Diploma

Diário da República n.º 27, Série I de 2017-02-07
Acórdão do TCAS, de 26/01/2017, Processo n.º 20006/16.7BCLSB

Acórdão do TCAS, de 26/01/2017, Processo n.º 20006/16.7BCLSB

Tipo: Acórdão
Número: 20006/16.7BCLSB
Publicação: 9 de Fevereiro, 2017
Disponibilização: 26 de Janeiro, 2017
I.R.C. Noção de Custos Requisito da indispensabilidade de um custo. Subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação do art.º 23, do C.I.R.C. Encargos não devidamente documentados art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.

Síntese Comentada

O TCAS pronunciou-se relativamente à aceitação como gasto fiscal, de despesas com telefones fixos residenciais de trabalhadores ao serviço de uma empresa objeto de uma liquidação adicional de IRC. Esta decisão foi elaborada à luz da redação em vigor do CIRC no exercício de 2000. A inspeção tributária desconsiderou os gastos referidos, enquadrando-os na alínea[...]

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Diploma

Sumário
1 - A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no art.º 3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu n.º 2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código". Por outro lado, é no art.º 17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.

2 - Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido art.º 23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.

3 - O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.

4 - Quanto ao enquadramento no aludido art.º 23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a - É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.art.º 23, n.º 1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b - Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23, do C.I.R.C.;
c - A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.art.º 75, n.º 1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23, do C.I.R.C.

5 - Estipulava o art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação. Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.art.ºs 364 e 393, do C.Civil; art.º 607, n.º 5, do C.P.Civil).

6 - Não oferece dúvidas ao Tribunal de que os custos não aceites pela A. Fiscal, respeitantes ao pagamento de telefones de serviços residenciais de trabalhadores da sociedade recorrida, se encontram devida e suficientemente documentados (cfr.documentos externos - anexo V ao relatório de inspecção), mais permitindo a respectiva documentação de suporte a sua conexão efectiva com a actividade da empresa e com a manutenção da fonte produtora, em consequência do que não se pode manter a correcção à matéria colectável baseada no citado art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.335 a 347 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "P..., S.A.", intentada, visando acto de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao ano de 2000 e no montante total de € 22.492,88, em relação ao qual foi decretada a sua anulação parcial, na parcela objecto do processo.

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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.375 a 382 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:

1 - Na sentença produzida nos presentes autos foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade P..., SA, NIF …, aceitando-se como custo fiscal em sede de IRC de um alegado custo suportado com os telefones fixos residenciais de alguns trabalhadores no valor de € 13.433,89;

2 - Salvo o devido respeito, que é muito, a AT não se pode conformar com a decisão tomada e daí a apresentação do presente recurso porque, na nossa opinião, verificou-se um erro na qualificação jurídica da questão de facto aqui em causa, ao não se terem retirado as devidas consequências da circunstância de que toda a documentação que titula a relação jurídica aqui em causa estar em nome dos clientes particulares da empresa fornecedora dos serviços e não da sociedade impugnante;

3 - Porque ficou logo estabelecido na análise efectuada no procedimento inspectivo (ponto 3.2.1.1.4 do Relatório Final da IT) e acolhido na sentença, que os documentos lançados na contabilidade da sociedade, (conta 622222 - Telefones e Telegramas) titulavam uma relação jurídica entre um fornecedor de telecomunicações e os seus clientes particulares ou residenciais e em nenhum elemento que sustenta os registos contabilísticos consta a P..., SA, NIF …;

4 - Verificada esta situação, a desconformidade entre os clientes do serviço e a sociedade, como se viu, a IT desvalorizou fiscalmente estas despesas, porque "não se encontrava suportado através de um documento processado em nome e com o NIPC da P..., SA";

5 - Ou seja, perdoem-nos a insistência, não existe qualquer de elemento na contabilidade da impugnante que estabelecesse uma relação entre a prestação de serviços já identificada e a sociedade agora impugnante;

