Diploma

Diário da República n.º 216, Série I, de 2019-11-11
Acórdão n.º 81/2019-T do CAAD, de 28 de junho

Jurisprudência Arbitral Tributária – Processo nº 81/2019-T

Tipo: Acórdão
Número: 81/2019-T
Publicação: 26 de Novembro, 2019
Disponibilização: 28 de Junho, 2019
IMT - Revisão do ato tributário. Fundamentos Acórdão n.º 81/2019-T, de 28 de junho

Diploma

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Adelaide Moura e Dr.
João Marques Pinto (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-04-2019, acordam no seguinte:

1 - Relatório
A..., S.A., NIF..., com sede na Rua..., n.º...,...-......, doravante designada por “Requerente", apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT") pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de 26 de outubro de 2017, no montante de € 682.500,00, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, com que juntou uma decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 29-05-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas, nos termos dos artigos 120.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2 - Matéria de facto
2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade que se dedica à construção, administração e exploração de empreendimentos turísticos;

B) Por escritura lavrada em 27 de outubro de 2017, a Requerente adquiriu os prédios urbanos, compostos de lotes de terreno para construção de hotel e clube de golfe, designados por parcelas E F, descritos na CRP de..., sob o n.º... da freguesia de..., e inscritos na matriz predial urbana da mesma freguesia sob os artigos n.º... e..., pelo preço de € 10.500.000,00 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
(documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C) Sobre esses terrenos a Requerente está a instalar o empreendimento turístico que virá a ser conhecido por Hotel B..., integrado no Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da... que o prevê (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D) Ao projeto turístico em que o Hotel B... se insere o Governo reconheceu o relevante interesse geral e atribuiu o estatuto de projeto de interesse nacional – PIN (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E) Ao Hotel B... foi atribuída utilidade turística prévia por despacho de 20-12-2017 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F) Em 26-10-2017, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de... a declaração modelo 1 de IMT que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

G) Com base naquela declaração foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação de IMT com o número de identificação..., no valor de € 682.500,00, cuja cópia consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

H) O reconhecimento da utilidade turística prévia do Hotel... que a Requerente está a edificar aguardou pela aprovação camarária do respetivo projeto de arquitetura nos termos do n.º 1 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, pois a Requerente conhecia a interpretação na interpretação que até então dele fazia o Turismo de Portugal I. P., n sentido de a atribuição da utilidade turística a título prévio só pode ser requerida com base no projecto aprovado do empreendimento;

I) Essa aprovação foi objeto de sucessivos atrasos que conduziram a que, desde a data da sua apresentação na Câmara Municipal de... (CM), em Agosto de 2015, à data da sua aprovação, em 20-10-2017, decorressem mais de dois anos (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

J) Após a emissão do Alvará de Obras de Urbanização n.º.../2012, seguido do Alvará de Licenciamento de Reparcelamento n.º.../2015, ambos pela CM de... (documentos n.ºs 9A e 9B juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos que junta), o projeto de arquitetura para instalação do Hotel B... foi apresentado, mas demorou mais de dois anos até merecer aprovação camarária;

K) Entretanto, o Turismo de Portugal reviu a sua posição, sancionando, com efeitos somente a partir de 7 de Dezembro de 2017, uma interpretação actualista do referido artigo 10.º que passou a permitir a possibilidade de atribuição da utilidade turística prévia em fase anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura, bastando-se com o simples comprovativo da entrega do mesmo na Câmara Municipal competente (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L) No Diário da República, II Série, de 15-12-2017, foi publicado o Despacho n.º 11007/2017, da Senhora Secretária de Estado do Turismo, com o seguinte teor:

Gabinete da Secretária de Estado do Turismo
Despacho n.º 11007/2017

O Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, que consagra o regime jurídico da utilidade turística, estabelece no seu artigo 7.º, n.º 1, que a mesma pode ser atribuída a título prévio ou definitivo.
A utilidade turística atribuída a título prévio tem sempre um caráter precário, ficando os respetivos efeitos subordinados à condição resolutiva da sua confirmação (artigo 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 423/83).
O artigo 10.º deste mesmo diploma prevê a possibilidade de a utilidade turística prévia ser requerida com base no anteprojeto aprovado do empreendimento, ficando, neste caso, a utilidade turística atribuída condicionada à aprovação do respetivo projeto.
Com efeito, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 423/83, o anteprojeto correspondia a uma fase do processo de licenciamento dos empreendimentos turísticos, a que se seguia a fase de projeto, sob pena de caducidade.
Competia à então Direção-Geral do Turismo aprovar quer o anteprojeto quer o projeto.
Com a evolução legislativa registada em matéria de licenciamentos, a figura do anteprojeto deixou de estar regulada legalmente, pelo que deve proceder-se a uma interpretação atualista do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 423/83, que permita equiparar a fase do anteprojeto a uma das fases do processo de licenciamento atualmente previstas.
Ora, se analisarmos comparativamente os regimes, a decisão da então Direção - Geral do Turismo sobre o anteprojeto corresponde atualmente ao parecer favorável do Turismo de Portugal, I. P., relativamente a um projeto de arquitetura no âmbito de um processo de licenciamento que se encontre formalmente a correr na câmara municipal competente tendo em vista a instalação de um empreendimento turístico.
Assim, considerando que:
a) O artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, prevê a possibilidade de a utilidade turística prévia ser atribuída com base no anteprojeto aprovado, ficando neste caso condicionada à aprovação do respetivo projeto, sob pena de caducidade;
b) O anteprojeto correspondia a uma fase do processo de licenciamento dos empreendimentos turísticos, anterior à fase de projeto, sem correspondência no ordenamento jurídico atual;
c) É necessário proceder a uma interpretação atualista do artigo 10.º do DecretoLei n.º 423/83, de 5 de dezembro, sob pena de se contrariar a ratio da lei, ao não admitir a possibilidade de atribuição da UT prévia – por natureza provisória e precária – em momento anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura;
d) Importa salvaguardar as situações em que o projeto não venha a ser aprovado, de forma que não haja qualquer prejuízo para o Estado;
e) Nos termos do referido Decreto-Lei n.º 423/83 podem ser impostas condições à atribuição da UT, pelo que deverá ser exigida uma garantia a favor do Estado que salvaguarde as situações em que não exista aprovação final do projeto, promovendo, assim, um nível de proteção superior às situações em que havia anteprojeto aprovado:
Determino:
1 – Considera-se preenchida a previsão do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, quando o pedido de atribuição da utilidade turística a título prévio seja instruído com os seguintes documentos:
a) Comprovativo da entrega na câmara municipal competente do projeto de arquitetura do empreendimento;
b) Parecer prévio favorável do Turismo de Portugal, I. P., sobre o referido projeto de arquitetura;
c) Comprovativo da prestação de caução a favor do Turismo de Portugal, I. P., com o valor a que se refere o número seguinte, que acompanha o prazo de validade da utilidade turística prévia, para garantia da execução pelo requerente das diligências adequadas à aprovação do projeto de arquitetura pela autarquia competente.
2 – O montante da caução a prestar corresponde ao valor da totalidade dos benefícios fiscais a auferir pela beneficiária em sede de IMI e, sendo o caso, IMT, o qual deve ser comunicado ao Turismo de Portugal, I. P., por aquela, acompanhado da demonstração do cálculo realizado.
3 – A utilidade turística a título prévio atribuída nos termos dos números anteriores fica sempre condicionada à aprovação do projeto de arquitetura, caducando todos os benefícios fiscais que tenham sido atribuídos caso o mesmo não venha a ser aprovado.
4 – Com o comprovativo da aprovação do projeto de arquitetura pela autarquia competente é libertada a caução pelo Turismo de Portugal, I. P.
5 – O montante da caução prestada reverte a favor da Autoridade Tributária, devendo ser entregue pelo Turismo de Portugal, I. P., àquela entidade, no prazo de 30 dias, caso a mesma venha a ser executada.
6 – O presente despacho produz efeitos a partir da data da sua assinatura.
7 de dezembro de 2017. – A Secretária de Estado do Turismo, Ana Manuel Jerónimo Lopes Correia Mendes Godinho.

M) Antes de a Câmara Municipal de... ter aprovado o projecto de arquitectura, já o Turismo de Portugal se tinha pronunciado, em Maio de 2017, nos termos e para os efeitos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º.../2008, de 7 de março, emitindo parecer favorável ao projeto de arquitetura com vista à instalação do Hotel B..., e atribuindolhe, em projeto, a classificação de Hotel de 5 estrelas (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

N) À data em que o projeto de arquitetura foi apresentado à Câmara Municipal de..., era aplicado o entendimento do Turismo de Portugal de que a atribuição de utilidade turística prévia dependia da respectiva aprovação prévia pela mesma CM;

O) Só com o despacho de... de Dezembro de 2017 da Secretária de Estado do Turismo é que passou a prevalecer o entendimento de que a utilidade turística prévia pode ser atribuída mediante simples apresentação do comprovativo da entrega do projeto de arquitetura na CM competente;

P) O atraso na execução da construção do Hotel poria em causa o sucesso do Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da...;

Q) Os atrasos na aprovação camarária do projecto e o concomitante atraso do reconhecimento da utilidade turística prévia assentam essencialmente em vicissitudes a que o projecto se achou sujeito, resultantes de contestação por ambientalistas (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R) A Requerente já quando adquiriu os terrenos tinha a intenção de construção do novo Hotel B..., com a categoria 5 estrelas (documentos n.ºs 13A a 13D juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

S) O empreendimento turístico galardoado com dois prémios da European Property Awards (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspeção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

U) No dia 06 de Julho de 2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação do IMT (documento n.º 1A, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que consta também do processo administrativo);

V) O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 11-02-2019, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

W) O pedido de revisão oficiosa veio a ser indeferido por despacho de 21-02-2019, com remissão para a fundamentação de uma informação que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

