Diploma

Diário da República n.º 216, Série I, de 2019-11-11
Acórdão n.º 201/2019-T do CAAD, de 29 de agosto

Jurisprudência Arbitral Tributária – Processo nº 201/2019-T

Tipo: Acórdão
Número: 201/2019-T
Publicação: 27 de Novembro, 2019
Disponibilização: 29 de Agosto, 2019
IMT - Isenção. Sociedade financeira. Instituição financeira Acórdão n.º 201/2019-T, de 29 de agosto

Diploma

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Alberto Franco e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2019, acordam no seguinte:

1 - Relatório
A..., LDA., com o número de identificação fiscal... e com sede na Rua..., n.º...,...-..., Lisboa, doravante designada por “Requerente", apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT") pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis ("IMT") e de juros compensatórios com os n.ºs... e...

A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-03-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-05-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-06-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 10-07-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2 - Matéria de facto
2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
A) A Requerente adquiriu através do Processo de execução para pagamento de quantia certa n.º.../09...TBSTR. do Tribunal Judicial de Santarém, vários imóveis pertencentes à sociedade B... Lda. NIF:..., no valor global de €4.975.298,00;

B) As aquisições beneficiaram de isenção de IMT, com fundamento no n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT);

C) Foi emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 23-11-2011, o documento n.º..., que consta das páginas 21 a 31 do processo administrativo, de que consta, além do mais, o seguinte:

D) No documento referido, indicam-se relativamente a cada um dos bens adquiridos pela Requerente, elementos idênticos aos acima indicados designadamente:
– o número da respectiva liquidação;
– o valor declarado;
– “Benefícios: 16 - Aquisições por Instituições de Crédito - Processo de execução, falência ou insolvência (Art° 8°, n° 1 do CIMT), 100% sobre a matéria colectável";
– o valor da matéria colectável;
– a taxa de 6,5%;
– a “Colecta: € 0,00";

E) Em 21-11-2018, a Requerente recebeu as notificações das liquidações que constam dos ofícios n.ºs 6318 e 6319, reproduzidos nos documentos n.ºs 3 e 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

F) No referido ofício n.º 6318 refere-se, além do mais, o seguinte:

Assunto: NOTIFICAÇÃO DE IMT (Prédios adquiridos para no ano de 2011, com isenção nos termos do Art° 8° do CIMT e que não foram vendidos dentro do prazo estabelecido no n° 6 do Art° 11° do CIMT). - INSTRUÇÃO.../2018
Ex.mo Sr.
Após análise efectuada às liquidações de IMT do ano de 2011, verifica-se que no IMT com o Registo n°..., adquiriu no Processo judicial N°.../09... TBSTR-Tribunal Judicial de Santarém,... Juízo Cível - Execução para Pagamento quantia certa sob a forma comum, de vários prédios urbanos e rústico, tendo beneficiado indevidamente de isenção de IMT ao abrigo do n° 1 Art° 8° do código do IMT, porquanto, apesar do seu capital social ser detido em mais de 80% pelo Banco C...
SA – Nipc..., não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras, pelo que, a isenção que lhe poderia ter sido concedida à data seria ao abrigo do Art° 7° do código verificando-se agora que não revendeu os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos conforme determina o n° 5 do Art° 11° do CIMT.
Assim e como não procedeu ao pagamento a que se refere o n° 2 do art° 38° do Código do Imposto das Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) fica V.Exa, por este meio notificado nos termos do n° 1 do Art°38° do CIMT e do Art° 36° do código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção do presente ofício, solicitar neste Serviço de Finanças guias para efectuar o pagamento do IMT no valor de € 283.326,20, dos respectivos Juros Compensatórios contados desde 07/12/2016 até á presente data no valor de € 21.983,01, e da coima no valor de € 14.166,31. O prazo para regularização voluntária terminou no dia 06/12/2016.
Da liquidação cuja demonstração se anexa poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos Artigos 70°, 99° e 102° do CPPT.

