A tributação dos criptoativos: as novidades da proposta de Orçamento do Estado para 2023

Sumário: Em sede da recente proposta de orçamento geral do Estado para o próximo ano, entre as novidades mais relevantes, constam as necessárias normas de incidência e tributação que irão finalmente permitir a tributação dos criptoativos, que até à presente data não eram na maioria dos casos sujeitos a tributação em território português. Assim, o presente artigo pretende trazer as primeiras notas sobre o enquadramento da tributação dos criptoativos em território português.


Introdução
Em sede da recente proposta de orçamento geral do Estado para o próximo ano, entre as novidades mais relevantes, constam as necessárias normas de incidência e tributação que irão finalmente permitir a tributação dos criptoativos, que até à presente data não eram na maioria dos casos sujeitos a tributação em território português. Essa realidade vinha tornando Portugal um paraíso para os investidores neste tipo de ativos, que por falta de norma de incidência vinham “escapando" a qualquer tipo de tributação. Assim, o presente artigo pretende trazer as primeiras notas sobre o enquadramento da tributação dos criptoativos em território português.

As opções adotadas quanto à tributação enquadram-se na pretendida transição digital, tentando, igualmente, projetar a economia 4.0, enquanto instrumentos de desenvolvimento económico do país, pelo que se procurou, seguindo o modelo alemão, não desincentivar totalmente o investimento em criptoativos, como forma de não deixar de atrair aqueles que desenvolvem esta tecnologia de enorme potencial para o futuro.

 

Enquadramento teórico dos criptoativos
Quando falamos de criptoativos, estamos a falar em sentido lato de todos os ativos virtuais, os quais apresentam a característica de não existirem de nenhuma forma no mundo concreto, que não seja a sua mera existência em registos digitais. Consequentemente, todas as operações que envolvam este tipo de ativos são executadas e armazenadas através de dispositivos conectados em rede.

Na realidade os ativos digitais foram criados com o escopo de possibilitar a realização de transações diretas entre pessoas singulares e pessoas coletivas, sem que exista a necessidade de que as instituições financeiras intervenham como intermediários no processo, mesmo no caso da existência de transações de cariz internacional. Entre os criptoativos, o mais conhecido é o Bitcoin, mas existem muitos outros, estimando-se que na atualidade existam mais de 5500 criptomoedas, cujo funcionamento de cada um desses criptoativos é estabelecido pelo seu criador, através de um conjunto de regras por este consagradas.

Com efeito, como características presentes em todo o tipo de criptoativos, encontramos o recurso à tecnologia da computação, uma vez que estes ativos funcionam por meio de um registo descentralizado, distribuído em uma rede peer-to-peer, o que implica que as operações realizadas não ficam todas registadas num sistema centralizado, mas antes por vários computadores de usuários por todo o mundo. Como uma das maiores preocupações com este tipo de ativos decorre da segurança da informação, o sistema da tecnologia de computação por cada nova transação que possa ser realizada torna necessário a receção de uma validação dos computadores que compõem essa rede. Este modo de funcionamento dos criptoativos leva a que se um usuário tenta realizar uma operação inválida, os demais rejeitam a operação, sem a necessidade de uma instituição financeira de regulação das operações.

Os criptoativos podem ser adquiridos e alienados de duas formas distintas. Por um lado, recorrendo a uma plataforma especificamente criada para essa finalidade, as quais funcionam de forma similar a uma plataforma de compra e venda de ações. As referidas plataformas são denominadas por Exchanges. E, por outro lado, a operação económica pode ocorrer por via de uma transação direta entre o adquirente e o alienante. Neste contexto, a propriedade destes ativos é objeto de verificação através de uma senha criptografada, o que aumenta a segurança do sistema, uma vez que não é preciso transmitir qualquer informação pessoal para realizar uma transação deste tipo. Porém, também reduz a segurança da transação, na medida que qualquer pessoa com a detenção da referida senha consegue realizar transações.

Ademais, para operar com criptoativos é necessário possuir uma wallet, ou seja, uma carteira virtual, que funciona como uma conta corrente para esses concretos ativos digitais. Esta wallet é detentora de duas chaves ou senhas, em que uma é pública, e objeto de utilização para integrar a wallet com a rede de computação e, bem assim, autorizar a troca de informação necessária com os outros pontos. A segunda chave ou senha é privada, sendo utilizada para que o usuário possa aceder à wallet e realizar transações com os ativos que estão nela inseridos.

Por último, cabe referir que ainda não é comum encontrar os criptoativos como um substituto às moedas correntes no dia a dia, pelo que são genericamente utilizados como uma alternativa de investimento, face à grande volatilidade da sua cotação. Na realidade, o valor de um criptoativo altera-se muito rapidamente e em grande proporção, o que permite aos investidores, ainda que sujeitos a um elevado risco, obter significativas mais-valias no curto prazo, para as quais o legislador fiscal português veio agora estabelecer a sua tributação, nos termos apresentados no ponto seguinte.

 

A proposta de tributação dos criptoativos
Na proposta de orçamento geral do Estado para 2023 consta a tributação das operações com criptoativos. Assim, em sede de IRS, fora do exercício de uma atividade empresarial, a não ser que o contribuinte opte pelo englobamento de rendimentos, situação em que passará a estar sujeito às taxas constantes no artigo 68.º, do CIRS, e que variam de acordo com o rendimento entre 14,5% e 48%, o referido rendimento estará sujeito a uma taxa de tributação de 28%. Nesse contexto, a proposta do governo entendeu qualificar este tipo de rendimento como um incremento patrimonial, em detrimento da qualificação como um rendimento de capital, pelo que o mesmo passa a estar qualificado como um rendimento da Categoria G, nomeadamente, como mais-valia.

