Características qualitativas
45 - As características qualitativas da informação incluída no relato financeiro são os atributos que fazem com que essa informação seja útil para os utilizadores das demonstrações financeiras e atinja os objetivos do relato financeiro.
46 - As características qualitativas principais são a relevância, a fiabilidade, a compreensibilidade, a oportunidade, a comparabilidade e a verificabilidade. Estas características qualitativas aplicam-se a toda a informação financeira e não financeira relatada incluindo a informação financeira histórica e prospetiva e as notas explicativas.
47 - Existem porém constrangimentos na informação incluída no relato financeiro como a materialidade, a relação custo-benefício e o equilíbrio entre as características qualitativas abordadas mais adiante.
48 - Cada característica qualitativa deve ser considerada na preparação das demonstrações financeiras. Se na prática isso não for possível, deverá haver um equilíbrio entre elas.
49 - A informação financeira e não financeira é relevante se for capaz de fazer a diferença no alcance dos objetivos do relato financeiro, isto é, quando tiver valor confirmativo, valor preditivo ou ambos.
50 - A informação financeira e não financeira tem valor confirmativo se confirma ou altera expetativas correntes ou passadas. Por exemplo, a informação será relevante para efeitos de responsabilização pela prestação de contas e para tomada de decisões se confirmar expetativas acerca, por exemplo, do grau de cumprimento pelos dirigentes das suas responsabilidades pelo uso eficiente e eficaz dos recursos, pelos objetivos da prestação do serviço e pelos requisitos orçamentais e legais aplicáveis.
51 - O relato financeiro pode apresentar informação sobre objetivos, atividades e custos futuros, bem como as quantias e fontes de recursos que se prevê alocar a atividades futuras. Essa informação orientada para o futuro tem valor preditivo e será relevante para efeitos de responsabilidade pela prestação de contas e tomada de decisões. A informação sobre acontecimentos económicos que existiram ou estão a ocorrer também tem valor preditivo para ajudar a construir expetativas sobre o futuro.
52 - As funções confirmativa e preditiva da informação estão interrelacionadas. Por exemplo, a informação acerca do nível e estrutura corrente dos recursos e da sua utilização, ajuda os utilizadores das demonstrações financeiras a confirmar o desfecho das estratégias dos dirigentes quanto ao uso dos recursos durante o período e a prever a capacidade da entidade pública para responder às alterações de circunstâncias e antecipar as necessidades futuras de serviço. A mesma informação ajuda a confirmar ou corrigir expetativas ou previsões passadas dos utilizadores das demonstrações financeiras sobre a capacidade da entidade pública para responder a tais alterações de circunstâncias.
53 - Para ser útil, a informação financeira deve ser uma representação fiel dos fenómenos económicos e outros que pretende representar. Consegue-se uma representação fiel quando a descrição dos fenómenos é completa, neutra e isenta de erros materiais. A informação que representa com fiabilidade os fenómenos económicos descreve a substância da transação, acontecimento, atividade ou circunstância subjacente, a qual não coincide necessariamente com a sua forma legal.
54 - Uma omissão de informação pode fazer com que a representação de um fenómeno económico ou outro possa ser falsa ou distorcida e, portanto, sem utilidade para os utilizadores das demonstrações financeiras. Por exemplo, uma descrição completa do ativo fixo tangível incluirá uma representação numérica da quantia agregada desse ativo em conjunto com outra informação quantitativa, descritiva e explicativa necessária para representar fielmente essa classe de ativos. Nalguns casos, a fiabilidade pode incluir a divulgação de informação sobre as principais categorias de ativos fixos tangíveis, os fatores que influenciaram a sua utilização no passado ou possam influenciar no futuro, e a base e o processo de determinar a quantia representada. De forma semelhante, a informação financeira e não financeira prospetiva e a informação sobre o alcance dos objetivos do serviço e seus resultados devem ser apresentadas com os pressupostos principais que lhes serviram de base e quaisquer explicações necessárias para assegurar que a descrição é completa e útil.
55 - A neutralidade no relato financeiro é a ausência de influências. Tal significa que a seleção e apresentação de informação financeira e não financeira não é feita com a intenção de atingir um resultado pré-determinado, por exemplo, influenciar de uma determinada forma a avaliação dos utilizadores das demonstrações financeiras sobre uma decisão ou julgamento a fazer ou induzir determinado comportamento.
56 - Os fenómenos económicos e outros representados nas demonstrações financeiras ocorrem geralmente sob condições de incerteza. A informação apresentada nessas demonstrações financeiras inclui muitas vezes estimativas que incorporam julgamentos. Para que tais fenómenos possam ser representados com fiabilidade, as estimativas devem basear-se em dados apropriados os quais devem refletir a melhor informação disponível usando a máxima cautela. Por vezes, pode ser necessário divulgar o grau de incerteza na informação financeira e não financeira para relatar com fiabilidade os acontecimentos económicos.