1 – A Requerente (doravante designada por R.) supra identificada, solícita, em síntese, a Revisão Oficiosa da liquidação de IMT impulsionada pela entrega da declaração modelo 1 n.º..., de 26-10-2017, no valor de € 682.500,00.
2 – Fundamento do pedido.
No âmbito da atividade de construção, administração e exploração de empreendimentos turísticos, em 27-12-2017, formalizou a aquisição onerosa dos bens imóveis U-... e U-...,....,..., destinados à instalação do empreendimento turístico, Hotel B..., cujo «projeto turístico em que (...) se insere o Governo reconheceu o relevante interesse geral e atribuiu o estatuto de projeto de interesse nacional – PIN» (cf. item 1.º, 2º 3º 4.º e 6º da PI de RO);
3 – O Turismo de Portugal, IP, em Agosto de 2015 (data em que submeteu o projeto de arquitetura do empreendimento à Câmara Municipal de...), interpretava o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, no sentido de condicionar a instrução do pedido de atribuição de utilidade turística prévia à efetiva aprovação do projeto de arquitetura (cf. itens 9º, 17º e 21 º da PI de RO);
4 – A interpretação atualista daquele normativo legal, no sentido de bastar o comprovativo da entrega, na câmara municipal competente, do projeto de arquitetura do empreendimento (anteprojeto) como elemento instrutório do pedido de atribuição da utilidade turística prévia, viria a ser sancionada por despacho proferido pela Secretária de Estado do Turismo e publicado no DR, com efeitos a partir de 07-12-2017 (cf. itens 11º, 13º, 14º e 18º da PI de RO)
5 – Com base na referida interpretação do Turismo de Portugal, IP, a R. «teve de aguardar pela aprovação camarária do respetivo projeto de arquitetura», ocorrida em outubro de 2017, verificando-se, portanto, um atraso superior a dois anos em relação à data de entrega do projeto na Câmara de...– Agosto de 2015 (cf. itens 8º, 9.º. e 10º, da PI de RO);
6 – Atraso na aprovação do projeto de arquitetura que não relevaria na celeridade do processo de obtenção do despacho de qualificação de utilidade turística se, à data dos factos, o entendimento do Turismo de Portugal, IP não contrariasse a ratio da lei (n.º 1 do artigo 10ºdo Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12) sancionada pela tutela, bastando-se com o comprovativo de entrega do projeto de arquitetura (cf. itens 15º 16º 19º, 21º, 22ºda PI de RO)
7 – O entendimento atualista do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, na versão da tutela «não logrou aplicar-se ao caso da requerente», mas tal inaplicação não pode prejudicar os direitos e expectativas legítimas da R., porque a condição de aprovação prévia do anteprojeto passou a reportar-se ao início de vigência do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7-3, correspondendo ao parecer do Turismo, favorável ao projeto de arquitetura nos termos do artigo 26º do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março (cf. itens 12º 13º, 14º, 15º, 16º, 19º, 20ºe 21º da PI de RO);
8 – Como o sucesso do Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da... e a viabilidade económico financeira do investimento estaria em causa devido ao atraso burocrático na construção do Hotel (cerne estratégico do projeto), e como «assumiu o compromisso com a cadeia hoteleira norte-americana C...» (...) «de iniciar as obras antes de 24 de maio de 2018 e de as concluir antes de 24 de maio de 2022», adquiriu, em 27-10-2017, os imóveis destinados à instalação do identificado empreendimento turístico (cf. itens 24 e 25 da PI de RH).
9 – Consequentemente, considera reunir os pressupostos legais de reconhecimento do benefício de isenção de IMT por lhe ser inimputável o público e notório atraso burocrático, fundado na interpretação do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12 (cf. itens 26º, 27º, 28º, 29º, 30º da PI de RO);
10 – Tanto mais que, considera, o empreendimento turístico de baixa densidade do edificado e fruição e sustentação dos valores ambientais, tais como o recurso à geotermia, constitui um instrumento económico de reconhecida relevância de interesse geral promotor do investimento e emprego no interior algarvio onde se insere, de combate à desertificação e assimetrias entre o interior e o litoral e de captação de novos mercados turísticos exigentes (cf. itens 31º a 36ºda PI de RO)
11 – Considerando, assim, demonstrado que a aquisição em causa beneficia da isenção de IMT prevista no artigo 20º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, por se destinarem à instalação do Hotel ao qual foi atribuída a qualificação de utilidade turística (cf. itens 5º e 6º da PI de RO);
12 – Benefício de isenção de IMT que, argumenta, não é prejudicada pela iniciativa de impulsionar a liquidação de IMT em causa, nem pela inaplicação concreta do entendimento atualista do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12 (cf. item 7.º, 29º 3, 38º da PI de RO);

PARECER.
1 – Improcedência do pedido de Revisão Oficiosa.

O procedimento de Revisão Oficiosa, previsto no artigo 78º da LGT, tem como fundamentos o erro (nos pressupostos de facto ou de direito) imputável aos serviços (cfr. parte final do n.º 1, do art. 78), a injustiça grave ou notória (cfr.n.º 4, do artº.78)
ou a duplicação de coleta (cfr.n.º 6, do artº. 78, da L.G.T)., isto é, apenas vícios de ilegalidade de que aqueles atos enfermem.
Do recorte dos fundamentos impulsionadores do procedimento da Revisão Oficiosa, previsto no artigo 78º da LGT, sob a epígrafe Revisão dos atos tributários, resulta claramente do seu elemento literal, que o âmbito da sua aplicação se restringe exclusivamente os atos tributários de liquidação de obrigações tributárias.
Ora, a questão administrativa elencada pela R. (aplicação retroativa da interpretação atualista do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12) não é de natureza tributária, pois não está em causa a errónea quantificação da situação tributária da R., e, além do mais, os procedimentos de atribuição (incluindo a respetiva instrução) de utilidade turística prévia ou definitiva, constitui matéria alheia às competências atribuídas à Autoridade Tributária.
Efetivamente, a causa de pedir não decorre da violação ou inobservância de qualquer norma jurídico-tributária (v.g. CIMT ou do artiga 20º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12) ou dos princípios gerais de tributação previstos no artigo 55º da LGT (legalidade, justiça, igualdade ou proporcionalidade), em que a AT tenha incorrido no ato de liquidação decorrente da entrega da declaração modelo 1 de IMT n º 2017 /342168, e que importe a sua apreciação em sede de revisão oficiosa - e nem a R. invoca a existência de qualquer erro na liquidação de IMT que seja imputável aos serviços tributários.
Significa isso que a interpretação do n º 1 do artigo 10 ° do Decreto-lei n º 423/83, de 5/12, na ótica do Turismo de Portugal, IP, como razão do atraso na obtenção e publicação do despacho qualificativo de utilidade turística prévia atribuída ao referido empreendimento (cf. despacho de utilidade turística n.º.../2018, publicado no Diário da República, 2º série – Nº 10 –...de 2018), ou a inaplicação concreta da versão atualista da tutela relativamente ao mesmo normativo legal, não constituem vícios de ilegalidade assacáveis ou próprios do ato tributário de liquidação de IMT questionado nos autos.
A Revisão Oficiosa não constitui, pois, o meio processual adequado para dirimir a problemática conexa com a eventual prejudicialidade decorrente da aplicação concreta das interpretações do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, que a R. invoca como fundamento da anulação total da liquidação de IMT e consequente reconhecimento do benefício de isenção de IMT previsto no artigo 20º, deste mesmo diploma legal.

2 – Despacho de utilidade turística – produção de efeitos tributários.
Sem conceder, mesmo que assim não fosse, o artigo 2º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, é claro: os efeitos da UT só se produzem após a publicação em Diário da República.
Quer a título prévio, quer a título definitivo, a atribuição de utilidade turística só produz efeitos tributários (obtenção dos benefícios fiscais previstos no artigo 20ºdo Decreto-lei n.º 423/83) após a prévia publicação obrigatória no Diário da República do despacho (ato administrativo casuístico) da tutela competente (cf. artigo 2º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12), que documentará a outorga de escritura pública ou outra forma legalmente admitida de transmissão onerosa de bens imóveis destinados à instalação de empreendimentos turísticos, sob pena de inexistência jurídica conducente à ineficácia jurídico-tributária de eventuais benefícios fiscais reconhecidos.
Após a publicação oficial do despacho de utilidade turística, o reconhecimento automático da isenção de IMT e redução a 1/5 do Imposto de Selo fica também, e ainda, condicionada ao fim para que foi concedido (efetiva instalação do estabelecimento hoteleiro) e à realização deste fim (abertura ao público do estabelecimento) no prazo previamente fixado no despacho de utilidade turística pelo titular que constar desse mesmo ato administrativo (cf. n.º 1 do artigo 20º: n º 1 do artigo 31º, ambos do Decreto-lei n.º 423/83).
Reconhecer automaticamente uma isenção de IMT e a redução de imposto de selo sem a prévia publicação do despacho de utilidade turística seria atribuir benefícios que não resultam direta e imediatamente da lei (n.º 1 do artº 4º do EBF) pelo que tal ato consubstanciaria, inequivocamente, a concessão de um benefício fiscal inexistente no ordenamento jurídico-tributário.
Conclusivamente, por inexistência de erro imputável aos serviços na liquidação questionada, e por não constituir o meio processual adequado à discussão da invocada prejudicialidade das interpretações da tutela sobre o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, o pedido está votado ao seu indeferimento total.

X) Em 15-01-2018, foi publicado no Diário da República, II Série, o Despacho n.º.../2018, da Senhora Secretária de Estado do Turismo, que atribuiu «a utilidade turística prévia ao Hotel B...».

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações desta que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto alegada pela Requerente.

3 - Matéria de direito
3.1. A questão colocada e posições das Partes

A Requerente adquiriu terrenos para construção de um empreendimento turístico, denominado Hotel B..., com a categoria de 5 estrelas, tendo sido liquidado IMT em 26-10-2017, no valor de € 682.500,00, na sequência de impulso da Requerente, que pagou a quantia referida.
Em 27-10-2017, formalizou a aquisição onerosa dos bens imóveis U-... e U-...,...,....

O artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, estabelece benefícios fiscais, que consistem na isenção de IMT ([1])e redução a um quinto do Imposto do Selo para «as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento».

O artigo 10.º, do mesmo diploma estabelece que «a atribuição da utilidade turística a título prévio pode ser requerida com base no anteprojecto aprovado do empreendimento» (n.º 1), ficando a utilidade turística atribuída condicionada à aprovação do respectivo projecto (n.º 2).

Na data em que foi liquidado o imposto, não tinha sido atribuída utilidade turística, mesmo a título prévio, ao empreendimento referido, nem tinha sido requerida a sua atribuição.

Como explicou a Requerente, o reconhecimento da utilidade turística prévia do Hotel B... teve de aguardar pela aprovação camarária do respetivo projecto de arquitetura, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, na interpretação que até então dele fazia o Turismo de Portugal I. P., que era no sentido de não ser admitida a possibilidade de atribuição da utilidade turística prévia em momento anterior ao da aprovação do projecto de arquitetura.

Por despacho de 07-12-2017, a Senhora Secretária de Estado do Turismo publicitou uma interpretação actualista do artigo 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, passando a adoptar o seguinte entendimento:

«Considera-se preenchida a previsão do artigo 10.º, n.º 1, do DecretoLei n.º 423/83, de 5 de dezembro, quando o pedido de atribuição da utilidade turística a título prévio seja instruído com os seguintes documentos:
a) Comprovativo da entrega na câmara municipal competente do projeto de arquitetura do empreendimento;
b) Parecer prévio favorável do Turismo de Portugal, I. P., sobre o referido projeto de arquitetura;
c) Comprovativo da prestação de caução a favor do Turismo de Portugal, I. P., com o valor a que se refere o número seguinte, que acompanha o prazo de validade da utilidade turística prévia, para garantia da execução pelo requerente das diligências adequadas à aprovação do projeto de arquitetura pela autarquia competente.

Na sequência desta interpretação, o Turismo de Portugal, I.P., passou a permitir a possibilidade de atribuição da utilidade turística prévia em fase anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura, bastando-se com o simples comprovativo da entrega do mesmo na Câmara Municipal competente.

Antes de a Câmara Municipal de... ter aprovado o projecto de arquitectura, já o Turismo de Portugal, I.P., se tinha pronunciado, em 15-05-2017, nos termos e para os efeitos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º.../2008, de 7 de março, emitindo parecer favorável ao projeto de arquitetura com vista à instalação do Hotel B..., e atribuindo-lhe, em projecto, a classificação de Hotel de 5 estrelas.

Os atrasos na aprovação camarária do projecto e o concomitante atraso do reconhecimento da utilidade turística prévia assentaram essencialmente nas múltiplas vicissitudes a que o projeto se achou sujeito, resultantes da difícil conjugação entre interesses difusos de diferentes entidades, públicas e privadas.

