Doutrina Administrativa
Benefícios Fiscais : EBF, Tributação do rendimento : IRS

Processo n.º 1914/2018 – PIV nº 13958

 

Assunto
Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais – Rendimentos provenientes de propriedade intelectual
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 5 de Julho, 2019
Número: 1914/2018
Diploma: CIRS / EBF
Artigo: 81.º; 58.º

Síntese Comentada

A questão em análise prende-se com a qualificação de determinados rendimentos obtidos por uma cidadã holandesa no seu país de origem, na perspetiva de se tornar residente não habitual em Portugal. Sendo escritora, aufere royalties (direitos de autor) pagos pela entidade holandesa equivalente à SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e pagamentos diretos de empresas criadoras[...]

Conteúdo exclusivo para assinantes

Ver planos e ofertas

Criar conta gratuita Ver planos e ofertas Já sou assinante

Doutrina

Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais – Rendimentos provenientes de propriedade intelectual

Vem a Requerente efetuar um pedido de informação vinculativa no qual solicita o enquadramento fiscal da situação que descreve no respetivo pedido e que infra se sintetiza:
• A Requerente, cidadã de nacionalidade holandesa, residente em Portugal desde 02/05/2018, perspetiva vir a requerer o regime de residente não habitual em Portugal. Nessa medida, na hipótese de vir a ser reconhecida como residente não habitual em Portugal, pretende saber como serão enquadrados os rendimentos que recebe para efeitos de IRS.
• Para esse efeito, descreve o tipo de rendimentos em causa, nos seguintes termos:
- A Requerente é escritora.
- No âmbito dessa atividade, a Autora escreve guiões para séries de televisão (“scriptwriter"). Os seus Clientes são empresas holandesas (não estabelecidas em Portugal), criadoras de conteúdos televisivos – estes serviços representam o grosso dos seus rendimentos anuais. Esporadicamente, escreve conteúdos para sites e blogues de empresas dos mais diversos setores de atividade.
- No âmbito da sua atividade é remunerada da seguinte forma: a) através dos pagamentos de royalties (neste caso, “direitos de autor") efetuados pela sociedade “Lira", equivalente holandês à SPA (Sociedade Portuguesa de Autores); b) através dos pagamentos realizados pelas empresas de entretenimento para as quais a Requerente escreve os guiões para séries e programas de televisão; c) através dos pagamentos realizados pelas empresas que encomendam a redação dos conteúdos para sites e blogues.

• Após efetuar a descrição dos rendimentos que aufere, a Requerente apresenta a qualificação jurídico-tributária que faz dos mesmos, solicitando a respetiva confirmação.
• Invoca a Requerente que os rendimentos das atividades por si desenvolvidas devem ser, todos eles qualificados como royalties, e, como tal, porque são rendimentos de fonte estrangeira, serão isentos de IRS em Portugal face ao disposto nos artigos 81º, n.º 5, alínea a), do CIRS em conjugação com o artigo 12º, n.º 2, da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda.
• Contudo, acrescenta, posteriormente, a Requerente, que caso assim não se entenda, relativamente aos rendimentos que não sejam pagos pela “Lira", equivalente holandês à SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), ou seja, relativamente aos rendimentos pagos diretamente à Requerente pelas empresas produtoras de conteúdos para televisão e pelas empresas que encomendam a redação de conteúdos para blogues e sites, os mesmos devem ser enquadrados como atividades de elevado valor acrescentado, enquadráveis no Código 202 da lista anexa da Portaria 12/2010 de 7 de Janeiro, pois essa Lista, deve ser interpretada à luz dos CAE em vigor à data da Portaria, e segundo o CAE Ver. 3, as atividades desenvolvidas pela Requerente são qualificáveis como atividades artísticas (Código 90030).

Informa-se:

1 - Quanto aos pagamentos de “direitos de autor" efetuados pela sociedade “Lira", equivalente holandês à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)
Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea c) do CIRS:
1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
(…)
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
"

Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS são rendimentos que decorrem da autoria/criações de obras do domínio literário, artístico ou científico, no exercício de uma atividade autoral independente, que têm como fonte a exploração económica dos direitos de autor, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros por parte do autor/criador intelectual, titular originário dos direitos de autor.

São estes os elementos diferenciadores de outros rendimentos da categoria B, mormente, dos decorrentes de prestações de serviços, incluindo as de caráter científico, artístico ou técnico.

