Doutrina Administrativa
Tributação do consumo

Processo n.º 7185/2014, de 25 de novembro

 

Assunto
AICB’s – Aquisição na UE de um princípio ativo de medicamentos, remetido a um laboratório português com quem se estabeleceu um contrato de prestação de serviços de produção, que consiste em trabalhos executados sobre bens móveis.
Tipo: Informações Vinculativas
Data: 25 de Novembro, 2014
Número: 7185
Diploma: RITI - CIVA
Artigo: 3.º, 4º, 8º (RITI); 14º, 19º 20º (CIVA)

Doutrina

AICB’s – Aquisição na UE de um princípio ativo de medicamentos, remetido a um laboratório português com quem se estabeleceu um contrato de prestação de serviços de produção, que consiste em trabalhos executados sobre bens móveis.

I - Factos Apresentados

1. A Requerente é um sujeito passivo não residente sem estabelecimento estável e encontra-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal trimestral, desde 2011-05-06, dedicando-se ao exercício de atividades inscritas com o código CAE 21201 - "Fabricação de Medicamentos".

2. Tem sede nos Estados Unidos da América (EUA) e está registada, para efeitos de IVA, em território nacional, tendo designado representante fiscal, nos termos do artigo 30.º do CIVA.

3. Refere que adquire num outro país da União Europeia (UE), a um produtor independente alemão, o princípio ativo dos medicamentos que pretende fabricar. Essa matéria-prima é remetida para um laboratório português com o qual a Requerente estabeleceu um contrato de prestação de serviços de produção.

4. O laboratório procede à integração de materiais auxiliares e de embalagem e, concluída a produção do medicamento, exporta-o para os EUA, tendo como destinatária a Requerente.

5. O princípio ativo mantém-se na propriedade da Requerente durante todo o processo produtivo.

6. Questiona, em suma, o enquadramento em sede de IVA das operações mencionadas, as condições para o exercício do direito à dedução e para o preenchimento da declaração periódica de IVA, apresentando um entendimento que pretende ver sancionado.

7. Dado não ser da competência desta Direção de Serviços sancionar os procedimentos jurídico-tributários efetuados pelos sujeitos passivos, procede-se à análise das questões suscitadas pela Requerente.

II - Enquadramento em sede de IVA e de RITI

8. Como aquisição intracomunitária considera-se, em geral, nos termos do art.º 3.º do RITI (Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias), "a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro".

9. O artigo 4.º do RITI acolhe, ainda, como assimiladas a aquisições intracomunitárias, determinadas transferências de bens que não obedecem exatamente aos requisitos constantes do art. 3.º mas que, ainda assim, podem estar sujeitas a IVA em território nacional: por exemplo, "a afetação por um sujeito passivo às necessidades da sua empresa, no território nacional, de um bem expedido ou transportado, por si ou por sua conta, a partir de outro Estado membro no qual o bem tenha sido produzido, extraído, transformado, adquirido ou importado pelo sujeito passivo, no âmbito da sua actividade" (cf. alínea a) do n.º 1 do art.º 4.º do RITI).

10. No caso em apreço, a Requerente realiza uma operação que constitui uma aquisição enquadrada no artigo 3.º do RITI dado que, no âmbito da sua atividade, adquire um bem a um produtor independente na Alemanha, o qual é remetido por este, diretamente, para o laboratório português, estabelecido em território nacional.

11. A realização em Portugal de uma aquisição intracomunitária de bens implica a obrigação de autoliquidação do imposto, dado que a operação é tributada em território nacional (cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 8.º, ambos do RITI).

12. O montante total das aquisições intracomunitárias e das operações assimiladas, cujo imposto foi liquidado deve ser registado, como referido pela Requerente, no campo 12 e o montante total do imposto liquidado naquelas operações deve constar do campo 13, ambos do quadro 06 da declaração periódica de IVA.

13. Para efeitos do exercício do direito à dedução, a Requerente pode deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que pratique, o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens (cf. n.º 1 do artigo 19.º do RITI).

14. Nomeadamente, nos termos gerais do artigo 20.º do CIVA pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos pelo sujeito passivo para a realização de operações que consistam em exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º do CIVA (cf. subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA).

15. Nos termos do n.º 2 do artigo 20.º do RITI, a dedução do imposto devido pelas aquisições intracomunitárias de bens pode ser efetuada na declaração do período em que o imposto exigível seja considerado a favor do Estado, ainda que não tenha sido emitida a respetiva fatura pelo vendedor.

16. A matéria-prima adquirida pela Requerente é entregue ao laboratório nacional, tendo em vista o fabrico de um medicamento e a embalagem do mesmo.

17. Quanto a este aspeto, afigura-se que à prestação de serviços efetuada pelo laboratório à Requerente pode aplicar-se o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, que isenta do imposto "as prestações de serviços que consistam em trabalhos sobre bens móveis, adquiridos ou importados para serem objecto de tais trabalhos em território nacional e em seguida expedidos ou transportados para fora da Comunidade por quem os prestou, pelo seu destinatário não estabelecido em território nacional ou por um terceiro por conta destes".

18. De facto, o laboratório realiza uma prestação de serviços sobre o bem adquirido pela Requerente, por força da alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA. Afigura-se ser possível aplicar a isenção mencionada na medida em que o bem foi adquirido pela Requerente para ser transformado em território nacional e, depois, expedido para fora do território na União Europeia, podendo essa expedição ser efetuada por quem prestou os referidos serviços, como parece ocorrer no caso em apreço.

19. Efetivamente, a exportação do medicamento para os EUA é, também ela, isenta de IVA ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, aplicável às transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da União Europeia pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste, no caso o prestador de serviços.

20. Assumindo que os bens adquiridos por via da aquisição intracomunitária são utilizados pela Requerente para a realização de uma exportação, o imposto que incidiu sobre os mesmos pode, como se referiu, ser deduzido pelo sujeito passivo.

21. Veja-se que o n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA estabelece que "as transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo da alínea a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d), e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado".

22. Constituindo um regime aduaneiro, a exportação de bens, isenta ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, deve ser comprovada através de documentos alfandegários apropriados.

23. Assim, o exercício do direito à dedução do imposto suportado na aquisição intracomunitária de bens deve ser justificado por declaração aduaneira comprovativa da exportação efetuada pela Requerente ou por um terceiro por sua conta.

24. Já relativamente à prestação de serviços efetuada pelo laboratório nacional, aparentando não existir obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, a isenção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA pode ser comprovada através de declaração emitida pelo utilizador dos serviços, no caso, a Requerente, indicando o destino que irá ser dado aos bens.

III - Conclusão

25. A operação efetuada pela Requerente configura uma aquisição intracomunitária de bens, devendo a mesma efetuar a auto-liquidação do imposto, podendo, no entanto, na medida em que realize uma operação de exportação dos bens transformados, proceder à dedução do imposto suportado.

26. A referida operação de exportação é isenta do imposto ao abrigo da alínea a) do artigo 14.º do CIVA, nos termos atrás referidos, devendo a requerente possuir declaração aduaneira comprovativa da exportação efetuada por si ou por sua conta, para efeitos do exercício do direito à dedução do imposto suportado na aquisição intracomunitária de bens realizada a montante.

27. A intervenção realizada pelo prestador de serviços nacional encontra-se isenta de IVA ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, devendo a mesma ser comprovada através de declaração emitida pela Requerente, indicando o destino a dar aos bens em causa.