A Requerente pediu a revisão oficiosa da liquidação, que não foi apreciada no prazo legal, tendo impugnado o indeferimento tácito.

Depois de formado o indeferimento tácito, foi proferida decisão expressa de indeferimento.

A Requerente defende, em suma, que detinha as condições para ser atribuída utilidade turística ao empreendimento referido e que o atraso na aprovação do projeto de arquitetura que não relevaria na celeridade do processo de obtenção do despacho de qualificação de utilidade turística se, à data dos factos, o entendimento do Turismo de Portugal, I.P.. fosse o que veio a ser adoptado no despacho da Senhora Secretária de Estado do Turismo, que se referiu.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão oficiosa por entender, em suma que:
– os procedimentos de atribuição (incluindo a respetiva instrução) de utilidade turística prévia ou definitiva, constitui matéria alheia às competências atribuídas à Autoridade Tributária;
– a Revisão Oficiosa não constitui o meio processual adequado para dirimir a problemática conexa com a eventual prejudicialidade decorrente da aplicação concreta das interpretações do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, que a R. invoca como fundamento da anulação total da liquidação de IMT e consequente reconhecimento do benefício de isenção de IMT previsto no artigo 20º, deste mesmo diploma legal;
– mesmo que assim não fosse, o artigo 2º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, é claro:
os efeitos da UT só se produzem após a publicação em Diário da República;
– reconhecer automaticamente uma isenção de IMT e a redução de imposto de selo sem a prévia publicação do despacho de utilidade turística seria atribuir benefícios que não resultam direta e imediatamente da lei (n.º 1 do artº 4º do EBF) pelo que tal ato consubstanciaria, inequivocamente, a concessão de um benefício fiscal inexistente no ordenamento jurídico-tributário.
– conclusivamente, por inexistência de erro imputável aos serviços na liquidação questionada, e por não constituir o meio processual adequado à discussão da invocada prejudicialidade das interpretações da tutela sobre o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, o pedido está votado ao seu indeferimento total.

Nas suas alegações, a Requerente defende, em suma, o seguinte:
– a liquidação só foi emitida porque, à data, os serviços não permitiam a atribuição da UT prévia em momento anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura, que a CM de... demorou mais de 2 anos a aprovar;
– as demoras na aprovação camarária do projeto de arquitetura e a concomitante demora do reconhecimento da utilidade turística prévia configuram, em sentido próprio, “erro imputável aos serviços";
– o atraso na fixação da interpretação atualista do despacho de 7 de dezembro de 2017 da Secretária de Estado do Turismo, que impediu a ora requerente de obter a atribuição de UT prévia antes da aprovação do projeto de arquitetura pela CM, em outubro de 2017, quando adquiriu os lotes de terreno e iniciou os trabalhos de escavação e contenção a que estava obrigada, configura, em sentido próprio, “erro imputável aos serviços;
– o entendimento vigente no seio do Turismo de Portugal até 7 de dezembro de 2017, que impediu que a requerente contasse já com a atribuição da UT prévia à data da aquisição, é confessadamente contrário à lei e, por isso, configura, em sentido próprio, “erro imputável aos serviços";
– o “erro imputável aos serviços" compreende qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo, que assim se considera imputável à própria administração, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas, entidades ou organismos que, em sentido amplo, a integram;
– todos os erros das liquidações que tenham conduzido à cobrança de impostos indevidos à face da lei devem ser corrigidos, dentro do prazo em que a revisão é possível;
– o pedido de revisão constituiu meio procedimental adequado para requerer a anulação de um tributo que apenas foi liquidado por motivos não imputáveis à requerente, conduzindo à cobrança de IMT de € 682.500,00 que se afigura ostensivamente indevido à face da realidade substantiva devidamente descrita e comprovada nos presentes autos;
– a requerente peticionou a anulação da liquidação “atenta a injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida em face da realidade.";
– o dever de atuar em sintonia com o princípio da justiça, impõe que o dever de revisão seja estendido a todas as situações em que há excesso de liquidação, pelo que a revisão seria sempre adequada à pretensão suscitada pela requerente ainda que não houvesse erro dos serviços;
– face ao princípio da justiça, e não contestando a AT que se verificam reunidos e consumados todos os pressupostos subjacentes à isenção, há que permitir a anulação da liquidação ora em crise, sob pena de se manter uma situação francamente injusta, frontalmente violadora do disposto no artigo 55° da LGT;
– a injustiça grave é particularmente notória quando se constata que a requerente só não obteve a UT em data anterior à da aprovação do projeto de arquitetura pela Câmara, em outubro de 2017, apesar de há muito se acharem reunidos todos os pressupostos materiais para a sua atribuição, porque à data o TP não a concedia sem essa aprovação camarária, contrariamente ao sentido da lei tal como posteriormente secundado pelo mesmo TP;
– consentir que a compra dos lotes para instalação do empreendimento turístico da ora requerente não possa beneficiar da isenção de IMT, apenas porque à data a UT dependia da aprovação camarária do projeto de arquitetura, mas que, em 2018, a aquisição de outros lotes para instalação de outro empreendimento já poderá, apenas porque, a essa data, a UT já não depende de prévia aprovação do projeto de arquitetura pela CM, mas da sua mera apresentação, constituiria uma flagrante violação do princípio da igualdade;
– da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de aplicar o princípio da legalidade fiscal não se cumpre plenamente com uma mera subordinação formal às normas, pois abrange também o dever de ter em conta as consequências dessa aplicação, sendo de rejeitar a aplicação estrita das normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto;
– seria manifestamente injusto negar a isenção com base no atraso – absolutamente não imputável à requerente e por escasso número de dias – da atribuição da UT prévia, quando esta teve de aguardar pela aprovação do projeto de arquitetura na Câmara Municipal;
– a cominação desse atraso com um tributo no valor de € 682.500,00, que de outro modo não seria devido, é manifestamente excessivo e desproporcionado, quando se constata ser diminuto o seu hiato temporal e compreensíveis as suas razões, já tratadas nestes autos de forma exaustiva;
– a aquisição dos terrenos destes autos, desde sempre destinados à instalação do Hotel B..., de reconhecida utilidade turística, está abrangida pela isenção de IMT prevista n.º 1 do artigo 20º do DL 423/83, sob pena de se gerar uma situação de injustiça grave e notória, por causa não imputável à requerente, em virtude de uma leitura da norma de isenção que claramente desrespeita os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade;
– os promotores turísticos que paguem imposto pela aquisição dos prédios com destino à instalação de estabelecimentos turísticos não se acham impedidos de, mais tarde, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística;
– se o artigo 20º do DL 423/83 na sua literalidade não prevê esse mecanismo, deve então entender-se, no caso concreto dos presentes autos, como desadequado ao seu fim, e violador dos cânones de proporcionalidade a que a lei ordinária está constitucionalmente obrigada;
– em face de todo o exposto, a compra dos terrenos para construção em que o Hotel B... se está a implantar está inequivocamente isenta de IMT, pelo que deve a liquidação aqui em crise, que tal isenção não contemplou, ser anulada, atenta a injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida em face da realidade substantiva supra descrita e demonstrada.

3.2. Fundamentos de revisão oficiosa admissíveis
O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Revogado.
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

O n.º 1 deste artigo 78.º estabelece o dever o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. ([2])

«Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de actos ilegais ([3]).

Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais.

A revisão do acto constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.

No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) ([4]) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).

Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto.

A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).([5])

Assim, conclui-se que a revisão oficiosa é um meio que pode ser utilizado pela Requerente para obter a declaração da ilegalidade do acto de liquidação.

Mas, a utilização deste meio processual, quando o pedido é apresentado após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, é limitada também quanto aos fundamentos de impugnação, que deixam de ser «qualquer ilegalidade» (c0mo sucede quanto aos pedidos apresentados naquela prazo) para passar a ser apenas o «erro imputável aos serviços».

É um regime que se justifica pela velha máxima «Dormientibus non sucurrit jus» que explica a preclusão de direitos por falta de exercício tempestivo, em benefício da segurança jurídica imprescindível no fundamento geral da sociedade.

«Com efeito, como sucede, em regra, com a generalidade dos direitos, o decurso do tempo pode provocar a sua extinção, e, nomeadamente no caso da cobrança dos tributos, o interesse público reclama que, em regra, haja uma rápida definição dos direitos dos entes públicos, para poderem eficazmente programar as suas actividades e aplicarem as quantias cobradas à satisfação os interesses públicos que visam prosseguir.

A fixação de qualquer prazo para impugnação de decisões administrativas constitui a determinação de um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anulado o acto que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias. O peso deste último interesse acentua-se com o decurso do tempo e a fixação do prazo legal deve corresponder ao ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, permitindo aos interessados o direito de impugnação contenciosa enquanto não houver razões de segurança jurídica que se lhe sobreponham.

No caso dos actos tributários, o limite máximo admitido para impugnação de actos anuláveis é o previsto para a reclamação graciosa, que pelo art. 70.º, n.º 1, do CPPT, está fixado em 120 dias a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do mesmo Código». ([6])

Isto é, exige-se a quem é titular de direitos o dever de diligenciar para que eles sejam reconhecidos, para evitar as perturbações da ordem jurídica que a indesejável instabilidade de actos administrativos e tributários provoca.

Esse dever é explicitamente afirmado no âmbito das relações jurídicas administrativas no artigo 4.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, ao estabelecer que «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída». O antecedente artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48051 já o afirmava também: «... o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto».

O n.º 4 deste artigo 78.º confirma a opção legislativa de penalizar com perda de direitos de impugnação de actos tributários a negligência do contribuinte, pois mesmo nos casos de injustiça grave ou notória, apenas permitir a revisão se «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». ([7])

A fixação do prazo de 120 dias no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT tem ínsito o entendimento legislativo de que, após o seu decurso, já se justifica, numa ponderação conjunta dos interesses conflituantes do contribuinte e da administração tributária, que as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários prevaleçam sobre os direitos de impugnação.

A esta luz, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o artigo 70.º, n.º 1, do CPPT, que prevê o prazo de 120 dias para a apresentação de reclamação graciosa, quantificam temporalmente o dever de diligência dos sujeitos passivos, limitando os direitos de impugnação contenciosa quando eles não agem com a diligência aí pressuposta como sendo exigível.

Na verdade, é por não se poder fazer uma censura ao sujeito passivo a nível do cumprimento dos deveres de diligência que no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT se prevê que, nos casos de documento ou sentença superveniente o prazo de 120 dias só se começar a contar «a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto», apesar de as exigências de segurança jurídica não deixarem de valer a partir do termo inicial normal aplicável, determinado pelos factos arrolados no n.º 1 do artigo 102.º do mesmo Código. ([8])

Assim, no caso em apreço, a possibilidade de revisão oficiosa depende da existência de um «erro imputável aos serviços».

3.3. Questão da existência ou não de erro imputável aos serviços
O primeiro fundamento invocado na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é o da inexistência de erro imputável aos serviços.

A Requerente defende nas suas alegações, em suma, que existiu erro imputável aos serviços porque qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo, que assim se considera imputável à própria administração, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas, entidades ou organismos que, em sentido amplo, a integram.

O erro dos serviços deve ser entendido como o que resulta de um funcionamento anormal dos serviços globalmente considerados, como há muito vinha sendo entendido pela jurisprudência e actualmente tem afloramento explícito no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 67/2007, de 31-12-2017, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

Mas, para existir erro imputável aos serviços num acto de liquidação de um tributo é necessário, naturalmente, que exista um erro.