De acordo com os factos descritos pela Requerente no seu pedido de informação vinculativa, no âmbito da sua atividade de escritora de guiões para séries de televisão (“scriptwriter"), esta é remunerada, entre outras formas, através do pagamento de royalties (direitos de autor) efetuados pela sociedade “Lira", equivalente holandês à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).

De acordo com a informação constante do site oficial da SPA [http://www.spautores.pt/spa/quem-somos], “A SPA autoriza a utilização das obras dos titulares de direitos de autor que representa (nacionais e estrangeiros, quer sejam autores, seus sucessores ou cessionários), fixa as condições dessa utilização, cobra os direitos correspondentes a essa utilização e distribui os montantes cobrados, após dedução das comissões, pelos titulares dos respetivos direitos.

A SPA representa os autores portugueses de todas as disciplinas literárias e artísticas, seus sucessores e cessionários, que nela se acham inscritos.

A SPA representa ainda os autores, sucessores e cessionários inscritos em perto de 200 sociedades congéneres, existentes em cerca de 90 países de todos os continentes, com as quais a SPA mantém relações contratuais recíprocas, cuja lista se encontra no site oficial da SPA, sendo que da referida lista consta entre as várias Sociedades Estrangeiras com contratos com a SPA, a LIRA – LITERAIRE RECHTEN AUTEURS - Países Baixos"

Assim, de acordo com os factos em presença, tudo aponta no sentido de que os rendimentos em causa constituem efetivamente, rendimentos decorrentes da autoria/criações de obras do domínio literário, artístico ou científico, no exercício de uma atividade autoral independente, que têm como fonte a exploração económica dos direitos de autor, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros por parte do autor/criador intelectual, titular originário dos direitos de autor, pelo que, e neste pressuposto, considerase que os rendimentos em causa consubstanciam rendimentos provenientes da propriedade intelectual.

Feito o enquadramento dos rendimentos em questão, cabe aferir do seu tratamento fiscal, no âmbito do regime fiscal dos residentes não habituais.

Estabelece o n.º 5 do art.º 81.º do CIRS, o seguinte:

5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou (…)
"

Ou seja, aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, provenientes da propriedade intelectual (como é o caso), aplica-se o método de isenção, desde que, neste caso, possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado.

No caso em apreço, existe Convenção para eliminar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, publicada no Diário da República n.º 159/2000, Série I-A de 2000-07-12, cujo artigo 12º prevê o seguinte:

Artigo 12.º - Royalties
1 - As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2 - No entanto, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto das royalties.
As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, a forma de aplicar este limite.
(…)

4 - O termo «royalties», usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo filmes cinematográficos, filmes ou gravações para difusão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico."

Nestes termos,
i) correspondendo os rendimentos em apreciação, a rendimentos provenientes da propriedade intelectual, nos termos do artigo 3.º, n.º 5, do CIRS, e
ii) podendo estes rendimentos ser tributados no outro Estado Contratante (neste caso, na Holanda, o Estado da fonte dos rendimentos), de acordo com o n.º 2 do artigo 12.º da CDT celebrada entre Portugal e a Holanda,

Os mesmos estão isentos em Portugal, no âmbito do regime fiscal dos residentes não habituais, nos termos do disposto no artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do CIRS.

2 - Quanto aos pagamentos efetuados pela criação de conteúdos para televisão, bem como, relativamente aos pagamentos devidos pela redação de conteúdos para sites e blogues
Tal como supra se explicitou, os rendimentos provenientes da propriedade intelectual previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS são rendimentos que reúnem cumulativamente os seguintes requisitos:
• são rendimentos que decorrem da autoria/criação de obras do domínio literário, artístico ou científico;
• no exercício de uma atividade autoral independente;
que têm como fonte a exploração económica dos direitos de autor, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros;
• por parte do autor/criador intelectual, titular originário dos direitos de autor.

São estes os elementos que distinguem os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, de outros rendimentos da categoria B, mormente, dos decorrentes de prestações de serviços, incluindo as de caráter científico, artístico ou técnico. Os primeiros, contemplados na alínea b) e os segundos na alínea c), ambos do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.

De acordo com os factos descritos pela Requerente no seu pedido de informação vinculativa, no âmbito da sua atividade de escritora, esta é remunerada, de diferentes formas: através do pagamento de royalties (direitos de autor) efetuados pela sociedade “Lira", equivalente holandês à SPA, bem como, através de pagamentos efetuados diretamente à Requerente pelas empresas para as quais esta escreve conteúdos para televisão, sites e blogues.

