Jurisprudência

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – Processo n.º 3814/19.4T8LSB-F.L1.S2

 

Número: 3814/19.4T8LSB-F.L1.S2
Data: 9 de Julho, 2025
Tipo: Tribunais Judiciais
Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça

Sumário

I. A al. d) do art. 186º, 2, do CIRE – disposição de bens do devedor insolvente em proveito pessoal ou de terceiros –, enquanto conduta de criação ou agravação da insolvência para efeitos da sua qualificação como “culposa” (art. 186º, 1, do CIRE), abrange os actos de alienação que constituam um aproveitamento indevido (enquanto desleal) dos bens sociais para o favorecimento de certos terceiros credores, através de pagamentos feitos directamente pelo devedor ou através do transmissário (assuntor de dívidas) nessa alienação, em detrimento de outros credores num contexto de crise de solvabilidade e de proximidade à insolvência, traduzindo uma lesão no direito dos credores não pagos em ver cobrado o seu crédito na liquidação da massa insolvente constituída no processo de insolvência (dano de proporção ou de quota), em face da repercussão na garantia patrimonial que serviria para o pagamento concursal e igualitário de todos os credores da insolvência e para o pagamento de todos eles com respeito pelas regras de hierarquia e graduação dos créditos sobre a insolvência (e sem que tal satisfação, perante a crise empresarial manifesta, tenha logrado restaurar a situação económico-patrimonial da sociedade e evitado a insolvência).
II. Mesmo perante prestações devidas e com contrapartida idónea e legítima (sem prejuízo patrimonial), tais alienações são censuradas objectivamente (sem exigência de animus de prejudicialidade) como instrumento de disposição a favor de terceiros credores favorecidos no período de três anos anterior ao início do processo de insolvência: ilegítimas por ofenderem o princípio da igualdade de tratamento dos credores afectados pela insolvência efectiva futura (ainda em conformidade interpretativa com o art. 19º, (b), da Directiva 2019/1023: em probabilidade de insolvência, os administradores devem «Ter em devida conta os interesses dos credores e das outras partes interessadas»); ilícitas por revelarem ex ante uma gestão desordenada e sem critério habilitante na relação com o bem jurídico protegido pela regulação do art. 186º do CIRE, a saber, a susceptibilidade de satisfação futura de todos os créditos afectados no seu cumprimento, sem translação indevida do risco de insolvência para os credores por mor da infracção de deveres de prevenção, organização e controlo desse risco, que, a posteriori, se concretizam como causas de criação ou agravamento da situação de insolvência.