Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

Processo n.º 9349

 

Assunto
Localização de operações - Serviços por via eletrónica - Desenvolvimento de aplicações para dispositivos móveis que são publicadas em lojas online - Remuneração feita através de uma comissão
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 16 de Dezembro, 2015
Número: 9349
Diploma: CIVA
Artigo: 6.º

Doutrina

Localização de operações - Serviços por via eletrónica - Desenvolvimento de aplicações para dispositivos móveis que são publicadas em lojas online - Remuneração feita através de uma comissão

Tendo por referência o pedido de informação vinculativa solicitada, ao abrigo do art.° 68.° da Lei Geral Tributária (LGT), presta-se a seguinte informação.

1. O requerente encontra-se registado para efeitos de IVA, com a atividade de "Atividades de Programação Informática" - CAE principal 62010, desde 01/01/2012 registado como sujeito passivo que efetua operações que conferem direito à dedução, enquadrado no regime de isenção do art.º 53.º do CIVA.

2. No âmbito da sua atividade, "desenvolve aplicações para dispositivos móveis que são publicadas nas lojas online da xxx (xxx Play) e da zzz (zzzStore)", sendo remunerado através de "uma comissão de (…)% ficando a zzz/xxx com os restantes (…)%". Mais informa que a propriedade intelectual das "aplicações" e do "código fonte" é titulada por si.

3. Nesse âmbito, o requerente pretende saber como se enquadra "no IVA a declarar, dado que não" recebe "IVA de nenhuma das entidades estrangeiras".

4. A lista exemplificativa das prestações de serviços por via eletrónica, constante do Anexo D, é quase totalmente idêntica ao anexo II da Diretiva 2006/112/CE, incluindo os seguintes serviços:
"1 - Fornecimento de sítios informáticos, domiciliação de páginas web, manutenção à distância de programas e equipamentos.
"2 - Fornecimento de programas e respetiva atualização.
"3 - Fornecimento de imagens, textos e informações e disponibilização de bases de dados.
"4 - Fornecimento de música, filmes e jogos, incluindo jogos de azar e a dinheiro, e de emissões ou manifestações políticas, culturais, artísticas, desportivas, científicas ou de lazer.
"5 - Prestação de serviços de ensino à distância.
"Quando o prestador de serviços e o seu cliente comunicam por correio eletrónico, esse facto não significa, por si só, que o serviço seja prestado por via eletrónica."

5. O Regulamento de Execução (EU) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, define no seu art.º 7.º, n.º 1, que "entende-se por «serviços prestados por via eletrónica» a que se refere a Diretiva 2006/112/CE, os serviços que são prestados através da Internet ou de uma rede eletrónica e cuja natureza torna a sua prestação essencialmente automatizada, requerendo uma intervenção humana mínima, e que são impossíveis de assegurar na ausência de tecnologias da informação."

6. O n.º 2 do art. 7.º do referido Regulamento de Execução concretiza a noção de «serviços prestados por via eletrónica» incluindo nesse conceito os seguintes serviços:
a) Fornecimento de produtos digitalizados em geral, nomeadamente os programas informáticos e respetivas alterações e atualizações;
b) Serviços de criação ou de apoio à presença de empresas ou de particulares numa rede eletrónica, tais como um sítio ou uma página Internet;
c) Serviços gerados automaticamente por computador através da Internet ou de uma rede eletrónica, em resposta a dados específicos introduzidos pelo destinatário;
d) Concessão, a título oneroso, do direito de colocar um bem ou um serviço à venda num sítio Internet que funciona como mercado em linha, em que os compradores potenciais fazem as suas ofertas através de um processo automatizado e em que as partes são prevenidas da realização de uma venda através de um correio eletrónico gerado automaticamente por computador;
e) Pacotes de fornecimento de serviços Internet (ISP) em que a componente telecomunicações constitui um elemento auxiliar e secundário (ou seja, pacotes que vão além do mero acesso à Internet e que compreendem outros elementos, tais como páginas de conteúdo que dão acesso a notícias e a informações meteorológicas ou turísticas, espaços de jogo, alojamento de sítios, acesso a debates em linha, etc.);
f) Serviços enumerados no anexo I.