Nestes termos, enquanto os pagamentos correspondentes a direitos de autor, consubstanciam rendimentos da propriedade intelectual, nos termos supra explicitados, os pagamentos efetuados diretamente à Requerente pelas empresas para as quais esta escreve conteúdos para televisão, sites e blogues, consubstanciam rendimentos decorrentes da prestação de serviços de escritora e não rendimentos da propriedade intelectual.

Porquanto, estes não são provenientes da exploração económica dos direitos de autor sobre as obras realizadas, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros, i.é, não são rendimentos provenientes da transmissão, disposição, fruição ou oneração dos direitos de autor incidentes sobre a obra.

O facto de o trabalho desenvolvido consubstanciar uma criação artística (mesmo que protegida por direitos de autor) não significa, por si só, que os rendimentos que daí resultem sejam, todos eles, necessariamente, provenientes de propriedade intelectual.

Os rendimentos daí decorrentes podem ser de diversa natureza. Tanto podem consubstanciar remuneração pelo uso ou concessão de uso dessa obra e, nesse caso, tratarem-se de rendimentos provenientes de direitos de autor, como podem constituir apenas a remuneração da prestação de serviços de escritora. Como acontece no caso em análise.

Assim, os pagamentos efetuados pela criação de conteúdos para televisão, para sites e blogues são considerados rendimentos empresariais e profissionais (categoria B), auferidos no exercício por conta própria de uma atividade de prestação de serviços, de caráter cientifico, artístico ou técnico, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS.

Feito o enquadramento dos rendimentos em questão, como prestações de serviços, cabe aferir do seu tratamento fiscal, no âmbito do regime fiscal dos residentes não habituais.

Estabelece o n.º 5 do art.º 81.º do CIRS, o seguinte:
5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, (…) aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou (…)
"

No caso em apreço, está-se perante rendimentos de fonte estrangeira, obtidos por residentes não habituais, auferidos no âmbito da categoria B, em atividades de prestação de serviços, com carácter científico, artístico ou técnico.

Porém, constitui também pressuposto (cumulativo) da aplicação do regime, tratar-se de uma atividade de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Não basta que estejamos perante uma atividade de prestação de serviços de carácter científico, artístico ou técnico, exige o preceito, que se trate de atividade de elevado valor acrescentado nos termos definidos em Portaria.

Nos termos da Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, as atividades consideradas como de elevado valor acrescentado, para efeitos da aplicação do regime dos residentes não habituais (nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º e do n.º 5 do artigo 81.º do CIRS) são as que aí se encontram expressamente previstas, na lista fechada aí consagrada.

Ora, a atividade de “Escritores" não se encontra prevista em nenhum dos códigos da tabela aprovada pela identificada Portaria.

Designadamente, no que respeita às atividades do código 2 - “Artistas plásticos, atores e músicos", apenas as atividades aí previstas relevam para efeitos da aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, como sendo atividades de elevado valor acrescentado.

Vejamos,
2 - Artistas plásticos, atores e músicos:
201 - Artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão;
202 - Cantores;
203 - Escultores;
204 - Músicos;
205 - Pintores.
"

Resulta assim que a atividade em causa não se encontra prevista como atividade de elevado valor acrescentado, nos termos definidos na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, para efeitos da aplicação do regime dos residentes não habituais.

Nestes termos, estando-se na presença de rendimentos obtidos no estrangeiro, por um residente em Portugal, e não beneficiando estes rendimentos do regime fiscal para residentes não habituais, os mesmos serão tributados em território português, de acordo com as regras gerais estabelecidas no CIRS.

Neste caso, em obediência ao princípio estabelecido no artigo 15.º, n.º 1, do CIRS, e tendo em conta a existência de Convenção para eliminar a dupla tributação celebrada entre Portugal e a Holanda, estes rendimentos serão tributados de acordo com o previsto na referida Convenção.

CONCLUSÃO:
Nos termos e com os fundamentos supra expostos:
i. confirma-se o enquadramento proposto pela Requerente quanto aos pagamentos de “direitos de autor" efetuados pela sociedade “Lira", equivalente holandês à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)
ii. não se confirma o enquadramento proposto pela Requerente quanto aos pagamentos efetuados pela criação de conteúdos para televisão, bem como, relativamente aos pagamentos devidos pela redação de conteúdos para sites e blogues.