Em regra, «a liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida» (artigo 19.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis).

Foi isso que sucedeu no caso em apreço, como a Requerente refere no pedido de pronúncia arbitral, ao dizer que impulsionou a liquidação.

No caso em apreço, não é imputada à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer ilegalidade na emissão da liquidação de IMT, que foi efectuada de acordo com os elementos fornecidos pela Requerente.

Por outro lado, não se encontra na liquidação impugnada qualquer erro, designadamente por não aplicação da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

Na verdade, como resulta do teor expresso do artigo 2.º deste diploma, «a utilidade turística é atribuída por despacho do membro do Governo com tutela sobre o sector do turismo» e «os despachos de atribuição, confirmação e revogação da utilidade turística serão obrigatoriamente publicados no Diário da República, só produzindo efeitos a partir da data da sua publicação».

Como resulta do teor expresso destas normas, para usufruir da atribuição de utilidade turística não basta preencher os requisitos legais, sendo imprescindível que haja um acto de atribuição e, mesmo depois de ele ter sido praticado, os efeitos só se produzem depois da publicação.

Isto é, sem a publicação, não podem ser reconhecidos efeitos mesmo a um hipotético acto de atribuição já existente e, por maioria de razão, a um acto de atribuição inexistente.

Por isso, não tem razão a Requerente ao aludir a «injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida em face da realidade», e que estavam «reunidos e consumados todos os pressupostos subjacentes à isenção», pois a realidade relevante para este efeito não é a mera existência dos requisitos que permitem obter a atribuição de utilidade turística, mas sim a sua efectiva atribuição por despacho da entidade competente e sua subsequente publicação.

Assim, não tendo sido publicado despacho a atribuir a utilidade turística quando foi emitida a liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia, sem violar a lei, reconhecer à Requerente um benefício fiscal que depende da prévia publicação daquele despacho.

Os eventuais erros administrativos que possam ter prejudicado a Requerente obstando a que pudesse ter sido publicado um despacho a atribuir a utilidade turística ao empreendimento antes da que emissão da liquidação efectuada por sua iniciativa, poderão ser fundamento de ressarcimento a outro título, mas não afastam a constatação de que não havia sido publicado qualquer despacho, que é condição para usufruir da atribuição de utilidade turística.

Assim, a liquidação impugnada não enferma de qualquer erro de facto ou de direito, pois foi efectuada de acordo com o previsto na lei, designadamente quanto ao benefício fiscal em causa. A Autoridade Tributária e Aduaneira fez precisamente aquilo que deveria ter feito, perante a iniciativa da Requerente de impulsionar a liquidação em momento em que ainda não produzia efeito qualquer despacho de atribuição de utilidade turística ao empreendimento a que a Requerente destinava os prédios que adquiriu.

Pelo exposto, tem de se concluir que não se verifica o requisito da revisão oficiosa de actos de liquidação, que é a existência de erro imputável aos serviços.

3.4. Questão da violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade
A Requerente defende que «o dever de atuar em sintonia com o princípio da justiça, impõe que o dever de revisão seja estendido a todas as situações em que há excesso de liquidação, pelo que a revisão seria sempre adequada à pretensão suscitada pela requerente ainda que não houvesse erro dos serviços».

Isto é, a Requerente pretende que, mesmo sem erro da liquidação, seja efectuada revisão, com fundamento nos princípios da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.

Antes de mais, é que notar que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se limita à declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Essa competência poderá estender-se, como se tem entendido, à apreciação da legalidade de actos de segundo grau, designadamente proferido em procedimento de revisão do acto tributário, na medida em que contenham um acto daqueles tipos.

Mas, estará fora do âmbito dos poderes de cognição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, por a lei não lhes atribuir essa competência, declarar a ilegalidade de actos de segundo grau com fundamento em vícios autónomos destes, vícios que não sejam também vícios dos actos de liquidação por eles apreciados.

Assim, a questão de violação daqueles princípios equacionada pela Requerente, apenas pode ser apreciada sob a perspectiva de que está a imputar à liquidação esses vícios de violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.

3.4.1. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade impõe aos órgãos da Administração Pública o dever de «atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins» [artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

Pelo que se disse, o princípio da legalidade não foi violado, antes foi materializado na liquidação, não aplicando uma norma que prevê benefícios fiscais numa situação em que não estavam reunidos os seus pressupostos, designadamente a publicação do despacho de atribuição de utilidade turística, que não tinha ocorrido à data da liquidação.

Por isso, a liquidação impugnada não enferma de vício por violação deste princípio.

3.4.2. Princípio da igualdade
O princípio da igualdade, como princípio que deve reger a actividade da Administração Pública, o artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, estabelece que «nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Não se demonstrou, nem é alegado, que a Autoridade Tributária e Aduaneira alguma vez, antes ou depois da publicação do despacho da Senhora Secretária de Estado do Turismo de 07-12-2017, tivesse aplicado a isenção em causa antes de estar publicado o despacho de atribuição de utilidade turística, pelo que não se demonstra violação deste princípio, pela liquidação impugnada.

Por outro lado, a situação jurídica de quem diligenciou no sentido de obter a atribuição de utilidade turística eficaz (após publicação) no momento em que adquiriu os imóveis necessários para o empreendimento turístico, não é idêntica à de quem não teve essa diligência e não a obteve a tempo de poder usufruir do benefício fiscal no momento da aquisição.

3.4.3. Princípio da justiça
A Requerente defende que se está perante uma «injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida».

Sobre o princípio da justiça, o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que «a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação»

Neste caso, a justiça aplicável à generalidade dos cidadãos, materializa-se com a aplicação da tributação prevista na lei em situação em que se verifica um facto tributário que evidencia a capacidade contributiva pressuposta na previsão de tributação.

Os benefícios fiscais são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Como excepções ao princípio da generalidade da tributação com base na capacidade contributiva evidenciada pelo sujeito passivo, os benefícios fiscais não são estabelecidos por razões de justiça.

Neste contexto, a aplicação da tributação prevista na lei para a generalidade dos cidadãos em situação em que não se verificam os requisitos que permitem aplicar uma isenção, não se afigura como tratamento injusto.

Na verdade, ao contrário do que defende a Requerente, a tributação era devida, porque, no momento em que ocorreu o facto tributário, não estavam reunidos os requisitos para aplicação da isenção, designadamente uma decisão administrativa publicada no Diário da República que atribuísse a utilidade turística.

De resto, o facto de o Turismo de Portugal, I.P. não atribuir a utilidade turística sem a aprovação do projecto de arquitectura, se fosse ilegal, não seria um obstáculo insuperável a que a Requerente pudesse obter essa atribuição com uso dos meios contenciosos administrativos que possibilitam a obtenção de tutela plena dos direitos dos administrados, independentemente do entendimento das entidades administrativas.

Assim, não se demonstra violação do princípio da justiça pela liquidação impugnada.

3.4.4. Princípio da proporcionalidade
O artigo 7.º do CPA estabelece o seguinte, sobre o princípio da proporcionalidade:

Artigo 7.º
Princípio da proporcionalidade

1 - Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.

2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.

Não se vislumbra como a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao emitir a liquidação impugnada na sequência da apresentação pela Requerente da declaração modelo 1 de IMT, nos termos do artigo 19.ºdo CIMT, possa violar este princípio, pois o fim prosseguido foi a arrecadação da receita de IMT que devia ser liquidada, sendo precisamente para essa finalidade que a Requerente apresentou a declaração.

Na verdade, não se vê como é que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia atingir o fim que devia prosseguir (arrecadar o IMT de acordo com a declaração apresentada) sem emitir a liquidação nos precisos termos em que o fez.

Por outro lado, o montante do imposto não pode ser considerado exagerado, em face do valor da aquisição, que era de 10.500.000,00. A taxa do IMT de 6,5% que foi aplicada é mesmo pouco superior à aplicável à aquisição de imóveis destinados a habitação.

Assim, não se demonstra violação do princípio da proporcionalidade.

3.5. Questão da inconstitucionalidade do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro
A Requerente defende que «os promotores turísticos que paguem imposto pela aquisição dos prédios com destino à instalação de estabelecimentos turísticos não se acham impedidos de, mais tarde, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística» e que «se o artigo 20º do DL 423/83 na sua literalidade não prevê esse mecanismo, deve então entender-se, no caso concreto dos presentes autos, como desadequado ao seu fim, e violador dos cânones de proporcionalidade a que a lei ordinária está constitucionalmente obrigada».

Segundo se depreende, a inconstitucionalidade que a Requerente imputa a este artigo 20.º, na implicará a sua invalidade (se a norma for inconstitucional, não haverá suporte normativo para a aplicação de uma isenção), mas resultará de não se prever neste diploma a possibilidade de «mais tarde, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística».

A ser assim, a inconstitucionalidade que a Requerente imputa a este artigo 20.º (ou a qualquer outra norma ou normas deste diploma) será uma inconstitucionalidade por omissão, que apenas pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, em processo próprio (artigo 283.º da CRP).

Pelo exposto, não se toma conhecimento desta questão.

4 - Decisão

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

5 - Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 682.500,00.

6 - Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.


[1] Com actualização da referência a Sisa, nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
[2] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do STA de 11-05-2005, proferido no recurso n.º 0319/05, e de e 12-07-2006, processo n.º 0402/06.
[3] Aliás, a existência de um dever de revogação de actos administrativos ilegais tem vindo a ser defendida por parte da doutrina.
Defendendo a existência de um dever de revogação de actos ilegais, podem ver-se:
– ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos administrativos, 2.ª edição, páginas 255-268.
– MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Considerações sobre a Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso, páginas 12-14;
– PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, volume II, páginas 582-583;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, páginas 613-614;
– FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 463-465.
[4] Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art. 78.º da LGT à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos artigos 184.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no citado processo n.º 0402/06.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-04-2009, proferido no processo n.º 065/09, em que se acrescenta, em nota de rodapé, que «relativamente aos actos nulos, pela sua raridade, não se levantam preocupações legislativas em limitar a sua impugnabilidade, por serem também raros e, por isso, quantitativamente limitados e suportáveis os efeitos nocivos que podem advir de uma impugnação tardia».
[7] É de notar que a possibilidade de revisão oficiosa prevista no n.º 4, em que se estabelece que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte» não tem aplicação no caso em apreço, pois não se está perante uma questão de apuramento da matéria.
[8] Neste caso, mesmo que se considerasse o despacho da Senhora Secretária de Estado como «documento...superveniente», para efeitos de determinação do termo inicial do prazo de 120 dias, com aplicação do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT, teria de se constatar que o prazo de reclamação graciosa foi largamente excedido, pois o despacho foi publicitado em 15-12-2017 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 16-07-2018, 203 dias depois.
De qualquer modo, também nesta hipótese, a revisão oficiosa só é permitida «com fundamento em erro imputável aos serviços», de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Acórdão n.º 81/2019-T do CAAD, de 28 de junho

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Adelaide Moura e Dr.
João Marques Pinto (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-04-2019, acordam no seguinte:

1 – Relatório
A…, S.A., NIF…, com sede na Rua…, n.º…,…-……, doravante designada por “Requerente", apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT") pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) de 26 de outubro de 2017, no montante de € 682.500,00, bem como o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-02-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-04-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23-04-2019.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, com que juntou uma decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa e defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 29-05-2019 foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas, nos termos dos artigos 120.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2 – Matéria de facto
2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
A) A Requerente é uma sociedade que se dedica à construção, administração e exploração de empreendimentos turísticos;

B) Por escritura lavrada em 27 de outubro de 2017, a Requerente adquiriu os prédios urbanos, compostos de lotes de terreno para construção de hotel e clube de golfe, designados por parcelas E F, descritos na CRP de…, sob o n.º… da freguesia de…, e inscritos na matriz predial urbana da mesma freguesia sob os artigos n.º… e…, pelo preço de € 10.500.000,00 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
(documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C) Sobre esses terrenos a Requerente está a instalar o empreendimento turístico que virá a ser conhecido por Hotel B…, integrado no Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da… que o prevê (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D) Ao projeto turístico em que o Hotel B… se insere o Governo reconheceu o relevante interesse geral e atribuiu o estatuto de projeto de interesse nacional – PIN (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

E) Ao Hotel B… foi atribuída utilidade turística prévia por despacho de 20-12-2017 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F) Em 26-10-2017, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de… a declaração modelo 1 de IMT que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

G) Com base naquela declaração foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação de IMT com o número de identificação…, no valor de € 682.500,00, cuja cópia consta do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

H) O reconhecimento da utilidade turística prévia do Hotel… que a Requerente está a edificar aguardou pela aprovação camarária do respetivo projeto de arquitetura nos termos do n.º 1 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, pois a Requerente conhecia a interpretação na interpretação que até então dele fazia o Turismo de Portugal I. P., n sentido de a atribuição da utilidade turística a título prévio só pode ser requerida com base no projecto aprovado do empreendimento;

I) Essa aprovação foi objeto de sucessivos atrasos que conduziram a que, desde a data da sua apresentação na Câmara Municipal de… (CM), em Agosto de 2015, à data da sua aprovação, em 20-10-2017, decorressem mais de dois anos (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

J) Após a emissão do Alvará de Obras de Urbanização n.º…/2012, seguido do Alvará de Licenciamento de Reparcelamento n.º…/2015, ambos pela CM de… (documentos n.ºs 9A e 9B juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos que junta), o projeto de arquitetura para instalação do Hotel B… foi apresentado, mas demorou mais de dois anos até merecer aprovação camarária;

K) Entretanto, o Turismo de Portugal reviu a sua posição, sancionando, com efeitos somente a partir de 7 de Dezembro de 2017, uma interpretação actualista do referido artigo 10.º que passou a permitir a possibilidade de atribuição da utilidade turística prévia em fase anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura, bastando-se com o simples comprovativo da entrega do mesmo na Câmara Municipal competente (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

L) No Diário da República, II Série, de 15-12-2017, foi publicado o Despacho n.º 11007/2017, da Senhora Secretária de Estado do Turismo, com o seguinte teor:

Gabinete da Secretária de Estado do Turismo
Despacho n.º 11007/2017

O Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, que consagra o regime jurídico da utilidade turística, estabelece no seu artigo 7.º, n.º 1, que a mesma pode ser atribuída a título prévio ou definitivo.
A utilidade turística atribuída a título prévio tem sempre um caráter precário, ficando os respetivos efeitos subordinados à condição resolutiva da sua confirmação (artigo 7.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 423/83).
O artigo 10.º deste mesmo diploma prevê a possibilidade de a utilidade turística prévia ser requerida com base no anteprojeto aprovado do empreendimento, ficando, neste caso, a utilidade turística atribuída condicionada à aprovação do respetivo projeto.
Com efeito, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 423/83, o anteprojeto correspondia a uma fase do processo de licenciamento dos empreendimentos turísticos, a que se seguia a fase de projeto, sob pena de caducidade.
Competia à então Direção-Geral do Turismo aprovar quer o anteprojeto quer o projeto.
Com a evolução legislativa registada em matéria de licenciamentos, a figura do anteprojeto deixou de estar regulada legalmente, pelo que deve proceder-se a uma interpretação atualista do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 423/83, que permita equiparar a fase do anteprojeto a uma das fases do processo de licenciamento atualmente previstas.
Ora, se analisarmos comparativamente os regimes, a decisão da então Direção – Geral do Turismo sobre o anteprojeto corresponde atualmente ao parecer favorável do Turismo de Portugal, I. P., relativamente a um projeto de arquitetura no âmbito de um processo de licenciamento que se encontre formalmente a correr na câmara municipal competente tendo em vista a instalação de um empreendimento turístico.
Assim, considerando que:
a) O artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, prevê a possibilidade de a utilidade turística prévia ser atribuída com base no anteprojeto aprovado, ficando neste caso condicionada à aprovação do respetivo projeto, sob pena de caducidade;
b) O anteprojeto correspondia a uma fase do processo de licenciamento dos empreendimentos turísticos, anterior à fase de projeto, sem correspondência no ordenamento jurídico atual;
c) É necessário proceder a uma interpretação atualista do artigo 10.º do DecretoLei n.º 423/83, de 5 de dezembro, sob pena de se contrariar a ratio da lei, ao não admitir a possibilidade de atribuição da UT prévia – por natureza provisória e precária – em momento anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura;
d) Importa salvaguardar as situações em que o projeto não venha a ser aprovado, de forma que não haja qualquer prejuízo para o Estado;
e) Nos termos do referido Decreto-Lei n.º 423/83 podem ser impostas condições à atribuição da UT, pelo que deverá ser exigida uma garantia a favor do Estado que salvaguarde as situações em que não exista aprovação final do projeto, promovendo, assim, um nível de proteção superior às situações em que havia anteprojeto aprovado:
Determino:
1 – Considera-se preenchida a previsão do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, quando o pedido de atribuição da utilidade turística a título prévio seja instruído com os seguintes documentos:
a) Comprovativo da entrega na câmara municipal competente do projeto de arquitetura do empreendimento;
b) Parecer prévio favorável do Turismo de Portugal, I. P., sobre o referido projeto de arquitetura;
c) Comprovativo da prestação de caução a favor do Turismo de Portugal, I. P., com o valor a que se refere o número seguinte, que acompanha o prazo de validade da utilidade turística prévia, para garantia da execução pelo requerente das diligências adequadas à aprovação do projeto de arquitetura pela autarquia competente.
2 – O montante da caução a prestar corresponde ao valor da totalidade dos benefícios fiscais a auferir pela beneficiária em sede de IMI e, sendo o caso, IMT, o qual deve ser comunicado ao Turismo de Portugal, I. P., por aquela, acompanhado da demonstração do cálculo realizado.
3 – A utilidade turística a título prévio atribuída nos termos dos números anteriores fica sempre condicionada à aprovação do projeto de arquitetura, caducando todos os benefícios fiscais que tenham sido atribuídos caso o mesmo não venha a ser aprovado.
4 – Com o comprovativo da aprovação do projeto de arquitetura pela autarquia competente é libertada a caução pelo Turismo de Portugal, I. P.
5 – O montante da caução prestada reverte a favor da Autoridade Tributária, devendo ser entregue pelo Turismo de Portugal, I. P., àquela entidade, no prazo de 30 dias, caso a mesma venha a ser executada.
6 – O presente despacho produz efeitos a partir da data da sua assinatura.
7 de dezembro de 2017. – A Secretária de Estado do Turismo, Ana Manuel Jerónimo Lopes Correia Mendes Godinho.

M) Antes de a Câmara Municipal de… ter aprovado o projecto de arquitectura, já o Turismo de Portugal se tinha pronunciado, em Maio de 2017, nos termos e para os efeitos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º…/2008, de 7 de março, emitindo parecer favorável ao projeto de arquitetura com vista à instalação do Hotel B…, e atribuindolhe, em projeto, a classificação de Hotel de 5 estrelas (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

N) À data em que o projeto de arquitetura foi apresentado à Câmara Municipal de…, era aplicado o entendimento do Turismo de Portugal de que a atribuição de utilidade turística prévia dependia da respectiva aprovação prévia pela mesma CM;

O) Só com o despacho de… de Dezembro de 2017 da Secretária de Estado do Turismo é que passou a prevalecer o entendimento de que a utilidade turística prévia pode ser atribuída mediante simples apresentação do comprovativo da entrega do projeto de arquitetura na CM competente;

P) O atraso na execução da construção do Hotel poria em causa o sucesso do Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da…;

Q) Os atrasos na aprovação camarária do projecto e o concomitante atraso do reconhecimento da utilidade turística prévia assentam essencialmente em vicissitudes a que o projecto se achou sujeito, resultantes de contestação por ambientalistas (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

R) A Requerente já quando adquiriu os terrenos tinha a intenção de construção do novo Hotel B…, com a categoria 5 estrelas (documentos n.ºs 13A a 13D juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

S) O empreendimento turístico galardoado com dois prémios da European Property Awards (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspeção à Requerente em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

U) No dia 06 de Julho de 2018, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação do IMT (documento n.º 1A, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que consta também do processo administrativo);

V) O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 11-02-2019, data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

W) O pedido de revisão oficiosa veio a ser indeferido por despacho de 21-02-2019, com remissão para a fundamentação de uma informação que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

