Mensuração dos elementos das demonstrações financeiras
120 - A mensuração é o processo de determinar as quantias monetárias através das quais os elementos das demonstrações financeiras são reconhecidos e mostrados nas mesmas. Este processo envolve a seleção de bases específicas de mensuração.
121 - A seleção da base de mensuração para ativos e passivos contribui para alcançar os objetivos de relato financeiro das entidades públicas, proporcionando informação que permite aos utilizadores avaliarem:
a) O custo dos serviços fornecidos nos períodos corrente e anterior;
b) A capacidade operacional-capacidade da entidade fornecer os serviços nos períodos futuros através da utilização de recursos físicos e outros recursos; e
c) A capacidade financeira-a capacidade da entidade de financiar as suas atividades.
122 - Uma vez que as definições dos elementos das demonstrações financeiras se encontram interligadas, as quantias pelas quais os ativos e os passivos são mensurados afetam diretamente as quantias de rendimentos e gastos, bem como dos demais elementos reconhecidos.
Assim, a seleção de uma base de mensuração é relevante não apenas para o balanço mas também para as restantes demonstrações financeiras.
123 - Não é possível selecionar uma única base de mensuração para as demonstrações financeiras, que permita maximizar a extensão em que a informação nelas contidas satisfaça os objetivos das demonstrações financeiras e permita balancear adequadamente as características qualitativas das mesmas. Assim, a presente Estrutura Concetual visa identificar os fatores que são relevantes para a seleção de uma base de mensuração para cada ativo e passivo de forma a ir ao encontro dos objetivos da mensuração.
124 - As possíveis mensurações para ativos e passivos consideradas na presente Estrutura Concetual, baseiam-se no custo histórico ou no valor corrente.
125 - As bases de mensuração podem utilizar valores de entrada ou valores de saída.
126 - Para os ativos, os valores de entrada refletem essencialmente o custo de aquisição, enquanto os valores de saída estão associados geralmente ao custo da venda.
127 - Para os passivos, os valores de entrada refletem geralmente o valor da transação pela qual a obrigação foi contraída, ou a quantia que a entidade pública estaria disposta a aceitar para assumir um passivo. Os valores de saída referem-se à quantia necessária para o cumprimento de uma obrigação, ou à quantia necessária para que a entidade pública se liberte da obrigação.
128 - Algumas mensurações podem ser classificadas como observáveis em mercados ativos, abertos e organizados.
Estas mensurações são mais facilmente compreendidas e verificadas do que as mensurações não observáveis.
Também representam de forma mais fidedigna o fenómeno que está a ser mensurado.
4.1 - Custo histórico
129 - O custo histórico de um ativo é o valor de aquisição, produção ou de desenvolvimento desse ativo, que corresponde à quantia necessária de caixa ou equivalentes de caixa no momento da sua aquisição, produção ou desenvolvimento.
130 - O custo histórico é um valor de entrada específico à entidade. Os ativos registados pelo custo histórico são reconhecidos inicialmente pelo custo suportado no âmbito da sua aquisição, produção, ou desenvolvimento acrescido de custos inerentes à transação em causa.
131 - A principal característica do custo histórico refere-se ao facto de, após o reconhecimento inicial, a mensuração de um ativo não sofrer alterações em função das alterações dos preços.
132 - Para alguns ativos, após o reconhecimento inicial o custo é reconhecido como um gasto nos períodos de relato financeiro subsequentes, na forma de depreciação ou amortização, à medida que o potencial de serviço ou de benefícios económicos provenientes desses ativos são consumidos, durante a vida útil dos mesmos.
133 - A quantia escriturada de um ativo mensurado na base do custo histórico pode ser reduzida também em função da ocorrência de imparidade. A imparidade refere-se à extensão em que o potencial de serviço ou os benefícios económicos inerentes a um ativo tenha sido afetado por um decréscimo motivado por alterações nas condições económicas presentes, e não pelo seu consumo.
134 - Em certas ocasiões, a aplicação do custo histórico implica imputações, nomeadamente em situações em que diversos ativos são adquiridos numa única transação, ou no caso de ativos construídos pela entidade, a incorporação, no seu custo, dos gastos internos suportados no processo.
135 - Quando o custo histórico é a base de mensuração adotada por uma entidade pública que presta serviços, o custo dos serviços prestados reflete a quantia dos recursos despendidos na aquisição dos ativos consumidos na prestação dos serviços.
