-se como causa do dano da exequente consubstanciado no incumprimento da dívida fiscal exequenda.
Das alegações do recorrente não resulta a invocação de factos interruptivos do mencionado nexo de casualidade; assim sucede com as alegadas diligências para o cumprimento das dívidas de terceiros, com as penhoras bancárias, com as tentativas de obter novos financiamentos ou novos clientes.

Em síntese, a culpa do oponente no não pagamento mostra-se substantivada nos autos, pois que, perante a situação de manifesta insuficiência económica da SDO, o mesmo não diligenciou atempadamente no sentido de garantir o cumprimento dos créditos que sobre aquela pendiam, aceitando o resultado da falta de pagamento dos mesmos.

Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso, não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.


[[1]] José Pedro Carvalho, Reversão – Notas práticas, in I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, 2011, pp. 209/231, maxime, p. 209.
[[2]] Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, A reversão do processo de execução fiscal, Coimbra Editora, 2011, pp. 154/155.
[[3]] Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos gestores…, cit., pp. 167/168.
[[4]] Ac. do STA, de 23.06.2010, P. 0304/10
[[5]] Acórdão do TCA Sul, de 08.05.2012, P. 5392/12.
[[6]] Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.