1 – A Requerente (doravante designada por R.) supra identificada, solícita, em síntese, a Revisão Oficiosa da liquidação de IMT impulsionada pela entrega da declaração modelo 1 n.º…, de 26-10-2017, no valor de € 682.500,00.
2 – Fundamento do pedido.
No âmbito da atividade de construção, administração e exploração de empreendimentos turísticos, em 27-12-2017, formalizou a aquisição onerosa dos bens imóveis U-… e U-…,….,…, destinados à instalação do empreendimento turístico, Hotel B…, cujo «projeto turístico em que (…) se insere o Governo reconheceu o relevante interesse geral e atribuiu o estatuto de projeto de interesse nacional – PIN» (cf. item 1.º, 2º 3º 4.º e 6º da PI de RO);
3 – O Turismo de Portugal, IP, em Agosto de 2015 (data em que submeteu o projeto de arquitetura do empreendimento à Câmara Municipal de…), interpretava o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, no sentido de condicionar a instrução do pedido de atribuição de utilidade turística prévia à efetiva aprovação do projeto de arquitetura (cf. itens 9º, 17º e 21 º da PI de RO);
4 – A interpretação atualista daquele normativo legal, no sentido de bastar o comprovativo da entrega, na câmara municipal competente, do projeto de arquitetura do empreendimento (anteprojeto) como elemento instrutório do pedido de atribuição da utilidade turística prévia, viria a ser sancionada por despacho proferido pela Secretária de Estado do Turismo e publicado no DR, com efeitos a partir de 07-12-2017 (cf. itens 11º, 13º, 14º e 18º da PI de RO)
5 – Com base na referida interpretação do Turismo de Portugal, IP, a R. «teve de aguardar pela aprovação camarária do respetivo projeto de arquitetura», ocorrida em outubro de 2017, verificando-se, portanto, um atraso superior a dois anos em relação à data de entrega do projeto na Câmara de…– Agosto de 2015 (cf. itens 8º, 9.º. e 10º, da PI de RO);
6 – Atraso na aprovação do projeto de arquitetura que não relevaria na celeridade do processo de obtenção do despacho de qualificação de utilidade turística se, à data dos factos, o entendimento do Turismo de Portugal, IP não contrariasse a ratio da lei (n.º 1 do artigo 10ºdo Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12) sancionada pela tutela, bastando-se com o comprovativo de entrega do projeto de arquitetura (cf. itens 15º 16º 19º, 21º, 22ºda PI de RO)
7 – O entendimento atualista do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, na versão da tutela «não logrou aplicar-se ao caso da requerente», mas tal inaplicação não pode prejudicar os direitos e expectativas legítimas da R., porque a condição de aprovação prévia do anteprojeto passou a reportar-se ao início de vigência do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7-3, correspondendo ao parecer do Turismo, favorável ao projeto de arquitetura nos termos do artigo 26º do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março (cf. itens 12º 13º, 14º, 15º, 16º, 19º, 20ºe 21º da PI de RO);
8 – Como o sucesso do Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da… e a viabilidade económico financeira do investimento estaria em causa devido ao atraso burocrático na construção do Hotel (cerne estratégico do projeto), e como «assumiu o compromisso com a cadeia hoteleira norte-americana C…» (…) «de iniciar as obras antes de 24 de maio de 2018 e de as concluir antes de 24 de maio de 2022», adquiriu, em 27-10-2017, os imóveis destinados à instalação do identificado empreendimento turístico (cf. itens 24 e 25 da PI de RH).
9 – Consequentemente, considera reunir os pressupostos legais de reconhecimento do benefício de isenção de IMT por lhe ser inimputável o público e notório atraso burocrático, fundado na interpretação do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12 (cf. itens 26º, 27º, 28º, 29º, 30º da PI de RO);
10 – Tanto mais que, considera, o empreendimento turístico de baixa densidade do edificado e fruição e sustentação dos valores ambientais, tais como o recurso à geotermia, constitui um instrumento económico de reconhecida relevância de interesse geral promotor do investimento e emprego no interior algarvio onde se insere, de combate à desertificação e assimetrias entre o interior e o litoral e de captação de novos mercados turísticos exigentes (cf. itens 31º a 36ºda PI de RO)
11 – Considerando, assim, demonstrado que a aquisição em causa beneficia da isenção de IMT prevista no artigo 20º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, por se destinarem à instalação do Hotel ao qual foi atribuída a qualificação de utilidade turística (cf. itens 5º e 6º da PI de RO);
12 – Benefício de isenção de IMT que, argumenta, não é prejudicada pela iniciativa de impulsionar a liquidação de IMT em causa, nem pela inaplicação concreta do entendimento atualista do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12 (cf. item 7.º, 29º 3, 38º da PI de RO);

PARECER.
1 – Improcedência do pedido de Revisão Oficiosa.

O procedimento de Revisão Oficiosa, previsto no artigo 78º da LGT, tem como fundamentos o erro (nos pressupostos de facto ou de direito) imputável aos serviços (cfr. parte final do n.º 1, do art. 78), a injustiça grave ou notória (cfr.n.º 4, do artº.78)
ou a duplicação de coleta (cfr.n.º 6, do artº. 78, da L.G.T)., isto é, apenas vícios de ilegalidade de que aqueles atos enfermem.
Do recorte dos fundamentos impulsionadores do procedimento da Revisão Oficiosa, previsto no artigo 78º da LGT, sob a epígrafe Revisão dos atos tributários, resulta claramente do seu elemento literal, que o âmbito da sua aplicação se restringe exclusivamente os atos tributários de liquidação de obrigações tributárias.
Ora, a questão administrativa elencada pela R. (aplicação retroativa da interpretação atualista do n.º 1 do artigo 10º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12) não é de natureza tributária, pois não está em causa a errónea quantificação da situação tributária da R., e, além do mais, os procedimentos de atribuição (incluindo a respetiva instrução) de utilidade turística prévia ou definitiva, constitui matéria alheia às competências atribuídas à Autoridade Tributária.
Efetivamente, a causa de pedir não decorre da violação ou inobservância de qualquer norma jurídico-tributária (v.g. CIMT ou do artiga 20º do decreto-lei n.º 423/83, de 5/12) ou dos princípios gerais de tributação previstos no artigo 55º da LGT (legalidade, justiça, igualdade ou proporcionalidade), em que a AT tenha incorrido no ato de liquidação decorrente da entrega da declaração modelo 1 de IMT n º 2017 /342168, e que importe a sua apreciação em sede de revisão oficiosa – e nem a R. invoca a existência de qualquer erro na liquidação de IMT que seja imputável aos serviços tributários.
Significa isso que a interpretação do n º 1 do artigo 10 ° do Decreto-lei n º 423/83, de 5/12, na ótica do Turismo de Portugal, IP, como razão do atraso na obtenção e publicação do despacho qualificativo de utilidade turística prévia atribuída ao referido empreendimento (cf. despacho de utilidade turística n.º…/2018, publicado no Diário da República, 2º série – Nº 10 –…de 2018), ou a inaplicação concreta da versão atualista da tutela relativamente ao mesmo normativo legal, não constituem vícios de ilegalidade assacáveis ou próprios do ato tributário de liquidação de IMT questionado nos autos.
A Revisão Oficiosa não constitui, pois, o meio processual adequado para dirimir a problemática conexa com a eventual prejudicialidade decorrente da aplicação concreta das interpretações do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, que a R. invoca como fundamento da anulação total da liquidação de IMT e consequente reconhecimento do benefício de isenção de IMT previsto no artigo 20º, deste mesmo diploma legal.

2 – Despacho de utilidade turística – produção de efeitos tributários.
Sem conceder, mesmo que assim não fosse, o artigo 2º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, é claro: os efeitos da UT só se produzem após a publicação em Diário da República.
Quer a título prévio, quer a título definitivo, a atribuição de utilidade turística só produz efeitos tributários (obtenção dos benefícios fiscais previstos no artigo 20ºdo Decreto-lei n.º 423/83) após a prévia publicação obrigatória no Diário da República do despacho (ato administrativo casuístico) da tutela competente (cf. artigo 2º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12), que documentará a outorga de escritura pública ou outra forma legalmente admitida de transmissão onerosa de bens imóveis destinados à instalação de empreendimentos turísticos, sob pena de inexistência jurídica conducente à ineficácia jurídico-tributária de eventuais benefícios fiscais reconhecidos.
Após a publicação oficial do despacho de utilidade turística, o reconhecimento automático da isenção de IMT e redução a 1/5 do Imposto de Selo fica também, e ainda, condicionada ao fim para que foi concedido (efetiva instalação do estabelecimento hoteleiro) e à realização deste fim (abertura ao público do estabelecimento) no prazo previamente fixado no despacho de utilidade turística pelo titular que constar desse mesmo ato administrativo (cf. n.º 1 do artigo 20º: n º 1 do artigo 31º, ambos do Decreto-lei n.º 423/83).
Reconhecer automaticamente uma isenção de IMT e a redução de imposto de selo sem a prévia publicação do despacho de utilidade turística seria atribuir benefícios que não resultam direta e imediatamente da lei (n.º 1 do artº 4º do EBF) pelo que tal ato consubstanciaria, inequivocamente, a concessão de um benefício fiscal inexistente no ordenamento jurídico-tributário.
Conclusivamente, por inexistência de erro imputável aos serviços na liquidação questionada, e por não constituir o meio processual adequado à discussão da invocada prejudicialidade das interpretações da tutela sobre o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, o pedido está votado ao seu indeferimento total.

X) Em 15-01-2018, foi publicado no Diário da República, II Série, o Despacho n.º…/2018, da Senhora Secretária de Estado do Turismo, que atribuiu «a utilidade turística prévia ao Hotel B…».

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações desta que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto alegada pela Requerente.

3 – Matéria de direito
3.1. A questão colocada e posições das Partes

A Requerente adquiriu terrenos para construção de um empreendimento turístico, denominado Hotel B…, com a categoria de 5 estrelas, tendo sido liquidado IMT em 26-10-2017, no valor de € 682.500,00, na sequência de impulso da Requerente, que pagou a quantia referida.
Em 27-10-2017, formalizou a aquisição onerosa dos bens imóveis U-… e U-…,…,….

O artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, estabelece benefícios fiscais, que consistem na isenção de IMT ([1])e redução a um quinto do Imposto do Selo para «as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento».

O artigo 10.º, do mesmo diploma estabelece que «a atribuição da utilidade turística a título prévio pode ser requerida com base no anteprojecto aprovado do empreendimento» (n.º 1), ficando a utilidade turística atribuída condicionada à aprovação do respectivo projecto (n.º 2).

Na data em que foi liquidado o imposto, não tinha sido atribuída utilidade turística, mesmo a título prévio, ao empreendimento referido, nem tinha sido requerida a sua atribuição.

Como explicou a Requerente, o reconhecimento da utilidade turística prévia do Hotel B… teve de aguardar pela aprovação camarária do respetivo projecto de arquitetura, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, na interpretação que até então dele fazia o Turismo de Portugal I. P., que era no sentido de não ser admitida a possibilidade de atribuição da utilidade turística prévia em momento anterior ao da aprovação do projecto de arquitetura.

Por despacho de 07-12-2017, a Senhora Secretária de Estado do Turismo publicitou uma interpretação actualista do artigo 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, passando a adoptar o seguinte entendimento:

«Considera-se preenchida a previsão do artigo 10.º, n.º 1, do DecretoLei n.º 423/83, de 5 de dezembro, quando o pedido de atribuição da utilidade turística a título prévio seja instruído com os seguintes documentos:
a) Comprovativo da entrega na câmara municipal competente do projeto de arquitetura do empreendimento;
b) Parecer prévio favorável do Turismo de Portugal, I. P., sobre o referido projeto de arquitetura;
c) Comprovativo da prestação de caução a favor do Turismo de Portugal, I. P., com o valor a que se refere o número seguinte, que acompanha o prazo de validade da utilidade turística prévia, para garantia da execução pelo requerente das diligências adequadas à aprovação do projeto de arquitetura pela autarquia competente.

Na sequência desta interpretação, o Turismo de Portugal, I.P., passou a permitir a possibilidade de atribuição da utilidade turística prévia em fase anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura, bastando-se com o simples comprovativo da entrega do mesmo na Câmara Municipal competente.

Antes de a Câmara Municipal de… ter aprovado o projecto de arquitectura, já o Turismo de Portugal, I.P., se tinha pronunciado, em 15-05-2017, nos termos e para os efeitos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º…/2008, de 7 de março, emitindo parecer favorável ao projeto de arquitetura com vista à instalação do Hotel B…, e atribuindo-lhe, em projecto, a classificação de Hotel de 5 estrelas.

Os atrasos na aprovação camarária do projecto e o concomitante atraso do reconhecimento da utilidade turística prévia assentaram essencialmente nas múltiplas vicissitudes a que o projeto se achou sujeito, resultantes da difícil conjugação entre interesses difusos de diferentes entidades, públicas e privadas.

A Requerente pediu a revisão oficiosa da liquidação, que não foi apreciada no prazo legal, tendo impugnado o indeferimento tácito.

Depois de formado o indeferimento tácito, foi proferida decisão expressa de indeferimento.

A Requerente defende, em suma, que detinha as condições para ser atribuída utilidade turística ao empreendimento referido e que o atraso na aprovação do projeto de arquitetura que não relevaria na celeridade do processo de obtenção do despacho de qualificação de utilidade turística se, à data dos factos, o entendimento do Turismo de Portugal, I.P.. fosse o que veio a ser adoptado no despacho da Senhora Secretária de Estado do Turismo, que se referiu.