G) No referido ofício n.º... refere-se, além do mais, o seguinte:

Assunto: NOTIFICAÇÃO DE IMT (Prédios adquiridos para no ano de 2011, com isenção nos termos do Art° 8° do CIMT e que não foram vendidos dentro do prazo estabelecido no n° 6 do Art° 11° do CIMT). - INSTRUÇAO.../2018 Ex.mo Sr.
Após análise efectuada às liquidações de IMT do ano de 2011, verifica-se que no IMT com o Registo n°... adquiriu no Processo judicial N°.../09... TBSTR-Tribunal Judicial de Santarém,... Juízo Cível - Execução para Pagamento quantia certa sob a forma comum, de vários prédios urbanos e rústico, tendo beneficiado indevidamente de isenção de IMT ao abrigo do n° 1 Art° 8° do código do IMT, porquanto, apesar do seu capital social ser detido em mais de 80% pelo Banco C... SA – Nipc..., não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras, pelo que, a isenção que lhe poderia ter sido concedida á data seria ao abrigo do Art° 7° do código verificando-se agora que não revendeu os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos conforme determina o n° 5 do Art° 11° do CIMT.
Assim e como não procedeu ao pagamento a que se refere o n° 2 do art° 38° do Código do Imposto das Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) Fica V.Exa, por este meio notificado nos termos do n° 1 do Art°38° do CIMT e do Art° 36° do código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção do presente ofício, solicitar neste Serviço de Finanças guias para efectuar o pagamento do no valor de € 322.104,37, dos respectivos Juros Compensatórios contados desde 07/12/2016 até á presente data no valor de € 25.062,37 e da coima valor de € 16.105,22. O prazo para regularização voluntária terminou no dia 06/12/2016.
Da liquidação cuja demonstração se anexa poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos Artigos 70°, 99° e 102° do CPPT.

H) Nas demonstrações de liquidação anexas àqueles ofícios refere-se, além do mais, o seguinte:

DEMONSTRAÇÃO

IMT devido com referência à aquisição, pelo valor total de € 4.975.298,00, que fez à firma B... LDA, NIPC-..., dos prédios abaixo indicados, tendo beneficiado indevidamente de isenção de IMT ao abrigo do n° 1 Art° 8° do código do IMT, porquanto, apesar do seu capital social ser detido em mais de 80% pelo Banco C...
SA – Nipc..., não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras, pelo que, a isenção que poderia ter sido concedida á data seria ao abrigo do Art° 7° do código verificando-se agora que não revendeu os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos, conforme determina o n° 5 do Art° 11° do CIMT. Aquisição efectuada no Processo judicial N°.../09... TBSTR-Tribunal Judicial de Santarém,... Juízo Cível - Execução para Pagamento quantia certa sob a forma comum, liquidação IMT Reg. N° 2011/... e Título de adjudicação datado de 06/11/2013, O prazo para regularização voluntária terminou em 06/12/2016.
Vão ser considerados os valores e a taxa à data da liquidação, nos termos do n° 2 do Art° 18° do CIMT.

I) Em 03-01-2019, a Requerente procedeu ao pagamento das quantias liquidadas (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J) Dos estatutos da Requerente que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se que o seu objecto social «é a prestação de serviços de consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito ou quaisquer direitos reais e na aquisição e gestão de carteiras de crédito, da titularidade de instituições de crédito. A sociedade poderá ainda proceder à compra e venda de imoveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis pertencentes à sociedade ou a terceiros, bem como à realização de projectos, avaliações, inspecções e, em geral, todo o tipo de prestação de serviços de consultadoria, relacionados com as actividades atrás referidas e ainda a prestação de serviços de consultoria nos domínios da gestão, da realização de estudos técnicos, económicos, financeiros, comerciais, de organização administrativa, revisão de contas e formação profissional».

K) Na Certidão Permanente da Requerente que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, constam indicações idênticas sobre o objecto social e actividade da Requerente;

L) Em 20-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não se provou que, além dos actos referidos, tivesse sido praticado qualquer outro acto relativamente à liquidação de IMT referente aos prédios adquiridos pela Requerente.

