Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

Processo n.º 12692

 

Assunto
Regularizações - A cedência de créditos, a título definitivo – Operações realizadas no domínio do cedente
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 7 de Março, 2018
Número: 12692
Diploma: CIVA
Artigo: 78º

Síntese Comentada

Esta informação vinculativa tem como objeto principal o enquadramento tributário em sede de IVA das operações de cedência de créditos, a título definitivo, no domínio do cedente. Começando por um breve enquadramento, a cessão de créditos está prevista nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil, e define-se como sendo o contrato pelo qual o[...]

Conteúdo exclusivo para assinantes

Ver planos e ofertas

Criar conta gratuita Ver planos e ofertas Já sou assinante

Doutrina

Regularizações - A cedência de créditos, a título definitivo – Operações realizadas no domínio do cedente

Tendo por referência o pedido de informação vinculativa solicitada, ao abrigo do art° 68° da Lei Geral Tributária (LGT), presta-se a seguinte informação.

INFORMAÇÃO
1 - A exponente exerce a atividade principal de "OUTRAS ACTIVIDADES CONSULTORIA PARA OS NEGÓCIOS E A GESTÃO", a que corresponde o CAE 70220 e encontra-se enquadrada em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral.

2 - Vem expor e solicitar o seguinte:
i. Dedica-se à realização de investimentos, à consultadoria estratégica e à prestação de serviços relacionados com tais atividades;
ii. No exercício da sua atividade pretende adquirir a outras entidades créditos em situação de incumprimento de que estas são titulares em virtude do fornecimento de bens e serviços, sujeitos a IVA, ou de contratos de financiamento, nas suas diversas modalidades;
iii. Os créditos são adquiridos pela requerente por preço inferior ao respetivo valor nominal, pretendo posteriormente a requerente proceder à cobrança junto dos devedores;
iv. Pretende-se que a cessão dos créditos seja plena e definitiva, assumindo, a requerente, na qualidade de cessionária, na sua plenitude, os riscos de cobrança dos respetivos créditos;
v. Na perspetiva da entidade cedente, ocorreu uma recuperação parcial do crédito cedido, correspondente ao preço da cessão;
vi. A aquisição dos créditos, nos termos ora descritos, suscita algumas questões ao nível do IVA, tendo em conta, nomeadamente, os regimes de regularização do imposto a favor do sujeito passivo consagrados nos artigos 78.º números 7, 8 e 12 e 78.º - A, e seguintes do CIVA;
vii. A requerente entende: - que, no que respeita a créditos vencidos antes de 01-01-2013, sendo o IVA um imposto por natureza neutro, em caso de recuperação parcial, através da cessão de créditos, o sujeito passivo deve devolver ao Estado apenas a parte proporcional ao montante recuperado do crédito e não, por hipótese, a totalidade do IVA entretanto deduzido (cfr.
art.º 15.º da exposição da requerente); - no que respeita a créditos vencidos após de 01-01-2013, entende que o n.º 7 do art.º 78.º - A do CIVA estabelece um princípio geral de perda do direito à dedução do imposto (respeitante a créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa), pelo facto do credor receber uma contrapartida pela transmissão de créditos; - entende ainda que o cessionário não poderá cobrar ao devedor inadimplente o montante correspondente ao IVA.
viii. Portanto, entende, em suma, que: a recuperação parcial dos créditos em causa por força da cedência dos créditos implica somente uma regularização também parcial, na proporção do crédito recuperado, por parte do cedente; a cedência do crédito não é sujeita a IVA, não podendo por isso a requerente, na qualidade de cessionária, exigir o imposto ao devedor;
ix. No entanto, para sua certeza e segurança, necessita a requerente de ver confirmadas tais conclusões pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

ANÁLISE DA QUESTÃO SUSCITADA
3 - A cessão de créditos está previsto nos artigos 577.º e seguintes do Código Civil (CC), e define-se como sendo o contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito, importando, na falta de convenção em contrário, a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (vd. n.º 1 do art.º 582.º do CC).

4 - Por outro lado, em sede de IVA, dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 1.º do Código do IVA (CIVA) que estão sujeitas a imposto "As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal".