6 - É verdade, como também é afirmado na decisão, que em termos de IVA o regime é mais exigente em termos documentais, mas isso não implica que a lei não exija requisitos formais para que os custos sejam considerados em termos de IRC;

7 - Mas, na nossa opinião, ao admitir-se, como se fez na presente sentença, como custo fiscal certas despesas em cujos documentos de suporte a sociedade impugnante nunca aparece como sujeito da relação jurídica que lhe está subjacente é alargar os limites dessa admissão muito para lá do que é razoável;

8 - Como também se diz no acórdão do STA de 05.07.2012, processo 0658/11, já referido na sentença: "No caso concreto, considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.";

9 - Na nossa opinião, se for seguida uma posição tão abrangente como a aqui adoptada, a protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal fica completamente em causa pois abre-se a porta à consideração como custo fiscal de todo e qualquer tipo de gastos, até mesmo os efectuados por terceiros, sem necessidade de estabelecer qualquer ligação com o sujeito passivo;

10 - Tem, por isso, de haver um limite a partir do qual não são admitidas como custo fiscal certas despesas, sob pena de se abrir um caminho para que as sociedades adequassem os custos conforme as suas conveniências, o que, estamos certos, não corresponde ao espírito do legislador;

11 - Conforme se diz numa parte o acórdão já reproduzido na sentença e que, por mera conveniência, reproduzimos novamente: "Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23°, n.º1, e 42°, n.º 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.";

12 - No mesmo sentido, o acórdão 06468/13 de 23-04-2015 do Tribunal Central Administrativo Sul, ainda mais recente, diz-nos "Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redacção aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam;

13 - O problema é que essa documentação, pura e simplesmente, não existe na presente situação;

14 - A IT nem sequer se pronunciou sobre cabimento do custo em termos da actividade desenvolvida, nem tinha de o fazer, uma vez que não ficou demonstrado documentalmente que tal custo alguma vez tenha tido lugar dada a divergência documental constatada, ou seja, salvo melhor opinião, qualquer argumento no sentido da indispensabilidade ou não do custo não teria aqui cabimento por este ter sido ab initio afastado por não ter suporte documental;

15 - Pelo exposto, salvo o devido respeito, não nos podemos conformar com a decisão tomada uma vez que, na nossa opinião, a partir dos elementos de prova como assentes, ao contrário do decidido, não nos parecem documentalmente comprovadas os custos aqui em causa, conforme mandava, ao tempo, o artigo 23.º, n.º 1 do CIRC;

16 - Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requer a este Venerando Tribunal que revogue a douta sentença recorrida, por erro dos pressupostos de facto em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão impugnada;

17 - Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.

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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.391 dos autos).

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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.337 a 339 dos autos - numeração nossa):
1 - Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs …, foi desenvolvida ação de inspeção de âmbito externo polivalente à sociedade impugnante, "P..., S.A.", n.i.p.c. …, com referência aos exercícios de 1999 e 2000 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso);

2 - Em 28/11/2002 foi elaborado o relatório final da ação inspetiva constante a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3 - Consta, em específico, do relatório mencionado no número antecedente, o seguinte:
“(...)
DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA
(...)
3.2. Exercício: 2000
(...)
3.2.1.1.4 Despesas Indevidamente Documentadas
Detectou-se, ao longo da análise documental, algumas situações cujo custo não estava devidamente documentado e que se passam a descrever:
O custo com os telefones de serviços residenciais contabilizados na conta 622222 - Telefones e Telegramas, no montante de 2.693.253$00 (€ 13.433,89) não se encontra suportado através de um documento processado em nome e com o NIPC da P..., SA (Anexo V);
Pela alínea h) do n.º 1 do art.º 41° do CIRC, os encargos não devidamente documentados não são dedutíveis para efeitos fiscais, pelo que será de acrescer o montante de 2.693.253$00 (€ 13.433,89) ao Lucro Tributável.
(...)"
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso);

4 - Em 04/01/2003, em concretização do relatório inspetivo identificado no n.º 2, foi emitida em nome da impugnante a liquidação adicional de IRC do exercício de 2000 com o n.º … no montante a pagar de € 22.492,88, incluindo o montante de € 2.132,03 de juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos);

