Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – Processo n.º 0431/21.2BEVIS
11 de Outubro, 2024
Sumário
I - A Derrama Estadual apresenta-se como um “imposto acessório” e não um “simples imposto dependente”, devido mesmo que o imposto principal, do qual depende, não o seja, pois que, como decorre do respectivo regime jurídico, a Derrama Estadual incide sobre parte do lucro tributável do imposto principal.
II - Como resulta desde logo das normas específicas da incidência subjectiva da tributação consagradas nos artigos 15 a 18º da Lei Geral tributária, soçobra a tese da Recorrente segundo a qual na sociedade, mero intermediário da carga fiscal, mera ficção jurídica, a medição de rendimento para efeitos de aplicação a si de taxas progressivas, quando esse rendimento a outros pertence, e em fracções ou divisões desiguais que nada têm que ver com o conjunto do lucro sujeito à progressividade trazida pela derrama estadual pois que, juridicamente, uma sociedade não possui nenhuma capacidade contributiva uma vez que os lucros lhe não pertencem, sendo que nenhum direito tem a deles se apropriar não passando a sociedade de uma ficção jurídica, uma mera ferramenta jurídica. III - É que, o sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável (nº 3 do artigo 18º da LGT), consistindo a personalidade tributária na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art. 15.º da Lei Geral Tributária).
IV - Assim, têm personalidade tributária as pessoas singulares e colectivas que possuem personalidade jurídica nos termos do disposto nos artigos 66.º e 158.º do Código Civil e, ainda, nos termos do artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais e, por força do disposto no nº 2 do art. 16º da LGT, salvo disposição legal em contrário, tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária.
V - Por esse prisma, tendo em conta os contornos do caso em análise, ao fazer incidir a derrama estadual sobre o lucro tributável das empresas, estão sujeitas à mesma taxa de derrama estadual, contando que tenham o mesmo lucro, pelo que não é configurável nessa situação a ofensa ao princípio da igualdade e da capacidade contributiva.
VI - Isso mesmo emerge da jurisprudência do Tribunal Constitucional segundo a qual tributar o lucro real das empresas significa atingir a matéria colectável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva pelo que se trata de um princípio cuja principal concretização é afastar a tributação das empresas pelo seu lucro normal, isto é, tributar o rendimento que estas poderiam ter obtido em condições normais de exploração, independentemente, pois, das condições concretas em que desenvolveram a sua atividade, sendo, por isso, a tributação pelo lucro real um princípio que admite “desvios”, entenda-se, é compatível com alguma “normalização” no apuramento da matéria colectável.
VII - Por esse prisma, a progressividade encontra-se apenas prevista para o imposto sobre o rendimento pessoal, como um objectivo destacado da diminuição da desigualdade económica entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 1, da CRP), mas daí não resulta que esteja constitucionalmente vedado a um imposto incidente sobre as empresas um carácter progressivo, o que só por si não é susceptível de violar o princípio da igualdade, da capacidade contributiva ou da tributação segundo o rendimento real, não ocorrendo as arbitrariedades e inconstitucionalidade invocadas pela Recorrente por se tributar com taxas progressivas as ficções que são as sociedades comerciais.
VIII - Não ocorre a invocada inconstitucionalidade em razão do prolongamento injustificado da Derrama Estadual a período posterior à cessação dos motivos que estiveram subjacentes à sua criação pela Lei nº 12-A/2010, de 30.06, porquanto, em 2018, ainda se colocavam constrangimentos de política fiscal, determinados pela necessidade de consolidação orçamental, centrada na diminuição da despesa e no aumento da receita, e de redução dos níveis de endividamento público, assim se justificando que a Lei do Orçamento do Estado para 2018, não só não tenha abolido a Derrama Estadual, como tenha ainda procedido um agravamento fiscal, ao aumentar a taxa aplicável ao último escalão, que passou de 7% para 9%.
IX - Por assim ser, é manifesto que para o legislador pontificaram razões de política fiscal suficientes para legitimar manutenção da Derrama Estadual, o que afasta a violação do princípio da igualdade na vertente de proibição do arbítrio e, pela sua específica configuração, não afronta os princípios da capacidade contributiva, da protecção da confiança, da segurança jurídica.