3 - Matéria de direito
Está em causa a aplicação do artigo 8.º do CIMT, que, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, vigente em 2011, estabelece o seguinte:

Artigo 8.º
Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito

1 - São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

2 - A isenção prevista no número anterior é ainda aplicável às aquisições de imóveis por entidades nele referidas, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas, nos termos seguintes:
a) Nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de actos de dação em cumprimento;
b) Nas aquisições de prédios ou de fracções autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento e não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC.

3 - No caso de serem adquirentes sociedades directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito, só há lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão do crédito ou da fiança efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais e desde que estas sociedades sejam qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras.

Em primeira linha, a Requerente imputa às liquidações impugnadas vício por errada interpretação do n.º 3 do artigo 8.º do RGICSF, ao não considerar a Requerente como «sociedade financeira».

Subsidiariamente, a Requerente pede que «seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação sub judice, por terem sido emitidos (pela AT) na sequência de revogação ilegal de actos de concessão de benefícios fiscais».

A possibilidade de arguição de vícios em regime de subsidiariedade é expressamente permitida pelos artigos 101.º e 124.º, n.º 2 alínea b), do CPPT.

Nos termos do artigo 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, "diz-se subsidiário o pedido que é apresentado a tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior".

Assim, começar-se-á por apreciar o primeiro vício arguido pela Requerente, só se procedendo à apreciação do segundo no caso de vir a ser julgado improcedente o primeiro vício.

3.1. Questão da qualificação da Requerente como «sociedade financeira» ou «instituição financeira»
A Autoridade Tributária e Aduaneira baseou as liquidações impugnadas no entendimento de que a Requerente «não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras».

A Requerente defende, em suma, que «no âmbito da sua actividade, presta serviços de consultoria no âmbito da gestão de patrimónios, com destaque para os patrimónios de natureza imobiliária», o que viabiliza a sua qualificação como “sociedade financeira" nos termos definidos pelo RGICSF,

(i) na medida em que desenvolve "uma actividade permitida aos bancos", em concreto a actividade de “gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios" - cf. alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do RGICSF;
(ii) na medida em que se assume como uma instituição financeira conforme “referidas na subalínea ii) da alínea z)", dado desenvolver, a título principal, uma "das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/EU", em concreto a actividade de "gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras" - cf. subalínea ii) da alínea z) do artigo 2.º-A do RGICSF e ponto 11) da mencionada lista anexa à Directiva.

A Requerente defende que «a obrigação de inscrição no Registo Especial do Banco de Portugal, invocada pela AT para justificar 0 seu entendimento, não configura, nos termos da lei, um requisito “para a qualificação de uma sociedade como "sociedade financeira" ou "instituição financeira".

A tese defendida pela Requerente assenta num pressuposto errado, que é o de que a aplicação da isenção prevista no artigo 8.º, n.ºs 1 e 3, do CIMT, relativamente a factos tributários ocorridos em 2011, possa ser aferida à face dos conceitos definidos no artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e da remissão que nele se faz para a Diretiva n.º 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.

Na verdade, o artigo 2.º-A do RGICSF foi aditado pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de Outubro, pelo que não estava em vigor em 2011, na data em que ocorreram os factos tributários.

A legalidade dos actos liquidação, como a generalidade dos actos administrativos, é aferida à face da situação de facto e quadro normativo existentes à data da em que são praticados, em sintonia com o princípio "tempus regit actum", como vem sendo uniformemente afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ([1])

No entanto, em 2011 estava em vigor o artigo 5.º do RGICSF, na redacção do DecretoLei n.º 317/209, de 30 de Outubro, que tinha alcance idêntico ao referido artigo 2.º-A, no que aqui interessa, pois estabelecia que «são sociedades financeiras as empresas que não sejam instituições de crédito e cuja actividade principal consista em exercer uma ou mais das actividades referidas na alínea b), excepto locação financeira e factoring, bem como nas alíneas d) a i) do n.º 1 do artigo anterior».

O anterior artigo 4.º do RGICSF na redacção do mesmo Decreto-Lei n.º 317/2009, indicava na alínea i) do n.º 1, a «gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios» entre as operações que os bancos podiam efectuar.

