Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

Processo n.º 4369

 

Assunto
Enquadramento - Taxas - Contrato de arrendamento rural
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 4 de Fevereiro, 2013
Número: 4369
Diploma: CIVA
Artigo: 4.º - 18.º

Doutrina

Enquadramento - Taxas - Contrato de arrendamento rural

Tendo por referência o pedido de informação vinculativa solicitada, ao abrigo do art.º 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), por « ….A…», presta-se a seguinte informação.

1. O requerente, pessoa singular e sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal trimestral desde 2006-01-06, pelo exercício da atividade dos serviços relacionados com a agricultura - CAE 01610 - celebrou contrato de arrendamento rural agrícola com a Sociedade Agro-Pecuária ……

2. A questão colocada prende-se com a obrigatoriedade, ou não, da liquidação do IVA relativamente às obrigações pecuniárias estabelecidas no referido contrato de arrendamento rural.

3. Em harmonia com a alínea a) do n.º 1 do art. 1.º, conjugada com o n.º. 1 do art. 4.º, ambos do CIVA, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA.

4. No entanto, o princípio geral de tributação segundo o qual o imposto é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo de imposto prevê determinadas derrogações, entre as quais o n.º 29 do art. 9.º, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta, independentemente da natureza jurídica do negócio e da qualidade e do locador.

5. Esta isenção resulta da transposição para a ordem jurídica nacional do disposto na alínea l) do n.º 1 do art. 135.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, que estabelece que:

1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:
l) A locação de bens imóveis

6. O âmbito da aplicação desta isenção, que tem sido progressivamente desenvolvida à luz da jurisprudência comunitária, tem como vetor principal o princípio de que a norma que lhe dá forma, tratando-se de uma derrogação a um princípio geral, deve ser objeto de uma interpretação restrita.

7. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem definir o conceito de locação de imóveis para efeitos de isenção do imposto, nos seguintes termos: "é a operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário (prestação de serviços) o direito de ocupar o imóvel e dele excluir outras pessoas contra o pagamento de uma renda (contraprestação) por um prazo convencionado." (ver, entre outros, Acs. Mirror Group, C-409/98; Sinclair Collis, C-275/01; Seeling, C-269/00 e Temco Europe, C-284/03).

8. A legislação nacional define o conceito de locação de imóveis no art. 1022.º do Código Civil, e que estabelece que: " Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.".

9. Estas características do contrato de locação constituem os seus elementos essenciais, devendo não só estar presentes na operação económica em análise mas, para além disso, constituir as características predominantes nessa operação económica, mais particularmente, a locação de imóvel, no sentido de uma colocação passiva do imóvel à disposição dever corresponder à prestação preponderante da operação (ver Ac. Lindöpark, C-150/99).

10. Assim, a jurisprudência comunitária considera que toda e qualquer prestação que esteja para além deste âmbito, não deverá beneficiar da isenção.

11. São assim de excluir da isenção todas as situações que, apesar de partilharem alguns dos elementos essenciais do contrato de locação mencionados supra, caracterizam-se fundamentalmente por integrarem outras prestações de serviços conexas com a fruição do imóvel e que implicam uma exploração ativa dos bens imóveis, para além do simples gozo temporário do bem.

12. Na esteira comunitária, prevê a legislação interna no n.º 29 do art. 9.º do CIVA derrogações expressas à isenção, nomeadamente na alínea c), que dispõe que a isenção não abrange: "A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial".

13. A Administração Fiscal tem utilizado um critério preciso que permite distinguir as situações de locação de imóvel pura e simples - mero arrendamento - das outras situações em que esse arrendamento, nas condições em que é utilizado, proporciona ao locatário um determinado valor acrescentado.

14. Assim, só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins habitacionais - comerciais, industriais ou agrícolas - quando for efetuada "paredes nuas", no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou "apenas o solo" no caso de prédios rústicos.

15. O conceito de "paredes nuas" não se limita ao facto de a locação ser acompanhada, ou não, de bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, estando intrinsecamente relacionado com a aptidão produtiva do imóvel, ou seja, a preparação para o exercício de uma actividade empresarial.

16. Deste modo, o arrendamento de um terreno (compreendendo apenas o solo) destinado a cultura agrícola, ainda que de caráter sazonal, está isento de IVA ao abrigo do n.º 29 do art. 9.º do CIVA, se:
- Não for antecedido da prévia preparação do terreno mediante operações de drenagem, lavra, socalcagem, sulcagem ou outras que sejam abrangidas pelo conceito de benfeitorias úteis;
- No terreno não se achar implantada qualquer obra (poços, furos, diques de rega) construída com caráter de benfeitoria ou adquirida por acessão industrial imobiliária nos termos dos arts. 1339.º e seguintes do Código Civil.

17. A suceder tal estaríamos perante a figura do contrato misto inominado, que em termos de IVA não poderia beneficiar da isenção, por configurar a exceção a que se refere a alínea c) do mesmo preceito, por respeitar a espaços concebidos e vocacionados para o desenvolvimento de uma atividade económica.

18. Pela leitura do intróito, assim como das cláusulas 7.ª, 11.ª e alínea a) da 13.ª do contrato de arrendamento facultado pelo requerente, verifica-se que, embora o contrato contenha os elementos que tipificam a locação de um imóvel, o mesmo apresenta simultânea e indissociavelmente outras características que se não podem adaptar à pureza do conceito, uma vez que, com o arrendamento, é igualmente cedido o direito à utilização das infraestruturas já existentes nos prédios objeto do referido contrato.

19. Entende-se, assim, em conclusão, que a locação dos prédios rústicos em causa, com a cedência de utilização das respetivas infraestruturas de apoio, é uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, por aplicação conjugada do n.º 1 do art. 4.º e alínea c) do n.º 29 do art. 9.º, ambos do CIVA, pelo que o requerente tem de liquidar IVA relativamente ao contrato de arrendamento rural.