Diploma

Diário da República n.º 216, Série I, de 2019-11-11
Acórdão n.º 130/2019-T do CAAD, de 21 de junho

Jurisprudência Arbitral Tributária – Processo nº 130/2019-T

Tipo: Acórdão
Número: 130/2019-T
Publicação: 28 de Novembro, 2019
Disponibilização: 21 de Junho, 2019
IRC - Prejuízos fiscais. Caducidade do direito de liquidação Acórdão n.º 130/2019-T, de 21 de junho

Diploma

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Mariana Vargas e Dra.
Sofia Ricardo Borges (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-05-2019, acordam no seguinte:

1 - Relatório
A..., SGPS, S.A. (doravante designada por ‹‹Requerente›› ou «A... ››), titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva..., com sede na...,...,...-... em Cascais, apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT") pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou contra liquidação adicional de IRC de 1999 (liquidação n.º 2018..., com o valor de imposto a pagar de € 331.085,01), e contra as demonstrações de liquidação de juros compensatórios (liquidações n.º 2018... e n.º 2018...).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-05-2019.

Em 16-04-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a revogação parcial da liquidação.

Em 03-05-2019, a Requerente pronunciou-se no sentido de ter interesse no prosseguimento do processo e juntou documentos.

Em 23-05-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira juntou nova liquidação relativa ao IRC de 1999, com o n.º 2019..., datada de 17-04-2019, e demonstração de acerto de contas, datada de 16-05-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, na sequência da revogação parcial da liquidação inicialmente impugnada.

Por despacho de 13-06-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e a questão da inutilidade superveniente da lide.

2 - Matéria de facto
2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) No ano 2000, a Requerente apresentou a autoliquidação do IRC do exercício de 1999;
B) Em 1999 a ora Requerente apurou um lucro tributável, mas em virtude de prejuízos fiscais reportados de anos anteriores, no valor correspondente a € 2.725.524, a sua matéria colectável foi “0" (zero);
C) Não houve, até 02-04-2018, qualquer liquidação adicional, contestação, reclamação ou impugnação do IRC de 1999;
D) Em 02-04-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2018... no valor a pagar de € 338.571,93, a qual inclui imposto e juros compensatórios (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
E) A liquidação referida baseou-se nas Informações que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, tendo por base o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que, na sequência da procedência de uma impugnação da Requerente relativa ao exercício de 1995, havia necessidade de refazer várias deduções de prejuízos que haviam sido efectuadas em exercícios posteriores, inclusivamente deduções de prejuízos efectuadas no exercício de 1999, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira resumiu no mapa seguinte:

F) Nesses cálculos, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, além do mais, que no exercício de 1997 a Requerente tinha tido um lucro tributável de € 1.883.787.70 determinado por correcção que efectuou, em vez do prejuízo fiscal que declarara de € 920.444,00, por entender que, embora tenha sido impugnada a liquidação respectiva, tinha sido mantida a correcção referida;
G) Nas informações em que se baseia a referida liquidação de IRC n.º 2018... que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

7 - Relativamente à execução de julgado anulatório é pacifico, tanto na doutrina e como jurisprudência superior, que a mesma não se atém à anulação do ato administrativo tout court, mas antes consubstancia uma obrigação de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, o que passa peia prática de todos os atos e operações materiais; necessárias a colocar o interessado na situação que teria não fosse a pratica do ato anulado, nos precisos termos que resultam da decisão anulatória - neste sentido, veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9-10-2015, processo n.º 043085B.

8 - E quais são os "precisos termos que resultam" do Acórdão n.º 06845/2013, do Tribunal Central Administrativo do Sul? Vejamos então,

9 - No segmento final do aludido Acórdão consignou-se,
A título de «Conclusões»;
l. «Decorre claramente da lei (artigo 91.º, n.º14 da LGT) que as correções meramente ariméticas a matéria tributável resultantes de imposição legal estão fora do âmbito do procedimento de 'revisão.
''lI Nos termos do n.º 7 do artigo 92.º da LGT: "se intervier perito independente, a decisão deve "obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer." Não restringindo o preceito o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.»-Firmando-se em sede de «Decisão» Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.» Nesta conformidade, À luz do trânsito em julgado do enunciado Acórdão, ocorrido em 2017-09-11,

10 - Vingou a posição judicial firmada na impugnação judicial n.º.../0...-...2T..., que julgando aquela procedente, por sentença de 2013-03-22, decidiu:
• Julgar «prescrita a dívida de IRC do exercício de 1995 e respetivos juros compensatórios, na parte respeitante às correções à matéria tributável de natureza meramente técnica no valor de Esc 12256 189$00» (€61 133,61);
• E quanto ao mais, anular «a decisão do procedimento de revisão da matéria coletável, por violação do dever de fundamentação, e consequentemente anulo o ato de liquidação de IRC do exercício de 1995 e respetivos juros compensatórios, na parte que respeita às correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos, no valor de Esc. 409 821 300$00"» (€ 2 044 180,03);

11 - Resulta dos dados coligidos que tendo sido fixada matéria coletável com recurso a métodos indiretos na liquidação de IRC do exercício de 1995, os prejuízos fiscais não puderam ser considerados (deduzidos) nesse período, à luz do disposto no então vigente artigo 47.º do Código do IRC (atual artigo 52.º, n.º 3), Ora,

12 - Tendo-se determinado a anulação do ato de liquidação na parte que respeita às correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos, atendendo ao dever de reposição da legalidade prescrito no artigo 100.º da LGT, há que promover a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos crismado ilegal.
Tal significa que, 13. Na liquidação de IRC do exercício de 1995, deverão ser deduzidos ao lucro tributável os prejuízos fiscais no montante de € 852 465,34, pois, em concretização do acórdão, não há lugar à fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, a qual terá justificado a sua não consideração em sede da liquidação n.º..., agora a anular parcialmente.

14 - Do acórdão exequendo resulta, assim, o direito da contribuinte ao reporte de prejuízos com efeitos na liquidação do período de 1995, sucede que, no entanto, do reconhecimento desse direito decorre a correção da dedução em excesso dos prejuízos fiscais ao lucro tributável do IRC do período de 1999, no montante de € 502.818,68.

15 - Com efeito, a reposição da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos, tido por ilegal, implica (i) a repristinação da dedução de prejuízos fiscais no período de 1995 e, na sequência, atendendo ao regime legal do reporte de prejuízos, e (ii) a correção, em conformidade, os prejuízos fiscais deduzidos em 1999,

16 - Na verdade, os prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 1999 correspondem aos prejuízos fiscais que deixaram de poder ser deduzidos em 1995, por ter sido decidido pela Inspeção Tributária a aplicação de métodos indiretos. Assim, anulando-se essa decisão e repondo a dedução dos prejuízos no exercício de 1995, deixa de haver prejuízos para reportar nos anos subsequentes, pelo que, a reposição da situação em 1995, implica a consideração nesse ano dos prejuízos, ou seja, provoca, necessariamente, a retirada dos mesmos prejuízos dos anos subsequentes.
Por outro lado,

17 - No que respeita ao instituto da caducidade do direito de liquidação, desde já se adianta, que se entende que o mesmo não tem aplicação no caso vertente da liquidação que concretiza decisão judicial.
Com efeito,

18 - O regime da caducidade assume a qualidade de termo da eficácia do direito de liquidação, sucede que, a concretização de uma decisão judicial não consubstancia nenhum direito da Administração Tributária em promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos, mas antes, traduz uma obrigação de executar o julgado, reconstituindo a situação nos precisos termos que resultam da decisão anulatória.
Neste contexto, considerando, por um lado, que a caducidade é matéria que não é de conhecimento oficioso, e por outro, que não estamos no exercício de um direito da Administração Tributária, mas antes se encontra investida num dever de execução de sentença, sustenta-se,

19 - O regime de caducidade consagrado no artigo 45.º da LGT não tem aqui aplicação, pois ao promover a liquidação que se impõe, reconstituindo a situação nos termos julgados, a Administração Tributária atua em resultado de uma decisão proferida em sede de impugnação judicial, a qual, pese embora formalmente fosse em sentido favorável à impugnante, materialmente, por força do enquadramento jurídico dado ao reporte de prejuízos, influencia, a final, negativamente na liquidação de IRC de 1999.