5 - Em 24/03/2003 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada no n.º 4, a qual foi instaurada sob o n.º … Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.documento junto a fls.21 a 27 dos presentes autos; informação oficial exarada a fls.312 do processo administrativo apenso);

6 - A reclamação graciosa identificada no n.º 5 não teve decisão expressa por parte da A.T. (cfr.informação oficial exarada a fls.312 do processo administrativo apenso);

7 - A impugnante efetuou o pagamento da liquidação identificada no n.º 4 em 24/03/2003, pelo montante de € 14.700,42, ao abrigo do disposto no DL 248-A/2002, de 14/11 (cfr. documento junto a fls.208 dos presentes autos);

8 - A impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 23/12/2003 (cfr.data de entrada aposta a fls.5 dos presentes autos).

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não foram provados outros factos com relevância para a decisão dos presentes autos…".

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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, na posição expressa pelas partes nos seus articulados e nos documentos constantes do PAT…".

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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, essencialmente, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, n.º 1, do C.P.Civil (“ex vi" do art.º 281, do C.P.P.Tributário):

9 - No ano 2000 a sociedade impugnante tinha como actividade principal o serviço de telecomunicações, CAE 64200, sendo sujeito passivo de I.R.C. submetido ao regime geral de tributação (cfr.relatório de inspecção junto a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso).

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação, em consequência do que anulou parcialmente a liquidação objecto do processo (cfr.n.º 4 do probatório), na parte contestada (a relativa a despesas indevidamente documentadas, derivadas da utilização de telefones residenciais no montante de € 13.433,89), mais condenando a Fazenda Pública na restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.art.º 639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; art.º 282, do C.P.P.Tributário).

Aduz o recorrente, em síntese, que se verificou um erro na qualificação jurídica da questão de facto objecto do processo, ao não se terem retirado as devidas consequências da circunstância de que toda a documentação que titula a relação jurídica aqui em causa estar em nome dos clientes particulares da empresa fornecedora dos serviços e não da sociedade impugnante. Que ao admitir-se, como se fez na sentença recorrida, como custo fiscal certas despesas em cujos documentos de suporte a sociedade impugnante nunca aparece como sujeito da relação jurídica que lhe está subjacente é alargar os limites da admissão de custos muito para lá do que é razoável. Que a partir dos elementos de prova dados como assentes, ao contrário do decidido, não nos parecem documentalmente comprovadas os custos aqui em causa, conforme dispunha o art.º 23., n.º 1, do C.I.R.C. (cfr.conclusões 2 a 16 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.

A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no art.º 3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu n.º 2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código".

Por outro lado, é no art.º 17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido art.º 23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).

Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A. - 2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul - 2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.art.º 98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1992; art.ºs.29 e 31, do C.Comercial).

Quanto ao enquadramento no aludido art.º 23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:

1 - É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.art.º 23, n.º 1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A. - 2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A. - 2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);

2 - Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);

3 - A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.art.º 75, n.º 1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que não podem ser admitidos os custos derivados da utilização de telefones residenciais por parte de trabalhadores da sociedade impugnante, no montante de € 13.433,89, visto que baseados em documentos contabilísticos que não foram processado em nome e com o n.i.p.c. da mesma empresa, razão pela qual tais despesas só poderão ser consideradas não devidamente documentadas, facto que, tendo em vista o disposto nos art.ºs 23, n.º 1, e 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., obsta a que as mesmas sejam aceites para efeitos fiscais.

Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que, atenta a factualidade provada constante do probatório, deve relevar-se como custos, visto que a situação em causa não é enquadrável no art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., então em vigor.

Vejamos quem tem razão.

O imperativo constitucional da tributação dos sujeitos passivos de I.R.C. segundo o seu lucro real produz distintas consequências, num equilíbrio dos direitos das empresas na opção pela tributação de acordo com a sua contabilidade, estruturada segundo princípios de balanço comercial, e das limitações especificamente previstas para a passagem daquele balanço para o balanço fiscal, enquanto base da determinação do lucro tributável.

