14 de Junho, 2024
Processo n.º 2021 000786/PIV 20057
Cisão-dissolução de uma sociedade em que o património transmitido servirá para constituir novas sociedades, em que cada um dos sócios da sociedade cindida ficará a deter integralmente apenas uma das socidades beneficiárias – elegibilidade da operação para efeitos regime de neutralidade fiscal
Síntese Comentada
18 de Março, 2021
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Cisão-dissolução de uma sociedade em que o património transmitido servirá para constituir novas sociedades, em que cada um dos sócios da sociedade cindida ficará a deter integralmente apenas uma das socidades beneficiárias – elegibilidade da operação para efeitos regime de neutralidade fiscal
No âmbito de uma operação de cisão-dissolução de uma sociedade detida por vários sócios, as partes sociais das novas sociedades que irão receber parte do património da sociedade cindida serão atribuídas por forma a que cada um dos sócios fique a deter apenas uma sociedade.
Pretende-se a confirmação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de que o conceito de cisão, para os efeitos da alínea b) do n.º 2 do Artigo 73.º do Código do IRC (CIRC), tendo em conta os fundamentos de direito nacional e comunitário que lhe estão subjacentes, abarca as cisões-dissoluções em que cada um dos sócios vai receber participações sociais do capital de apenas uma das sociedades beneficiárias, em proporção do montante da participação que detinham na sociedade cindida.
Porém, apenas beneficiam da aplicação deste regime especial as operações que se enquadrem numa das alíneas previstas no n.º 2 do artigo 73.º do Código do IRC, que compreende, na alínea b), a cisão-dissolução, a qual vem definida como a operação através da qual a sociedade cindida se dissolve e o seu património é dividido em duas ou mais partes, sendo cada uma delas destinada a constituir uma ou mais sociedades ou a ser fundida com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades.
Como contrapartida pelo património transmitido, os sócios da sociedade cindida recebem partes de capital da, ou das, sociedade(s) beneficiária(s).
Do regime de neutralidade fiscal
A aplicação do regime de neutralidade fiscal, previsto nos artigo 73.º e seguintes do CIRC, não abrange toda e qualquer operação de fusão, cisão e entrada de ativos, mesmo que motivada por razões de comprovado interesse económico, uma vez que resulta, claramente, do n.º 7 do artigo 73.º do Código do IRC, ao referir que “o regime especial estatuído na presente subsecção aplica-se às operações de fusão, cisão e entrada de ativos, tal como são definidas nos n.ºs 1 a 3", que só são elegíveis as operações taxativamente nele contempladas.
No caso concreto das operações de cisão-dissolução, cuja previsão legal decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 73.º do CIRC, a sua elegibilidade fica dependente de a operação em causa ter a configuração nele consignada, ou seja, tratar-se de uma sociedade (sociedade cindida) que é dissolvida e o seu património dividido em duas ou mais partes, sendo cada uma dessas partes destinada a constituir uma nova sociedade, ou a ser fundida com sociedades já existentes ou com partes de património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade, mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas sociedades, podendo a operação envolver ainda a atribuição aos sócios de quantias em dinheiro, nas condições previstas na parte final daquela norma.
No essencial, a definição de cisão-dissolução constante do CIRC corresponde à definição constante da Diretiva n.º 2009/133/CE, de 19 de outubro, embora, contrariamente ao estabelecido na alínea b) do n.º 2 do seu artigo 3.º, não tenha sido vertido na lei interna qualquer regra de proporcionalidade a ser adotada para efeitos de cálculo da relação de troca das participações.
Do requisito da troca de participações
Não obstante, a inexistência no CIRC de uma norma expressa que condicione a aplicação do regime de neutralidade fiscal a uma determinada regra de proporcionalidade na troca de participações, tal como se encontra expressamente prevista na Diretiva 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro, a verdade é que um dos vetores deste regime reside no facto de que, fruto das operações de cisão, não resulte uma distorção dos valores das participações detidas pelos sócios nas sociedades envolvidas, quer tenham reflexos favoráveis ou desfavoráveis para os sujeitos passivos, designadamente, no que diz respeito ao apuramento dos ganhos ou perdas numa ulterior realização das partes de capital recebidas pelos sócios.
E, para que não resultem distorções, favoráveis ou desfavoráveis, é condição básica que os sócios mantenham, antes e depois das operações, o mesmo património, o qual apenas pode ser alcançado através de uma adequada relação de troca, em que o sócio da sociedade cindida deverá receber um determinado número de ações da sociedade beneficiária que traduza, proporcionalmente, valor idêntico ao património transmitido.
E, na ausência de qualquer referência a uma regra de proporcionalidade que traduza uma adequada relação de troca, tem sido entendido pela AT que essa relação deve ter em conta o valor real das sociedades envolvidas que, no caso de cisão, são as sociedades cindida e beneficiárias.
Por outro lado, se fosse, de facto, intenção do legislador delegar nos sócios, de forma arbitrária, o critério a seguir no que toca ao processo de troca de partes sociais, têlo-ia decerto consagrado de forma expressa, à imagem, de resto, do que foi feito em sede de direito societário, tal como estabelece o artigo 127.º do CSC, que determina que, “Salvo acordo diverso entre os interessados, os sócios da sociedade dissolvida por cisão-dissolução participarão em cada uma das novas sociedades na proporção que lhe caiba na primeira.".
No entanto, para efeitos fiscais, não consta qualquer norma de conteúdo semelhante ao que consta naquele artigo 127.º, que permita que os acionistas acordem diversamente do previsto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 73.º do CIRC.
Ora, se o espírito subjacente ao regime especial é o de o sócio receber uma parte da entidade que beneficiou com a transmissão de um património que era seu, parece que este desígnio só é conseguido se os sócios ficarem a deter partes de capital da(s) sociedade(s) beneficiária(s) da transmissão proporcionalmente ao valor que detinham na sociedade cindida.
Nesse contexto, a expressão “mediante a atribuição aos seus sócios de partes representativas do capital social destas últimas" só pode ser entendida como a intenção do legislador em manter a ligação do sócio da sociedade cindida com a sociedade que recebeu parte do seu património, de harmonia com o princípio da continuidade do investimento que preside ao regime de neutralidade fiscal, que, de forma intencional, decidiu deixar de fora do regime especial a possibilidade de os sócios procederem àquilo que, em substância, se considera ser uma partilha do património.
Pelo que, em suma, as operações de cisão-dissolução que tenham a particularidade de cada um dos sócios apenas receber participações sociais do capital de apenas uma das sociedades beneficiárias, não poderão ser elegíveis para efeitos do regime de neutralidade fiscal.
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