A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu o pedido de revisão oficiosa por entender, em suma que:
– os procedimentos de atribuição (incluindo a respetiva instrução) de utilidade turística prévia ou definitiva, constitui matéria alheia às competências atribuídas à Autoridade Tributária;
– a Revisão Oficiosa não constitui o meio processual adequado para dirimir a problemática conexa com a eventual prejudicialidade decorrente da aplicação concreta das interpretações do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, que a R. invoca como fundamento da anulação total da liquidação de IMT e consequente reconhecimento do benefício de isenção de IMT previsto no artigo 20º, deste mesmo diploma legal;
– mesmo que assim não fosse, o artigo 2º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, é claro:
os efeitos da UT só se produzem após a publicação em Diário da República;
– reconhecer automaticamente uma isenção de IMT e a redução de imposto de selo sem a prévia publicação do despacho de utilidade turística seria atribuir benefícios que não resultam direta e imediatamente da lei (n.º 1 do artº 4º do EBF) pelo que tal ato consubstanciaria, inequivocamente, a concessão de um benefício fiscal inexistente no ordenamento jurídico-tributário.
– conclusivamente, por inexistência de erro imputável aos serviços na liquidação questionada, e por não constituir o meio processual adequado à discussão da invocada prejudicialidade das interpretações da tutela sobre o n.º 1 do artigo 10º do Decreto-lei n.º 423/83, de 5/12, o pedido está votado ao seu indeferimento total.

Nas suas alegações, a Requerente defende, em suma, o seguinte:
– a liquidação só foi emitida porque, à data, os serviços não permitiam a atribuição da UT prévia em momento anterior ao da aprovação do projeto de arquitetura, que a CM de… demorou mais de 2 anos a aprovar;
– as demoras na aprovação camarária do projeto de arquitetura e a concomitante demora do reconhecimento da utilidade turística prévia configuram, em sentido próprio, “erro imputável aos serviços";
– o atraso na fixação da interpretação atualista do despacho de 7 de dezembro de 2017 da Secretária de Estado do Turismo, que impediu a ora requerente de obter a atribuição de UT prévia antes da aprovação do projeto de arquitetura pela CM, em outubro de 2017, quando adquiriu os lotes de terreno e iniciou os trabalhos de escavação e contenção a que estava obrigada, configura, em sentido próprio, “erro imputável aos serviços;
– o entendimento vigente no seio do Turismo de Portugal até 7 de dezembro de 2017, que impediu que a requerente contasse já com a atribuição da UT prévia à data da aquisição, é confessadamente contrário à lei e, por isso, configura, em sentido próprio, “erro imputável aos serviços";
– o “erro imputável aos serviços" compreende qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo, que assim se considera imputável à própria administração, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas, entidades ou organismos que, em sentido amplo, a integram;
– todos os erros das liquidações que tenham conduzido à cobrança de impostos indevidos à face da lei devem ser corrigidos, dentro do prazo em que a revisão é possível;
– o pedido de revisão constituiu meio procedimental adequado para requerer a anulação de um tributo que apenas foi liquidado por motivos não imputáveis à requerente, conduzindo à cobrança de IMT de € 682.500,00 que se afigura ostensivamente indevido à face da realidade substantiva devidamente descrita e comprovada nos presentes autos;
– a requerente peticionou a anulação da liquidação “atenta a injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida em face da realidade.";
– o dever de atuar em sintonia com o princípio da justiça, impõe que o dever de revisão seja estendido a todas as situações em que há excesso de liquidação, pelo que a revisão seria sempre adequada à pretensão suscitada pela requerente ainda que não houvesse erro dos serviços;
– face ao princípio da justiça, e não contestando a AT que se verificam reunidos e consumados todos os pressupostos subjacentes à isenção, há que permitir a anulação da liquidação ora em crise, sob pena de se manter uma situação francamente injusta, frontalmente violadora do disposto no artigo 55° da LGT;
– a injustiça grave é particularmente notória quando se constata que a requerente só não obteve a UT em data anterior à da aprovação do projeto de arquitetura pela Câmara, em outubro de 2017, apesar de há muito se acharem reunidos todos os pressupostos materiais para a sua atribuição, porque à data o TP não a concedia sem essa aprovação camarária, contrariamente ao sentido da lei tal como posteriormente secundado pelo mesmo TP;
– consentir que a compra dos lotes para instalação do empreendimento turístico da ora requerente não possa beneficiar da isenção de IMT, apenas porque à data a UT dependia da aprovação camarária do projeto de arquitetura, mas que, em 2018, a aquisição de outros lotes para instalação de outro empreendimento já poderá, apenas porque, a essa data, a UT já não depende de prévia aprovação do projeto de arquitetura pela CM, mas da sua mera apresentação, constituiria uma flagrante violação do princípio da igualdade;
– da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de aplicar o princípio da legalidade fiscal não se cumpre plenamente com uma mera subordinação formal às normas, pois abrange também o dever de ter em conta as consequências dessa aplicação, sendo de rejeitar a aplicação estrita das normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto;
– seria manifestamente injusto negar a isenção com base no atraso – absolutamente não imputável à requerente e por escasso número de dias – da atribuição da UT prévia, quando esta teve de aguardar pela aprovação do projeto de arquitetura na Câmara Municipal;
– a cominação desse atraso com um tributo no valor de € 682.500,00, que de outro modo não seria devido, é manifestamente excessivo e desproporcionado, quando se constata ser diminuto o seu hiato temporal e compreensíveis as suas razões, já tratadas nestes autos de forma exaustiva;
– a aquisição dos terrenos destes autos, desde sempre destinados à instalação do Hotel B…, de reconhecida utilidade turística, está abrangida pela isenção de IMT prevista n.º 1 do artigo 20º do DL 423/83, sob pena de se gerar uma situação de injustiça grave e notória, por causa não imputável à requerente, em virtude de uma leitura da norma de isenção que claramente desrespeita os princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade;
– os promotores turísticos que paguem imposto pela aquisição dos prédios com destino à instalação de estabelecimentos turísticos não se acham impedidos de, mais tarde, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística;
– se o artigo 20º do DL 423/83 na sua literalidade não prevê esse mecanismo, deve então entender-se, no caso concreto dos presentes autos, como desadequado ao seu fim, e violador dos cânones de proporcionalidade a que a lei ordinária está constitucionalmente obrigada;
– em face de todo o exposto, a compra dos terrenos para construção em que o Hotel B… se está a implantar está inequivocamente isenta de IMT, pelo que deve a liquidação aqui em crise, que tal isenção não contemplou, ser anulada, atenta a injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida em face da realidade substantiva supra descrita e demonstrada.

3.2. Fundamentos de revisão oficiosa admissíveis
O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

1 – A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 – Revogado.
3 – A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 – O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 – Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

O n.º 1 deste artigo 78.º estabelece o dever o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. ([2])

«Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de actos ilegais ([3]).

Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais.

A revisão do acto constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.

No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) ([4]) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (art. 78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT).

Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto.

A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).([5])

Assim, conclui-se que a revisão oficiosa é um meio que pode ser utilizado pela Requerente para obter a declaração da ilegalidade do acto de liquidação.

Mas, a utilização deste meio processual, quando o pedido é apresentado após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, é limitada também quanto aos fundamentos de impugnação, que deixam de ser «qualquer ilegalidade» (c0mo sucede quanto aos pedidos apresentados naquela prazo) para passar a ser apenas o «erro imputável aos serviços».

É um regime que se justifica pela velha máxima «Dormientibus non sucurrit jus» que explica a preclusão de direitos por falta de exercício tempestivo, em benefício da segurança jurídica imprescindível no fundamento geral da sociedade.

«Com efeito, como sucede, em regra, com a generalidade dos direitos, o decurso do tempo pode provocar a sua extinção, e, nomeadamente no caso da cobrança dos tributos, o interesse público reclama que, em regra, haja uma rápida definição dos direitos dos entes públicos, para poderem eficazmente programar as suas actividades e aplicarem as quantias cobradas à satisfação os interesses públicos que visam prosseguir.

A fixação de qualquer prazo para impugnação de decisões administrativas constitui a determinação de um ponto de equilíbrio entre dois interesses conflituantes, que são o do interessado em ver anulado o acto que considera ilegal e o da administração tributária em ver assegurada a estabilidade das situações jurídicas tributárias. O peso deste último interesse acentua-se com o decurso do tempo e a fixação do prazo legal deve corresponder ao ponto de equilíbrio entre estes dois interesses, permitindo aos interessados o direito de impugnação contenciosa enquanto não houver razões de segurança jurídica que se lhe sobreponham.

No caso dos actos tributários, o limite máximo admitido para impugnação de actos anuláveis é o previsto para a reclamação graciosa, que pelo art. 70.º, n.º 1, do CPPT, está fixado em 120 dias a contar dos factos referidos no art. 102.º, n.º 1, do mesmo Código». ([6])

Isto é, exige-se a quem é titular de direitos o dever de diligenciar para que eles sejam reconhecidos, para evitar as perturbações da ordem jurídica que a indesejável instabilidade de actos administrativos e tributários provoca.

Esse dever é explicitamente afirmado no âmbito das relações jurídicas administrativas no artigo 4.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, ao estabelecer que «quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída». O antecedente artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48051 já o afirmava também: «… o direito destes à reparação só subsistirá na medida em que tal dano se não possa imputar à falta de interposição de recurso ou a negligente conduta processual da sua parte no recurso interposto».

O n.º 4 deste artigo 78.º confirma a opção legislativa de penalizar com perda de direitos de impugnação de actos tributários a negligência do contribuinte, pois mesmo nos casos de injustiça grave ou notória, apenas permitir a revisão se «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». ([7])

A fixação do prazo de 120 dias no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT tem ínsito o entendimento legislativo de que, após o seu decurso, já se justifica, numa ponderação conjunta dos interesses conflituantes do contribuinte e da administração tributária, que as razões de segurança jurídica que justificam o estabelecimento de preclusão de direitos de anulação de actos tributários prevaleçam sobre os direitos de impugnação.

A esta luz, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, conjugado com o artigo 70.º, n.º 1, do CPPT, que prevê o prazo de 120 dias para a apresentação de reclamação graciosa, quantificam temporalmente o dever de diligência dos sujeitos passivos, limitando os direitos de impugnação contenciosa quando eles não agem com a diligência aí pressuposta como sendo exigível.

Na verdade, é por não se poder fazer uma censura ao sujeito passivo a nível do cumprimento dos deveres de diligência que no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT se prevê que, nos casos de documento ou sentença superveniente o prazo de 120 dias só se começar a contar «a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto», apesar de as exigências de segurança jurídica não deixarem de valer a partir do termo inicial normal aplicável, determinado pelos factos arrolados no n.º 1 do artigo 102.º do mesmo Código. ([8])

Assim, no caso em apreço, a possibilidade de revisão oficiosa depende da existência de um «erro imputável aos serviços».

3.3. Questão da existência ou não de erro imputável aos serviços
O primeiro fundamento invocado na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é o da inexistência de erro imputável aos serviços.

A Requerente defende nas suas alegações, em suma, que existiu erro imputável aos serviços porque qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo, que assim se considera imputável à própria administração, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas, entidades ou organismos que, em sentido amplo, a integram.