136 - Se um ativo for adquirido numa transação com contraprestação, o custo histórico proporciona informação sobre os recursos disponíveis para prestar serviços em períodos futuros. No momento em que o ativo é comprado, produzido ou desenvolvido, pode ser assumido que o valor para a entidade do potencial de serviço desse ativo é pelo menos idêntico ao custo de aquisição. As depreciações ou amortizações refletem o potencial de serviço desse ativo que já foi consumido. A informação ao custo histórico mostra que os recursos disponíveis para serviços futuros são pelo menos idênticos à quantia escriturada. Em contrapartida, se um ativo for adquirido numa transação sem contraprestação, o preço da transação não proporcionará informação sobre a sua capacidade operacional.
137 - O custo histórico proporciona informação sobre a quantia dos ativos que pode ser usado como garantia. A avaliação da capacidade financeira também exige informação sobre a quantia por que pode ser vendido o ativo. O custo histórico não dá esta informação se diferir significativamente dos valores correntes de saída.
138 - A mensuração a valor corrente reflete o ambiente económico prevalecente na data de relato.
139 - O valor corrente dos ativos pode ser proporcionado através da adoção de quatro bases de mensuração distintas:
a) Valor de mercado;
b) Custo de reposição;
c) Valor realizável (ou de liquidação); e,
d) Valor de uso.
140 - A tabela seguinte sumariza estas quatro bases de mensuração, em termos da utilização de valores de entrada e saída, se os valores são, ou não observáveis num mercado ativo, aberto e organizado, bem como se esses valores são específicos à entidade pública ou não:
Base de mensuração | Entrada ou Saída | Observável ou não | Específico à entidade pública ou não |
---|---|---|---|
Valor de mercado, em mercado ativo, aberto e organizado | Entrada e saída são iguais | Sim | Não |
Valor de mercado, sem existir mercado ativo, aberto e organizado. | Saída | Depende de técnicas de valorização | Não |
Custo de reposição | Entrada | Sim | Sim |
Valor realizável (ou de liquidação) | Saída | Sim | Sim |
Valor de uso | Saída | Não | Sim |
141 - O valor de mercado é a quantia pela qual um ativo pode ser trocado entre duas partes conhecedoras e dispostas a negociar, numa transação entre partes independentes.
142 - Na data de aquisição, o valor de mercado e o custo histórico são equivalentes, desde que se ignorem os custos de transação.
143 - O valor de mercado é particularmente apropriado quando o ativo é detido para ser vendido e quando a diferença entre o valor de entrada e o valor de saída não é significativa.
144 - Para que a informação proporcionada pelo mercado constitua uma base sólida de mensuração, o mercado deve ser ativo, aberto e organizado, e terá necessariamente que possuir as seguintes características:
a) Não existirem barreiras que impeçam de transacionar as entidades que assim o desejem;
b) Existir atividade suficiente, em termos de volume de transações, que permita obter informação fiável sobre preços de mercado; e,
c) Existir um número considerável de compradores e vendedores interessados em transacionar e informados sobre as condições do mercado, o que permite que as transações ocorram a um preço razoável.
145 - A não existência das características referidas no parágrafo anterior coloca sérias objeções à adoção desta base de mensuração, implicando que o valor de mercado seja apurado recorrendo a técnicas de valorização.
146 - Se os ativos usados para prestar serviços forem mensurados ao valor de mercado, a imputação dos custos dos ativos para refletir o seu consumo no período de relato corrente é baseado no seu valor corrente de mercado.
147 - A informação sobre o valor de mercado dos ativos detidos para prestar serviços nos períodos futuros é útil porque reflete o valor que a entidade é capaz de obter desses ativos usando-os na prestação desses serviços.
148 - Uma avaliação da capacidade financeira exige informação sobre a quantia que seria recebida pela venda de um ativo. Esta informação é fornecida pelo valor de mercado.
149 - O custo de reposição é o custo económico exigido para a entidade substituir o potencial de serviço de um ativo (incluindo a quantia que receberia pelo respetivo valor residual, no final da vida útil desse ativo), com referência à data do relato financeiro.
150 - O custo de reposição difere do valor de mercado porque:
a) No contexto do setor público é explicitamente um valor de entrada que reflete o custo de substituição do potencial de serviço de um ativo;
b) Inclui todos os custos incluindo os custos de transação que serão necessariamente suportados na substituição de potencial de serviço de um ativo;
c) É específico da entidade e, por isso, reflete a posição económica da entidade. Por exemplo o custo de substituição de veículos para uma entidade que compra muitos veículos é diferente do custo de substituição de uma entidade que os compra numa base individual.