Abordando, agora, os encargos não devidamente documentados, estipulava o art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347). Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.art.ºs 364 e 393, do C.Civil; art.º 607, n.º 5, do C.P.Civil; ac.S.T.A. - 2ª.Secção, 6/10/99, rec.23817; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A. Sul - 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul - 2ª.Secção, 24/9/2015, proc. 8225/14).

Revertendo ao caso dos autos, conforme resulta da matéria de facto (cfr.n.º 3 do probatório; anexo V ao relatório de inspecção junto a fls.247 a 252 processo administrativo apenso) estamos perante custos assumidos e contabilizados pela impugnante/recorrida, relativos ao pagamento de telefones de serviços residenciais, que a A. Fiscal não questiona terem sido, de facto, custos efectivos suportados por aquela empresa, mas que, por estarem suportados em documentos (presume-se facturas, uma vez que o relatório inspectivo nada refere quanto à natureza dos documentos de suporte) que não se encontram em nome da sociedade recorrida (uma vez mais, presume-se que se encontram em nome dos trabalhadores da empresa, uma vez que o relatório inspectivo nada refere quanto a esse aspecto), são tidos como custos não devidamente documentados.

Por outro lado, não invoca a Fazenda Pública, que se esteja perante custos não indispensáveis à manutenção da fonte produtora (cfr.art.º 23, n.º 1, do C.I.R.C.), o que até se compreende, dada a natureza dos custos em questão e a sua conexão com a actividade desenvolvida pela impugnante/recorrida (cfr.n.º 9 do probatório), nem que não tenha existido o fluxo financeiro correspondente ao pagamento dos montantes em causa.

E, assim sendo, não oferece dúvidas ao Tribunal de que os custos não aceites pela A. Fiscal, respeitantes ao pagamento de telefones de serviços residenciais de trabalhadores da sociedade recorrida, se encontram devida e suficientemente documentados (cfr.documentos externos - anexo V ao relatório de inspecção junto a fls.247 a 252 processo administrativo apenso), mais permitindo a respectiva documentação de suporte a sua conexão efectiva com a actividade da empresa e com a manutenção da fonte produtora.
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, sendo forçoso julgar improcedente o recurso, em consequência se confirmando a decisão do Tribunal “a quo".

Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.

Acórdão do TCAS, de 26/01/2017, Processo n.º 20006/16.7BCLSB

Sumário
1 – A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no art.º 3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu n.º 2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código". Por outro lado, é no art.º 17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.

2 – Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido art.º 23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.

3 – O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.

4 – Quanto ao enquadramento no aludido art.º 23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a – É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código – cfr.art.º 23, n.º 1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b – Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23, do C.I.R.C.;
c – A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.art.º 75, n.º 1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23, do C.I.R.C.

5 – Estipulava o art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação. Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.art.ºs 364 e 393, do C.Civil; art.º 607, n.º 5, do C.P.Civil).

6 – Não oferece dúvidas ao Tribunal de que os custos não aceites pela A. Fiscal, respeitantes ao pagamento de telefones de serviços residenciais de trabalhadores da sociedade recorrida, se encontram devida e suficientemente documentados (cfr.documentos externos – anexo V ao relatório de inspecção), mais permitindo a respectiva documentação de suporte a sua conexão efectiva com a actividade da empresa e com a manutenção da fonte produtora, em consequência do que não se pode manter a correcção à matéria colectável baseada no citado art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.335 a 347 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação pela sociedade recorrida, “P…, S.A.", intentada, visando acto de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao ano de 2000 e no montante total de € 22.492,88, em relação ao qual foi decretada a sua anulação parcial, na parcela objecto do processo.