57 - Considera-se que a informação financeira está isenta de erros materiais quando não existirem erros ou omissões que, individual ou agregadamente, sejam materiais na descrição dos fenómenos e o processo para produzir a informação relatada tenha sido aplicado como prescrito. Nalguns casos, pode ser possível determinar com exatidão a informação nas demonstrações financeiras, por exemplo, a quantia monetária transferida para uma entidade pública, o volume de serviços efetuados ou o custo de aquisição de um ativo fixo tangível. Contudo, noutros casos pode não ser possível. Por exemplo, a correção de uma estimativa de uma quantia ou custo de um item ou a eficácia de um serviço prestado pode não ser determinável de forma exata. Nestes casos, a estimativa estará isenta de erros materiais se a quantia estiver claramente descrita como estimativa, a natureza e as limitações do processo de estimação estiverem explicados e não tiverem sido identificados erros na seleção e aplicação de um processo apropriado para desenvolver a estimativa.
58 - A compreensibilidade é a qualidade da informação que permite aos utilizadores das demonstrações financeiras compreenderem o seu significado. Por exemplo, as explicações acerca da informação financeira e não financeira e os comentários sobre o serviço efetuado durante o período de relato, bem com as expetativas sobre períodos futuros, devem ser escritos numa linguagem corrente e apresentados de uma forma que seja prontamente percetível pelos utilizadores das demonstrações financeiras. A compreensibilidade é melhorada quando a informação é classificada, caracterizada e apresentada de forma clara e concisa.
59 - Pressupõe-se que os utilizadores do relato financeiro têm um conhecimento razoável das atividades da entidade pública e do ambiente em que ela opera para analisarem a informação com razoável diligência. Alguns fenómenos económicos e outros são particularmente complexos e difíceis de representar nas demonstrações financeiras e devem ser feitos todos os esforços para que tais fenómenos sejam incluídos de forma que sejam entendidos pelo maior número de utilizadores. Porém, tais fenómenos não devem ser excluídos das demonstrações financeiras apenas com a justificação de que são demasiado complexos ou difíceis para alguns utilizadores os entenderem.
60 - A oportunidade significa ter a informação disponível para os utilizadores das demonstrações financeiras antes de deixar de ser útil para efeitos de responsabilização pela prestação de contas e tomada de decisões. Ter informação disponível mais cedo pode melhorar a sua utilidade como elemento de avaliação e a sua capacidade de informar e influenciar decisões que precisam de ser tomadas.
61 - Parte da informação pode continuar a ser útil muito depois do período ou data de relato. Por exemplo, para efeitos de tomada de decisões, os utilizadores das demonstrações financeiras podem precisar de avaliar tendências do desempenho financeiro e dos serviços da entidade pública e o seu cumprimento dos orçamentos durante um conjunto de períodos. Adicionalmente, o resultado e os efeitos de alguns serviços e programas podem ser apenas determinados em períodos futuros, por exemplo, com respeito a programas preparados para melhorar o bem-estar económico dos cidadãos, reduzir a incidência de uma doença em particular ou aumentar o nível de literacia de alguns grupos etários.
62 - A comparabilidade é a qualidade da informação que permite que os utilizadores das demonstrações financeiras identifiquem semelhanças e diferenças entre dois conjuntos de fenómenos. A comparabilidade não é uma qualidade de um item individual de informação mas antes a qualidade da relação entre dois ou mais itens de informação.
63 - A comparabilidade é diferente da consistência.
A consistência refere-se ao uso das mesmas políticas e princípios contabilísticos e bases de preparação quer de período para período dentro da mesma entidade pública, quer no mesmo período entre diversas entidades públicas.
A comparabilidade é uma meta e a consistência ajuda a atingir essa meta.
64 - A comparabilidade também é diferente da uniformidade.
Para a informação ser comparável, o que é igual deve parecer igual e o que é diferente deve parecer diferente. A comparabilidade da informação no relato financeiro não é melhorada fazendo com que coisas diferentes pareçam iguais ou com que coisas iguais pareçam diferentes.
65 - A informação acerca da posição financeira, desempenho financeiro e fluxos de caixa de uma entidade pública, bem como do cumprimento dos orçamentos aprovados e das leis e regulamentos sobre a obtenção e utilização dos recursos e das atividades prosseguidas, é necessária para a tomada de decisões. A utilidade dessa informação é melhorada se for comparada com, por exemplo:
a) Informação financeira e não financeira prospetiva previamente apresentada para esse período ou data de relato;
b) Informação similar sobre a mesma entidade pública para outro período ou data de relato; e
c) Informação similar sobre o mesmo período ou data de relato, para outras entidades públicas.
66 - A verificabilidade é a qualidade da informação que ajuda a assegurar aos utilizadores que a informação incluída no relato financeiro representa os fenómenos económicos e outros que pretende representar. Esta característica implica que observadores independentes e conhecedores podem chegar a um consenso, embora nem sempre estejam de acordo, que:
a) A informação representa os fenómenos económicos e outros que pretende representar sem erros materiais ou influências; ou
b) Foi aplicado um método de reconhecimento, mensuração ou apresentação sem erros materiais ou influências.
67 - A verificação pode ser direta ou indireta. Pela verificação direta, uma quantia ou outra representação é verificável por si mesma, por exemplo, fazendo uma contagem de caixa, observando os títulos cotados e as suas cotações, ou confirmando que os fatores identificados como influenciadores do desempenho de um serviço passado estavam presentes e operaram com o efeito identificado.