20 - A liquidação que se exige reveste a natureza de liquidação corretiva, e visto não se tratar de um novo ato tributário, não é abrangido pelo regime da caducidade ao direito de liquidação.
De todo o modo.

21 - Sempre incumbiria à impugnante, em sede de eventual recurso jurisdicional da sentença proferida na impugnação n.º.../0...-1...T..., realizar um juízo de prognose sobre o alcance da mesma, suscitando a questão que daquela resultaria uma liquidação com impacto negativo na sua esfera, atento a que por força da reposição da dedução de prejuízos no exercido de 1995 e originaria a correção das deduções subsequentes, mormente, e como apurado pelos serviços, a correção da dedução de prejuízos em excesso no exercício de 1999.
Posto isto,

22 - Impende sobre a administração tributária a obrigação concretizar a sentença nos exatos termos em que foi proferida, anulando a liquidação de IRC do exercício de 1995 na parte em que desconsidera os prejuízos fiscais, por se ter julgado a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos como ilegal/indevida.

23 - A execução só será integral com a inclusão na aludida liquidação impugnada dos sobreditos prejuízos, indevidamente expurgados pela Administração Tributária, por força da fixação da matéria coletável por métodos Indiretos, como decidiu o Tribunal Tributário de Lisboa.

24 - E em consonância, porque a sua manutenção resultaria incompatível com a execução do julgado, a integralidade da execução importa, ainda, a correção da dedução de prejuízos em excesso no exercício de 1999.

25 - Cumpre à administração tributária concretizar a sentença nos exatos termos em que foi proferida, sob pena de nulidade da manutenção do ato tributária parcialmente anulado, por desrespeito da aludida decisão Judicial, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminai e disciplinar, conforme previsto no n.º 1 do artigo 158.º do CPTA aplicável ex vi artigo 102,º da LGT, A este trecho, e a título de nota final

26 - Em Sede de execução das correções que ora se impõem, no exercício de 1995 e de 1999, devem os serviços promover a emissão dos respetivos DC, no sistema antigo do DCU (MGIT) assinalando (para 1995 e para 1999) que os DC têm origem na Justiça Tributária, obviando-se, assim, que as subsequentes notificações das liquidações corretivas contenham a menção a meios de reação/defesa que não se aplicam na presente sede, dado que estas consubstanciam o cumprimento da obrigação de executar o julgado, reconstituindo a situação nos precisos termos que resultam da decisão anulatória.

IV. CONCLUSÕES
Por tudo o que vem exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª Nos termos do artigo 100.º da LGT, impõe-se a reposição da situação jurídicofiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos, tido por ilegal, implicando (i) a repristinação da dedução de prejuízos fiscais no período de 1995 no montante de € 852 465,34, e, na sequência, atento o regime legal do reporte de prejuízos, (ii) a correção, em conformidade, os prejuízos fiscais deduzidos em excesso no exercício de 1999, no montante de € 502.818,68.
2.ª O regime de caducidade consagrado no artigo 45.º da LGT não tem aqui aplicação, pois ao promover a liquidação que se impõe, reconstituindo a situação nos termos julgados, a Administração Tributária atua em resultado de uma decisão proferida em sede de impugnação judicial, a qual, pese embora formalmente fosse em sentido favorável à impugnante (exercício de 1995), materialmente, por força do enquadramento jurídico dado ao reporte de prejuízos, influencia, a final, negativamente a liquidação de IRC de 1999.
3.ª Incumbia à impugnante, em sede de eventual recurso jurisdicional da sentença proferida na impugnação n.º.../...1-...T..., realizar um juízo de prognose sobre o alcance da mesma, suscitando a questão que daquela resultaria uma liquidação com impacto negativo na sua esfera, atento a que por força da reposição da dedução de prejuízos no exercício de 1995 e originaria a correção das deduções subsequentes, mormente, e como apurado pelos serviços, a correção da dedução de prejuízos em excesso no exercício de 1999.
4.º Cumpre à administração tributária concretizar a sentença nos exatos termos em que foi proferida, sob pena de nulidade da manutenção do ato tributária parcialmente anulado, por desrespeito da aludida decisão judicial, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, conforme previsto no n.º 1 do artigo 158.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 102.º da LGT.
5.ª Em sede de execução das correções em IRC ao exercício de 1995 e de 1999, devem os serviços promover a emissão dos respetivos DC, no sistema antigo do DCU ("MGIT") assinalando (para 1995 e para 1999) que os DC têm origem na Justiça Tributária, obviando-se, assim, que as subsequentes notificações das liquidações corretivas contenham a menção a meios de reação/defesa que não se aplicam na presente sede, dado que estas consubstanciam o Parecer.

H) Em 26-07-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) A reclamação graciosa não foi decidida até 25-02-2019, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
J) A Autoridade Tributária e Aduaneira, na pendência do presente processo, revogou parcialmente a liquidação referida, na sequência do que emitiu, em 17-04-2019, a liquidação de IRC n.º 2019..., cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o requerimento de 08-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido, em que é determinado o valor a pagar de € 129.474,24, no qual se inclui o valor de € 5.905,63 a título d juros compensatórios relativos ao período de 03-08-2000 a 28-03-2018;
K) Em 03-05-2019, a A... manifestou interesse no prosseguimento do processo e juntou documentos;
L) Relativamente ao exercício de 1997, a Requerente apurou um prejuízo para efeitos fiscais em IRC no montante de € 920.444,00 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
M) Na sequência de correcções, relativamente ao exercício de 1997, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º... e correspondentes juros compensatórios, no montante de € 791.046,31 (Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferida no processo de impugnação judicial n.º.../0..., cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido);
N) Por sentença de 14-04-2011, proferida no processo n.º.../0..., o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra anulou a liquidação de IRC relativa ao exercício de 1997 (documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido);
O) O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 04-06-2013, proferido no processo n.º.../11, confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido), dizendo, além do mais, seguinte:

Nesta medida, e com referência ao vício de violação de lei por ofensa do art. 92º n.º 7 da LGT, ponderou, desde logo, a matéria da falta de fundamentação da decisão tomada pelo órgão da Administração Tributária ao abrigo do n.º6 do art. 92º da LGT, na medida em que não invoca os motivos nem as razões que pelas quais rejeitou o parecer do perito independente, dando relevância positiva ao exposto pela ora Recorrida, entrando depois na apreciação dos pressupostos que permitem o recurso aos métodos indiciários, onde conclui que, no caso concreto e em face do regime previsto na LGT, não se mostram reunidos os pressupostos para o recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável. Em seguida, ponderou ainda que a “impugnante, demonstrou que os preços praticados na alienação dos lotes constantes nas escrituras foram os reais, assim como, ficou amplamente demonstrado a desadequação do critério utilizado pela Administração Tributária para a determinação da quantificação da matéria tributável", finalizando com a apreciação do pedido de anulação dirigido à liquidação dos juros compensatórios.
Nestas condições, e no segmento decisório, a decisão recorrida decide julgar procedente a impugnação.
Com este pano de fundo, pode dizer-se que depois de todo o trabalho desenvolvido, a sentença recorrida acabou por Valorizar em sede de decisão os vícios ponderados em relação à liquidação, deixando algo de lado a questão da prescrição, que deveria aparecer com outra expressão no âmbito do denominado segmento decisório.
(...)
Ora, lendo e relendo as conclusões de recurso apresentada pela recorrente apenas se descortina o tratamento de duas questões relacionadas com a prescrição da obrigação tributária e com a quantificação da matéria tributável.
Pois bem, havendo na sentença recorrida apreciação de questões jurídicas distintas e não sendo impugnada a posição assumida sobre alguma delas, «os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo».
(...)
Examinando as alegações apresentadas pela Recorrente no presente recurso jurisdicional e respectivas conclusões, constata-se que em nenhum ponto são consideradas as três questões acima elencadas - falta de fundamentação da decisão tomada pelo órgão da Administração Tributária ao abrigo do n.º 6 do art. 92º da LGT, existência dos pressupostos que permitem o recurso aos métodos indiciários (impondo-se aqui sublinhar que a A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendolhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação) e o pedido de anulação dirigido à liquidação dos juros compensatórios, não sendo discutida a correcção do afirmado na sentença recorrida sobre essas questões.
(...)
Assim, terá de entender-se que o Tribunal de 1.ª Instância decidiu sobre as três situações em apreço, estando Tribunal Superior impedido de tomar posição sobre elas e, nomeadamente, não poderá alterar a decisão recorrida nessa parte (art. 684º n.º 4 do C. Proc. Civil).
Nestas condições, é manifesto que seria absolutamente inútil apreciar os fundamentos do recurso invocados pela Recorrente, pois, mesmo que se lhe reconhecesse razão na sua totalidade, sempre teria de permanecer intocada, por inatacada, a decisão da 1.ª Instância em função dos elementos agora postos em evidência.

P) A Autoridade Tributária e Aduaneira requereu a reforma do referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, mas o pedido foi indeferido (documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido);
Q) O referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul transitou em julgado em 03-11-2014 (página 1 da certidão que consta do documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019).

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre os factos dados como provados.

3 - Questão da incompetência
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que este Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral por se tratar de execução de julgado.

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT atribui aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.

A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vinculou a Administração Tributária estadual (actualmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira) “à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida", com algumas excepções que não se verificam neste caso.

No caso em apreço, está-se perante a impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que manifestamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere (com razão ou sem ela) que são emitidos em execução de julgado.

Por outro lado, mesmo que os actos de liquidação sejam praticados em execução de julgado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo foi-se consolidando no sentido de que, se no âmbito da execução de julgado é praticado um novo acto que, para além dar execução à decisão exequenda, contém um conteúdo inovador, sobre o qual não proferiu decisão o julgado exequendo, os vícios de que possa enfermar o acto nesta parte inovatória não podiam ser apreciados no processo de execução, tendo a sua impugnação de ser efectuada em processo impugnatório autónomo. ([1])

Mas, mesmo nos casos em que o novo acto apenas dava execução ao julgado exequendo, o interessado podia optar pela sua impugnação autónoma, o que estava ínsito no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, que expressamente previa que, nos casos em que era instaurado processo de execução, mas estivesse pendente recurso de anulação ou de declaração de nulidade dos actos de execução, seria feita a sua apensação ao processo de execução.

No regime do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ocorreu um alargamento do âmbito do processo de execução de julgado, passando a admitir-se nele, para além da declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, também a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal (artigo 179.º, n.º 2, do CPTA).

Mas, mesmo depois da entrada em vigor do CPTA, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo continuou a ser no sentido de que «o processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes» e que qualquer vício do acto emitido em execução era «declarável em processo a instaurar para o efeito, mas não configura uma infidelidade ao acórdão exequendo». ([2])

A fundamentação desta jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pode considerar-se duvidosa à face do regime do CPTA, como bem evidenciam, desde logo, os sete votos de vencido que foram emitidos.

Mas, as dúvidas sérias que se podem suscitar relativamente a esta jurisprudência maioritária recaem sobre a decidida inadmissibilidade de utilização do processo de execução de julgados e consequente obrigatoriedade de utilização de meio impugnatório autónomo para sindicar a legalidade dos actos praticados em execução que enfermem de vícios que não apreciados pela decisão exequenda e não sobre a possibilidade de optar pela impugnação autónoma, quando o interessado apenas pretende discutir a legalidade do conteúdo inovador dos actos praticados em execução do julgado, possibilidade esta que sempre foi permitida e resulta do teor literal das normas que prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa.

Isto é, a crítica que se pode fazer a esta jurisprudência é por impor impugnação autónoma para apreciar vícios exclusivos do novo acto e não por a proibir, o que manifestamente não faz.

É certo que, no novo regime de execução de julgados, pode aventar-se que haja uma repartição do campo de aplicação do processo de execução de julgado e do processo de impugnação de actos, nos casos em que é praticado um novo acto visando dar execução a um julgado anulatório, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA nestes termos:

A nova referência aos "actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal vai mais longe, permitindo ao exequente deduzir também, logo no início ou no decurso do processo de execução, pedido de anulação dos eventuais actos administrativos supervenientes que configurem uma recusa disfarçada de executar, por virem dar uma cobertura formal, mas ilegítima, à situação existente na ausência da execução da sentença.
Até aqui, a jurisprudência entendia que estes actos só podiam ser fiscalizados no âmbito de um processo autónomo de impugnação. Agora, há que distinguir. Quando o exequente alegue que o acto foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal existente, o exequente está a colocar uma questão que ainda é de inexecução da sentença, pelo que, como tal, deve ser apreciada e decidida no processo executivo. Só deverão ser, pelo contrário, objecto de impugnação autónoma os actos aos quais o exequente impute ilegalidades que devam ser subsumidas a tipos diferentes de vícios, próprios desses actos. (negrito nosso)([3])
Esta solução tem o alcance de fazer com que, sempre que, no âmbito de um processo dirigido à execução de uma decisão proferida por um tribunal administrativo, o requerente alegue que um acto administrativo superveniente foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o juiz fique constituído no dever de verificar se assim é, e portanto, se esse acto deve ou não ser qualificado como um acto de inexecução da sentença exequenda, para o efeito de ser anulado no âmbito do próprio processo de execução. Deste modo se consagra, neste particular, um princípio de plenitude do processo de execução, que tem por consequência que, sempre que alegue que o acto administrativo entretanto praticado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença, que, na realidade, mantém, em fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado, o interessado coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que, como tal, pode e deve ser objecto da dedução de um incidente a apreciar no âmbito do processo executivo. Quando, pelo contrário, o interessado impute ao acto renovatório ilegalidades que já envolvam aspectos novos, a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação. ([4])

Desta jurisprudência e doutrina conclui-se que, quer antes quer depois do regime de execução de julgados previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não é vedada aos interessados na anulação de um acto administrativo praticado a título de execução de julgado a possibilidade de o impugnarem autonomamente, quando lhe pretendem imputar vícios próprios que não resultam de desconformidade com o julgado exequendo ou de insuficiência dos actos praticados em execução. Pelo contrário, a jurisprudência e doutrina dominantes até são no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma.

