Artigo
Trabalho

Despedimento ilícito: a falta de bom senso do artigo 390.º, n.º 2, alínea a) e a insuficiência perniciosa do artigo 388.º, n.º 2 do Código do Trabalho

Sumário: A norma do artigo 390.º, n.º 2, alínea a) do CT cria um limite infundado ao valor global compensatório que um trabalhador deverá receber quando for ilicitamente despedido, criando injustiças significativas em determinados conspectos, podendo ainda criar outras limitações gravosas.


O Código do Trabalho (doravante designado pela sigla CT), tem instituída a norma do artigo 390.º, n.º 2, alínea a), segundo a qual às retribuições intercalares (aquelas que o trabalhador deixou de receber desde a cessação contratual até ao desfecho da ação de impugnação) se devem deduzir todas as quantias auferidas em virtude da cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento: «As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento».

Acontece que, a nosso ver, esta norma cria um limite infundado ao valor global compensatório que um trabalhador deverá receber quando for ilicitamente despedido, criando injustiças significativas em determinados conspectos, podendo ainda criar outras limitações gravosas.

Veja-se por exemplo a situação de um trabalhador que integra um despedimento coletivo onde a Empresa decidiu pagar, de livre e espontânea vontade, um valor compensatório global acima daquele que legalmente define o artigo 366.º do mesmo diploma legal. Segundo o artigo 390.º, n.º 2, alínea a), esse valor deveria subtrair-se às retribuições intercalares, uma vez que o trabalhador jamais receberia estes montantes se não houvesse sido promovido o procedimento de despedimento coletivo. Ou seja, em rigor prático, se o valor auferido for superior ao cômputo de retribuições intercalares, o trabalhador não terá direito a qualquer quantia a esse título, esvaziando de sentido a pretensão deste normativo.

Repare-se que, não podemos ignorar que o trabalhador esteve sem qualquer rendimento durante todo o período desde a cessação contratual até ao término da ação judicial, e que mesmo com o acesso ao subsídio de desemprego, sempre terá de devolver integralmente as quantias auferidas ao Instituto de Segurança Social com a prolação da sentença que condene o empregador.

É nosso entendimento que, se o empregador decidiu compensar em maior monta o trabalhador, esse ato não deveria ser considerado no montante compensatório final, nomeadamente quanto às retribuições intercalares, sobretudo pela diferente natureza das compensações, uma compensatória, e outra indemnizatória tout court.

Esta circunstância em rigor, promove que o empregador possa pagar a ilicitude com dinheiro, o que jamais deveria deixar o legislador em aberto (sem considerar outras formas de pagamento, como é o caso de seguros de saúde e vida que sejam contratados, acesso a flex benefits, etc, que levantam dificuldades sérias quanto ao apuramento líquido do valor retributivo dessas prestações).

Não bastante, a situação poderá agravar-se caso o trabalhador não haja interposto ação nos 30 dias após o despedimento, situação em que sempre só se considerará em sede de decisão judicial, ao limite, 30 dias de retribuição intercalar.

Tal não poderia ser mais infundado. Repare-se. O prazo de prescrição do direito de interposição de ação de impugnação do despedimento coletivo é de 6 meses, nos termos do artigo 388.º, n.º 2, do CT, mas o legislador castiga o trabalhador por interpor ação após 30 dias, presumindo claramente que este não deu entrada da ação nesse período por mero desleixo ou desinteresse. No entanto, muitas vezes, o trabalhador só se apercebe da ilicitude do despedimento algum tempo depois ou após o final do prazo prescritivo. É caso disso a situação de um despedimento coletivo onde o empregador haja alegado na decisão de despedimento que este assenta na reestruturação da equipa para proceder à atualização de qualificações. Porém, depois do despedimento contrata um funcionário sem qualificações superiores ao trabalhador despedido para a mesma posição e este tem conhecimento.

Aqui colocam-se duas situações: a) se a situação ocorreu dentro do período de seis meses, mas depois dos 30 dias após o despedimento, então o trabalhador será prejudicado ao nível das retribuições intercalares porque o empregador cometeu a infração e revelou a sua real intenção somente após esse período; b) se a situação ocorreu depois do período de 6 meses, o trabalhador já nem poderá ripostar em defesa dos seus direitos, ainda que seja claro que o fundamento da decisão de despedimento coletivo foi meramente escamoteador da real intenção do empregador.

Poderá considerar-se que estes seis meses foram o bastante para se alterar a necessidade de reestruturação para substituição de trabalhadores por outros com melhores qualificações? São um prazo prescritivo razoável? Cremos que não.

Deve o trabalhador ter circunstâncias que subtraiam o valor a receber a título de retribuições intercalares? Salvo a situação de devolução do subsídio de desemprego, cremos firmemente que também não.

Seleccione um ponto de entrega