28 de Agosto, 2024
Diário da República n.º 166/2024, Série I de 2024-08-28
- Portaria n.º 195/2024/1
23 de Setembro, 2016
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Criar conta gratuita Ver planos e ofertas Já sou assinanteNos termos do art.º 68.º da Lei Geral Tributária foi apresentado um pedido de informação vinculativa sobre a sujeição a Imposto do Selo do trustee numa situação de distribuição do produto da liquidação de um trust pelos seus beneficiários.
FACTOS
1 – Em 1970, foi celebrado um contrato entre Portugal e Y, então sociedade de direito português.
2 – No uso dos poderes que lhe foram conferidos por aquele contrato, o conselho de administração da Y investiu parte do valor de uma reserva dessa sociedade no capital social da Z, sociedade de direito luxemburguês.
3 – No âmbito da descolonização, a Y transferiu a sua sede para Angola, passando a ser uma sociedade de direito angolano.
4 – E, para proteção do investimento mencionado no ponto 2, a Y transferiu a sua participação na Z para um trust de direito inglês, do qual são beneficiários os antigos acionistas daquela sociedade angolana que não tenham adquirido as suas ações, em virtude de confisco ou expropriação.
5 – O requerente, NIF…, é um dos trustees do referido trust, no entanto, o mesmo não foi por si constituído, nem é seu beneficiário.
6 – Os únicos bens à guarda do trust são a participação detida na Z pela Y e um crédito sobre a Z decorrente de anterior redução do capital social desta, cujo valor ainda não foi reembolsado.
6 – Os trustees pretendem liquidar e dissolver a Z e distribuir pelos beneficiários do trust o produto dessa liquidação, bem como o crédito anteriormente referido.
7 – Na sequência desta distribuição, poderá ou não o trust ser extinto.
8 – Os pagamentos aos beneficiários serão efetuados a cada um deles diretamente pela Z, no âmbito da sua liquidação, nada sendo recebido pelos trustees.
9 – Em face do exposto, pretende que lhe seja prestada uma informação vinculativa, nos termos do art.º 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), esclarecendo se:
ii) Deve proceder à retenção e entrega de Imposto do Selo na situação exposta e, em caso afirmativo, qual é a taxa de retenção;
iii) Os beneficiários estão sujeitos a Imposto do Selo relativamente aos valores que lhes venham a ser entregues, sendo certo que o trust não foi por eles constituído.
ANÁLISE DO PEDIDO
Antes de se responder às questões apresentadas pelo contribuinte, afigura-senos importante fazer um breve enquadramento da figura do trust.
Em traços gerais, o trust é uma estrutura fiduciária, de origem anglosaxónica, que se consubstancia na transmissão da propriedade de bens ou direitos detidos pelo settlor para uma outra pessoa administrar (trustee), por um determinado período de tempo, com a finalidade do rendimento desses bens ou direitos reverter para alguém (beneficiário), o qual pode ser o settlor, o trustee ou um terceiro.
Na estrutura subjetiva do trust existem os três sujeitos referidos: o settlor, o trustee e o beneficiário.
O settlor é o fundador do trust, o qual, através de uma declaração de vontade (deed of trust), o constitui e, nessa sequência, transfere a propriedade dos seus bens ou direitos para o trustee os administrar, em benefício próprio, optando, assim, por uma administração especializada daqueles bens ou direitos por parte do trustee, ou em benefício de terceiro.
O trustee tem a titularidade da propriedade dos bens ou direitos (legal title) transferidos em trust pelo settlor, o qual os administra em nome de outrem.
As funções do trustee são de natureza fiduciária, devendo este seguir as instruções contidas no ato constitutivo do trust e definidas pelo settlor.
Também pode ser, eventualmente, beneficiário do trust. “Contudo, não pode o único trustee ser o beneficiário exclusivo do trust, porque verificar-se-ia a confusão do título legal e dos benefícios na mesma pessoa" (cfr. Verónica Scriptore Freire e Almeida, “A Tributação dos Trusts", Almedina, 2009, pág. 37).
Como foi já atrás mencionado, no que se refere ao beneficiário será ele que gozará dos rendimentos provenientes dos bens ou direitos do settlor, os quais são administrados pelo trustee.
O beneficiário poderá ser uma pessoa singular ou coletiva, escolhida pelo settlor, cuja principal função é controlar a atuação do trustee segundo as regras estipuladas no deed of trust.
Não obstante ser uma figura já há muito conhecida noutros ordenamentos jurídicos (designadamente, de common law), só com a entrada em vigor da Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), em 2015-01-01, é que as estruturas fiduciárias passaram a ser reconhecidas no sistema tributário português (com exceção do regime especial da Zona Franca da Madeira introduzido pelo Decreto-Lei n.º 352-A/88, de 3 de outubro).
Feito este enquadramento genérico da figura do trust, passemos então à resposta às questões formuladas pelo contribuinte, apenas no que se refere a Imposto do Selo:
Por sua vez, de acordo com a al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS, nas transmissões gratuitas, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários.
Ora, sendo certo que o requerente é mero trustee, nada recebendo na distribuição a efetuar conforme a situação fáctica enunciada, ou seja, não é beneficiário deste trust, não será sujeito passivo de Imposto do Selo nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 2.º do CIS, situação esta que não está, igualmente, enquadrada na previsão da al. h) do n.º 3 do art.º 1.º do CIS.
ii) Relativamente à segunda questão colocada, deve referir-se que, em sede de Imposto do Selo (transmissões gratuitas), não existe a figura da retenção na fonte.
Nos termos do n.º 1 do art.º 25.º do CIS “a liquidação do imposto devido pelas transmissões gratuitas compete aos serviços centrais da DGCI [atual AT], sendo promovida pelo serviço de finanças da residência do autor da transmissão ou do usucapiente, sempre que os mesmos residam em território nacional", devendo a transmissão ser participada de acordo com as regras contidas no art.º 26.º do CIS, designadamente a sua participação até ao final do terceiro mês seguinte ao do nascimento da obrigação tributária em qualquer serviço de finanças.
O imposto liquidado nas transmissões gratuitas é pago pela totalidade até ao fim do segundo mês seguinte ao da notificação ou durante o mês em que se vence cada uma das prestações, sendo que a notificação a efetuar é acompanhada do plano de pagamento em prestações e do desconto, devendo o interessado comunicar ao serviço de finanças competente, no prazo de 15 dias a contar da notificação, se pretende efetuar o pagamento do imposto de pronto, sendo o mesmo pago em prestações na falta de tal comunicação.
iii) Quanto à última questão apresentada, não tem legitimidade para a colocar dado que não é sujeito passivo da relação jurídica-tributária.
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