É a esta luz que há que apreciar a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

No caso em apreço, foi proferida uma decisão jurisdicional que anulou a liquidação de IRC relativa ao exercício de 1995 e, invocando que está a executar esse julgado, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, em 2018, podia emitir uma nova liquidação de IRC relativa ao exercício de 1999, a que na decisão jurisdicional referida não se faz qualquer alusão.

A Requerente imputa à liquidação praticada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativa ao exercício de 1999, vício de caducidade do direito de liquidação, vício de forma por falta de fundamentação/ fundamentação insuficiente, vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, que, manifestamente, são vícios próprios do novo acto de liquidação, «ilegalidades que já envolvam aspectos novos» que aquela jurisprudência maioritária e doutrina, entendem que tem de ser objecto de impugnação autónoma e não de processo de execução de julgado.

Consequentemente, não ocorre a incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

4 - Questão da inutilidade superveniente da lide
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a inutilidade superveniente da lide porque entende que «revogou parcialmente o acto impugnado, satisfazendo desta forma a pretensão da Requerente».

A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância prevista na alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

A inutilidade superveniente da lide ocorre quando falta o interesse em agir, que constitui um pressuposto processual ([5]) ou condição da acção ([6]) e «consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção».([7])

A Requerente pediu a anulação total da liquidação inicial e não a mera anulação parcial, pelo que é manifesto que mantém o interesse no prosseguimento da acção, que expressa no requerimento em que se pronuncia no sentido do prosseguimento do processo, na sequência da nova liquidação, apenas parcialmente revogatória da primeira, efectuada na sua pendência.

Por isso, não ocorrendo inutilidade superveniente da lide, improcede esta excepção.

5 - Matéria de direito
A Requerente pede a «declaração de ilegalidade do acto tácito de indeferimento praticado e das liquidações de IRC e juros compensatórios que lhes estão subjacentes, relativas ao exercício de 1999, determinando-se a respectiva anulação, tudo por se encontrar caducado o direito à liquidação, por vício de forma e por vício de violação de Lei».

Apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de violação de lei, em sintonia com o preceituado na alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

5.1 Questão da caducidade do direito de liquidação
A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em 2018 uma liquidação de IRC referente ao exercício de 1999 e, já na pendência do presente processo, emitiu uma outra, revogando parcialmente aquela.

A Requerente defende que ocorreu a caducidade o direito de liquidação.

O regime geral da caducidade do direito de liquidação consta do artigo 45.º da LGT que, na redacção vigente em 1999, estabelecia o seguinte:

Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3 - Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

É manifesto que foi excedido o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º, contado nos termos do n.º 4, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

Porém, neste caso, houve reporte de prejuízos, no exercício de 1999, pelo que, nos termos do n.º 3 deste artigo 45.º, o prazo de caducidade do direito de liquidação é o prazo do exercício do direito de reporte de prejuízos, que era de seis anos, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do CIRC (na redacção resultante da renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho).

Este prazo aplica-se também nos casos em que tenha havido correcções de prejuízos fiscais de anos anteriores, como decorre também do teor expresso do n.º 4 desse artigo 47.º que estabelece o seguinte:

4 - Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.

Assim, mesmo que, na sequência do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, se entenda que deveria ser efectuada uma correcção de prejuízos fiscais relativamente ao exercício de 1999, apenas seria possível efectuar nova liquidação de IRC relativa a este exercício, adicional ou não, até ao termo do ano de 2005.

É certo que, se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul se tivesse decidido, com trânsito em julgado, que a dedução de prejuízos fiscais do exercício de 1999 permitia a emissão de nova liquidação, sem atender ao prazo de caducidade do direito de liquidação, este não poderia ser aplicado, por força do caso julgado, que se forma «nos precisos limites e termos em que julga» [artigo 621.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Mas, o certo é que não há naquela decisão do Tribunal Central Administrativo Sul qualquer vestígio de referência, mesmo implícita, ao IRC do exercício de 1999 e à não aplicação do prazo de caducidade do direito de liquidação que resulta do artigo 45.º da LGT e do artigo 47.º, n.º 4, do CIRC.

Por isso, a invocação pela Autoridade Tributária e Aduaneira de estar a actuar em execução de julgado não tem qualquer relevo para afastar o prazo de caducidade do direito de liquidação.

Pelo exposto, ocorreu a caducidade do direito de liquidação, que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação que subsiste após a revogação, que é a liquidação efectuada em 17-04-2019, com o n.º 2019... e data de acerto de contas 16-05-2019, na sequência da revogação parcial da primeira [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

5.2. Indeferimento tácito da decisão da reclamação graciosa
O indeferimento tácito da decisão da reclamação graciosa deixa de ter relevância, por ter sido proferida posteriormente uma decisão expressa, subjacente à nova liquidação, que o revoga por substituição.

5.3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2019..., que é objecto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente à liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida.

6 - Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação n.º 2019...

7 - Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 338.571,93.

8 - Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.


[1] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17-10-1996, processo n.º 34542, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-04-1999, página 6902, em que se entendeu que «no caso de anulação por vício de forma por falta – a fundamentação, nada impede que a Administração pratique novo acto de conteúdo idêntico, agora expurgado do vício apontado. É admissível a impugnação pela via de recurso contencioso dos actos praticados em desconformidade: com o julgado, só se impondo a apreciação da sua legalidade no processo executivo quando este, porventura, tenha sido desencadeado, o que constitui uma faculdade concedida ao interessado como resulta quer do n.º 1 do art. 5º, quer do n.º 1 do art. 7º, ambos do Dec-Lei n.º 256-A/77, de 17/6, de onde decorre que ele o "pode" usar»;
– de 19-01-1997, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, processo n.º 27517, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, página 12, em que se entendeu que:
I – A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto nada obstando a que, em execução dessa pronúncia, a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.
II – Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa.

– de 29-1-1998, processo n.º 42342, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 539, em que se entendeu que V - No processo de execução de julgado a ilegalidade do novo acto só poderá ser apreciada com referência ao vício que levou à sentença anulatória.
VI – Tudo se reconduz, por isso a saber se foi ou não violado o caso julgado.
VII – Os vícios supervenientes do novo acto terão de ser apreciados em sede própria:
o recurso contencioso.
– de 7-7-2005, processo n.º 30230A, em que se entendeu que – A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto nada obstando a que, em execução dessa pronúncia a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.
II – Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa.
[2] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2006, processo n.º 1A/02, com nove votos a favor e sete contra.
[3] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, páginas 827-828.
[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, páginas 503-504.
[5] Neste sentido, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, volume II, páginas 253-254.
[6] Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 82-83.
[7] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.

Acórdão n.º 130/2019-T do CAAD, de 21 de junho

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Mariana Vargas e Dra.
Sofia Ricardo Borges (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-05-2019, acordam no seguinte:

1 – Relatório
A…, SGPS, S.A. (doravante designada por ‹‹Requerente›› ou «A… ››), titular do número único de matrícula e de pessoa colectiva…, com sede na…,…,…-… em Cascais, apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT") pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou contra liquidação adicional de IRC de 1999 (liquidação n.º 2018…, com o valor de imposto a pagar de € 331.085,01), e contra as demonstrações de liquidação de juros compensatórios (liquidações n.º 2018… e n.º 2018…).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 08-05-2019.