O erro dos serviços deve ser entendido como o que resulta de um funcionamento anormal dos serviços globalmente considerados, como há muito vinha sendo entendido pela jurisprudência e actualmente tem afloramento explícito no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 67/2007, de 31-12-2017, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

Mas, para existir erro imputável aos serviços num acto de liquidação de um tributo é necessário, naturalmente, que exista um erro.

Em regra, «a liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida» (artigo 19.º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis).

Foi isso que sucedeu no caso em apreço, como a Requerente refere no pedido de pronúncia arbitral, ao dizer que impulsionou a liquidação.

No caso em apreço, não é imputada à Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer ilegalidade na emissão da liquidação de IMT, que foi efectuada de acordo com os elementos fornecidos pela Requerente.

Por outro lado, não se encontra na liquidação impugnada qualquer erro, designadamente por não aplicação da isenção prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.

Na verdade, como resulta do teor expresso do artigo 2.º deste diploma, «a utilidade turística é atribuída por despacho do membro do Governo com tutela sobre o sector do turismo» e «os despachos de atribuição, confirmação e revogação da utilidade turística serão obrigatoriamente publicados no Diário da República, só produzindo efeitos a partir da data da sua publicação».

Como resulta do teor expresso destas normas, para usufruir da atribuição de utilidade turística não basta preencher os requisitos legais, sendo imprescindível que haja um acto de atribuição e, mesmo depois de ele ter sido praticado, os efeitos só se produzem depois da publicação.

Isto é, sem a publicação, não podem ser reconhecidos efeitos mesmo a um hipotético acto de atribuição já existente e, por maioria de razão, a um acto de atribuição inexistente.

Por isso, não tem razão a Requerente ao aludir a «injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida em face da realidade», e que estavam «reunidos e consumados todos os pressupostos subjacentes à isenção», pois a realidade relevante para este efeito não é a mera existência dos requisitos que permitem obter a atribuição de utilidade turística, mas sim a sua efectiva atribuição por despacho da entidade competente e sua subsequente publicação.

Assim, não tendo sido publicado despacho a atribuir a utilidade turística quando foi emitida a liquidação, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia, sem violar a lei, reconhecer à Requerente um benefício fiscal que depende da prévia publicação daquele despacho.

Os eventuais erros administrativos que possam ter prejudicado a Requerente obstando a que pudesse ter sido publicado um despacho a atribuir a utilidade turística ao empreendimento antes da que emissão da liquidação efectuada por sua iniciativa, poderão ser fundamento de ressarcimento a outro título, mas não afastam a constatação de que não havia sido publicado qualquer despacho, que é condição para usufruir da atribuição de utilidade turística.

Assim, a liquidação impugnada não enferma de qualquer erro de facto ou de direito, pois foi efectuada de acordo com o previsto na lei, designadamente quanto ao benefício fiscal em causa. A Autoridade Tributária e Aduaneira fez precisamente aquilo que deveria ter feito, perante a iniciativa da Requerente de impulsionar a liquidação em momento em que ainda não produzia efeito qualquer despacho de atribuição de utilidade turística ao empreendimento a que a Requerente destinava os prédios que adquiriu.

Pelo exposto, tem de se concluir que não se verifica o requisito da revisão oficiosa de actos de liquidação, que é a existência de erro imputável aos serviços.

3.4. Questão da violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade
A Requerente defende que «o dever de atuar em sintonia com o princípio da justiça, impõe que o dever de revisão seja estendido a todas as situações em que há excesso de liquidação, pelo que a revisão seria sempre adequada à pretensão suscitada pela requerente ainda que não houvesse erro dos serviços».

Isto é, a Requerente pretende que, mesmo sem erro da liquidação, seja efectuada revisão, com fundamento nos princípios da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.

Antes de mais, é que notar que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD se limita à declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Essa competência poderá estender-se, como se tem entendido, à apreciação da legalidade de actos de segundo grau, designadamente proferido em procedimento de revisão do acto tributário, na medida em que contenham um acto daqueles tipos.

Mas, estará fora do âmbito dos poderes de cognição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, por a lei não lhes atribuir essa competência, declarar a ilegalidade de actos de segundo grau com fundamento em vícios autónomos destes, vícios que não sejam também vícios dos actos de liquidação por eles apreciados.

Assim, a questão de violação daqueles princípios equacionada pela Requerente, apenas pode ser apreciada sob a perspectiva de que está a imputar à liquidação esses vícios de violação dos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.

3.4.1. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade impõe aos órgãos da Administração Pública o dever de «atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins» [artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

Pelo que se disse, o princípio da legalidade não foi violado, antes foi materializado na liquidação, não aplicando uma norma que prevê benefícios fiscais numa situação em que não estavam reunidos os seus pressupostos, designadamente a publicação do despacho de atribuição de utilidade turística, que não tinha ocorrido à data da liquidação.

Por isso, a liquidação impugnada não enferma de vício por violação deste princípio.

3.4.2. Princípio da igualdade
O princípio da igualdade, como princípio que deve reger a actividade da Administração Pública, o artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, estabelece que «nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Não se demonstrou, nem é alegado, que a Autoridade Tributária e Aduaneira alguma vez, antes ou depois da publicação do despacho da Senhora Secretária de Estado do Turismo de 07-12-2017, tivesse aplicado a isenção em causa antes de estar publicado o despacho de atribuição de utilidade turística, pelo que não se demonstra violação deste princípio, pela liquidação impugnada.

Por outro lado, a situação jurídica de quem diligenciou no sentido de obter a atribuição de utilidade turística eficaz (após publicação) no momento em que adquiriu os imóveis necessários para o empreendimento turístico, não é idêntica à de quem não teve essa diligência e não a obteve a tempo de poder usufruir do benefício fiscal no momento da aquisição.

3.4.3. Princípio da justiça
A Requerente defende que se está perante uma «injustiça grave e notória resultante de tal liquidação ser manifestamente indevida».

Sobre o princípio da justiça, o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que «a Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação»

Neste caso, a justiça aplicável à generalidade dos cidadãos, materializa-se com a aplicação da tributação prevista na lei em situação em que se verifica um facto tributário que evidencia a capacidade contributiva pressuposta na previsão de tributação.

Os benefícios fiscais são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

Como excepções ao princípio da generalidade da tributação com base na capacidade contributiva evidenciada pelo sujeito passivo, os benefícios fiscais não são estabelecidos por razões de justiça.

Neste contexto, a aplicação da tributação prevista na lei para a generalidade dos cidadãos em situação em que não se verificam os requisitos que permitem aplicar uma isenção, não se afigura como tratamento injusto.

Na verdade, ao contrário do que defende a Requerente, a tributação era devida, porque, no momento em que ocorreu o facto tributário, não estavam reunidos os requisitos para aplicação da isenção, designadamente uma decisão administrativa publicada no Diário da República que atribuísse a utilidade turística.

De resto, o facto de o Turismo de Portugal, I.P. não atribuir a utilidade turística sem a aprovação do projecto de arquitectura, se fosse ilegal, não seria um obstáculo insuperável a que a Requerente pudesse obter essa atribuição com uso dos meios contenciosos administrativos que possibilitam a obtenção de tutela plena dos direitos dos administrados, independentemente do entendimento das entidades administrativas.

Assim, não se demonstra violação do princípio da justiça pela liquidação impugnada.

3.4.4. Princípio da proporcionalidade
O artigo 7.º do CPA estabelece o seguinte, sobre o princípio da proporcionalidade:

Artigo 7.º
Princípio da proporcionalidade

1 – Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.

2 – As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.

Não se vislumbra como a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao emitir a liquidação impugnada na sequência da apresentação pela Requerente da declaração modelo 1 de IMT, nos termos do artigo 19.ºdo CIMT, possa violar este princípio, pois o fim prosseguido foi a arrecadação da receita de IMT que devia ser liquidada, sendo precisamente para essa finalidade que a Requerente apresentou a declaração.

Na verdade, não se vê como é que a Autoridade Tributária e Aduaneira podia atingir o fim que devia prosseguir (arrecadar o IMT de acordo com a declaração apresentada) sem emitir a liquidação nos precisos termos em que o fez.

Por outro lado, o montante do imposto não pode ser considerado exagerado, em face do valor da aquisição, que era de 10.500.000,00. A taxa do IMT de 6,5% que foi aplicada é mesmo pouco superior à aplicável à aquisição de imóveis destinados a habitação.

Assim, não se demonstra violação do princípio da proporcionalidade.

3.5. Questão da inconstitucionalidade do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro
A Requerente defende que «os promotores turísticos que paguem imposto pela aquisição dos prédios com destino à instalação de estabelecimentos turísticos não se acham impedidos de, mais tarde, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística» e que «se o artigo 20º do DL 423/83 na sua literalidade não prevê esse mecanismo, deve então entender-se, no caso concreto dos presentes autos, como desadequado ao seu fim, e violador dos cânones de proporcionalidade a que a lei ordinária está constitucionalmente obrigada».

Segundo se depreende, a inconstitucionalidade que a Requerente imputa a este artigo 20.º, na implicará a sua invalidade (se a norma for inconstitucional, não haverá suporte normativo para a aplicação de uma isenção), mas resultará de não se prever neste diploma a possibilidade de «mais tarde, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística».

A ser assim, a inconstitucionalidade que a Requerente imputa a este artigo 20.º (ou a qualquer outra norma ou normas deste diploma) será uma inconstitucionalidade por omissão, que apenas pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, em processo próprio (artigo 283.º da CRP).

Pelo exposto, não se toma conhecimento desta questão.

4 – Decisão

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

5 – Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 682.500,00.

6 – Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.


[1] Com actualização da referência a Sisa, nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
[2] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do STA de 11-05-2005, proferido no recurso n.º 0319/05, e de e 12-07-2006, processo n.º 0402/06.
[3] Aliás, a existência de um dever de revogação de actos administrativos ilegais tem vindo a ser defendida por parte da doutrina.
Defendendo a existência de um dever de revogação de actos ilegais, podem ver-se:
– ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos administrativos, 2.ª edição, páginas 255-268.
– MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Considerações sobre a Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso, páginas 12-14;
– PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, volume II, páginas 582-583;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, páginas 613-614;
– FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 463-465.
[4] Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art. 78.º da LGT à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos artigos 184.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no citado processo n.º 0402/06.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-04-2009, proferido no processo n.º 065/09, em que se acrescenta, em nota de rodapé, que «relativamente aos actos nulos, pela sua raridade, não se levantam preocupações legislativas em limitar a sua impugnabilidade, por serem também raros e, por isso, quantitativamente limitados e suportáveis os efeitos nocivos que podem advir de uma impugnação tardia».
[7] É de notar que a possibilidade de revisão oficiosa prevista no n.º 4, em que se estabelece que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte» não tem aplicação no caso em apreço, pois não se está perante uma questão de apuramento da matéria.
[8] Neste caso, mesmo que se considerasse o despacho da Senhora Secretária de Estado como «documento…superveniente», para efeitos de determinação do termo inicial do prazo de 120 dias, com aplicação do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT, teria de se constatar que o prazo de reclamação graciosa foi largamente excedido, pois o despacho foi publicitado em 15-12-2017 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 16-07-2018, 203 dias depois.
De qualquer modo, também nesta hipótese, a revisão oficiosa só é permitida «com fundamento em erro imputável aos serviços», de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.