28 de Agosto, 2024
Diário da República n.º 166/2024, Série I de 2024-08-28
- Portaria n.º 195/2024/1
Nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária foi apresentado um pedido de informação vinculativa quanto ao enquadramento da seguinte situação jurídico-tributária:
b) Pretende proceder à transformação em sociedade unipessoal por quotas através da realização do capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício de uma atividade empresarial;
c) Face ao enquadramento factual considera-se que o imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento comercial em análise é propriedade da ora requerente e que inexiste qualquer contrato de arrendamento relativamente àquele, e que a transmissão da totalidade do património afeto ao exercício da atividade empresarial não inclui a transmissão de qualquer direito de arrendamento para fins não habitacionais.
1. ANÁLISE
A
Pode ler-se no Preâmbulo ao Código do Imposto do Selo que "por razões de equidade e uniformidade, passam a incluir-se na mesma verba os trespasses de estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas". Se no que diz respeito às "subconcessões e os trespasses das concessões feitas pelo Estado ou autarquias locais para a exploração de empresas industriais de qualquer natureza, tenha ou não principiado a exploração" já existia norma de incidência sobre essa realidade no n.º 1, do artigo 8.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), o mesmo não sucedia com o trespasse de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola.
Em sede de CIMSISD, havia sujeição a Sisa quando o concessionário vendia a outrem a sua posição no serviço, constituindo matéria tributável do acto, o preço pago pela aquisição do direito de exploração e pelo conjunto de outros bens que com ele fossem alienados. Sempre que a título oneroso houvesse a transmissão da concessão, de uma, para outra entidade distinta, havia sujeição a Sisa. Registe-se ainda que até 31.12.2003 estas realidades só eram tributadas em imposto do selo pela Verba 8 - o escrito/contrato.
O texto da epígrafe da verba 27 da
A lei fiscal não define a figura jurídica do trespasse, porém, em consonância com o previsto no n.º 2 do
Se o direito fiscal se mostrar insuficiente deve o intérprete procurar a resposta à dúvida que se lhe coloca nos "outros ramos de direito", dando-se prevalência ao direito civil, é certo, mas aceitando-se também os contributos de outros ramos. O legislador veio salvaguardar no n.º 3 do
A lei fiscal apenas nos diz que o trespasse traduz uma realidade jurídicoeconómica caracterizada por uma transferência onerosa de atividade(s) ou de exploração de serviço(s), no entanto, e em sede do Imposto do Selo - transmissões gratuitas, a alínea b) do n.º 1 do
Nunca foi acolhido na lei pré-fiscal, civil ou comercial, portuguesa, qualquer conceito de trespasse, tendo o mesmo apenas alguns reflexos no regime do arrendamento urbano. Em face deste relativo vazio legal, tal conceito foi sendo cultivado pela doutrina, bem como burilado pela jurisprudência.
No itinerário pela lei pré-fiscal, somos, então, conduzidos ao regime do arrendamento urbano, para fins não habitacionais. Antes do atual Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25/11/1966, encontrava-se o trespasse disciplinado pelo artigo 64.º da Lei n.º 2030, de 22/06/1948.
Com a entrada em vigor deste diploma legal, a 01/06/1967, importa chamar à colação o n.º 2 do respetivo
Com a subtracção desta matéria ao Código Civil, operada pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10, e a sua passagem para o Regime do Arrendamento Urbano, esta questão muito concreta passou a estar prevista pelo n.º 2 do respetivo
Com a reposição desta matéria no Código Civil, operada pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, e mantida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, a mesma questão passou a estar regulada no n.º 2 do respetivo
Comentando todo este enquadramento legal de natureza pré-fiscal, que, como se deixou demonstrado, praticamente se cinge ao arrendamento urbano, dir-se-á que, durante muitos anos, o elevado valor atingido pelos trespasses só era explicável pelo facto de se passar a dispor de um estabelecimento comercial bem situado, com clientela feita, e pelo qual se pagava uma renda baixa, insusceptível de aumento. Independentemente de qualquer flutuação económica, ocorreram três fatores, de natureza estritamente jurídica, que alteraram radicalmente toda a situação descrita, fazendo cair vertiginosamente o valor dos trespasses, qualquer deles inquestionavelmente intencional, e com origem no Regime do Arrendamento Urbano: a) por um lado, passou a ser possível estabelecer uma duração limitada nos contratos de arrendamento; b) por outro lado, passou a ser possível aumentar o valor das rendas; c) e, por fim, o senhorio passou a dispor de um direito de preferência perante qualquer trespasse efectuado a título oneroso.
Em termos tributários, esta realidade só veio a ser considerada por via do Código do Imposto de Mais-Valias, o qual vigorou nos 23 anos e meio que decorreram entre 01/07/1965 e 31/12/1988. De uma forma mais analítica, dir-se-á que o trespassante - isto é, aquele que dá de trespasse – suportava Imposto de Mais-Valias, enquanto que o trespassário - isto é, aquele que toma de trespasse - suportava os emolumentos notariais inerentes a celebração da escritura publica de trespasse, bem como o imposto do selo, na base da verba 61 da respectiva Tabela Geral, a qual revestia caráter meramente residual.
Com a denominada Reforma da Tributação do Património, o enquadramento júridico-tributário do trespasse alterou-se, na medida em que passou a estar previsto expressamente, deixando, portanto, de lhe ser aplicável qualquer disposição residual. Assim, o artigo 68.º da Lei n.º 26/2003, de 30/07, diploma legal de autorização daquela reforma, estabeleceu diretamente a sujeição a imposto do selo, por via do aditamento da verba 27.1 à respetiva
Prestadas estas explicações, dir-se-á que os trespasses são atualmente tributados nos termos que se passam a enunciar. O trespassante - isto é, aquele que dá de trespasse - suporta IRS, enquanto que o trespassário - isto é, aquele que toma de trespasse - suporta o imposto do selo, na base da verba 27.1 da respetiva
Para além da verba 27.1 da
Dito de outro modo, em face da lei atual, não se afigura aceitável sustentar a tributação, em sede de imposto do selo, de trespasses que não integrem uma situação de arrendamento urbano para fins não habitacionais.
Refira-se que a situação concreta em apreciação é, ainda assim, sujeita a imposto do selo, não na base da verba 27 da
2. CONCLUSÃO
Em face da lei atual deve entender-se que só incide imposto do selo da verba 27.1 da
28 de Agosto, 2024
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