Em 16-04-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou a revogação parcial da liquidação.

Em 03-05-2019, a Requerente pronunciou-se no sentido de ter interesse no prosseguimento do processo e juntou documentos.

Em 23-05-2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira juntou nova liquidação relativa ao IRC de 1999, com o n.º 2019…, datada de 17-04-2019, e demonstração de acerto de contas, datada de 16-05-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, na sequência da revogação parcial da liquidação inicialmente impugnada.

Por despacho de 13-06-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e a questão da inutilidade superveniente da lide.

2 – Matéria de facto
2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) No ano 2000, a Requerente apresentou a autoliquidação do IRC do exercício de 1999;
B) Em 1999 a ora Requerente apurou um lucro tributável, mas em virtude de prejuízos fiscais reportados de anos anteriores, no valor correspondente a € 2.725.524, a sua matéria colectável foi “0" (zero);
C) Não houve, até 02-04-2018, qualquer liquidação adicional, contestação, reclamação ou impugnação do IRC de 1999;
D) Em 02-04-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2018… no valor a pagar de € 338.571,93, a qual inclui imposto e juros compensatórios (documentos n.ºs 2 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
E) A liquidação referida baseou-se nas Informações que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, tendo por base o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que, na sequência da procedência de uma impugnação da Requerente relativa ao exercício de 1995, havia necessidade de refazer várias deduções de prejuízos que haviam sido efectuadas em exercícios posteriores, inclusivamente deduções de prejuízos efectuadas no exercício de 1999, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira resumiu no mapa seguinte:

F) Nesses cálculos, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, além do mais, que no exercício de 1997 a Requerente tinha tido um lucro tributável de € 1.883.787.70 determinado por correcção que efectuou, em vez do prejuízo fiscal que declarara de € 920.444,00, por entender que, embora tenha sido impugnada a liquidação respectiva, tinha sido mantida a correcção referida;
G) Nas informações em que se baseia a referida liquidação de IRC n.º 2018… que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

7 – Relativamente à execução de julgado anulatório é pacifico, tanto na doutrina e como jurisprudência superior, que a mesma não se atém à anulação do ato administrativo tout court, mas antes consubstancia uma obrigação de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, o que passa peia prática de todos os atos e operações materiais; necessárias a colocar o interessado na situação que teria não fosse a pratica do ato anulado, nos precisos termos que resultam da decisão anulatória – neste sentido, veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9-10-2015, processo n.º 043085B.

8 – E quais são os “precisos termos que resultam" do Acórdão n.º 06845/2013, do Tribunal Central Administrativo do Sul? Vejamos então,

9 – No segmento final do aludido Acórdão consignou-se,
A título de «Conclusões»;
l. «Decorre claramente da lei (artigo 91.º, n.º14 da LGT) que as correções meramente ariméticas a matéria tributável resultantes de imposição legal estão fora do âmbito do procedimento de ‘revisão.
"lI Nos termos do n.º 7 do artigo 92.º da LGT: “se intervier perito independente, a decisão deve “obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer." Não restringindo o preceito o dever de obrigatória fundamentação da adesão ou rejeição, total ou parcial, do parecer do perito em função do conteúdo deste, antes impõe sempre, mesmo nos casos de adesão ao parecer.»-Firmando-se em sede de «Decisão» Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.» Nesta conformidade, À luz do trânsito em julgado do enunciado Acórdão, ocorrido em 2017-09-11,

10 – Vingou a posição judicial firmada na impugnação judicial n.º…/0…-…2T…, que julgando aquela procedente, por sentença de 2013-03-22, decidiu:
• Julgar «prescrita a dívida de IRC do exercício de 1995 e respetivos juros compensatórios, na parte respeitante às correções à matéria tributável de natureza meramente técnica no valor de Esc 12256 189$00» (€61 133,61);
• E quanto ao mais, anular «a decisão do procedimento de revisão da matéria coletável, por violação do dever de fundamentação, e consequentemente anulo o ato de liquidação de IRC do exercício de 1995 e respetivos juros compensatórios, na parte que respeita às correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos, no valor de Esc. 409 821 300$00"» (€ 2 044 180,03);

11 – Resulta dos dados coligidos que tendo sido fixada matéria coletável com recurso a métodos indiretos na liquidação de IRC do exercício de 1995, os prejuízos fiscais não puderam ser considerados (deduzidos) nesse período, à luz do disposto no então vigente artigo 47.º do Código do IRC (atual artigo 52.º, n.º 3), Ora,

12 – Tendo-se determinado a anulação do ato de liquidação na parte que respeita às correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos, atendendo ao dever de reposição da legalidade prescrito no artigo 100.º da LGT, há que promover a repristinação da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos crismado ilegal.
Tal significa que, 13. Na liquidação de IRC do exercício de 1995, deverão ser deduzidos ao lucro tributável os prejuízos fiscais no montante de € 852 465,34, pois, em concretização do acórdão, não há lugar à fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, a qual terá justificado a sua não consideração em sede da liquidação n.º…, agora a anular parcialmente.

14 – Do acórdão exequendo resulta, assim, o direito da contribuinte ao reporte de prejuízos com efeitos na liquidação do período de 1995, sucede que, no entanto, do reconhecimento desse direito decorre a correção da dedução em excesso dos prejuízos fiscais ao lucro tributável do IRC do período de 1999, no montante de € 502.818,68.

15 – Com efeito, a reposição da situação jurídico-fiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos, tido por ilegal, implica (i) a repristinação da dedução de prejuízos fiscais no período de 1995 e, na sequência, atendendo ao regime legal do reporte de prejuízos, e (ii) a correção, em conformidade, os prejuízos fiscais deduzidos em 1999,

16 – Na verdade, os prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 1999 correspondem aos prejuízos fiscais que deixaram de poder ser deduzidos em 1995, por ter sido decidido pela Inspeção Tributária a aplicação de métodos indiretos. Assim, anulando-se essa decisão e repondo a dedução dos prejuízos no exercício de 1995, deixa de haver prejuízos para reportar nos anos subsequentes, pelo que, a reposição da situação em 1995, implica a consideração nesse ano dos prejuízos, ou seja, provoca, necessariamente, a retirada dos mesmos prejuízos dos anos subsequentes.
Por outro lado,

17 – No que respeita ao instituto da caducidade do direito de liquidação, desde já se adianta, que se entende que o mesmo não tem aplicação no caso vertente da liquidação que concretiza decisão judicial.
Com efeito,

18 – O regime da caducidade assume a qualidade de termo da eficácia do direito de liquidação, sucede que, a concretização de uma decisão judicial não consubstancia nenhum direito da Administração Tributária em promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos, mas antes, traduz uma obrigação de executar o julgado, reconstituindo a situação nos precisos termos que resultam da decisão anulatória.
Neste contexto, considerando, por um lado, que a caducidade é matéria que não é de conhecimento oficioso, e por outro, que não estamos no exercício de um direito da Administração Tributária, mas antes se encontra investida num dever de execução de sentença, sustenta-se,

19 – O regime de caducidade consagrado no artigo 45.º da LGT não tem aqui aplicação, pois ao promover a liquidação que se impõe, reconstituindo a situação nos termos julgados, a Administração Tributária atua em resultado de uma decisão proferida em sede de impugnação judicial, a qual, pese embora formalmente fosse em sentido favorável à impugnante, materialmente, por força do enquadramento jurídico dado ao reporte de prejuízos, influencia, a final, negativamente na liquidação de IRC de 1999.