Assim, é de concluir que a Requerente, tendo como actividade principal, «consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito (...) e na aquisição e gestão de carteiras de crédito da titularidade de instituições de crédito», reunia os requisitos para ser considerada como «sociedade financeira».

Por outro lado, como diz a Requerente, «a obrigação de inscrição no Registo Especial do Banco de Portugal, invocada pela AT para justificar 0 seu entendimento não configura, nos termos da lei, um requisito para a qualificação de uma sociedade como “sociedade financeira" ou “instituição financeira"».

Assim, a situação em apreço enquadra-se no n.º 3 do artigo 8.º do CIMT.

Pelo exposto, a Requerente tem razão quanto ao erro sobre os pressupostos de direito que imputa às liquidações de IMT, que constitui vício de violação de lei, justificando a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

No que concerne aos juros compensatórios, tendo como pressuposto as respectivas liquidações de IMT, pelo que enfermam do mesmo vício, justificando-se também a sua anulação.

3.2. Vício de conhecimento prejudicado
Procedendo o primeiro vício imputado às liquidações, fica prejudicado o conhecimento do vício arguido a título subsidiário, como decorre do citado artigo 554.º, n.º 1, do CPC.

4 - Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
Em 03-01-2019, a Requerente pagou a quantia liquidada e pede o seu reembolso, com juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (03-01-2019) até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

5 - Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de IMT e juros compensatórios com os n.ºs... e..., respectivamente;
c) Julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia de € 652.475,95 e de juros indemnizatórios calculados com base nela nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar os respectivos pagamentos.

6 - Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 652.475,95.

7 - Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.


([1]) Entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 05-02-2004, processo n.º 01918/02; de 22-06-2004, processo n.º 01577/03; de 03-03-2005, processo n.º 0498/04; do Pleno de 05-05-2005, processo n.º 0614/02; de 23-11-2005, processo n.º 0484/05; e de 19-04-2012, processo n.º 01187/11.

Acórdão n.º 201/2019-T do CAAD, de 29 de agosto

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. António Alberto Franco e Dr. Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2019, acordam no seguinte:

1 – Relatório
A…, LDA., com o número de identificação fiscal… e com sede na Rua…, n.º…,…-…, Lisboa, doravante designada por “Requerente", apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT") pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis ("IMT") e de juros compensatórios com os n.ºs… e…

A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga, com juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 21-03-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-05-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-06-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 10-07-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2 – Matéria de facto
2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
A) A Requerente adquiriu através do Processo de execução para pagamento de quantia certa n.º…/09…TBSTR. do Tribunal Judicial de Santarém, vários imóveis pertencentes à sociedade B… Lda. NIF:…, no valor global de €4.975.298,00;

B) As aquisições beneficiaram de isenção de IMT, com fundamento no n.º 1 do artigo 8.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT);

C) Foi emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 23-11-2011, o documento n.º…, que consta das páginas 21 a 31 do processo administrativo, de que consta, além do mais, o seguinte:

D) No documento referido, indicam-se relativamente a cada um dos bens adquiridos pela Requerente, elementos idênticos aos acima indicados designadamente:
– o número da respectiva liquidação;
– o valor declarado;
– “Benefícios: 16 – Aquisições por Instituições de Crédito – Processo de execução, falência ou insolvência (Art° 8°, n° 1 do CIMT), 100% sobre a matéria colectável";
– o valor da matéria colectável;
– a taxa de 6,5%;
– a “Colecta: € 0,00";

E) Em 21-11-2018, a Requerente recebeu as notificações das liquidações que constam dos ofícios n.ºs 6318 e 6319, reproduzidos nos documentos n.ºs 3 e 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

F) No referido ofício n.º 6318 refere-se, além do mais, o seguinte:

Assunto: NOTIFICAÇÃO DE IMT (Prédios adquiridos para no ano de 2011, com isenção nos termos do Art° 8° do CIMT e que não foram vendidos dentro do prazo estabelecido no n° 6 do Art° 11° do CIMT). – INSTRUÇÃO…/2018
Ex.mo Sr.
Após análise efectuada às liquidações de IMT do ano de 2011, verifica-se que no IMT com o Registo n°…, adquiriu no Processo judicial N°…/09… TBSTR-Tribunal Judicial de Santarém,… Juízo Cível – Execução para Pagamento quantia certa sob a forma comum, de vários prédios urbanos e rústico, tendo beneficiado indevidamente de isenção de IMT ao abrigo do n° 1 Art° 8° do código do IMT, porquanto, apesar do seu capital social ser detido em mais de 80% pelo Banco C…
SA – Nipc…, não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras, pelo que, a isenção que lhe poderia ter sido concedida à data seria ao abrigo do Art° 7° do código verificando-se agora que não revendeu os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos conforme determina o n° 5 do Art° 11° do CIMT.
Assim e como não procedeu ao pagamento a que se refere o n° 2 do art° 38° do Código do Imposto das Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) fica V.Exa, por este meio notificado nos termos do n° 1 do Art°38° do CIMT e do Art° 36° do código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção do presente ofício, solicitar neste Serviço de Finanças guias para efectuar o pagamento do IMT no valor de € 283.326,20, dos respectivos Juros Compensatórios contados desde 07/12/2016 até á presente data no valor de € 21.983,01, e da coima no valor de € 14.166,31. O prazo para regularização voluntária terminou no dia 06/12/2016.
Da liquidação cuja demonstração se anexa poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos Artigos 70°, 99° e 102° do CPPT.

G) No referido ofício n.º… refere-se, além do mais, o seguinte:

Assunto: NOTIFICAÇÃO DE IMT (Prédios adquiridos para no ano de 2011, com isenção nos termos do Art° 8° do CIMT e que não foram vendidos dentro do prazo estabelecido no n° 6 do Art° 11° do CIMT). – INSTRUÇAO…/2018 Ex.mo Sr.
Após análise efectuada às liquidações de IMT do ano de 2011, verifica-se que no IMT com o Registo n°… adquiriu no Processo judicial N°…/09… TBSTR-Tribunal Judicial de Santarém,… Juízo Cível – Execução para Pagamento quantia certa sob a forma comum, de vários prédios urbanos e rústico, tendo beneficiado indevidamente de isenção de IMT ao abrigo do n° 1 Art° 8° do código do IMT, porquanto, apesar do seu capital social ser detido em mais de 80% pelo Banco C… SA – Nipc…, não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras, pelo que, a isenção que lhe poderia ter sido concedida á data seria ao abrigo do Art° 7° do código verificando-se agora que não revendeu os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos conforme determina o n° 5 do Art° 11° do CIMT.
Assim e como não procedeu ao pagamento a que se refere o n° 2 do art° 38° do Código do Imposto das Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) Fica V.Exa, por este meio notificado nos termos do n° 1 do Art°38° do CIMT e do Art° 36° do código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção do presente ofício, solicitar neste Serviço de Finanças guias para efectuar o pagamento do no valor de € 322.104,37, dos respectivos Juros Compensatórios contados desde 07/12/2016 até á presente data no valor de € 25.062,37 e da coima valor de € 16.105,22. O prazo para regularização voluntária terminou no dia 06/12/2016.
Da liquidação cuja demonstração se anexa poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos Artigos 70°, 99° e 102° do CPPT.

H) Nas demonstrações de liquidação anexas àqueles ofícios refere-se, além do mais, o seguinte:

DEMONSTRAÇÃO

IMT devido com referência à aquisição, pelo valor total de € 4.975.298,00, que fez à firma B… LDA, NIPC-…, dos prédios abaixo indicados, tendo beneficiado indevidamente de isenção de IMT ao abrigo do n° 1 Art° 8° do código do IMT, porquanto, apesar do seu capital social ser detido em mais de 80% pelo Banco C…
SA – Nipc…, não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras, pelo que, a isenção que poderia ter sido concedida á data seria ao abrigo do Art° 7° do código verificando-se agora que não revendeu os referidos imóveis dentro do prazo de 3 anos, conforme determina o n° 5 do Art° 11° do CIMT. Aquisição efectuada no Processo judicial N°…/09… TBSTR-Tribunal Judicial de Santarém,… Juízo Cível – Execução para Pagamento quantia certa sob a forma comum, liquidação IMT Reg. N° 2011/… e Título de adjudicação datado de 06/11/2013, O prazo para regularização voluntária terminou em 06/12/2016.
Vão ser considerados os valores e a taxa à data da liquidação, nos termos do n° 2 do Art° 18° do CIMT.