7. No anexo I ao referido Regulamento de Execução encontramos uma lista de serviços prestados por via eletrónica, entre os quais os correspondentes ao ponto 3 do anexo II da Diretiva e do anexo D do CIVA que são:
a) Acesso ou descarregamento de temas para a área de trabalho (desktop);
b) Acesso ou descarregamento de fotos, imagens ou protetores de ecrã (screensavers);
c) Conteúdo digitalizado de livros e outras publicações eletrónicas;
d) Assinatura de jornais e revistas em linha;
e) Diários web (weblogs) e estatísticas de consulta de sítios web;
f) Notícias, informações de trânsito e boletins meteorológicos em linha;
g) Informações em linha geradas automaticamente por programas informáticos a partir de dados específicos introduzidos pelo adquirente ou destinatário, tais como dados jurídicos e financeiros, incluindo cotações das bolsas de valores continuamente atualizadas;
h) Oferta de espaços publicitários, nomeadamente de faixas publicitárias em páginas/sítios web;
i) Utilização de motores de busca e de diretórios da Internet.

8. As operações realizadas pelo Requerente através das aplicações para dispositivos de comunicações móveis correspondem ao conceito de serviços por via eletrónica.

9. A questão colocada prende-se, também, com as regras de localização das prestações de serviços que se encontram previstas no art.º 6.º do CIVA.

10. De acordo com a regra geral de localização, prevista no art.º 6.º, n.º 6, do CIVA, as prestações de serviços consideram-se efetuadas e tributáveis em território nacional:
10.1. Quando o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo de IVA, devidamente registado, e tenha utilizado o respetivo número de identificação fiscal para efetuar a aquisição do serviço, cuja sede, estabelecimento estável ou, na falta dele, o domicílio, para o qual são prestados, se situe no território nacional - alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º;
10.2. Quando o adquirente dos serviços for uma pessoa que não seja sujeito passivo de IVA, e o prestador tenha no território nacional a sede da sua atividade, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados - alínea b) do n.º 6 do art.º 6.º.

11. Estas regras no entanto, comportam exceções, algumas das quais comuns às duas regras gerais, como sejam as previstas nos n.ºs 7, 8 e 12 do art.º 6.º do CIVA, outras à regra geral das prestações de serviços efetuadas por sujeitos passivos a não sujeitos passivos - n.ºs 9, 10 e 11 do art.º 6.º do CIVA.

12. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2014, que transpõe para a ordem jurídica interna o art.º 5.º da Diretiva 2008/8/CE do Conselho (que altera a Diretiva 2006/112/CE do Conselho), foi alterada a redação do art.º 6.º do CIVA, relativamente à regra de localização aplicável às prestações de serviços de telecomunicações, serviços de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica, efetuadas a não sujeitos passivos.

13. Os n.ºs 9 e 10 do art.º 6.º afastam a regra geral de localização estabelecida na al. b) do n.º 6 do mesmo artigo, considerando localizadas ou não localizadas no território nacional, respetivamente, certas operações efetuadas a pessoas que não sejam sujeitos passivos, independentemente do local a partir do qual os serviços são prestados. E, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 158/2014 (a 1 de janeiro de 2015), aos n.ºs 9 e 10 do art.º 6.º, foi aditada a alínea h) que contempla as "prestações de serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica, nomeadamente os descritos no anexo D".

14. Efetivamente, os referidos serviços são enquadráveis nas listas exemplificativas de prestações de serviços por via eletrónica, do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, nomeadamente na alínea c) do n.º 2 do art.º 7.º que refere: "Serviços gerados automaticamente por computador através da Internet ou de uma rede eletrónica, em resposta a dados específicos introduzidos pelo destinatário".

15. Sucede que o requerente faz o seu pedido de informação no âmbito de uma relação comercial com dois sujeitos passivos de IVA estabelecidos fora do território nacional - a xxx e a zzz.

16. Essa relação comercial consiste na publicitação e na distribuição da aplicação, titulada pelo requerente, através do licenciamento dos direitos de propriedade intelectual da aplicação aos portais online xxx Play e zzz Store.

17. Como contraprestação, o requerente aufere (…)% do valor das "vendas" da aplicação através dos referidos portais.

18. Considerando este tipo contratual, há que analisar os seus traços gerais. Em termos genéricos, um contrato de licenciamento de direitos de propriedade intelectual corresponde a uma parceria ou acordo entre o seu titular ou detentor (licenciante) e um terceiro que é autorizado a utilizá-los (licenciado) a troco de um pagamento acordado (remuneração ou royalty) ou outro tipo de contrapartida.

19. As chamadas "licenças" de know-how não são contratos de licenciamento em sentido próprio, dado que nem a legislação internacional nem a nacional protegem o know-how através de um direito de exclusivo. Ao invés, a proteção é limitada ao direito de acesso ao respetivo segredo comercial. Esta diferença de natureza implica necessariamente, por parte de licenciante e licenciado, cuidado especial na identificação das fronteiras entre o direito de propriedade intelectual concreto e o know-how objeto do contrato, assim como na redação das respetivas provisões contratuais.