Pela verificação indireta, uma quantia ou outra representação é verificável analisando os dados de base e recalculando os resultados usando a mesma metodologia.
Um exemplo é a verificação da quantia escriturada de inventários analisando os dados de base (quantidades e preços) e recalculando a existência final usando o mesmo pressuposto do fluxo do custo (custo médio ponderado ou outro).
68 - A qualidade da verificabilidade não é absoluta, dado que alguma informação pode ser mais verificável que outra. Quanto mais verificável for a informação mais fiável será.
69 - O relato financeiro da entidade pública pode incluir informação financeira e outra informação quantitativa e explicações acerca de:
a) Influências significativas no seu desempenho durante o período;
b) Os resultados ou efeitos futuros esperados dos programas de serviços realizados no período; e c) Informação financeira e não financeira prospetiva.
Pode não ser possível verificar a correção de toda a informação quantitativa representada e das explicações sobre tal informação antes de um período futuro.
70 - Para ajudar os utilizadores das demonstrações financeiras a assegurarem-se de que a informação quantitativa financeira e não financeira prospetiva e as explicações incluídas no relato financeiro representam fenómenos económicos e outros, os pressupostos subjacentes à informação divulgada, as metodologias adotadas na compilação dessa informação, e os fatores e circunstâncias que suportam quaisquer opiniões ou divulgações feitas devem ser transparentes. Tal permite que os utilizadores das demonstrações financeiras formem os seus julgamentos acerca da apropriação desses pressupostos e dos métodos de compilação, mensuração, representação e interpretação da informação.
7.1 - Materialidade
71 - A informação é material se a sua omissão ou incorreção puder influenciar as decisões que os utilizadores das demonstrações financeiras tomam com base no relato financeiro da entidade pública no período de relato. A materialidade depende tanto da natureza como da quantia do item avaliado nas circunstâncias particulares de cada entidade pública. O relato financeiro compreende informação qualitativa e quantitativa acerca do alcance do serviço durante o período de relato e expetativas sobre o serviço e resultados financeiros futuros. Consequentemente, não é possível especificar um limite quantitativo uniforme a partir do qual um determinado tipo de informação se torna material.
72 - As avaliações da materialidade devem ser feitas no contexto do ambiente legal, institucional e operacional no qual a entidade pública desenvolve a sua atividade e, em relação à informação financeira e não financeira prospetiva, com base no conhecimento e expetativas que os preparadores têm sobre o futuro. As divulgações de informação sobre o cumprimento ou não da legislação ou regulação podem ser materiais dada a sua natureza, independentemente da magnitude das quantias envolvidas.
Quando se determina se um item é ou não material nestas circunstâncias, devem ser considerados fatores tais como a natureza, sensibilidade e consequências de transações e acontecimentos passados ou futuros, as partes envolvidas nessas transações e as circunstâncias que lhes deram lugar.
73 - O relato financeiro implica custos e os respetivos benefícios devem justificar os custos de a obter. A avaliação sobre se os benefícios da prestação de informação justificam os custos de a obter é uma questão de julgamento porque nem sempre é possível justificar e ou quantificar todos os custos e todos os benefícios da informação.
74 - Os custos de prestar informação incluem os custos de recolher e processar a informação, os custos de a verificar, os custos de apresentar os pressupostos e metodologias que a suportam e os custos de a disseminar.
Os utilizadores das demonstrações financeiras também suportam custos para a analisar e interpretar e se houver omissão de informação útil também haverá custos para obter a informação de outras fontes, para além dos custos que resultam de se tomarem decisões com base em informação incompleta.
75 - Os utilizadores das demonstrações financeiras obtém a maior parte dos benefícios da informação contida no relato financeiro. Contudo, os dirigentes podem usar esta informação para a sua tomada de decisões. A divulgação da informação nos relatórios financeiros melhora e reforça a perceção da transparência do relato financeiro da entidade pública e contribui para uma melhor avaliação da dívida do setor público. Por isso, essas entidades podem também beneficiar de várias maneiras da informação prestada nos referidos relatórios.
76 - A avaliação do custo-benefício envolve a apreciação sobre se os benefícios do relato financeiro justificam os custos suportados para prestar e usar a informação.
Quando se faz esta avaliação, é necessário considerar se uma ou mais das características qualitativas devem ser sacrificadas em algum grau para reduzir o custo.
77 - As características qualitativas operam em conjunto para contribuir para a utilidade da informação.
Por exemplo, nem uma descrição que representa fielmente um fenómeno irrelevante, nem uma descrição que não representa fielmente um fenómeno relevante, resulta em informação útil. De forma semelhante, para ser relevante, a informação precisa de ser oportuna e compreensível.
78 - Em alguns casos, será necessário um equilíbrio entre as características qualitativas para atingir os objetivos do relato financeiro. A importância relativa das características qualitativas em cada situação é uma questão de julgamento profissional. A finalidade é que se encontre um equilíbrio apropriado entre as características para que se atinjam os objetivos do relato financeiro.