151 - O custo de reposição proporciona uma medida relevante do custo da prestação de serviços. O custo de consumir um ativo é equivalente à quantia de potencial de serviço incorrido naquele uso. Esta mensuração proporciona uma base válida de comparação entre o custo do serviço e a quantia de impostos e outras taxas recebidas no período.
152 - Em princípio, o custo de reposição proporciona uma mensuração útil dos recursos disponíveis para proporcionar serviços em períodos futuros, uma vez que se foca no valor corrente dos ativos e no seu potencial de serviço para a entidade.
153 - O custo de reposição não proporciona informação sobre as quantias que seriam recebidas na venda dos ativos. Por isso, não facilita a avaliação da capacidade financeira.
154 - O valor realizável (ou de liquidação) de um ativo consiste no valor que a entidade pública obteria pela venda do mesmo à data do relato financeiro, após dedução dos custos inerentes a essa venda.
155 - O valor realizável difere do valor de mercado, uma vez que a sua determinação não exige a existência de um mercado aberto, ativo e organizado. Refere-se ao preço de venda do ativo, num dado momento, considerando os condicionalismos inerentes a essa venda. Trata-se, portanto, de um valor específico à entidade.
156 - Não é apropriado calcular o custo dos serviços com base no valor realizável. Tal abordagem envolveria o uso de um valor de saída como base de relato do gasto.
157 - Mensurar os ativos detidos na prestação de serviços pelo valor realizável não proporciona informação útil na avaliação da capacidade operacional. O valor realizável mostra a quantia que pode ser obtida pela venda do ativo e não o potencial de serviço que pode ser obtido a partir desse ativo.
158 - A avaliação da capacidade financeira requer informação sobre a quantia que seria recebida pela venda de um ativo. Esta informação é proporcionada pelo valor realizável. Contudo, esta mensuração não é relevante para ativos que são mais valiosos a prestar serviço.
159 - O valor de uso é o valor presente, calculado com referência à data do relato financeiro, do potencial de serviço ou de benefícios económicos futuros do ativo, para a entidade pública, na medida em que o ativo continue a ser utilizado pela mesma, acrescido do valor que a entidade pública espera obter do seu desreconhecimento no final da sua vida útil.
160 - O valor de uso é um valor de saída, específico à entidade pública, uma vez que reflete o valor que a entidade pública pode recuperar desse ativo, caso continue a utilizá-lo e o desreconheça apenas no final da sua vida útil.
161 - Em muitas ocasiões, o valor de uso é superior ao custo de reposição e ao custo histórico. Nestes casos, a utilização do valor de uso é de utilidade limitada, uma vez que, por definição, o potencial de serviço ou de benefícios económicos desse ativo pode ser assegurado a um valor mais baixo.
162 - O valor em uso também não constitui uma base de mensuração apropriada quando o valor realizável de um ativo é superior ao seu valor de uso, uma vez que, para esses casos, a forma economicamente mais eficiente de utilizar o ativo em causa consiste em vendê-lo.
163 - Assim, o valor de uso é apropriado como base de mensuração apenas quando for inferior ao custo de reposição e superior ao valor realizável. Tal ocorre quando um ativo não precisa de ser substituído, mas o valor dos seus benefícios económicos ou potencial de serviço é superior ao valor de venda. Nessas circunstâncias, o valor de uso representa o valor desse ativo para a entidade pública.
164 - Na prática, o valor de uso é uma base de mensuração apropriada apenas para situações de análises de imparidade de ativos, na medida em que é utilizado na determinação da quantia recuperável dos mesmos.
165 - O cálculo do valor de uso pode ser tecnicamente complexo. Para ativos geradores de caixa e equivalentes de caixa, a determinação do valor de uso implica o recurso a técnicas assentes na estimativa do valor proveniente de fluxos de caixa futuros.
166 - No setor público é comum a existência de ativos que não se destinam, prioritariamente, à geração de caixa e equivalentes de caixa. A inexistência de fluxos de caixa futuros inviabiliza o cálculo do valor de uso, pelo que a seleção do custo de reposição como base de mensuração é, nestes casos, a opção mais apropriada.
167 - Devido à sua complexidade, à sua aplicabilidade limitada e ao facto da sua operacionalização no contexto dos ativos não geradores de caixa envolver o custo de reposição como alternativa, o valor de uso não é geralmente apropriado para determinar os custos dos serviços. Também a sua utilidade para avaliar a capacidade operacional está limitada ao caso em que a entidade tem um número grande de ativos que não vale a pena substituir, e o seu valor de uso é superior ao valor realizável líquido. A sua aplicação limitada reduz também a sua relevância para avaliar a capacidade financeira.