20. Os contratos de licenciamento distinguem-se dos contratos de transmissão ou cessão de direitos de propriedade intelectual. Nos primeiros autoriza-se a utilização de um determinado bem intelectual, definindo-se contratualmente os termos e condições da mesma. Nos segundos transmite-se a titularidade da propriedade intelectual para o comprador ou transmissário. Entre licenças e transmissões existem não só diferenças relevantes ao nível das formalidades, mas também zonas de fronteira.

21. Uma das áreas em que a "transversalidade comercial" dos direitos de propriedade intelectual é mais notória é a da inovação tecnológica, como é o caso das aplicações para dispositivos móveis, onde o ciclo de vida de um produto pode implicar múltiplas formas de proteção.

22. A gestão correta das obrigações contratuais no licenciamento dos direitos de propriedade intelectual pressupõe a análise dos contratos que regulam os respetivos direitos de propriedade intelectual e a definição de políticas internas de utilização dos mesmos, a combinação dos quais permitirá não só evitar infração de direitos de terceiros mas também a valorização da propriedade intelectual do seu titular.

23. No âmbito do pedido de informação vinculativo, foi solicitado ao Requerente o envio de cópia dos contratos celebrados com os clientes, nomeadamente xxx e zzz, para se analisar em concreto se as operações em causa se tratam de uma comissão pela venda da aplicação ou de uma transmissão de know-how ou propriedade intelectual.

24. Como se pode ler no ponto 5.4. do "Contrato de Distribuição para Programadores do xxx Play", enviado pelo Requerente, "O Utilizador concede à xxx uma licença não exclusiva, mundial e vitalícia para executar, apresentar e utilizar o Produto no Dispositivo. A seu critério, o Utilizador poderá incluir um contrato de licença de utilizador final (CLUF) no Produto, para estabelecer os direitos do utilizador em relação ao Produto, em substituição da frase anterior".

25. No mesmo Contrato, agora no ponto 5.5., temos que "O Utilizador afiança e garante que detém todos os direitos de propriedade intelectual, incluindo todas as patentes, marcas comerciais, segredos comerciais, direitos de autor ou outros direitos de propriedade do Produto e do que a ele se refere. Se o utilizador utilizar materiais de terceiros, afiança e garante que tem o direito de distribuir esse material no Produto. O Utilizador concorda que não enviará para a Loja material que esteja protegido por direitos de autor ou por segredo comercial, ou que esteja sujeito, de qualquer outra forma, a direitos de propriedade de terceiros, incluindo direitos de patentes, de privacidade e de publicidade, a menos que seja o proprietário de tais direitos ou tenha autorização do seu legítimo proprietário para enviar o material".

26. Deste modo, considerando que a situação em análise não é abrangida por qualquer das regras específicas previstas nos números 7, 8 e 12 do art.º 6.º, é aplicável a regra geral de localização das prestações de serviços prevista na alínea a) do n.º 6.

27. Assim, dado tratar-se de uma operação entre entidades no âmbito de uma relação comercial, em que o prestador de serviços se encontra estabelecido em Portugal (o licenciante dos direitos de propriedade intelectual da aplicação) e os adquirentes dos serviços se encontram estabelecidos fora do território nacional (os divulgadores e distribuidores da aplicação, licenciados dos direitos de propriedade intelectual daquela), as prestações de serviços em causa não são localizadas nem tributáveis no território nacional, por aplicação da regra geral prevista no art.º 6.º, n.º 6 al. a) à contrario.

28. Uma vez que as operações não se localizam no território nacional, as faturas são emitidas sem IVA, devendo conter elementos mencionados no n.º 5 do art.º 36.º, nomeadamente "o motivo justificativo da não aplicação do imposto" [al. e)], ou seja, conforme o n.º 13 do art.º 36.º do CIVA deve constar a menção "IVA - autoliquidação".

29. Ademais, mesmo que a operação se localizasse no território nacional é de salientar que o prestador de serviços (requerente) está abrangido pelo regime especial de isenção do art.º 53.º do CIVA, pelo que o mesmo não liquidaria IVA.

30. Pelo enquadramento do requerente no regime especial de isenção do art.º 53.º do CIVA, o mesmo não tem direito a deduzir o IVA suportado para a realização de operações, sejam ou não localizadas em território nacional.