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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.375 a 382 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:

1 – Na sentença produzida nos presentes autos foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade P…, SA, NIF …, aceitando-se como custo fiscal em sede de IRC de um alegado custo suportado com os telefones fixos residenciais de alguns trabalhadores no valor de € 13.433,89;

2 – Salvo o devido respeito, que é muito, a AT não se pode conformar com a decisão tomada e daí a apresentação do presente recurso porque, na nossa opinião, verificou-se um erro na qualificação jurídica da questão de facto aqui em causa, ao não se terem retirado as devidas consequências da circunstância de que toda a documentação que titula a relação jurídica aqui em causa estar em nome dos clientes particulares da empresa fornecedora dos serviços e não da sociedade impugnante;

3 – Porque ficou logo estabelecido na análise efectuada no procedimento inspectivo (ponto 3.2.1.1.4 do Relatório Final da IT) e acolhido na sentença, que os documentos lançados na contabilidade da sociedade, (conta 622222 – Telefones e Telegramas) titulavam uma relação jurídica entre um fornecedor de telecomunicações e os seus clientes particulares ou residenciais e em nenhum elemento que sustenta os registos contabilísticos consta a P…, SA, NIF …;

4 – Verificada esta situação, a desconformidade entre os clientes do serviço e a sociedade, como se viu, a IT desvalorizou fiscalmente estas despesas, porque “não se encontrava suportado através de um documento processado em nome e com o NIPC da P…, SA";

5 – Ou seja, perdoem-nos a insistência, não existe qualquer de elemento na contabilidade da impugnante que estabelecesse uma relação entre a prestação de serviços já identificada e a sociedade agora impugnante;

6 – É verdade, como também é afirmado na decisão, que em termos de IVA o regime é mais exigente em termos documentais, mas isso não implica que a lei não exija requisitos formais para que os custos sejam considerados em termos de IRC;

7 – Mas, na nossa opinião, ao admitir-se, como se fez na presente sentença, como custo fiscal certas despesas em cujos documentos de suporte a sociedade impugnante nunca aparece como sujeito da relação jurídica que lhe está subjacente é alargar os limites dessa admissão muito para lá do que é razoável;

8 – Como também se diz no acórdão do STA de 05.07.2012, processo 0658/11, já referido na sentença: “No caso concreto, considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal.";

9 – Na nossa opinião, se for seguida uma posição tão abrangente como a aqui adoptada, a protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal fica completamente em causa pois abre-se a porta à consideração como custo fiscal de todo e qualquer tipo de gastos, até mesmo os efectuados por terceiros, sem necessidade de estabelecer qualquer ligação com o sujeito passivo;

10 – Tem, por isso, de haver um limite a partir do qual não são admitidas como custo fiscal certas despesas, sob pena de se abrir um caminho para que as sociedades adequassem os custos conforme as suas conveniências, o que, estamos certos, não corresponde ao espírito do legislador;

11 – Conforme se diz numa parte o acórdão já reproduzido na sentença e que, por mera conveniência, reproduzimos novamente: “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23°, n.º1, e 42°, n.º 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.";

12 – No mesmo sentido, o acórdão 06468/13 de 23-04-2015 do Tribunal Central Administrativo Sul, ainda mais recente, diz-nos “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (na redacção aplicável aos autos), não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, bastando documento, que até poderá ser interno, desde que descreva suficientemente todos os elementos da operação que titulam;

13 – O problema é que essa documentação, pura e simplesmente, não existe na presente situação;

14 – A IT nem sequer se pronunciou sobre cabimento do custo em termos da actividade desenvolvida, nem tinha de o fazer, uma vez que não ficou demonstrado documentalmente que tal custo alguma vez tenha tido lugar dada a divergência documental constatada, ou seja, salvo melhor opinião, qualquer argumento no sentido da indispensabilidade ou não do custo não teria aqui cabimento por este ter sido ab initio afastado por não ter suporte documental;

15 – Pelo exposto, salvo o devido respeito, não nos podemos conformar com a decisão tomada uma vez que, na nossa opinião, a partir dos elementos de prova como assentes, ao contrário do decidido, não nos parecem documentalmente comprovadas os custos aqui em causa, conforme mandava, ao tempo, o artigo 23.º, n.º 1 do CIRC;

16 – Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requer a este Venerando Tribunal que revogue a douta sentença recorrida, por erro dos pressupostos de facto em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão impugnada;

17 – Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.