I) Em 03-01-2019, a Requerente procedeu ao pagamento das quantias liquidadas (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

J) Dos estatutos da Requerente que constam do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se que o seu objecto social «é a prestação de serviços de consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito ou quaisquer direitos reais e na aquisição e gestão de carteiras de crédito, da titularidade de instituições de crédito. A sociedade poderá ainda proceder à compra e venda de imoveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis pertencentes à sociedade ou a terceiros, bem como à realização de projectos, avaliações, inspecções e, em geral, todo o tipo de prestação de serviços de consultadoria, relacionados com as actividades atrás referidas e ainda a prestação de serviços de consultoria nos domínios da gestão, da realização de estudos técnicos, económicos, financeiros, comerciais, de organização administrativa, revisão de contas e formação profissional».

K) Na Certidão Permanente da Requerente que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, constam indicações idênticas sobre o objecto social e actividade da Requerente;

L) Em 20-03-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não se provou que, além dos actos referidos, tivesse sido praticado qualquer outro acto relativamente à liquidação de IMT referente aos prédios adquiridos pela Requerente.

3 – Matéria de direito
Está em causa a aplicação do artigo 8.º do CIMT, que, na redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, vigente em 2011, estabelece o seguinte:

Artigo 8.º
Isenção pela aquisição de imóveis por instituições de crédito

1 – São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

2 – A isenção prevista no número anterior é ainda aplicável às aquisições de imóveis por entidades nele referidas, desde que a entrega dos imóveis se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos ou fianças prestadas, nos termos seguintes:
a) Nas aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de actos de dação em cumprimento;
b) Nas aquisições de prédios ou de fracções autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento e não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC.

3 – No caso de serem adquirentes sociedades directa ou indirectamente dominadas pelas instituições de crédito, só há lugar à isenção quando as aquisições resultem da cessão do crédito ou da fiança efectuadas pelas mesmas instituições àquelas sociedades comerciais e desde que estas sociedades sejam qualificadas como instituições de crédito ou como sociedades financeiras.

Em primeira linha, a Requerente imputa às liquidações impugnadas vício por errada interpretação do n.º 3 do artigo 8.º do RGICSF, ao não considerar a Requerente como «sociedade financeira».

Subsidiariamente, a Requerente pede que «seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação sub judice, por terem sido emitidos (pela AT) na sequência de revogação ilegal de actos de concessão de benefícios fiscais».

A possibilidade de arguição de vícios em regime de subsidiariedade é expressamente permitida pelos artigos 101.º e 124.º, n.º 2 alínea b), do CPPT.

Nos termos do artigo 554.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado a tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior“.

Assim, começar-se-á por apreciar o primeiro vício arguido pela Requerente, só se procedendo à apreciação do segundo no caso de vir a ser julgado improcedente o primeiro vício.

3.1. Questão da qualificação da Requerente como «sociedade financeira» ou «instituição financeira»
A Autoridade Tributária e Aduaneira baseou as liquidações impugnadas no entendimento de que a Requerente «não cumpre os requisitos do n° 3 desse artigo, ao não poder ser qualificada como instituição de crédito ou sociedade financeira como previsto no RGICSF, por não se encontrar inscrita no Registo Especial do Banco de Portugal de instituições de Crédito e sociedades Financeiras».

A Requerente defende, em suma, que «no âmbito da sua actividade, presta serviços de consultoria no âmbito da gestão de patrimónios, com destaque para os patrimónios de natureza imobiliária», o que viabiliza a sua qualificação como “sociedade financeira" nos termos definidos pelo RGICSF,

(i) na medida em que desenvolve “uma actividade permitida aos bancos", em concreto a actividade de “gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios" – cf. alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do RGICSF;
(ii) na medida em que se assume como uma instituição financeira conforme “referidas na subalínea ii) da alínea z)", dado desenvolver, a título principal, uma “das atividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à Diretiva n.º 2013/36/EU", em concreto a actividade de “gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras" – cf. subalínea ii) da alínea z) do artigo 2.º-A do RGICSF e ponto 11) da mencionada lista anexa à Directiva.