168 - A mensuração de passivos decorre em princípios similares à dos ativos, exigindo, no entanto, uma adaptação da terminologia. As bases de mensuração para ativos, a correspondente terminologia para passivos e a determinação da utilização de valores de entrada ou saída são definidas na Tabela seguinte:
Base de mensuração | Entrada ou Saída | Observável ou não | Específico à entidade ou não |
---|---|---|---|
Custo histórico | Entrada | Sim, geralmente | Sim |
Custo de cumprimento | Saída | Não | Sim |
Valor de mercado, em mercado ativo, aberto e organizado | Entrada e saída | Sim | Não |
Valor de mercado, sem existir mercado ativo, aberto e organizado. | Saída | Depende de técnicas de valorização | Depende de técnicas de valorização |
Custo de libertação | Saída | Sim | Sim |
Preço de assunção | Entrada | Sim | Sim |
169 - Ao utilizar o custo histórico como base de mensuração, os passivos são reconhecidos pela quantia da transação que origina a assunção da obrigação.
170 - Quando o valor temporal de um passivo é relevante (horizonte temporal da liquidação extenso), o valor poderá ter que ser objeto de desconto financeiro para refletir o valor temporal do dinheiro.
171 - As vantagens e desvantagens da utilização do custo histórico na mensuração de passivos são similares às dos ativos. No entanto, o custo histórico não é apropriado para mensurar uma obrigação que não foi originada numa transação (por exemplo, uma responsabilidade futura de pagamentos por danos), sendo também de difícil aplicação a passivos que variam ao longo do tempo (por exemplo, responsabilidades com pensões futuras de empregados).
172 - O custo de cumprimento refere-se ao valor corrente necessário para cumprir as obrigações associadas a determinado passivo. Quando a obrigação é financeira, o cumprimento será feito através dos pagamentos exigidos;
quando a obrigação consiste na entrega de bens e serviços, o cumprimento consiste na entrega desses bens e serviços.
173 - O custo do cumprimento inclui todos os custos que a entidade irá suportar no cumprimento das obrigações representadas pela responsabilidade, assumindo que o faz da forma menos onerosa. Esses custos incluem não apenas pagamentos à contraparte, mas também outros custos que possam surgir de cumprir a obrigação.
174 - Caso o cumprimento não aconteça por um longo período, os custos precisam de ser descontados para refletir o valor do passivo na data do relato.
175 - Sempre que o custo de cumprimento depender de acontecimentos futuros incertos, todos os resultados possíveis deverão ser refletidos no custo estimado de cumprimento de uma maneira imparcial. Se o cumprimento exigir um trabalho a ser feito, por exemplo, quando existir a responsabilidade de corrigir os danos ambientais, os custos relevantes são os que a entidade irá suportar. Este pode ser o custo de fazer o trabalho em si, ou da contratação de um empreiteiro para fazer o trabalho em seu nome.
176 - O valor de mercado é a quantia pela qual um passivo será liquidado entre duas partes conhecedoras e dispostas a negociar, numa transação entre partes independentes.
177 - As vantagens e desvantagens do valor de mercado para os passivos são as mesmas dos ativos. Esta base de mensuração pode ser apropriada quando o passivo varia em função de taxas de juro, preço ou câmbio numa transação realizada num mercado aberto, ativo e organizado.
Contudo, a utilização do valor de mercado como base de mensuração de passivos é altamente restrita, uma vez que, em muitos casos, a capacidade de venda de um passivo no mercado, é diminuta, quando não inexistente.
178 - O custo de libertação refere-se à quantia a despender que permitiria a extinção imediata da obrigação.
179 - O custo de libertação consiste no mais baixo de entre a quantia que o credor aceitaria, para liquidação imediata, e a quantia que um terceiro aceitaria, para assumir esse passivo.
180 - Para considerar a aplicabilidade do custo de libertação, é necessário, em primeiro lugar, considerar se existem opções realísticas da entidade ou do Estado em ceder o passivo. Em segundo lugar, é necessário considerar se é eficiente, do ponto de vista económico, extinguir de forma imediata a obrigação. Apenas cumpridas estas premissas, o custo de libertação assume alguma relevância como base de mensuração de passivos.
181 - O preço de assunção é referido no contexto dos passivos como o equivalente ao custo de reposição nos ativos.
182 - O preço de assunção refere-se à quantia que a entidade pública estaria disposta a aceitar em troca da assunção de um determinado passivo, já existente como obrigação de um terceiro.