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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.391 dos autos).

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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.337 a 339 dos autos – numeração nossa):
1 – Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs …, foi desenvolvida ação de inspeção de âmbito externo polivalente à sociedade impugnante, “P…, S.A.", n.i.p.c. …, com referência aos exercícios de 1999 e 2000 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso);

2 – Em 28/11/2002 foi elaborado o relatório final da ação inspetiva constante a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3 – Consta, em específico, do relatório mencionado no número antecedente, o seguinte:
“(…)
DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA
(…)
3.2. Exercício: 2000
(…)
3.2.1.1.4 Despesas Indevidamente Documentadas
Detectou-se, ao longo da análise documental, algumas situações cujo custo não estava devidamente documentado e que se passam a descrever:
O custo com os telefones de serviços residenciais contabilizados na conta 622222 – Telefones e Telegramas, no montante de 2.693.253$00 (€ 13.433,89) não se encontra suportado através de um documento processado em nome e com o NIPC da P…, SA (Anexo V);
Pela alínea h) do n.º 1 do art.º 41° do CIRC, os encargos não devidamente documentados não são dedutíveis para efeitos fiscais, pelo que será de acrescer o montante de 2.693.253$00 (€ 13.433,89) ao Lucro Tributável.
(…)"
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso);

4 – Em 04/01/2003, em concretização do relatório inspetivo identificado no n.º 2, foi emitida em nome da impugnante a liquidação adicional de IRC do exercício de 2000 com o n.º … no montante a pagar de € 22.492,88, incluindo o montante de € 2.132,03 de juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos);

5 – Em 24/03/2003 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada no n.º 4, a qual foi instaurada sob o n.º … Serviço de Finanças de Lisboa (cfr.documento junto a fls.21 a 27 dos presentes autos; informação oficial exarada a fls.312 do processo administrativo apenso);

6 – A reclamação graciosa identificada no n.º 5 não teve decisão expressa por parte da A.T. (cfr.informação oficial exarada a fls.312 do processo administrativo apenso);

7 – A impugnante efetuou o pagamento da liquidação identificada no n.º 4 em 24/03/2003, pelo montante de € 14.700,42, ao abrigo do disposto no DL 248-A/2002, de 14/11 (cfr. documento junto a fls.208 dos presentes autos);

8 – A impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 23/12/2003 (cfr.data de entrada aposta a fls.5 dos presentes autos).

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não foram provados outros factos com relevância para a decisão dos presentes autos…".

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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, na posição expressa pelas partes nos seus articulados e nos documentos constantes do PAT…".

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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, essencialmente, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, n.º 1, do C.P.Civil (“ex vi" do art.º 281, do C.P.P.Tributário):

9 – No ano 2000 a sociedade impugnante tinha como actividade principal o serviço de telecomunicações, CAE 64200, sendo sujeito passivo de I.R.C. submetido ao regime geral de tributação (cfr.relatório de inspecção junto a fls.210 a 234 do processo administrativo apenso).

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação, em consequência do que anulou parcialmente a liquidação objecto do processo (cfr.n.º 4 do probatório), na parte contestada (a relativa a despesas indevidamente documentadas, derivadas da utilização de telefones residenciais no montante de € 13.433,89), mais condenando a Fazenda Pública na restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.art.º 639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; art.º 282, do C.P.P.Tributário).

Aduz o recorrente, em síntese, que se verificou um erro na qualificação jurídica da questão de facto objecto do processo, ao não se terem retirado as devidas consequências da circunstância de que toda a documentação que titula a relação jurídica aqui em causa estar em nome dos clientes particulares da empresa fornecedora dos serviços e não da sociedade impugnante. Que ao admitir-se, como se fez na sentença recorrida, como custo fiscal certas despesas em cujos documentos de suporte a sociedade impugnante nunca aparece como sujeito da relação jurídica que lhe está subjacente é alargar os limites da admissão de custos muito para lá do que é razoável. Que a partir dos elementos de prova dados como assentes, ao contrário do decidido, não nos parecem documentalmente comprovadas os custos aqui em causa, conforme dispunha o art.º 23., n.º 1, do C.I.R.C. (cfr.conclusões 2 a 16 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.

