Jurisprudência
Tributação Outros

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – Processo n.º 0299/13.2BEPNF 0460/17

 

Número: 0299/13.2BEPNF 0460/17
Data: 16 de Fevereiro, 2022
Tipo: Tribunais Judiciais
Tribunal: Supremo Tribunal Administrativo

Sumário

I - A interpretação jurídica que, à luz dos princípios da praticabilidade e da razoabilidade, assegura a efetividade do disposto no nº 2 do artigo 38º da LGT, na sua redação prévia à alteração legislativa introduzida pela Lei nº 32/2019, é a que sustenta que quando a aplicação da CGAA resulte na desconsideração de uma construção e na sua substituição por uma operação cuja regulação legal imporia a prática de um ato de retenção na fonte a título definitivo (e pese embora o facto de a vantagem fiscal se produzir na esfera do beneficiário), é aquele que se vem a qualificar como substituto (à luz da aplicação da CGAA) quem, em primeira linha, responde por essa obrigação tributária, sempre que a vantagem que o terceiro obtém resulte de uma operação praticada por ele e seja possível concluir, no âmbito do procedimento do artigo 63º do CPPT, que ele tinha a obrigação legal de conhecer a operação jurídica alternativa que se vem a qualificar como legalmente devida por efeito da desconsideração da operação realizada (da construção adotada).
II - O art. 38º nº 2 da LGT é complementado pelo extenso artigo 63º do CPPT, que contém um conjunto de disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicações das disposições anti abuso, apontando-se os seguintes elementos: meio, resultado, intelectual, normativo e sancionatório.
III - Tendo presente o que ficou dito sobre a dinâmica e alcance de todo a situação descrita nos autos, só pode entender-se que a AT tenha concluído pela artificialidade da situação, mormente em função do seu significado para a sociedade em contraponto com os interesses individuais dos acionistas, não se retirando desta análise a prossecução de qualquer objetivo económico-societário legítimo, o que nos remete para o campo de atuação da cláusula geral anti abuso, na medida em que, não havendo motivos económicos válidos a justificar o recurso a configurações jurídicas anómalas, nos encontramos no domínio da elisão e já não da economia de opção, o que impõe a conclusão de que a aplicação da CGAA prevista no art. 38º nº 2 da LGT não padece de qualquer ilegalidade.
IV - A AT, ao corrigir os efeitos fiscais do negócio declarado pela Recorrente e ao conformar o negócio declarado, com a realidade material e jurídica subjacente, fazendo-o coincidir com o negócio corrigido que respeita a realidade material e económica subjacente ao negócio declarado não coloca em crise o princípio constitucional da liberdade económica, pois limita-se a definir o alcance efetivo da realidade substantiva, material e económica subjacente ao negócio, situação que também não belisca o princípio da segurança jurídica, na sua dimensão de proteção da confiança e, ao contrário do que defende a Recorrente, dá plena expressão ao princípio da capacidade contributiva (e da tributação da empresa de acordo com o rendimento real enquanto manifestação desse princípio - art. 104º nº 2 da C.R.P.) e salvaguarda o princípio da igualdade, impondo-se ainda referir, quanto ao primeiro elemento descrito, se é verdade que a CGAA visa neutralizar financeiramente uma vantagem tributária indevida, e, por isso, o seu destinatário é quem dela beneficia (sendo, nestes casos, esses beneficiários os sócios), tal não significa que, o princípio da praticabilidade associado aos princípios da igualdade tributária e da racionalidade não imponham que nestes casos em que está subjacente à aplicação da CGAA uma relação jurídica de substituição fiscal total, com retenção na fonte a título definitivo, não devam também aplicar-se as regras da substituição tributária em geral e, de acordo com estas regras, aquele que esteja legalmente obrigado à liquidação em substituição e não o faça, se tiver conhecimento (ou devesse ter) da construção que se substituiu a esta obrigação de retenção na fonte a título definitivo, será o responsável originário pelas quantias que devia ter retido e não reteve, o que significa que, neste ponto, não pode conceder-se abrigo ao exposto quanto à violação dos princípios da proporcionalidade e do direito à propriedade.