Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

II – Enquadramento em Sede de IVA

 

Assunto
Enquadramento das Empresas Locais
Tipo: Ofício-Circulado
Data: 18 de Junho, 2014
Número: 30159/2014

Doutrina

Enquadramento das Empresas Locais

i) Atividades exercidas na qualidade de autoridades públicas- aplicação do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA)
O quadro legal aplicável determina, como se referiu, que só podem ser criadas empresas locais cujo objeto social se insira no âmbito das atribuições dos respetivos municípios.

Enquanto entidades públicas, as empresas locais podem, quando atuem com prerrogativas de autoridade, beneficiar do regime de não sujeição a IVA constante do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA).

Com efeito, de acordo com os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (T JUE),[1] estando em causa o exercício de atividades por parte de um organismo público e, sendo esse exercício efetuado na qualidade de autoridade pública, estas entidades podem beneficiar do regime de não sujeição previsto no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA.

Na determinação da condição de autoridade pública, relevam as modalidades de exercício das atividades em causa, pelo que se consideram atividades exercidas "na qualidade de autoridades públicas" aquelas que os organismos públicos realizem no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, ou seja, as que implicam a utilização de prerrogativas de autoridade pública excluindo-se, assim, as que são exercidas nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados.

ii) Qualificação das contrapartidas recebidas ao abrigo de contratos-programa
Os contratos-programa, a que se referem os artigos 47.º e 50.º do RJAELPL, constituem contratos de direito administrativo destinados a definir a missão, responsabilidades e as respetivas dotações financeiras que são transferidas do Município para as empresas locais, não revestindo a natureza de contratos de prestação de serviços realizados a título independente.

A transferência de atribuições implica sempre a afetação de meios de financiamento para a sua realização, os quais podem ser constituídos por receitas de atividade desenvolvida, subvenções, dotações orçamentais ou outras comparticipações financeiras.

Os contratos-programa, celebrados com o município participante, devem definir, por um lado, detalhadamente, o fundamento da necessidade do estabelecimento da relação contratual e a finalidade desta (no caso de empresas locais de serviços de interesse geral), a missão e conteúdo das responsabilidades de desenvolvimento local e regional a assumir pela empresa local (no caso das empresas locais de promoção e desenvolvimento regional) - cf. artigos 47.º e 50.º do RJAELPL e, por outro lado, o montante dos subsídios à exploração que as empresas locais têm direito a receber como contrapartida das obrigações criadas, assim como a eficácia e eficiência que se pretende atingir.

Decorrendo do RJAELPL que, nas situações de transferência de responsabilidades /atribuições de um município para uma empresa local, as transferências financeiras a efetuar são qualificadas pela lei como dotações financeiras ou subsídios à exploração, não assumem, as mesmas, a natureza de contraprestação pela prestação de um serviço (ou pela entrega de um bem).

Na delimitação do que sejam prestações de serviços para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, deve atender-se à jurisprudência do TJUE,[2] segundo a qual, a noção de prestação de serviços efetuada a título oneroso, para efeitos de IVA, pressupõe sempre a existência de um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido.

Para se aferir se determinada prestação de serviços é efetuada a título oneroso, o T JUE vem referindo que as operações tributáveis pressupõem, no âmbito do sistema do IVA, a existência de uma transação entre as partes com a estipulação de um preço ou um contravalor. Esta asserção levou aquele Tribunal a decidir que uma prestação de serviços só é efetuada a título oneroso e, como tal, tributável "se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contra valor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário" [3].

Uma mera transferência financeira entre duas pessoas coletivas de direito público, bem como a transferência operada entre uma pessoa coletiva de direito público e uma de direito privado, na qual a primeira detém a totalidade do capital ou uma posição dominante, efetuada no quadro de uma transferência de atribuições entre ambas que, quando exercidas pela entidade cedente, constituam atividades fora do campo de incidência do imposto, não configura uma contraprestação de uma prestação de serviços (ou de uma entrega de um bem).

iii) Outras relações contratuais estabelecidas entre os municípios e as empresas locais
O n.º 3 do artigo 36. 0 do RJAELPL, evidencia, de forma objetiva, que as adjudicações (contratação de serviços e fornecimento de bens) referidas no n.º 2 da mesma norma, não podem integrar os contratos-programa a que se referem os artigos 47.º e 50.º , que respeitam aos contratos que, obrigatoriamente, devem ser celebrados pelos Municípios com as empresas locais para a transferência de atribuições e respetivas dotações financeiras.
Assim, contrariamente ao que sucede com as transferências financeiras efetuadas ao abrigo dos contratos-programa previstos nos artigos 47.º e 50.º, as operações (contratação relativa à adjudicação) referidas no n.º 2 do artigo 36.º do RJAELPL, respeitam, efetivamente, à contratação das empresas locais pelos Municípios, com vista à realização de prestações de serviços ou fornecimento de bens, atividades essas que, cumprindo os pressupostos de incidência, devem ser sujeitas a tributação nos termos gerais do CIVA.


[1] Cf., entre outros, acórdãos de 17.10.1989, proferido no processo Comune di Carpaneto Piacentino e o. , processos apensos 231/87 e 129/88, n.º 12, de 25.07.1991 , Ayuntamento de Sevilla, C-202/90. n.º 18 e de 14.12.2000, Fazenda Pública/Câmara Municipal do Porto, C-446/98, n.º 15.
[2] Cf., entre outros, acórdãos Apple and Pear, 102/86, n.º 12 e de 16.10.1997, Fillibeck, C-258/95, n.º 12.
[3] Acórdão de 30.03.1994 Tolsma, C-16/93, n.º 14