5 - Nos termos do n.º 1 do art. 4.º do CIVA, "São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens".

6 - Para que se considere que existe uma prestação se serviços em sede de IVA, deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa atividade económica, ou seja, deverá ser aferido, casuisticamente, se no caso em concreto existe, ou não, uma operação com substância económica que possamos tributar a título de prestação de serviços.

7 - A jurisprudência comunitária tem vindo a reiterar que o conceito de atividade económica deverá ser interpretado de forma a atribuir um âmbito de aplicação muito abrangente a este tributo, vindo a relevar o caráter objetivo da mesma noção, salientando que a atividade se define por si mesma, independentemente dos fins ou resultados.

8 - Por conseguinte, dir-se-á que a prestação de serviços só será tributável em sede de IVA se existir um nexo direto entre o serviço prestado e a contrapartida recebida, de acordo com a teoria das contraprestações recíprocas (cfr. acórdão TJCE de 29/2/1996, Proc.C-110/94, Caso INZO;
acórdão TJCE de 15/1/1998, Proc.C-37/95, Caso "Ghent Coal"; acórdão TCA Sul-2ª.Secção, 08/01/2015, proc.8165/14).

9 - No caso em concreto, as cessões de créditos em causa implicam a transferência a título definitivo e sem direito de regresso para o cessionário, de todos e quaisquer direitos emergentes dos créditos em causa.

10 - No acórdão do Tribunal de Justiça, de 2011-10-27, proc.º n.º C-93/10, conclui que "(…) os artigos 2.º, ponto 1, e 4.º da Sexta Directiva devem ser interpretados no sentido de que um operador que adquire, por sua conta e risco, créditos duvidosos, a um preço inferior ao seu valor nominal, não efectua uma prestação de serviços a título oneroso, na acepção do dito artigo 2.º, ponto 1, e não exerce uma actividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação desta directiva".

11 - Deste modo, afigura-se-nos que a situação apresentada, a cedência de créditos, a título definitivo, se encontra abrangida pelo acórdão citado, não chegando por isso a considerar-se uma atividade económica abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva, ficando, portanto, excluída do campo do imposto.

12 - Relativamente à possibilidade de regularização do IVA em função da recuperação do imposto resultante da cedência dos créditos importa referir que: previamente à análise objetiva do pedido é de referir que é requisito prévio para efeitos da regularização do IVA liquidado e entregue nos cofres do Estado, que o imposto tenha sido relevado na correspondente declaração periódica do IVA (pelo respetivo credor - originário), ainda que não tenha sido recebido do cliente. Por outro lado, a regularização só é possível para operações realizadas por sujeitos passivos (fornecedor ou prestador do serviço) enquadrados para efeitos de IVA, à data dessa operação, no regime normal, com direito à dedução, e desde que constante de faturas emitidas na forma legal.

13 - Relativamente ao exercício do direito à dedução, o Código do IVA pressupõe a verificação de determinados condicionalismos os quais estão previstos nos artigos 19.º a 26.º do CIVA.

14 - De harmonia com o art.º 19.º do CIVA, só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas emitidas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados em forma legal, os que contenham os elementos previstos no artigo 36.º e 40.º, ambos do CIVA.

15 - Por outro lado, determina o n º 1 do art.º 20.º, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a), ou nas operações elencadas na alínea b).

16 - O direito à dedução é um direito de natureza pessoal cujos limites se reconduzem às necessidades da atividade do seu titular, sendo-lhe recusado, nos casos em que funciona como consumidor final ou, em certos casos tipificados na lei.

17 - Assim, consubstanciando-se o direito à dedução num direito de natureza pessoal e que pressupõe a verificação de determinados condicionalismos, como sejam o sujeito passivo ter na sua posse documentos passados em forma legal que titulem o imposto pago, isto tem como consequência que a regularização do imposto liquidado, tratando-se de um direito pessoal, é pois, inseparável da pessoa do cedente, não se desprende da sua titularidade, sendo igualmente intransmissível.

18 - Face ao exposto, dada a natureza pessoal do direito à dedução, a regularização do imposto liquidado é inseparável do sujeito passivo titulado na respetiva fatura, pelo que, em consequência, não permite ao cessionário a sua regularização.