20 – A liquidação que se exige reveste a natureza de liquidação corretiva, e visto não se tratar de um novo ato tributário, não é abrangido pelo regime da caducidade ao direito de liquidação.
De todo o modo.

21 – Sempre incumbiria à impugnante, em sede de eventual recurso jurisdicional da sentença proferida na impugnação n.º…/0…-1…T…, realizar um juízo de prognose sobre o alcance da mesma, suscitando a questão que daquela resultaria uma liquidação com impacto negativo na sua esfera, atento a que por força da reposição da dedução de prejuízos no exercido de 1995 e originaria a correção das deduções subsequentes, mormente, e como apurado pelos serviços, a correção da dedução de prejuízos em excesso no exercício de 1999.
Posto isto,

22 – Impende sobre a administração tributária a obrigação concretizar a sentença nos exatos termos em que foi proferida, anulando a liquidação de IRC do exercício de 1995 na parte em que desconsidera os prejuízos fiscais, por se ter julgado a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos como ilegal/indevida.

23 – A execução só será integral com a inclusão na aludida liquidação impugnada dos sobreditos prejuízos, indevidamente expurgados pela Administração Tributária, por força da fixação da matéria coletável por métodos Indiretos, como decidiu o Tribunal Tributário de Lisboa.

24 – E em consonância, porque a sua manutenção resultaria incompatível com a execução do julgado, a integralidade da execução importa, ainda, a correção da dedução de prejuízos em excesso no exercício de 1999.

25 – Cumpre à administração tributária concretizar a sentença nos exatos termos em que foi proferida, sob pena de nulidade da manutenção do ato tributária parcialmente anulado, por desrespeito da aludida decisão Judicial, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminai e disciplinar, conforme previsto no n.º 1 do artigo 158.º do CPTA aplicável ex vi artigo 102,º da LGT, A este trecho, e a título de nota final

26 – Em Sede de execução das correções que ora se impõem, no exercício de 1995 e de 1999, devem os serviços promover a emissão dos respetivos DC, no sistema antigo do DCU (MGIT) assinalando (para 1995 e para 1999) que os DC têm origem na Justiça Tributária, obviando-se, assim, que as subsequentes notificações das liquidações corretivas contenham a menção a meios de reação/defesa que não se aplicam na presente sede, dado que estas consubstanciam o cumprimento da obrigação de executar o julgado, reconstituindo a situação nos precisos termos que resultam da decisão anulatória.

IV. CONCLUSÕES
Por tudo o que vem exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª Nos termos do artigo 100.º da LGT, impõe-se a reposição da situação jurídicofiscal que existiria não fosse a prática do ato de fixação da matéria coletável por métodos indiretos, tido por ilegal, implicando (i) a repristinação da dedução de prejuízos fiscais no período de 1995 no montante de € 852 465,34, e, na sequência, atento o regime legal do reporte de prejuízos, (ii) a correção, em conformidade, os prejuízos fiscais deduzidos em excesso no exercício de 1999, no montante de € 502.818,68.
2.ª O regime de caducidade consagrado no artigo 45.º da LGT não tem aqui aplicação, pois ao promover a liquidação que se impõe, reconstituindo a situação nos termos julgados, a Administração Tributária atua em resultado de uma decisão proferida em sede de impugnação judicial, a qual, pese embora formalmente fosse em sentido favorável à impugnante (exercício de 1995), materialmente, por força do enquadramento jurídico dado ao reporte de prejuízos, influencia, a final, negativamente a liquidação de IRC de 1999.
3.ª Incumbia à impugnante, em sede de eventual recurso jurisdicional da sentença proferida na impugnação n.º…/…1-…T…, realizar um juízo de prognose sobre o alcance da mesma, suscitando a questão que daquela resultaria uma liquidação com impacto negativo na sua esfera, atento a que por força da reposição da dedução de prejuízos no exercício de 1995 e originaria a correção das deduções subsequentes, mormente, e como apurado pelos serviços, a correção da dedução de prejuízos em excesso no exercício de 1999.
4.º Cumpre à administração tributária concretizar a sentença nos exatos termos em que foi proferida, sob pena de nulidade da manutenção do ato tributária parcialmente anulado, por desrespeito da aludida decisão judicial, fazendo incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, conforme previsto no n.º 1 do artigo 158.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 102.º da LGT.
5.ª Em sede de execução das correções em IRC ao exercício de 1995 e de 1999, devem os serviços promover a emissão dos respetivos DC, no sistema antigo do DCU (“MGIT") assinalando (para 1995 e para 1999) que os DC têm origem na Justiça Tributária, obviando-se, assim, que as subsequentes notificações das liquidações corretivas contenham a menção a meios de reação/defesa que não se aplicam na presente sede, dado que estas consubstanciam o Parecer.

H) Em 26-07-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
I) A reclamação graciosa não foi decidida até 25-02-2019, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;
J) A Autoridade Tributária e Aduaneira, na pendência do presente processo, revogou parcialmente a liquidação referida, na sequência do que emitiu, em 17-04-2019, a liquidação de IRC n.º 2019…, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o requerimento de 08-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido, em que é determinado o valor a pagar de € 129.474,24, no qual se inclui o valor de € 5.905,63 a título d juros compensatórios relativos ao período de 03-08-2000 a 28-03-2018;
K) Em 03-05-2019, a A… manifestou interesse no prosseguimento do processo e juntou documentos;
L) Relativamente ao exercício de 1997, a Requerente apurou um prejuízo para efeitos fiscais em IRC no montante de € 920.444,00 (documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
M) Na sequência de correcções, relativamente ao exercício de 1997, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º… e correspondentes juros compensatórios, no montante de € 791.046,31 (Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferida no processo de impugnação judicial n.º…/0…, cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido);
N) Por sentença de 14-04-2011, proferida no processo n.º…/0…, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra anulou a liquidação de IRC relativa ao exercício de 1997 (documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido);
O) O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 04-06-2013, proferido no processo n.º…/11, confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido), dizendo, além do mais, seguinte:

Nesta medida, e com referência ao vício de violação de lei por ofensa do art. 92º n.º 7 da LGT, ponderou, desde logo, a matéria da falta de fundamentação da decisão tomada pelo órgão da Administração Tributária ao abrigo do n.º6 do art. 92º da LGT, na medida em que não invoca os motivos nem as razões que pelas quais rejeitou o parecer do perito independente, dando relevância positiva ao exposto pela ora Recorrida, entrando depois na apreciação dos pressupostos que permitem o recurso aos métodos indiciários, onde conclui que, no caso concreto e em face do regime previsto na LGT, não se mostram reunidos os pressupostos para o recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável. Em seguida, ponderou ainda que a “impugnante, demonstrou que os preços praticados na alienação dos lotes constantes nas escrituras foram os reais, assim como, ficou amplamente demonstrado a desadequação do critério utilizado pela Administração Tributária para a determinação da quantificação da matéria tributável", finalizando com a apreciação do pedido de anulação dirigido à liquidação dos juros compensatórios.
Nestas condições, e no segmento decisório, a decisão recorrida decide julgar procedente a impugnação.
Com este pano de fundo, pode dizer-se que depois de todo o trabalho desenvolvido, a sentença recorrida acabou por Valorizar em sede de decisão os vícios ponderados em relação à liquidação, deixando algo de lado a questão da prescrição, que deveria aparecer com outra expressão no âmbito do denominado segmento decisório.
(…)
Ora, lendo e relendo as conclusões de recurso apresentada pela recorrente apenas se descortina o tratamento de duas questões relacionadas com a prescrição da obrigação tributária e com a quantificação da matéria tributável.
Pois bem, havendo na sentença recorrida apreciação de questões jurídicas distintas e não sendo impugnada a posição assumida sobre alguma delas, «os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo».
(…)
Examinando as alegações apresentadas pela Recorrente no presente recurso jurisdicional e respectivas conclusões, constata-se que em nenhum ponto são consideradas as três questões acima elencadas – falta de fundamentação da decisão tomada pelo órgão da Administração Tributária ao abrigo do n.º 6 do art. 92º da LGT, existência dos pressupostos que permitem o recurso aos métodos indiciários (impondo-se aqui sublinhar que a A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendolhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação) e o pedido de anulação dirigido à liquidação dos juros compensatórios, não sendo discutida a correcção do afirmado na sentença recorrida sobre essas questões.
(…)
Assim, terá de entender-se que o Tribunal de 1.ª Instância decidiu sobre as três situações em apreço, estando Tribunal Superior impedido de tomar posição sobre elas e, nomeadamente, não poderá alterar a decisão recorrida nessa parte (art. 684º n.º 4 do C. Proc. Civil).
Nestas condições, é manifesto que seria absolutamente inútil apreciar os fundamentos do recurso invocados pela Recorrente, pois, mesmo que se lhe reconhecesse razão na sua totalidade, sempre teria de permanecer intocada, por inatacada, a decisão da 1.ª Instância em função dos elementos agora postos em evidência.

P) A Autoridade Tributária e Aduaneira requereu a reforma do referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, mas o pedido foi indeferido (documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019, cujo teor se dá como reproduzido);
Q) O referido acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul transitou em julgado em 03-11-2014 (página 1 da certidão que consta do documento n.º 2 junto com o requerimento de 03-05-2019).

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre os factos dados como provados.

3 – Questão da incompetência
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que este Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral por se tratar de execução de julgado.

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT atribui aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos.

A Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vinculou a Administração Tributária estadual (actualmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira) “à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida", com algumas excepções que não se verificam neste caso.

No caso em apreço, está-se perante a impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira que manifestamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a actos de liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere (com razão ou sem ela) que são emitidos em execução de julgado.

Por outro lado, mesmo que os actos de liquidação sejam praticados em execução de julgado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo foi-se consolidando no sentido de que, se no âmbito da execução de julgado é praticado um novo acto que, para além dar execução à decisão exequenda, contém um conteúdo inovador, sobre o qual não proferiu decisão o julgado exequendo, os vícios de que possa enfermar o acto nesta parte inovatória não podiam ser apreciados no processo de execução, tendo a sua impugnação de ser efectuada em processo impugnatório autónomo. ([1])

Mas, mesmo nos casos em que o novo acto apenas dava execução ao julgado exequendo, o interessado podia optar pela sua impugnação autónoma, o que estava ínsito no n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, que expressamente previa que, nos casos em que era instaurado processo de execução, mas estivesse pendente recurso de anulação ou de declaração de nulidade dos actos de execução, seria feita a sua apensação ao processo de execução.

No regime do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ocorreu um alargamento do âmbito do processo de execução de julgado, passando a admitir-se nele, para além da declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, também a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal (artigo 179.º, n.º 2, do CPTA).

Mas, mesmo depois da entrada em vigor do CPTA, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo continuou a ser no sentido de que «o processo executivo tende a conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes» e que qualquer vício do acto emitido em execução era «declarável em processo a instaurar para o efeito, mas não configura uma infidelidade ao acórdão exequendo». ([2])

A fundamentação desta jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo pode considerar-se duvidosa à face do regime do CPTA, como bem evidenciam, desde logo, os sete votos de vencido que foram emitidos.

Mas, as dúvidas sérias que se podem suscitar relativamente a esta jurisprudência maioritária recaem sobre a decidida inadmissibilidade de utilização do processo de execução de julgados e consequente obrigatoriedade de utilização de meio impugnatório autónomo para sindicar a legalidade dos actos praticados em execução que enfermem de vícios que não apreciados pela decisão exequenda e não sobre a possibilidade de optar pela impugnação autónoma, quando o interessado apenas pretende discutir a legalidade do conteúdo inovador dos actos praticados em execução do julgado, possibilidade esta que sempre foi permitida e resulta do teor literal das normas que prevêem a possibilidade de impugnação contenciosa.

Isto é, a crítica que se pode fazer a esta jurisprudência é por impor impugnação autónoma para apreciar vícios exclusivos do novo acto e não por a proibir, o que manifestamente não faz.

É certo que, no novo regime de execução de julgados, pode aventar-se que haja uma repartição do campo de aplicação do processo de execução de julgado e do processo de impugnação de actos, nos casos em que é praticado um novo acto visando dar execução a um julgado anulatório, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA nestes termos:

A nova referência aos “actos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal vai mais longe, permitindo ao exequente deduzir também, logo no início ou no decurso do processo de execução, pedido de anulação dos eventuais actos administrativos supervenientes que configurem uma recusa disfarçada de executar, por virem dar uma cobertura formal, mas ilegítima, à situação existente na ausência da execução da sentença.
Até aqui, a jurisprudência entendia que estes actos só podiam ser fiscalizados no âmbito de um processo autónomo de impugnação. Agora, há que distinguir. Quando o exequente alegue que o acto foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal existente, o exequente está a colocar uma questão que ainda é de inexecução da sentença, pelo que, como tal, deve ser apreciada e decidida no processo executivo. Só deverão ser, pelo contrário, objecto de impugnação autónoma os actos aos quais o exequente impute ilegalidades que devam ser subsumidas a tipos diferentes de vícios, próprios desses actos. (negrito nosso)([3])
Esta solução tem o alcance de fazer com que, sempre que, no âmbito de um processo dirigido à execução de uma decisão proferida por um tribunal administrativo, o requerente alegue que um acto administrativo superveniente foi praticado com o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o juiz fique constituído no dever de verificar se assim é, e portanto, se esse acto deve ou não ser qualificado como um acto de inexecução da sentença exequenda, para o efeito de ser anulado no âmbito do próprio processo de execução. Deste modo se consagra, neste particular, um princípio de plenitude do processo de execução, que tem por consequência que, sempre que alegue que o acto administrativo entretanto praticado não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença, que, na realidade, mantém, em fundamento válido, a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado, o interessado coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que, como tal, pode e deve ser objecto da dedução de um incidente a apreciar no âmbito do processo executivo. Quando, pelo contrário, o interessado impute ao acto renovatório ilegalidades que já envolvam aspectos novos, a apreciação de tais vícios já não deve ter lugar no processo executivo, só podendo ser suscitada e decidida em processo declarativo autónomo de impugnação. ([4])

Desta jurisprudência e doutrina conclui-se que, quer antes quer depois do regime de execução de julgados previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não é vedada aos interessados na anulação de um acto administrativo praticado a título de execução de julgado a possibilidade de o impugnarem autonomamente, quando lhe pretendem imputar vícios próprios que não resultam de desconformidade com o julgado exequendo ou de insuficiência dos actos praticados em execução. Pelo contrário, a jurisprudência e doutrina dominantes até são no sentido de que, quando estão em causa vícios próprios do novo acto e o interessado não lhe imputa o intuito de obstar ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, o meio adequado é a impugnação autónoma.