A Requerente defende que «a obrigação de inscrição no Registo Especial do Banco de Portugal, invocada pela AT para justificar 0 seu entendimento, não configura, nos termos da lei, um requisito “para a qualificação de uma sociedade como “sociedade financeira" ou “instituição financeira“.

A tese defendida pela Requerente assenta num pressuposto errado, que é o de que a aplicação da isenção prevista no artigo 8.º, n.ºs 1 e 3, do CIMT, relativamente a factos tributários ocorridos em 2011, possa ser aferida à face dos conceitos definidos no artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e da remissão que nele se faz para a Diretiva n.º 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.

Na verdade, o artigo 2.º-A do RGICSF foi aditado pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de Outubro, pelo que não estava em vigor em 2011, na data em que ocorreram os factos tributários.

A legalidade dos actos liquidação, como a generalidade dos actos administrativos, é aferida à face da situação de facto e quadro normativo existentes à data da em que são praticados, em sintonia com o princípio “tempus regit actum“, como vem sendo uniformemente afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ([1])

No entanto, em 2011 estava em vigor o artigo 5.º do RGICSF, na redacção do DecretoLei n.º 317/209, de 30 de Outubro, que tinha alcance idêntico ao referido artigo 2.º-A, no que aqui interessa, pois estabelecia que «são sociedades financeiras as empresas que não sejam instituições de crédito e cuja actividade principal consista em exercer uma ou mais das actividades referidas na alínea b), excepto locação financeira e factoring, bem como nas alíneas d) a i) do n.º 1 do artigo anterior».

O anterior artigo 4.º do RGICSF na redacção do mesmo Decreto-Lei n.º 317/2009, indicava na alínea i) do n.º 1, a «gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios» entre as operações que os bancos podiam efectuar.

Assim, é de concluir que a Requerente, tendo como actividade principal, «consultoria para a aquisição e gestão de carteiras de crédito (…) e na aquisição e gestão de carteiras de crédito da titularidade de instituições de crédito», reunia os requisitos para ser considerada como «sociedade financeira».

Por outro lado, como diz a Requerente, «a obrigação de inscrição no Registo Especial do Banco de Portugal, invocada pela AT para justificar 0 seu entendimento não configura, nos termos da lei, um requisito para a qualificação de uma sociedade como “sociedade financeira" ou “instituição financeira"».

Assim, a situação em apreço enquadra-se no n.º 3 do artigo 8.º do CIMT.

Pelo exposto, a Requerente tem razão quanto ao erro sobre os pressupostos de direito que imputa às liquidações de IMT, que constitui vício de violação de lei, justificando a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

No que concerne aos juros compensatórios, tendo como pressuposto as respectivas liquidações de IMT, pelo que enfermam do mesmo vício, justificando-se também a sua anulação.

3.2. Vício de conhecimento prejudicado
Procedendo o primeiro vício imputado às liquidações, fica prejudicado o conhecimento do vício arguido a título subsidiário, como decorre do citado artigo 554.º, n.º 1, do CPC.

4 – Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
Em 03-01-2019, a Requerente pagou a quantia liquidada e pede o seu reembolso, com juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (03-01-2019) até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

5 – Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de IMT e juros compensatórios com os n.ºs… e…, respectivamente;
c) Julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia de € 652.475,95 e de juros indemnizatórios calculados com base nela nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar os respectivos pagamentos.

6 – Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 652.475,95.

7 – Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.792,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.


([1]) Entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 05-02-2004, processo n.º 01918/02; de 22-06-2004, processo n.º 01577/03; de 03-03-2005, processo n.º 0498/04; do Pleno de 05-05-2005, processo n.º 0614/02; de 23-11-2005, processo n.º 0484/05; e de 19-04-2012, processo n.º 01187/11.