19 - No que respeita a créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013, aplicam-se as disposições dos números 7 a 12, 16 e 17 do art.º 78.º do CIVA, por remissão do n.º 6 do art.º 198.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12.

20 - Assim, no caso de recuperação total ou parcial de créditos, vencidos antes de 1 de janeiro de 2013, por parte do cedente, e caso este tenha regularizado o imposto a seu favor antes da cedência, fica este obrigado a proceder à regularização total do imposto que regularizou a seu favor, a favor do Estado, nos termos do n.º 12 do art.º 78.º do CIVA, que dispõe que: "Nos casos em que se verificar a recuperação dos créditos, total ou parcialmente, os sujeitos passivos são obrigados a proceder à entrega do imposto, no período em que se verificar o seu recebimento", ou seja, no caso de recuperação, total ou parcial do crédito, o sujeito passivo fica constituído na obrigação de entregar o total do imposto ao Estado, perdendo desse modo o direito à regularização do imposto, ficando, consequentemente, obrigado à sua regularização a favor do Estado.

21 - Como já se referiu atrás (vd. ponto 10), a transmissão do crédito em si não constitui uma operação sujeita a IVA, mas tão só a recuperação total do crédito cedido, mesmo que adquirido por um preço inferior ao ser valor nominal, ficando nessa medida o sujeito passivo obrigado a regularizar o IVA em causa, na sua totalidade, a favor do Estado (vd. no mesmo sentido acórdão do Tribunal de Justiça, de 2011-10-27, proc.º n.º C-93/10).

22 - Relativamente a créditos vencidos após de 1 de janeiro de 2013, aplicam-se as disposições dos artigos 78.º - A a 78.º - D do CIVA, por remissão do n.º 7 do art.º 198.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12.

23 - Dispondo o n.º 7 do art.º 78.º - A do CIVA que: "Os sujeitos passivos perdem o direito à dedução do imposto respeitante a créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis sempre que ocorra a transmissão da titularidade dos créditos subjacentes.".

24 - Nos termos do n.º 8 do mesmo preceito, "caso a transmissão da titularidade dos créditos ocorra após ter sido efetuada a dedução do imposto respeitante aos créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis, devem os sujeitos passivos observar, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do art.º 78.º - C.".

25 - Face ao enquadramento legal da matéria, aquando da transmissão da titularidade dos créditos considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis, duas situações se podem verificar:
i) O sujeito passivo cedente dos créditos não regularizou, a seu favor o imposto correspondente, em momento anterior à transmissão da titularidade dos créditos;
ii) O sujeito passivo cedente dos créditos regularizou a seu favor o imposto correspondente, em momento anterior à transmissão da titularidade dos créditos.

26 - No caso referido na alínea ii), deve o sujeito passivo cedente regularizar o imposto a favor do Estado, repondo o exato montante de IVA que regularizou a seu favor (créditos que foram considerados de cobrança duvidosa ou incobráveis), antes da referida transmissão. Assim, na esfera do cessionário, não implica qualquer regularização de IVA a favor do Estado, uma vez que tal obrigação se verifica somente na esfera do cedente, aquando da transmissão dos créditos.

27 - Note-se que, a partir do momento em que se verificar a transmissão da titularidade dos créditos, o sujeito passivo cedente, perde o direito à regularização do imposto a seu favor, respeitante a esses créditos, por força do n.º 7, do art.º 78º-A.

CONCLUSÕES
28 - Pelos motivos exposto conclui-se que:
i. A cedência de créditos não constitui uma operação sujeita a IVA, não podendo por isso a requerente, na qualidade de cessionária, exigir o imposto ao devedor;
ii. A natureza pessoal do direito à dedução é inseparável do sujeito passivo titulado na respetiva fatura, pelo que, em consequência, não permite ao cessionário a sua regularização;
iii. A transmissão da titularidade dos créditos por parte do sujeito passivo faz cessar o direito à regularização do imposto respeitante a tais créditos;
iv. No caso de regularização do imposto a favor do sujeito passivo em momento prévio à transmissão dos créditos, há lugar à regularização a favor do Estado do montante de imposto regularizado a favor do sujeito passivo, antes da cessão dos créditos.