Neste contexto, o legislador fiscal português prevê que se deverá considerar como criptoativo “toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outro semelhante".

Segundo o artigo 10.º, do CIRS, passarão a ser tidos como mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, resultem da alienação onerosa de criptoativos que não constituam valores mobiliários, em que o ganho sujeito a IRS será constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso. Contudo, mesmo no âmbito das mais-valias da Categoria G, nem todos os ganhos em criptoativos serão objeto de tributação, sendo intensão da proposta apenas tributar as mais-valias de curto prazo, razão pela qual, pretende isentar de tributação os ganhos obtidos na alienação de criptoativos detidos por um período igual ou superior a 365 dias. Para efeitos da contagem deste período temporal, a proposta prevê uma disposição transitória, segundo a qual, o período de detenção dos criptoativos adquiridos antes da data da entrada em vigor da lei será considerado para efeitos de contagem do período de detenção.

Por seu lado, os rendimentos em criptoativos também passam a poder ser tributados em sede de rendimentos empresariais, ou seja, no âmbito da Categoria B, sendo que a esse propósito se pretende fazer constar no Código de IRS que se consideram atividades comerciais as “operações relacionadas com a emissão de criptoativos, incluindo a mineração, ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso".

Além disso, se obtidos por contribuinte que beneficie do regime simplificado de tributação, a proposta estabelece que o coeficiente a ser aplicado a este tipo de rendimentos, para efeitos de determinação da matéria coletável, será de 0,15, por pretender incluir os criptoativos na venda de mercadorias e produtos.

É ainda de ressaltar que a proposta estabelece novas obrigações acessórias, de natureza declarativa, diretamente aplicáveis às operações com criptoativos. Assim, as pessoas singulares ou coletivas, os organismos e outras entidades sem personalidade jurídica, que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros ou tenham a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos, passarão a ter de comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final do mês de janeiro de cada ano, relativamente a cada sujeito passivo, as operações efetuadas com a sua intervenção.

Por último, cabe fazer referência ao Imposto do Selo, uma vez que os intermediários financeiros passarão nos termos da proposta a estar sujeitos a imposto, pelo que não estarão sujeitos a IVA. Nesse âmbito, por um lado, consideram-se transmissões gratuitas, sujeitas à verba 1.2 da TGIS, os criptoativos, enquanto toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outra semelhante. E, por outro lado, passarão a ser sujeitos passivos de Imposto do Selo, os prestadores de serviços de criptoativos, nas operações referentes a comissões e contraprestações cobradas por ou com intermediação de prestadores de serviços de criptoativos (futura verba 30 da TGIS), salvo se estes não forem domiciliados em território nacional, caso em que os sujeitos passivos do imposto são os prestadores de serviços de criptoativos domiciliados em território nacional que tenham intermediado as operações, ou os representantes que, para o efeito, são obrigatoriamente nomeados em Portugal, caso as operações não tenham sido intermediadas pelas entidades acima referidas.

De igual modo, o novo regime esclarecerá que o encargo do imposto recairá sobre o cliente das operações realizadas por ou com intermediação de prestador de serviços de criptoativos.

No que concerne à tributação, em sede deste imposto, as referenciadas operações estarão, nos termos da proposta apresentada, sujeitas a uma taxa de 4%, em linha com a generalidade das operações financeiras, sobre o valor cobrado. A referida obrigação de imposto deverá considerar-se constituída no momento da cobrança das comissões e de outras contraprestações. Neste contexto, o imposto é devido sempre que o prestador de serviços de criptoativos, ou o cliente desses serviços, sejam domiciliados em território português, considerando-se domicílio a residência, sede, direção efetiva, filial, sucursal ou estabelecimento estável.

No que respeita às transmissões gratuitas, conforme referido, os criptoativos ficarão sujeitos à tributação em sede da verba 1.2 da TGIS, sem prejuízo da isenção do artigo 6.º, alínea e), do Código do Imposto de Selo. Neste contexto, o imposto apenas é devido quando os bens estejam situados em território nacional, razão pela qual, se passará a dispor que se consideram situados em território português os valores monetários e os criptoativos depositados em instituições com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional. E, quando não se tratem de valores monetários ou criptoativos depositados, consideram-se situados em território português, nas sucessões por morte, quando o autor da transmissão tenha domicílio em território nacional, e nas demais transmissões gratuitas, como é exemplo as doações, quando o beneficiário tenha domicílio em território nacional.

É ainda de enaltecer que, para efeitos de transmissões gratuitas de criptoativos, o valor tributável determina-se por aplicação, como primeira opção, das regras específicas no Código de Imposto do Selo ou, sequencialmente, pelo valor da cotação oficial, quando exista e, finalmente, pelo valor declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do valor de mercado. Nesta última situação, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundamentadamente que possa haver uma divergência entre o valor declarado e o valor de mercado tem a faculdade de proceder à determinação do valor tributável com base no valor de mercado.

 

Conclusão
Em síntese, o modelo português de tributação dos criptoativos acaba por se aproximar mais do modelo fiscal alemão, não eliminando totalmente os benefícios fiscais, uma vez que garante a isenção de tributação para os ativos detidos por períodos superiores a 365 dias. Na realidade, preocupa-se com a tributação dos ganhos em ativos de curta duração, aplicando-lhes a taxa de 28%, já existente no sistema fiscal português para outro tipo de incrementos patrimoniais.

Ademais, eliminar-se-á assim a falta de normas de incidência, bem como se estabelecerá o quadro legal de tributação dos intermediários, em sede de IRS e de Imposto do Selo, em que se estabelecerá uma taxa de 4%, bem como o regime fiscal da tributação destes ativos nas transmissões gratuitas.

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