A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no art.º 3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu n.º 2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código".

Por outro lado, é no art.º 17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no art.º 23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido art.º 23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).

Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A. – 2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul – 2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.art.º 98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1992; art.ºs.29 e 31, do C.Comercial).

Quanto ao enquadramento no aludido art.º 23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:

1 – É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código – cfr.art.º 23, n.º 1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A. – 2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A. – 2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);

2 – Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do art.º 23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);

3 – A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.art.º 75, n.º 1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado art.º 23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que não podem ser admitidos os custos derivados da utilização de telefones residenciais por parte de trabalhadores da sociedade impugnante, no montante de € 13.433,89, visto que baseados em documentos contabilísticos que não foram processado em nome e com o n.i.p.c. da mesma empresa, razão pela qual tais despesas só poderão ser consideradas não devidamente documentadas, facto que, tendo em vista o disposto nos art.ºs 23, n.º 1, e 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., obsta a que as mesmas sejam aceites para efeitos fiscais.

Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que, atenta a factualidade provada constante do probatório, deve relevar-se como custos, visto que a situação em causa não é enquadrável no art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., então em vigor.

Vejamos quem tem razão.

O imperativo constitucional da tributação dos sujeitos passivos de I.R.C. segundo o seu lucro real produz distintas consequências, num equilíbrio dos direitos das empresas na opção pela tributação de acordo com a sua contabilidade, estruturada segundo princípios de balanço comercial, e das limitações especificamente previstas para a passagem daquele balanço para o balanço fiscal, enquanto base da determinação do lucro tributável.

Abordando, agora, os encargos não devidamente documentados, estipulava o art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347). Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (art.º 41, n.º 1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.art.ºs 364 e 393, do C.Civil; art.º 607, n.º 5, do C.P.Civil; ac.S.T.A. – 2ª.Secção, 6/10/99, rec.23817; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A. Sul – 2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul – 2ª.Secção, 24/9/2015, proc. 8225/14).

Revertendo ao caso dos autos, conforme resulta da matéria de facto (cfr.n.º 3 do probatório; anexo V ao relatório de inspecção junto a fls.247 a 252 processo administrativo apenso) estamos perante custos assumidos e contabilizados pela impugnante/recorrida, relativos ao pagamento de telefones de serviços residenciais, que a A. Fiscal não questiona terem sido, de facto, custos efectivos suportados por aquela empresa, mas que, por estarem suportados em documentos (presume-se facturas, uma vez que o relatório inspectivo nada refere quanto à natureza dos documentos de suporte) que não se encontram em nome da sociedade recorrida (uma vez mais, presume-se que se encontram em nome dos trabalhadores da empresa, uma vez que o relatório inspectivo nada refere quanto a esse aspecto), são tidos como custos não devidamente documentados.

Por outro lado, não invoca a Fazenda Pública, que se esteja perante custos não indispensáveis à manutenção da fonte produtora (cfr.art.º 23, n.º 1, do C.I.R.C.), o que até se compreende, dada a natureza dos custos em questão e a sua conexão com a actividade desenvolvida pela impugnante/recorrida (cfr.n.º 9 do probatório), nem que não tenha existido o fluxo financeiro correspondente ao pagamento dos montantes em causa.

E, assim sendo, não oferece dúvidas ao Tribunal de que os custos não aceites pela A. Fiscal, respeitantes ao pagamento de telefones de serviços residenciais de trabalhadores da sociedade recorrida, se encontram devida e suficientemente documentados (cfr.documentos externos – anexo V ao relatório de inspecção junto a fls.247 a 252 processo administrativo apenso), mais permitindo a respectiva documentação de suporte a sua conexão efectiva com a actividade da empresa e com a manutenção da fonte produtora.
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, sendo forçoso julgar improcedente o recurso, em consequência se confirmando a decisão do Tribunal “a quo".

Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.