É a esta luz que há que apreciar a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

No caso em apreço, foi proferida uma decisão jurisdicional que anulou a liquidação de IRC relativa ao exercício de 1995 e, invocando que está a executar esse julgado, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, em 2018, podia emitir uma nova liquidação de IRC relativa ao exercício de 1999, a que na decisão jurisdicional referida não se faz qualquer alusão.

A Requerente imputa à liquidação praticada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativa ao exercício de 1999, vício de caducidade do direito de liquidação, vício de forma por falta de fundamentação/ fundamentação insuficiente, vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, que, manifestamente, são vícios próprios do novo acto de liquidação, «ilegalidades que já envolvam aspectos novos» que aquela jurisprudência maioritária e doutrina, entendem que tem de ser objecto de impugnação autónoma e não de processo de execução de julgado.

Consequentemente, não ocorre a incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede, a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

4 – Questão da inutilidade superveniente da lide
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a inutilidade superveniente da lide porque entende que «revogou parcialmente o acto impugnado, satisfazendo desta forma a pretensão da Requerente».

A inutilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância prevista na alínea e) do artigo 277.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

A inutilidade superveniente da lide ocorre quando falta o interesse em agir, que constitui um pressuposto processual ([5]) ou condição da acção ([6]) e «consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção».([7])

A Requerente pediu a anulação total da liquidação inicial e não a mera anulação parcial, pelo que é manifesto que mantém o interesse no prosseguimento da acção, que expressa no requerimento em que se pronuncia no sentido do prosseguimento do processo, na sequência da nova liquidação, apenas parcialmente revogatória da primeira, efectuada na sua pendência.

Por isso, não ocorrendo inutilidade superveniente da lide, improcede esta excepção.

5 – Matéria de direito
A Requerente pede a «declaração de ilegalidade do acto tácito de indeferimento praticado e das liquidações de IRC e juros compensatórios que lhes estão subjacentes, relativas ao exercício de 1999, determinando-se a respectiva anulação, tudo por se encontrar caducado o direito à liquidação, por vício de forma e por vício de violação de Lei».

Apreciar-se-ão prioritariamente os vícios de violação de lei, em sintonia com o preceituado na alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

5.1 Questão da caducidade do direito de liquidação
A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em 2018 uma liquidação de IRC referente ao exercício de 1999 e, já na pendência do presente processo, emitiu uma outra, revogando parcialmente aquela.

A Requerente defende que ocorreu a caducidade o direito de liquidação.

O regime geral da caducidade do direito de liquidação consta do artigo 45.º da LGT que, na redacção vigente em 1999, estabelecia o seguinte:

Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação

1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 – Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3 – Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

É manifesto que foi excedido o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º, contado nos termos do n.º 4, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

Porém, neste caso, houve reporte de prejuízos, no exercício de 1999, pelo que, nos termos do n.º 3 deste artigo 45.º, o prazo de caducidade do direito de liquidação é o prazo do exercício do direito de reporte de prejuízos, que era de seis anos, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do CIRC (na redacção resultante da renumeração efectuada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho).

Este prazo aplica-se também nos casos em que tenha havido correcções de prejuízos fiscais de anos anteriores, como decorre também do teor expresso do n.º 4 desse artigo 47.º que estabelece o seguinte:

4 – Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.

Assim, mesmo que, na sequência do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, se entenda que deveria ser efectuada uma correcção de prejuízos fiscais relativamente ao exercício de 1999, apenas seria possível efectuar nova liquidação de IRC relativa a este exercício, adicional ou não, até ao termo do ano de 2005.

É certo que, se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul se tivesse decidido, com trânsito em julgado, que a dedução de prejuízos fiscais do exercício de 1999 permitia a emissão de nova liquidação, sem atender ao prazo de caducidade do direito de liquidação, este não poderia ser aplicado, por força do caso julgado, que se forma «nos precisos limites e termos em que julga» [artigo 621.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Mas, o certo é que não há naquela decisão do Tribunal Central Administrativo Sul qualquer vestígio de referência, mesmo implícita, ao IRC do exercício de 1999 e à não aplicação do prazo de caducidade do direito de liquidação que resulta do artigo 45.º da LGT e do artigo 47.º, n.º 4, do CIRC.

Por isso, a invocação pela Autoridade Tributária e Aduaneira de estar a actuar em execução de julgado não tem qualquer relevo para afastar o prazo de caducidade do direito de liquidação.

Pelo exposto, ocorreu a caducidade do direito de liquidação, que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação da liquidação que subsiste após a revogação, que é a liquidação efectuada em 17-04-2019, com o n.º 2019… e data de acerto de contas 16-05-2019, na sequência da revogação parcial da primeira [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

5.2. Indeferimento tácito da decisão da reclamação graciosa
O indeferimento tácito da decisão da reclamação graciosa deixa de ter relevância, por ter sido proferida posteriormente uma decisão expressa, subjacente à nova liquidação, que o revoga por substituição.

5.3. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2019…, que é objecto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente à liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida.

6 – Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação n.º 2019…

7 – Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 338.571,93.

8 – Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.


[1] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 17-10-1996, processo n.º 34542, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-04-1999, página 6902, em que se entendeu que «no caso de anulação por vício de forma por falta – a fundamentação, nada impede que a Administração pratique novo acto de conteúdo idêntico, agora expurgado do vício apontado. É admissível a impugnação pela via de recurso contencioso dos actos praticados em desconformidade: com o julgado, só se impondo a apreciação da sua legalidade no processo executivo quando este, porventura, tenha sido desencadeado, o que constitui uma faculdade concedida ao interessado como resulta quer do n.º 1 do art. 5º, quer do n.º 1 do art. 7º, ambos do Dec-Lei n.º 256-A/77, de 17/6, de onde decorre que ele o “pode" usar»;
– de 19-01-1997, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, processo n.º 27517, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, página 12, em que se entendeu que:
I – A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto nada obstando a que, em execução dessa pronúncia, a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.
II – Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa.

– de 29-1-1998, processo n.º 42342, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-12-2001, página 539, em que se entendeu que V – No processo de execução de julgado a ilegalidade do novo acto só poderá ser apreciada com referência ao vício que levou à sentença anulatória.
VI – Tudo se reconduz, por isso a saber se foi ou não violado o caso julgado.
VII – Os vícios supervenientes do novo acto terão de ser apreciados em sede própria:
o recurso contencioso.
– de 7-7-2005, processo n.º 30230A, em que se entendeu que – A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto nada obstando a que, em execução dessa pronúncia a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.
II – Os vícios supervenientes do novo acto deverão ser conhecidos através dos meios comuns de reacção contenciosa.
[2] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2006, processo n.º 1A/02, com nove votos a favor e sete contra.
[3] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, páginas 827-828.
[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, páginas 503-504.
[5] Neste sentido, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, volume II, páginas 253-254.
[6] Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 82-83.
[7] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.